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Representações das novas configurações de relacionamentos amorosos na teledramaturgia nacional

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

REPRESENTAÇÕES DE NOVAS CONFIGURAÇÕES DE RELACIONAMENTOS AMOROSOS NA TELEDRAMATURGIA NACIONAL

Carlos Daniel da Luz Barbosa

Rio de Janeiro/ RJ 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO

REPRESENTAÇÕES DE NOVAS CONFIGURAÇÕES DE RELACIONAMENTOS AMOROSOS NA TELEDRAMATURGIA NACIONAL

Carlos Daniel da Luz Barbosa

Monografia de graduação apresentada à Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Comunicação Social, Habilitação em Radialismo.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Gibaldi Vaz

Rio de Janeiro/ RJ 2016

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BARBOSA, Carlos D. L..

Representações das Novas configurações de relacionamentos amorosos na teledramaturgia nacional / Carlos Daniel da Luz Barbosa – Rio de Janeiro; UFRJ/ECO, 2016.

96 f.

Monografia (graduação em Comunicação) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, 2016.

Orientação: Paulo Roberto Gibaldi Vaz

Relacionamentos amorosos. 2. Sexo. 3. Telenovela. I. VAZ, Paulo (orientador) II. ECO/UFRJ III. Radialismo IV. Representações de novas configurações de relacionamentos amorosos na teledramaturgia nacional

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTO

Aos meus pais, Maria das Graças Barbosa e Carlos Barbosa, por me motivarem a estudar mesmo diante das adversidades.

Ao meu orientador, Pr. Dr..Paulo Vaz, pelos esclarecedores e ricos momentos de orientação, e pela imensa contribuição para a minha formação e para o meu conhecimento.

À Prª Drª Teresa Bastos que acompanhou, pacientemente, o desenvolvimento técnico desse trabalho, e deu importantes conselhos que contribuíram para o meu amadurecimento acadêmico.

À minha irmã, Amanda Barbosa, por me fazer acreditar em mim, mesmo quando necessário um berro.

Aos meus amigos que muitas vezes dedicaram tempo para ler a minha produção e incitavam o debate sobre o tema, me apontando caminhos e ascendendo ideias.

Aos meus estagiários e amigos, Sheila Doro e Cláudio Madeiro que me provaram que de toda relação adquirimos algum tipo de aprendizagem.

Ao meu amigo, e companheiro, Bruno Ramos, por ouvir minhas angústias e ser meu principal suporte emocional e incentivador.

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Não há civilização sem loucura [...]

Ela acompanha a humanidade

por todo lugar que haja imposição de limites. - Michel Foucault

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BARBOSA, Carlos D. L. Representações de novas configurações de relacionamentos amorosos na teledramaturgia nacional. Orientador: Paulo Roberto Gibaldi Vaz. Rio de Janeiro, 2016. Monografia (Graduação em Radialismo) – Escola de Comunicação, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 96f.

RESUMO

Este estudo versa sobre as novas configurações dos relacionamentos amorosos no cenário contemporâneo, e como estas tendências se tornaram possíveis historicamente, considerando a participação da televisão, por meio das telenovelas, no processo que possibilitou tais mudanças. O trabalho se embasa em algumas abordagens teóricas sobre o amor e o sexo e tem por objetivo, estudar o lugar da teledramaturgia brasileira diante da contestação de alguns paradigmas estabelecidos pelo amor romântico. Além disso, analisamos a forma de representação desses novos modelos na teledramaturgia brasileira, o reflexo em outros meios de comunicação de massa e os efeitos sobre a audiência, sempre considerando os limites sociais, legais e institucionais impostos à televisão e às representações sociais que influem sobre o conceito de moralidade.

Palavras –chave: Relacionamentos amorosos; sexo; telenovelas

ABSTRACT

This study talks about the new forms of romantic relationship in the contemporary scene, and how particular trends have become historically possible, considering the TV participation, by means of soap operas, on the process that made these changes possible. The work bases itself in theoretical approaches about love and sex and it aims to study the position of Brazilian soap operas about some paradigms settled by romanticist ideas. Moreover we analyze the way that these new relationship forms is represented, how it reflects in others mass media and the audience effects, having always in mind the social, institutional and legal limits that TV had to deal with and the points that exert influence on the morality concept.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO... 11

1. 2. SEXO E RELACIONAMENTO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA... 15

2.1 A História do sexo... 15

2.2 Sexo e Relacionamento... 22

2.3 Formação da Cultura Sexual Brasileira... 26

2.4 Modernidade e Relacionamento... 33

3. ATELEDRAMATURGIA BRASILEIRA... 41

3.1 A TV e as telenovelas... 41

3.2 TV e Cultura: a influência da telenovela na Formação cultural... 50

4. AS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE NOVAS CONFIGURAÇÕES DE RELACIONAMENTOS AMOROSOS NA TELEDRAMATURGIA NACIONAL ... 59

4.1 Telenovela e representação... 59

4.2 Os novos romances na telenovela brasileira... 67

4.3 Novas estruturas de relacionamentos amorosos na teledramaturgia brasileira: um cenário de disputa... 79

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 91

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1. INTRODUÇÃO

O tema relacionamento envolve uma teia variada de outros assuntos determinantes na sua existência e na sua forma, mas ganham ênfase principalmente as discussões elaboradas em torno do amor e do sexo. O “amor”, enquanto sentimento afetivo de casais, é o ponto chave no que tange desde às possibilidades e efetivação, até à manutenção e às dissoluções de formas de relações amorosas. Por outro lado, essa pauta também nos leva, involuntariamente, a pensar sobre o sexo, que por sua vez, é visto como parte inerente e indispensável dos relacionamentos amorosos, e cujas questões a ele relacionadas sempre estiveram presentes nas histórias dos casais.

Historicamente, a literatura romântica teve importante influência nas estruturas dos relacionamentos amorosos, contribuindo para mudanças e quebras de paradigmas, mas não deixou, também, de reforçar um padrão que já existia e que se baseava num modelo criado e disseminado pela ideologia cristã. A relação monogâmica e heterossexual estabeleceu-se como modelo de normalidade, fazendo de toda forma distinta, uma transgressão moral e uma atitude pecaminosa.

No entanto, até mesmo essa configuração cristalizada durante muito tempo sobre valores, crenças e ideologias que o cristianismo introduziu – talvez desde o criacionismo bíblico pautado na história do casal monogâmico e heterossexual Adão e Eva – se manifesta com peculiaridades e especificidades ligadas à uma lógica cultural que, entre outras coisas, corresponde às perspectivas sócio-históricas e geográficas, bem como às transformações resultantes do processo de sociabilidade.

Baseado nesta ideia, o amor já ocupou diversos lugares no imaginário social, alocando-se em posições diferentes no que tange os idealismos e sonhos de homens e de mulheres, geralmente caracterizados pelas posições atribuídas aos gêneros através da lógica sexual que, subordinada ao discurso da moralidade, estabelece uma relação de poder nas relações amorosas, na qual tem sido o homem dotado de superioridade, enquanto à mulher fora imposto o lugar da submissão.

Se outrora, os relacionamentos foram fomentados por meio dos interesses políticos e econômicos de famílias, privilegiando o homem como loco de decisão na relação, e ocasionando a consequente supressão dos sentimentos pela obrigação de casar-se com quem não se desejava – obviamente com piores consequências para o gênero feminino que, no enclausuramento da vida privada e pelo “chicote” da moralidade aos quais estava sujeito, não podia, como os homens, buscar seus amores fora do casamento – mais tarde, empurrados por

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uma enorme transformação social e econômica, o amor veio a ganhar sua independência e, uma vez liberto dos contratos por interesse, dera lugar ao amor por escolha. Neste modelo a busca do parceiro segue os ideais que o amor romântico difundira, deixando de ser apenas um sonho distante e tornando-se a base das relações.

Naturalmente que essas mudanças de valores, intensificadas por novos hábitos e costumes em um cenário de economia globalizada, consequentemente resultaram pouco a pouco em mudanças na forma de se relacionar. Novos significados passaram a ser atribuídos às experiências sexuais, influindo principalmente no conceito de moralidade relacionado às suas práticas. Aos poucos, o sexo, que era uma etapa culturalmente alocada após o casamento, passou a ocorrer mais e mais vezes antecedendo a cerimônia, até que informalmente se tornou quase que necessário sua consumação ainda na fase do namoro para o casamento de fato acontecer. Atualmente o sexo é uma prática muito comum inclusive fora de relacionamentos amorosos, esquivando-se totalmente das regras do romantismo.

As novas experiências sexuais, não mais presas aos ideais do amor romântico, passou a questioná-lo ao possibilitar novas formas de sociabilidade relacional para correspondência de afetos e desejos, não mais estando estes associados um ao outro como via de regra, seja no âmbito legal ou religioso.

O sexo para atender aos desejos sexuais e o sexo por aventura, por exemplo, se tornou cada vez mais comum. Os afetos também se transformaram, transgredindo normas do amor romântico e estabelecendo-se na forma de amor livre. Embora o padrão de relacionamento heterossexual e monogâmico seja ainda predominante, passamos a presenciar com cada vez mais frequência configurações distintas, como aquelas que não limitam as experiências com parceiros ou parceiras e aquelas cuja composição inclui mais do que duas pessoas.

O que nos chama a atenção, no entanto, se concentra na observação das peculiaridades e especificidades culturais que influíram e influem nessas transformações. Da mesma forma que a literatura romântica fora, outrora, determinante na superação de um modelo e estabelecimento de outro, a comunicação de massa pode atualmente ter papel fundamental na construção de novos valores e numa consequente mudança de padrões e nova quebra de paradigma.

Assim, observado que esses modelos já vêm sendo apresentados em narrativas audiovisuais da TV brasileira, realizamos este estudo analisando a representação dessas configurações no contexto da teledramaturgia nacional, atentando-se à forma de abordagens, ao posicionamento da audiência e aos discursos dos meios acerca dos casos observados,

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usando-se, para tal, da metodologia das representações sociais e focados em telenovelas nacionais, que constituíram-se historicamente como o produto audiovisual de maior imersão popular no Brasil, e assim se mantêm até os dias correntes.

Neste sentido, o estudo inicia com uma discussão teórica acerca das transformações sócio-históricas decorridas nas estruturas dos relacionamentos amorosos até os dias de hoje, apontando inicialmente a importância da apreciação cultural para observar as questões relacionadas ao assunto. Tal assertiva é fundamentada a partir dos estudos de Michel Foucault sobre a história da sexualidade, no qual o autor aponta a importância das estratégias do uso dos discursos sobre sexo para a construção de uma moralidade, e nos estudos de Antonny Giddens sobre a transformação da intimidade e suas consequências nas formas relacionais, na medida em que as relações de gêneros, acompanhando transformações ocorridas no seio da sociedade, de modo geral, passaram a ter seus lugares questionados.

O primeiro capítulo também elenca elementos da historicidade brasileira acerca do assunto, observando como determinadas características do nosso país nos conduziu até o cenário contemporâneo do amor e do sexo, através de nossa herança histórica e de sociabilidade; e por fim, pontua a transposição do pensamento do modo de vida no sistema capitalista – tendo como parâmetro o ethos das relações de consumo – para o universo das relações humanas, em especial das relações amorosas, ocasionando assim em uma fragilidade dos vínculos afetivos, a qual Bauman nomeou de “Amor Líquido”, e que compõe em geral a racionalidade dos relacionamentos nos dias de hoje.

Desenvolvido este tópico, o estudo, reconhecendo a implicância dos meios de comunicação de massa na formação e manutenção de comportamentos, crenças e costumes, desenvolve em seu segundo capítulo uma análise histórica da televisão, considerando-a em suas dimensões de aparelho tecnológico e de produtora e difusora de conteúdo, observando tanto sua chegada e popularização em território nacional, ao tempo que se testemunhava seus avanços tecnológicos, quanto o produto televisionado oferecido para o consumo dos telespectadores que possuíam a tecnologia, e a consequente resposta desta audiência frente ao conteúdo exibido.

Vale dizer que o estudo aborda a evolução da TV atento às dimensões técnica e criativa, mas também considerando-a em seu aspecto empresarial, tendo em vista seus interesses econômicos, suas perspectivas político-ideológicas e seus limites legais, o que somado em seu todo compreende sua relação com seu público, as direções que optou por

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seguir em âmbito político e estético, seu papel nas transformações sociais e os lugares aos quais chegou.

Transcorrido este debate sobre novas configurações de relacionamentos amorosos e sobre a entrada, desenvolvimento e evolução da TV enquanto instrumento técnico de influência em práticas culturais, construção de mentalidades e alteração ou solidificação de valores, o trabalho segue na perspectiva de analisar a existência desses modelos, até então questionadores de um padrão, dentro dos conteúdos do instrumento televisivo que, pela profundidade que alcança na imersão popular, se torna extremamente provocador e incitador dos debates.

Uma vez, percebida tal ligação, o estudo se completa com a análise das representações sociais destes modelos dentro de um recorte de obras que qualifica a variedade do tema, sua conceituação e o posicionamento dos discursos que o abordam, mas considera sobretudo os embates marcados pelas decisões proferidas pelas emissoras em cada caso e sua repercussão, mediante a lógica da receptividade no âmbito da audiência.

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2. SEXO E RELACIONAMENTO: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA

2.1. A HISTÓRIA DO SEXO

O sexo é uma atividade vinculada à reprodução de indivíduos biológicos e, portanto, possui distintas formas de organização animal e social. Embora sua conceituação esteja estreitamente ligada à biologia, sua efetivação, no caso dos seres humanos, não é determinada apenas pela reprodução, podendo ocorrer por meio de relação, entre duas ou mais pessoas, o que justifica seu aspecto social e ressalta a importância da cultura para melhor entendimento do fenômeno, bem como do que é tido como imoralidade.

Segundo Thimothy Taylor (1997) a apreciação cultural é o que ganha mais peso para análise e entendimento das considerações sobre o que foge à regra da moralidade sexual. A prova mais cabível de seu aspecto cultural é que essas regras, muitas vezes, são distintas mediante questões demográficas e/ou temporais. Para o autor, “o problema da moralidade sexual continua, em muitos aspectos, sem solução. A arte erótica que na Grã-Bretanha é considerada como tendo o poder de “depravar e corromper” pode ser encontrada sem restrições na Europa Ocidental” (TAYLOR, 1997, p. 252).

É fato que a sexualidade possui variáveis que são possíveis de se encontrar em todo o mundo, praticamente em toda comunidade humana, aponta o mesmo autor. “A pedofilia, o incesto (seja lá qual for sua definição), a necrofilia e – quiçá a uma menor extensão – a bestialidade atraem desaprovação social e moral em comunidades amplamente separadas no mundo todo. Para o autor, isso pode fazer parte de uma herança comum da espécie”. (TAYLOR, 1997, p. 252-253). Não obstante a essas questões, ele acrescenta que, ainda assim, a especificidade cultural é mais aplicável

Atitudes com relação a alguns outros tipos de comportamento, como homossexualidade masculina, lesbianismo, masturbação, sexo grupal, sexo oral, sexo durante a menstruação, sexo anal heterossexual, performances sexuais, nudez, travestismo e assim por diante, são tão diferentes no mundo inteiro que não há de fato uma norma. (TAYLOR, 1997, p. 253)

Em sua abordagem histórica, Taylor (1997) ressalta a dificuldade de revisitar aspectos da sexualidade na pré-história, os quais a maioria do conteúdo tornava-se possível acessar através da arte, que em si é dotada essencialmente de uma incompletude quanto à representação do que os povos de fato pensavam. No entanto, a não uniformidade da sociedade pré-histórica é tida, por Taylor, como algo claramente estabelecido. Ele ainda aponta que, com o surgimento da língua, há cerca de 1,6 milhão de anos, as primeiras declarações de amor foram suscitadas. Em sequência, o desenvolvimento das vestimentas,

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ancoradas desde o princípio sobre a dualidade de gêneros (masculino e feminino) criou uma nova consciência do sexo e alterou consequentemente a experiência sexual, tornando-a mais tátil e prolongada. Além disso, “há fortes indícios de que a sociedade pré-histórica tenha utilizado métodos naturais de controle de natalidade” (TAYLOR, 1997, p. 7).

A partir desta postulação, o autor afirma que a espécie humana tem, durante esses quatro milhões de anos e de maneira consciente, distinguido claramente sexo e reprodução.

A cultura ofereceu à seleção sexual um novo e poderoso escopo. A opção de acasalamento não era mais uma questão de avaliar os méritos relativos de personalidade e aparência básicas hereditárias de um possível parceiro. Novas habilidades aprendidas – canto, caça, dança e pintura – passaram a ter importância ainda maior na atração sexual. O cérebro humano [que começou a crescer quando da evolução para o bipedismo] continuou crescendo, de 1,6 milhão de anos até cerca de 150.000 anos atrás, quando apareceram os humanos “anatomicamente modernos”. (TAYLOR, 1997, p. 7)

A referência que fazemos à sexualidade pré-histórica não é para indicar qualquer relação com as formas que ela possui nos dias atuais, serve apenas para pontuar que até mesmo no início das sociedades a sexualidade já possuía nuances de uma realidade cultural específica. Neste sentido, as transformações que prosseguiram esta época, com o crescimento da população e o povoamento de novas terras, provocaram mudanças nas formas de organização social e cultural, gerando assim uma maior diversidade em termos de sexualidade.

Tomando como ponto de partida 5.000 anos atrás, é possível documentar uma grande diversidade na sexualidade humana na Eurásia: bestialidade, homossexualidade, prostituição (...), travestismo (masculino e feminino), transsexualidade, tratamentos hormonais, sadomasoquismo, um interesse vigoroso na contracepção, ideias sobre a reprodução de uma raça “pura”, sexo como um passatempo acrobático e competitivo e sexo como uma disciplina espiritual transcedental. Essa variação foi encoberta quando os valores cristãos foram abordados publicamente, depois que o ideal cavalheiresco de amor romântico e de preferência não consumado deu origem a uma visão de sexo físico como essencialmente pecaminoso e proibido, da qual o legado perdura. (TAYLOR, 1997, p. 17)

A questão da sexualidade prova-se, então, resultado direto de uma influência sociocultural em diversos aspectos, um deles em especial é o discurso sobre o sexo em si, principalmente no que tange a sua procedência e forma, e às consequências que advém da sua manifestação.

Michel Foucault (2013), em seus estudos sobre a sexualidade, recusou a “hipótese repressiva” do sexo, que subjuga-o a uma prática alterada em os seus parâmetros valorativos quando da ascensão de uma ordem burguesa. Para o autor (2013), no que tange ao sexo,

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dizia-se que, até o início do século XVII, as práticas ainda eram sinceras em certa medida, não dizia-se preocupavam em ser secretas, e para muita coisa que depois veio a se tornar “ilícito” existia certa tolerância.

A hipótese repressiva, negada por ele, sugere que, após esse período, e de forma muito rápida, novos valores, impostos por uma ordem burguesa, fizeram com que aquelas normas sociais sucumbissem, e uma nova moralidade surgisse com o desenvolvimento do capitalismo. O resultado, segundo essa vertente, foi o encerramento cuidadoso da sexualidade e uma mudança para o interior da casa sob o confisco da família conjugal, que passara a agregar-lhe uma função reprodutora.

Foucault se opõe a esse pensamento, não por uma simples contestação da hipótese, mas por perceber um movimento diferente, e completamente oposto, ao se atentar a uma economia geral dos discursos sobre o sexo na sociedade moderna. Segundo ele, seu estudo tinha como principal determinação entender o funcionamento do regime poder-saber-prazer que sustenta o discurso sobre a sexualidade humana, vislumbrando ainda apreender qual é a forma de controle exercida pelo poder sobre o prazer cotidiano.

Sua pretensão não era se opor à ideia de proibição do sexo, mas para Foucault devia-se levar em consideração o fato de se falar de sexo. Isto, mais do que mentiras ou verdades sobre o assunto, evidenciou uma “vontade de saber”.

Em resumo, para Foucault (2013) os discursos sobre o sexo não foram restringidos, mas, ao contrário, incitados. Tendo em vista este fator, somado a esta tal vontade de saber, obteve-se como resultado uma ciência da sexualidade.

O autor diz, ainda, que, no que tange ao sexo, houve nos três últimos séculos uma grande proliferação discursiva. Naturalmente regras de decência passaram a vigorar e a palavra passou a ser filtrada, definindo-se quando e onde certas coisas sobre o sexo poderiam ser ditas.

O cerceamento das regras de decência provocou provavelmente, como contraefeito, uma valorização e uma intensificação do discurso indecente. Mas o essencial é a multiplicação dos discursos sobre o sexo no próprio campo do exercício do poder: incitação institucional a falar do sexo e a falar dele cada vez mais. (FOUCAULT, 2013, p. 20)

Com a confissão, a Igreja Católica se volta para a tentativa de conter qualquer comentário sobre os detalhes característicos do ato sexual, recomendando fortemente a discrição. Já na contrarreforma se configurou um policiamento da língua, as confissões da carne não cessaram de crescer, principalmente, devido à ênfase que a penitência ganhou sobre esses tipos de insinuações.

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Em resumo, o sexo não deveria ser mencionado de forma imprudente, mas, por outro lado, tudo entre a dinâmica do corpo e a paz espiritual deveria ser explanado. “Sob o corpo de uma linguagem que se tem o cuidado de depurar de modo a não mencioná-lo diretamente, o sexo é açambarcado e como que encurralado por um discurso que pretende não lhe permitir obscuridade nem sossego” (FOUCAULT, 2013, p.22)

As formas assumidas sob orientação dos ensinamentos da igreja já enunciavam de certo modo a formação de uma sexualidade moderna. O objetivo naquele momento, ao colocar o sexo em discurso, já era a produção de efeitos de desinteresse e dominação, o que também estava presente na literatura, em especial, na chamada “literatura escandalosa”. O discurso sobre o sexo, portanto, se tornou essencial para mecanismos de poder e, por isso, passou a ser incentivado.

Foucault (2013) aponta a incitação política, econômica e técnica a falar do sexo que nascia por volta do século XVIII, um discurso para além da moralidade, baseado na racionalidade. Imperava então a máxima de que o sexo não é algo que se julga, mas administra-se. O sexo devia ser regulado pelos seus discursos úteis e não pelas proibições. O estabelecimento do poder estava estreitamente ligado à produção dos discursos. Exatamente por isso que, entre o século XVIII e XIX, apareceram outras formas de produzir os discursos sobre o sexo.

Desde o século XVIII o sexo não cessou de provocar uma espécie de erotismo discursivo generalizado. E tais discursos sobre o sexo não se multiplicaram fora do poder ou contra ele, porém lá onde ele se exercia e como meio para o seu exercício; criaram-se em todo canto incitações a falar... Desenfurnaram-no e obrigam-no a uma existência discursiva. (FOUCAULT, 2013, p.36)

Na perspectiva teórica houve, obviamente, objeções a essa postulação de incitação, que foram antecipadamente previstas por Foucault. Baseava-se no seguinte questionamento: se esta incitação, de fato, existiu e impôs tantas restrições, não seria isto uma prova da tentativa de fazer e manter o sexo secreto?

Para Foucault (2013), isto seria somente mais uma forma de suscitar o discurso. Não que fosse o ponto central das incitações, mas indicava uma forma de se falar de sexo, valorizando-o como segredo.

Cabe ainda ressaltar que a explosão discursiva veio a delimitar também as nuances das perversões, que, por sua vez, tornou-se, em larga escala, alvo das condenações. Houve uma caracterização do que passou a ser visto como desvios, a medicina impôs tratamentos, e formas de controle foram estabelecidas. Em geral, toda essa mecânica se organizou em torno

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de um novo conceito que, a partir de então, passara a se tornar corrente: o conceito de abominação. Hoje, no entanto, a apreciação em torno do assunto é diferente, para Paulo Vaz (2014, p. 34)

Segundo a moralidade hoje hegemônica, o que configura doença mental não é a sexualidade desviante e, sim, o preconceito. Enquanto na modernidade o preconceito contra homossexuais fazia da diferença de comportamento uma doença mental a ser tratada, desde a década de 1980, no transtorno de identidade de gênero [, por exemplo], é o preconceito que faz o indivíduo adoecer. Ou ainda, agora o indivíduo deve se libertar do preconceito, e não se ajustar a ele.

Dentre as práticas que se diziam ser abominações estavam desde o adultério e a sodomia até o estupro e o incesto.

O resultado daquele cenário, nas colocações de Foucault, apontou para dois sistemas: a lei da aliança e a ordem dos desejos. O primeiro delimitou o legalismo e o segundo as transgressões.

No chamado sistema da aliança, o resultado da explosão discursiva operou principalmente sobre a cristalização da formula da monogamia heterossexual, o que, segundo Foucault (2013), tem sido cada vez menos comentado e, em geral, com menos sobriedade que antes. No entanto, naquele momento, como manifestação da ordem dos desejos, “casar com um parente próximo ou praticar a sodomia, seduzir uma religiosa ou praticar o sadismo, enganar a mulher ou violar cadáveres [tornaram-se] coisas essencialmente diferentes” (FOUCAULT, 2013, p.41)

Anthony Giddens embora reconheça o que chama de questões-chaves trabalhadas por Foucault de forma precursora, se opôs a ele em alguns pontos específicos, questionando o caminho que o autor fizera em seus estudos, que segundo Giddens (1993), partiam de um “fascínio” vitoriano da sexualidade. Ele criticou também a ênfase dada por Foucault nas relações entre poder, discurso e corpo, abordando-os como motivadores das sexualidades, sem considerar em nenhum grau o “amor romântico”.

Não nos cabe discutir aqui os pontos de divergência entre os dois teóricos. Ao contrário, convém assinalar que, de suas discussões, tornou-se possível apropriar-se de um conhecimento esclarecedor que permite entender que as mudanças ocorridas no seio das sociedades acarretaram mudanças também no universo das sexualidades, em alguns casos ideologicamente desenhados, já em outros, como resultado de uma modelagem social instantânea, que influenciaram na formação cultural, na instauração de uma moralidade e nos modos de pensar sobre esses valores.

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Giddens (1993) postula que para entender essas transformações é necessário transgredir a ênfase no discurso e analisar alguns outros fatores localizados na história e que também foram de grande importância.

Enquanto Foucault (2013) analisa as transformações da sexualidade, nos últimos séculos, voltando-se a uma hipótese mais ampla de incitação dos discursos e de sustentação do prazer cotidiano na dinâmica do poder, Giddens (1993) dedica sua atenção às últimas décadas, observando como a sexualidade se manifesta, através desta dinâmica de poder, em relações mais específicas que perpassam, por exemplo, questões de gênero e identidade sexual, levando ainda em conta as motivações do “amor romântico”. Relata o autor que, historicamente,

Em sua maioria, as mulheres têm sido divididas em “virtuosas” e “perdidas”(...) Há muito tempo a virtude tem sido definida em termos de recusa de uma mulher em sucumbir à tentação sexual” (...) Já os homens, no entanto, têm sido tradicionalmente considerados – e não só por si próprios – como tendo necessidade de variedade sexual para sua saúde física. Em geral, tem sido aceitável o envolvimento dos homens em encontros sexuais múltiplos antes do casamento, e o padrão duplo após o casamento era um fenômeno muito real (GIDDENS, 1993, p.16)

Giddens (1993) acrescenta ainda que ocorreu nas últimas décadas uma revolução sexual condicionada a emergência de uma sexualidade descentralizada – não mais atrelada à ideia de reprodução – o que ele chamou de “sexualidade plástica”, e que em sua visão, foi o ponto de partida para se alcançar o estágio do “relacionamento puro” – conceito que, em resumo, corresponde ao tempo em que a satisfação mútua está presente na relação.

A sexualidade plástica só se tornou possível a partir da reivindicação da mulher ao prazer sexual, que por sua vez foi auxiliada por dois fenômenos sociais específicos: a tendência, iniciada no século XVIII, de limitação no tamanho da família e a evolução científica dos métodos contraceptivos.

A revolução sexual representou, para ambos os sexos, um avanço em termo de permissividade, e com isso propiciou o crescimento da autonomia sexual feminina e o florescimento da homossexualidade nos dois gêneros. Conforme aponta Giddens (1993), esses aspectos estão intimamente ligados ao livre arbítrio sexual que, na década de 1960, foi proclamado por movimentos sociais.

Diz-se que atualmente alcançamos uma mudança social sobre os valores culturais da sexualidade, desenvolvidos e mantidos historicamente na dinâmica do poder. Esta mudança é em certa medida real, mas no que tange, por exemplo, os valores de gênero, a pesquisa de Lillian Rubin (apud Giddens, 1993), comprovou que parte dos homens, embora digam aceitar

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que as mulheres tenham se tornado mais disponíveis sexualmente, demonstram intrinsecamente em sua fala um obvio desconforto como, por exemplo, com relação aos lugares e atividades que acreditam ser correspondente a cada gênero.

Um ponto importante assinalado por Giddens (1993), que diz respeito ao crescimento da autonomia sexual feminina e à liberdade construída por elas na forma de atender desejos sexuais, é o indicativo de que número de relações extraconjugais que mulheres passaram a ter, de modo geral, possuíam um índice de ocorrência similar ao dos homens.

É preciso ressaltar, conforme assinalado por Foucault (2013), que a sexualidade emergiu em busca de soluções para o desejo sexual manifesto das mulheres, ao que considerava-se uma anormalidade. Em vista disso, torna-se facilmente compreensível que Giddens, em seus estudos, dirija especial importância aos gêneros e aos papeis desempenhados por eles nas transformações históricas da sexualidade.

Entre as mudanças que abarcaram a sexualidade, nas últimas décadas, em especial na sociedade ocidental, há de se considerar ainda, a “emergência” da homossexualidade. De acordo com Giddens (1993, p.23) “no último quarto do século [passado] a homossexualidade foi afetada por mudanças tão profundas quanto aquelas que influenciaram a conduta heterossexual”. Entra em pauta neste momento a terminologia gay aludindo à liberdade da sexualidade – característica essencial da sociedade moderna – como algo que se pode ou se descobre ser. De forma igualmente aberta, a masturbação marca seu lugar no rol dos novos padrões sexuais. Isto não significa que não existia anteriormente, mas neste contexto, embora ainda enfrente um tradicionalismo conservador cristão, se torna mais aceitável e evidencia-se uma prática muito comum, em especial para os homens, mas também para grande parte das mulheres. Desta forma, torna-se uma prova a mais do rompimento gradativo dos postulados tradicionais acerca da sexualidade feminina.

Observadas tais questões, fica óbvio para todos nós que muitas transformações estão ocorrendo nas ditas cidades ocidentais, e também em outras regiões do mundo, em termos de sexualidade e sexo. No entanto, tendo em vista, as diferenças socioeconômicas e culturais geograficamente localizadas, sabemos que algumas se direcionam a uma postura mais aberta, enquanto que outras a uma postura mais fechada.

Baseado no que se discutiu até aqui, é coerente afirmar que a sexualidade não se constitui apenas de estímulos biológicos, mas é, sobretudo, uma elaboração social ligada aos padrões formulados na sociedade com relação ao poder e às derivadas formas em que este se exerce. Formas estas que, por sua vez, estão ligadas direta ou indiretamente a uma realidade

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social específica, influindo, neste sentido, na construção social de valores e, portanto, em uma alocação cultural da sexualidade.

2.2. SEXO E RELACIONAMENTO

A opção de se iniciar a discussão deste trabalho na direção de uma abordagem histórica sobre o sexo e a sexualidade é totalmente consciente. Embora o trabalho esteja essencialmente voltado às formas de relacionamentos possíveis no cenário contemporâneo e suas relações com as teleficções nacionais, parece claro – pelo menos neste ponto em que uma discussão sobre a sexualidade já foi desenvolvida – que as alterações ocorridas nos formatos de relacionamentos, bem como o surgimento de formas, até então, não existentes ou incomuns estão, estreitamente ligadas a essa revolução sexual ocorrida nos últimos séculos, com acelerado processo de mudança nas últimas décadas.

É importante ressaltar que, embora venha apresentando consideráveis mudanças nos dias de hoje, o sexo, em sua história, esteve notadamente relacionado à perspectiva dos sentimentos e das emoções que perpassam as relações do amor romântico. Tanto que se convencionou a utilização do termo “fazer amor” para referir-se ao ato sexual do casal apaixonado, hábito este que ainda hoje perdura.

A grande questão, porém, se concentra no lugar que os sentimentos ocupam nesta dinâmica, já que, nas sociedades modernas, eles são tidos comumente como fenômenos de manifestação pessoal que se aplicam a todos os seres humanos, o que lhes atribui um caráter universal.

Há de se considerar, no entanto, que “nesse modo de pensar, as emoções trariam poucas ou nenhuma marca das culturas nas quais as pessoas vivem. Essa visão está presente no senso comum, na mídia, e também em algumas áreas e disciplinas”. (REZENDE & COELHO, 2010, p.20).

Entretanto, mesmo sendo as emoções consideradas manifestações naturais localizadas no corpo do indivíduo, a forma com que se expressam é, em geral, regrada de acordo com normas e padrões sociais. Ademais, a linguagem, verbal ou corporal, acaba por se adequar também a essas normas e padrões em seus meios de expressão.

Segundo Rezende e Coelho (2010), os modos de pensar e compreender, construídos histórica e culturalmente, são mediadores do nosso entendimento sobre o corpo e a forma de vivenciá-lo. As autoras propõem que as emoções são fenômenos incorporados, e que, sem possuírem necessariamente uma origem natural, estão situados no corpo.

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Embora as emoções possam surgir inicialmente em um bebê como reações biológicas a estímulos externos, elas são lembradas desde cedo como parte de um contexto de interação social, e não são pensadas de forma isolada. As emoções tornam-se então parte de esquemas ou padrões de ação apreendidos em interação com o ambiente social, que são internalizados no início da infância, e acionados de acordo com cada contexto. (FAJANS, 2006 apud REZENDE & COELHO, 2010, p.30)

Deste modo, os sentimentos deixam de ser vistos como emoções exteriores ao universo das interações sociais. Todavia, o aprendizado emocional internalizado, desde muito cedo, não permite compreender que existe fatores externos que influem sobre as formas de viver os sentimentos. Conforme concluem Rezende & Coelho (2010, p.33) “as emoções, embora situadas no corpo, têm com este uma relação que é permeada sempre por significados culturalmente e historicamente construídos”.

Essa premissa justifica, inclusive, as colocações de Foucault sobre os medos, os anseios e até mesmo as crenças com relação à sexualidade, fomentados por meio da incitação ao discurso. Mas serve, principalmente para situar-nos diante dos estudos de Giddens (1993) sobre o amor e sua relação com a sexualidade, em especial, com as transformações advindas da ascensão da sexualidade plástica.

O sociólogo inicialmente esclarece as diferenças entre o “amor apaixonado” e o “amor romântico”. O primeiro, cuja natureza baseia-se no encantamento resultante da ligação entre amor e desejo sexual, como já comprovado por Malinowski (apud GIDDENS, 1993), tem o mesmo efeito sobre o europeu e o Malanésio1. É tido como um fenômeno mais ou menos universal, enquanto que o amor romântico é dotado de uma especificidade cultural.

Este tipo de amor, culturalmente específico, data do final do século XVIII em resposta ao idealismo europeu de um amor que corresponda aos valores cristãos. Constituía-se como uma forma de amor narrativo, com evidente valorização do sentimento sublime sobre o ardor sexual. Ele representa um rompimento com a sexualidade, mas sem deixar de lançar mão dela. Por conta disso, diz-se sobre ele, que está situado entre a dualidade “liberdade e autorrealização”, mas acreditamos que ele não alcance, de fato, a essência nem de um e nem de outro.

Acredita-se que há liberdade na medida em que o casamento deixa de realizar-se por uma escolha econômica da família, como acontecia na sociedade pré-moderna; e acredita-se que há autorrealização porque os laços de relacionamento passam, então, a ser definidos pela

1 Povo nascido na Melanésia, região da Oceania, localizada no extremo oeste do Oceano Pacífico e a Nordeste da

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escolha dos indivíduos com base nos sentimentos, geralmente engendrados por atração instantânea, sob a premissa do “amor à primeira vista”.

No entanto, o amor romântico se introduziu de maneira distinta na consciência dos homens e das mulheres. Segundo Giddens (1993, p.10) “Durante muito tempo, os ideais do amor romântico afetaram mais as aspirações das mulheres do que dos homens, embora, é claro, os homens também tenham sido influenciados por elas”.

O amor romântico, neste sentido, se configurou como um sentimento essencialmente feminizado e contribuiu para a subordinação e isolamento das mulheres, com o apoio, em particular, de três influências, descritas pelo autor, que são: a criação do lar, a modificação da relação entre pais e filhos e a invenção da maternidade. O caráter intrinsecamente subversivo da ideia do amor romântico foi durante muito tempo mantido sob controle pela associação do amor com o casamento e com a maternidade; e pela ideia de que o amor verdadeiro, uma vez encontrado, é para sempre. (GIDDENS, 1993, p.58)

Além disso, a premissa do “amor à primeira vista” operava como um substituto imediato, na consciência dos indivíduos, que afastava a ideia dos desejos sexuais e compulsões eróticas, características do amor apaixonado. Em virtude disso, é sensato concluir que nem liberdade e nem autorrealização existiram de fato na maioria das relações baseadas no amor romântico. E isso, de modo geral, serve como um exemplo a mais para ilustrar as postulações de Michel Foucault que indicam como um discurso encorajado, dentro de uma dinâmica de poder, é capaz de modelar a forma de se viver a sexualidade e até mesmo sobre o que se está sentindo.

Como já fora colocado, homens e mulheres assumiram posições diferentes na perspectiva do amor romântico. Uma pesquisa de Sharon Thompson, do final dos anos 1980, sobre comportamento sexual de adolescentes, citada por Giddens (1993), evidenciou falas distintas entre os rapazes e as garotas a respeito de sexo. Enquanto eles discorriam normalmente sobre experiências sexuais esporádicas, tidas como conquistas sexuais, elas construíam um discurso narrativo detalhado, baseado na busca do amor eterno, no qual o sexo era considerado desvio deste objetivo. Havia um empenho delas na tentativa de retardar o ato sexual, enquanto os rapazes, ao contrário se esforçavam, por diversos meios, a fazê-lo acontecer. O objetivo delas, acima de tudo, era manter a virgindade intacta e segura até o momento considerado “certo e especial”. Porém,

No final da adolescência, muitas garotas já tiveram experiências de amores infelizes, estando bem consciente de que o romance não pode mais ser vinculado à permanência. Em uma sociedade altamente reflexiva, assistindo à televisão e lendo, elas entram em contato e ativamente procuram

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numerosas discussões sobre sexo, relacionamentos e influências que afetam a posição das mulheres. [Assim] Os elementos fragmentários da ideia do amor romântico a que estas garotas se aferram, buscando deter um controle prático de suas vidas, não estão mais inteiramente ligados ao casamento. (GIDDENS, 1993, p.63)

Somente, então, no final do século passado que elas passaram a perceber a emancipação da mulher desvinculada do casamento e ligada à saída da casa dos pais. Ainda assim, as diferentes posições de gênero na história da difusão idealista do amor romântico permanecem impregnadas em certa medida, seja de forma consciente ou inconsciente, até os dias de hoje. Prova disso, são as falas sobre possíveis relacionamentos que, segundo Giddens (1993), por parte dos homens está organizada em torno do “eu”, enquanto por parte das mulheres está organizada em torno do “nós”.

No entanto, esses resquícios da esperança romântica não representaram grandes empecilhos para uma mudança social na forma moderna de relacionamento. As mulheres, então desacreditadas, passaram a explorar outros caminhos. Foi neste sentido que se evidenciou uma contribuição do amor romântico para o surgimento dos “relacionamentos puros”, uma forma relacional honesta que respeita o tempo da reciprocidade da atração existente na relação e que, segundo Giddens (1993, p.69), “só continua enquanto ambas as partes considerarem que extraem dela satisfações suficientes, para cada uma individualmente, para nela permanecerem”.

Embora o amor romântico tenha contribuído para se alcançar o relacionamento puro, ele, paradoxalmente, promoveu seu próprio enfraquecimento. O relacionamento puro está em paralelo com aquilo, que previamente discutimos, e que Giddens (1993) chamou de sexualidade plástica, o que, por sua vez, é o principal fragmentador desse amor romântico que se opõe em adentrar a intimidade.

Com a superação do “amor romântico uma nova forma de amor passou a embasar os relacionamentos que, a partir de então, passaram a se configurar no modelo de “relacionamento puro”. Giddens (1993) chamou este novo formato de “amor confluente”, que em seu cerne é condicionado a abertura de um indivíduo para com o outro. Ele também demanda reciprocidade sentimental e por isso se aproxima do relacionamento puro. Por outro lado, isto lhe agrega um caráter de incerteza sobre a continuidade, o que lhe põe avesso à ideia de eternidade natural do amor romântico.

É neste novo formato que os tabus sexuais são definitivamente ultrapassados. “O amor confluente pela primeira vez introduz a ars erótica no cerne do relacionamento conjugal e

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transforma a realização do prazer sexual recíproco em um elemento-chave na manutenção ou dissolução do relacionamento” (GIDDENS, 1993, p.73)

2.3. FORMAÇÃO DA CULTURA SEXUAL BRASILEIRA

Em vista da discussão que se construiu até aqui, é interessante refletir o lugar que a sexualidade assume hoje na cultura brasileira e como ela se coloca frente à ideia que os brasileiros têm acerca dos relacionamentos nos dias atuais. É importante compreender que o Brasil, embora se insira no parâmetro de sociedade ocidental a que os estudos de Giddens e Foucault se voltaram, possui características culturais que são resquícios da sua história e que, portanto, são muito específicos da sua realidade. Ademais de considerar essas especificidades fica claro ao se analisar a história dos relacionamentos e da sexualidade no Brasil que, a despeito das peculiaridades inerentes ao seu processo histórico, o caminho percorrido no que tange ao sexo e as relações amorosas, em linhas gerais, está em paralelo com o que os referidos autores postularam.

No caso do Brasil, a história da sexualidade não pode ser analisada distanciando-se da relação de gênero, tal qual elaboração de Anthonny Giddens. Estas relações definiram o lugar do feminino através de uma coerção naturalizada, baseada nos valores, ideias e costumes de um Brasil-colônia em formação que seguiram os anos internalizando-se de maneira acrítica na consciência social, especialmente das mulheres. Tal internalização demarcou as práticas e as possibilidades relativas a cada gênero, os limites do gênero feminino, e a rotulação para os casos de transgressões. Aliás, tais limites, sinalizados por determinações moralistas, complementavam uma dinâmica social objetivamente desenvolvida e que possuía um cunho de penalização, o que está diretamente ligado às formas de manifestação de poder no universo da sexualidade, e que foi coerentemente discutido nos estudos Michel Foucault (2013).

Há de se convir que a formação da cultura sexual do Brasil começa a se desenhar desde o encontro do nativo com o europeu “civilizado”, relação esta que, em sua essência, é totalmente permeada por interesses e avidamente estabelecida numa dinâmica de poder.

Num primeiro momento, pode-se dizer, o sexo apresentou-se como um ponto central do interesse do homem ibérico, que desembarcou nas terras tupiniquins com apetite sexual quase insaciável, e lançou-se sobre as nativas despidas, com seios e vaginas à mostra, para um deleite de prazer e erotismo facilmente correspondidos. Gilberto Freyre (1966) declarou que àquele era um ambiente de “intoxicação sexual”.

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As índias, encantadas pelo homem português excêntrico que representava a modernização, não somente se entregaram sem resistência, como dedicaram-se, sobremaneira, a fazer o sexo de fato se consumar. De acordo com Fátima Quintas (2008), era como se sua libido aumentasse em grandes proporções frente ao potente pênis europeu. Mas elas nunca receberam amor lusitano. Este, diz a autora, “deu-lhe apenas a satisfação epidérmica: pênis ereto a penetrar a vagina de mulheres crédulas e carentes de afeto”. (QUINTAS, 2008, p.27)

O nomadismo do índio homem, expressando, já em si, certa inapetência sexual, contribuiu para que a índia mulher se resignasse de seu desejo pelo europeu, que para ela representava a figura da civilização. Este, por sua vez, explorou muito bem a situação em seu favor e, como se pode imaginar, filhos resultaram dessas ligações sexuais. A índia foi personagem crucial para o povoamento miscigenado das terras tupiniquins.

Sem condição de se impor ante a hierarquia do português, identificado por sua superioridade econômica e política, elas se renderam a uma condição submissa, o que acabou por se tornar um elemento vantajoso para os interesses do homem ibérico. Além de sexo, elas atendiam a eles prestando serviços domésticos e, muito comumente, trabalhando também nas Lavouras. Acumular mulheres passou a ser economicamente viável para o colonizador. A poligamia neste momento não se tornou apenas facilmente aceita, mas inclusive passou a ser desejada. Ela “significou acréscimo de recursos disponíveis, ao distinguir a mulher como grande ferramenta do sistema social. Para além do desejo sexual, traduziu a necessidade do braço feminino na sedimentação do discurso doméstico e produtivo. ” (QUINTAS, 2008, p.32) O homem indígena também se aproveitou da poligamia, mas voltado para um espírito aventureiro.

Mesmo estando a mulher nativa em uma condição submissa, vale ressaltar, a cultura indígena manteve uma adoração pelo feminino e por atributos do gênero, respeitando, é claro, os limites que faziam com que o poder se mantivesse nas mãos dos homens, como, por exemplo, através da hierarquia que postulava que somente estes poderiam assumir a posição de ‘Pajés’. A bissexualidade e a homossexualidade, bem como, uma postura efeminada eram aceitáveis naquela sociedade. “Não existiam mulheres pajés. Haviam pajés efeminados, do que se conclui que a proximidade com o feminino é meritória, mas é preciso, antes de mais nada, ser homem para ocupar status privilegiado”. (QUINTAS, 2008, p.36)

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No entanto, a sociedade indígena era repleta de contradições, ao tempo que existia a chamada couvade2, uma característica da cultura nativa que aprovava a conduta feminina em homens, após se tornarem pai, sem afetar sua imagem masculina, existia também o baito3, que, como um rito de passagem do jovem índio da puberdade para o mundo masculino, isolava-os da tribo para desenvolver valentia e virilidade. No entanto, embora fosse reconhecido como um lugar de emulsão masculina, os baitos, segundo Freyre (apud QUINTAS, 2008), contemplaram paralelamente, e com certa assiduidade, a prática da pederastia, sem necessariamente se ligar a escassez e privação da mulher, no máximo por segregação e isolamento nas casas de homens. De modo geral, pode-se dizer que a sociedade indígena esteve, portanto, associada a formas permissivas de sexualidade.

Aos olhos da civilização europeia, já delineada por uma racionalidade cristã, o cenário da nova terra apresentava-se exacerbado de promiscuidade. Representou um desafio para os padres da Cia de Jejus, e sua ideologia moralizadora, findar práticas que definiam como totalmente pecaminosas.

Uma sucessão de novos valores foi imposta à cultura indígena sob uma lógica de normatização, o que ocasionou total desestruturação da mentalidade nativa. Impuseram-lhes como valores dominantes a virgindade e a monogamia, avesso a realidade da vida dos índios. Ressaltaram a fidelidade e educaram-nos na visão cristã monoteísta. O “novo” não objetivava, portanto, um efeito de correção, mas uma total dissolução dos valores de antes.

Ao alterar o sistema de trabalho e alimentação do indígena, os portugueses destroçaram raízes então consolidadas no desenvolvimento da população. E não só: desarticularam o sistema psicológico; provocaram desvios fisiológicos; introduziram enfermidades, muitas delas de graves consequências. O contato com bactérias estranhas ao organismo acarretou sérios problemas de epidemias, algumas determinantes de baixas demográficas. Exemplificando: um simples resfriado poderia levar a morte. (QUINTAS, 2008, p. 47)

Com o passar do tempo, a migração de novos portugueses e os novos nascimentos já dentro dessa “normatização” imposta, consolida o modo de vida ocidental no Brasil, mas naturalmente resquícios do processo histórico passam a preponderar, mesmo que à margem.

A vida da mulher portuguesa nas colônias também correspondeu a um lugar de sujeição. Este lugar foi estrategicamente estabelecido, inclusive através da arquitetura e da

2 Couvade para Fátima Quintas se refere a uma interpretação de bissexualidade que tem a função de aprovar

socialmente comportamentos efeminados nos índios que viviam a paternidade. (QUINTAS, 2008)

3 Baito refere-se a um rito indígena de passagem de jovens para o mundo masculino, institucionalizado na forma

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dinâmica da Casa Grande, que se estabeleceram como modelo e influenciaram uma série de costumes que ainda prevalecem no Brasil contemporâneo. A Casa grande funcionou para elas como uma prisão física, mas por extensão era também uma prisão política e social. O isolamento foi causador de vários distúrbios mentais, e a tornou incompleta inclusive na vida conjugal, onde deixou de corresponder em diversos aspectos, muitas vezes no sexual.

Foram postas a um regime de cativeiro e suas únicas companhias eram, normalmente, as mucamas que tinha a sua disposição. De acordo com Quintas (2008) poucas mulheres brancas tiveram oportunidade de se aventurar em relações amorosas.

Para Gilberto Freyre, (apud QUINTAS, 2008) a sociedade brasileira, no que tange às relações de gênero, caminhou para um padrão duplo de moralidade que, por um lado, colocou o homem com poder absoluto e lhe atribuiu todas as liberdades – inclusive para o gozo físico do amor – e, por outro lado, revelou a mulher doce e recatada, imposta a uma condição de sujeição. Devia ir para cama toda a noite que o marido desejasse, assumiu uma função reprodutora.

Esse modelo resvalou historicamente em ramificações culturais que se esforçou sempre em manter essa dualidade. O resultado, já esperado, foi a solidificação de lugares e significados específicos para cada gênero dentro das tradições e das crenças. O casamento para a mulher representava o orgulho em ser escolhida, para o homem uma vitória econômica com vista às heranças que viriam a adquirir. A virgindade das mulheres significa virtude, e era cobiçada pelo homem como se lhe fosse de direito. Já a virgindade do homem é associada em distanciamento da virilidade e vista de forma negativa.

Em linhas gerais, este modelo, definido pela lógica reprodutiva, resultou, seguindo preceitos morais tradicionalmente impostos, num jogo que para as mulheres representava a busca de “status”, respeito e reconhecimento, enquanto para os homens sintetizava, simplesmente, a busca de interesses econômicos, se não por meio das heranças, por meio das novas posições políticas que o novo estado civil lhe possibilitava.

Esse tipo de casamento por interesse que, em seu interior, perpetuava a relação de dominação do homem sobre a mulher, para além das motivações nele postas, influía nas questões mais subjetivas relacionadas aos sentimentos dos envolvidos. A forma perdurou por muitos anos no Brasil fortemente influenciado pelo modo de vida do colonizador, no qual

O neoplatonismo do Renascimento teria sido para as elites cultas um meio de esquecer e empurrar para baixo do tapete a repressão sexual à qual deviam se habituar. Não se casar jamais por prazer e não casar jamais sem o consentimento daqueles a quem devia obediência eram leis nas casas aristocráticas. O casamento era um negócio de longa duração que não podia

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começar sem a opinião de parentes e amigos. A bem dizer, atrás da concepção cristã do casamento, há a hebraica. Ambas preocupadas em eliminar o amor-paixão do casamento e a impor à mulher sua obediência ao marido. O lugar do amor ficava sendo, portanto, a literatura. Literatura em que, ao contrário, a mulher reinava e era adorada, distribuía ou recusava favores livremente. Mas sempre em um cenário em que se bifurcavam dois amores: o de fora e o de dentro do matrimônio. E o de fora, levando, invariavelmente, a dolorosas dificuldades. (DEL PRIORI, 2005, p. 78-80) Uma mudança desse cenário só começa a se desenhar no século XIX, e ainda assim de forma mais contundente apenas nas camadas letradas. Aponta a mesma autora que

Pouco a pouco a diferença entre amor dentro e fora do casamento dilui-se, pelo menos no imaginário das pessoas letradas. Um ideal de casamento se impõe, em ritmos diferentes, para os diversos grupos da sociedade. Por meio desse ideal, importado da Europa, via literatura, o erotismo extraconjugal deveria entrar no casamento afugentando a reserva tradicional. Nesse ideal passa a existir um único amor, o amor-paixão, enquanto as características que retardavam o triunfo do amor, feito de sentimento e sexualidade, começavam a ser postas em xeque. A sociedade começava daí em diante, a aproximar as duas formas de amor tradicionalmente opostas. (DEL PRIORI, 2005, p. 108)

O estabelecimento da república e as intensas transformações sociais e econômicas na transição do século XIV para o século XX contribuem para acelerar esse processo. A respeito disso a mesma autora pontua que

enquanto consolidava-se entre nós a república, é lentamente percorrido um pedregoso caminho para que indivíduos ousassem se libertar da influência da religião, da família, da comunidade ou das redes estabelecidas pelo trabalho [....] novos comportamentos tiveram início, no fim do século XIX, comportamentos marcados por enorme transformação social e econômica. Essa corrente influenciará as formas de viver e pensar, provocando, no meio do século XX, uma fenomenal ruptura ética na história das relações entre homens e mulheres. Pouco a pouco, pioneiros anônimos engajaram-se nessa via. E eles vão dissolvendo, passo a passo, os modelos que lhes eram impostos; e vão correndo cada vez mais riscos. E as mulheres – essa é de fato uma mudança – a começam a dizer cada vez mais “não”. Gradativamente também o be-a-bá do casamento muda. Os casais passam a se escolher porque as relações matrimoniais tinham que ser fruto de um sentimento recíproco. O sentimento de conveniência passa a ser vergonhoso e o amor... bem, o amor não é mais uma ideia romântica, mas o cimento de uma relação. (DEL PRIORI, 2005, p. 231)

Del Priori (2005) disserta ainda sobre as transformações nas noções de tempo e espaço, nos modos de perceber os objetos e na forma de sentir os outros seres humanos, tudo provocado a partir de um dinamismo que se instaura sobre e economia internacional naquele início de século. Em resumo, a expansão do capitalismo veio a transformar os hábitos cotidianos, as convicções e as percepções dos grupos e indivíduos.

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As cidades, no início do século XX passaram a ser urbanizadas, surgiam áreas de lazer que promoviam os encontros. Houve um grande fluxo migratório dos mais jovens para os centros urbanos em busca de trabalho ou estudo. Os pais permaneceram no campo, e os filhos foram para a cidade, onde se desenvolvia um modelo cultural diferente, totalmente moldado por um sistema econômico.

É também no século XX que multiplicam-se os ginásios e começa a se desenhar uma cultura de incentivo ao exercício que fará as mulheres, pouco a pouco, despir-se dos inúmeros tecidos que as cobriam para se entregar as práticas de esporte, e assim chamar a atenção de homens desejosos com suas curvas. Muitos inclusive rechaçavam a novidade baseados num discurso de moralidade. “Para além do corpinho de cintas, o corpo começava a se soltar” (DEL PRIORI, 2005, p. 245)

O início desse século foi também propulsor da lógica do risco à relação. Qualquer ameaça ao casamento era criticada, e o divórcio era considerado “imoral”. O Código Civil de 1916 reforçava uma diferenciação de gênero e defendia a submissão feminina. Em linhas gerais, delimitava a vida doméstica como espaço feminino, cabendo aos homens a vida pública.

Após a primeira Guerra Mundial ocorre mudanças com a ascensão tecnológica que começa a esboçar uma “nova mulher”, “anarquistas consideravam, igualmente, o fim da valorização burguesa da virgindade, o direito ao prazer sexual, o direito à maternidade consciente, sem contar suas acusações de que a prostituição era decorrente da exploração capitalista do trabalho” (DEL PRIORI, 2005, 260)

A entrada de mulheres no mercado de trabalho se tornou tema dos debates entre homens, que, conforme aponta Rago (apud DEL PRIORI, 2005) comumente envolvia assuntos como virgindade, casamento e prostituição, este último sendo associado às mulheres que se colocaram a trabalhar.

Os anos 30 e 40 trazem mais mudanças, ressalta a mesma autora. Rompe-se com o isolamento da família tradicional brasileira, impondo a participação das mulheres no mercado de trabalho. Além disso, a migração para a cidade, promovendo um êxodo no campo, contribui para diluir redes tradicionais de sociabilidade.

Ainda assim, conforme reforça Bassanezi (apud DEL PRIORI, 2005) a ideia que vinculava homem à vida pública e mulheres à vida doméstica permanece forte até meados do século XX. Neste mesmo período existiam várias regras mínimas para um encontro, como, por exemplo, o rapaz buscar e levar a moça em casa, obedecendo a horários determinados. A

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vida conjugal e os valores de casal eram moldados por uma imprensa conselheira, que imputava papeis ao homem e a mulher através de seus artigos.

Na década de 60, então, ocorre a chamada “Revolução Sexual”, cujo marco está na chegada da pílula anticoncepcional. Para Mary Del Priori (2005), numa década marcada pelo rock’and’roll e por influências como Bob Dylan e Joan Baez, ganharam força temas como paz, drogas, sexo livre e, especialmente o amor.

Na década seguinte, o processo de globalização já começava a demonstrar efeitos consequentes do compartilhamento dos padrões. “Os países onde boa parte da população adotava o protestantismo – Estados Unidos, Inglaterra e Holanda – consolidavam uma cultura erótica antes desconhecida. Tudo isso somado ainda a transformações econômicas e políticas, ajudou a empurrar algumas barreiras”. (DEL PRIORI, 2005: 301).

Testemunha-se uma flexibilização da moral sexual, facilitada entre outras coisas, segundo a autora (2005), por um aumento de boates e clubes noturnos, que permitiram uma mudança de comportamento na medida em que rompia, pouco a pouco, com as regras rígidas para uma aproximação íntima; pelas mudanças das relações cotidianas de um casal, na qual o homem agressivo não encontrara mais argumento de defesa ou razoabilidade na ideia tradicional de poder do patriarcado; e pelas transformações na linguagem e a modesta superação de tabus ao citar determinadas terminologias referentes ao sexo e ao prazer.

Era o início do direito ao prazer para todos, sem que as mulheres fossem penalizadas ao manifestar seu interesse por alguém. Era o início do fim dos amores que tinham que parar no último estágio: “quero me casar virgem”! Deixava-se para trás a “meia-virgem”, aquela nos quais as carícias sexuais acabavam “na portinha” [...] Acabado o amor, muitos casais buscavam a separação. Outros optavam por ter “casos”. E, desse ponto de vista, o adultério feminino era uma saída possível, para quem não ousasse romper a aliança. (DEL PRIORI, 2005, p. 303)

Em suma, a lógica que põe a mulher, crente no amor apaixonado, sempre em posições submissas ao homem imperou por um longo período, de maneira hegemônica, sendo o discurso – através da reprodução da crença ou do julgamento da transgressão ao modelo –, seu principal mantenedor. Atualmente, ainda é possível encontrar, em grande escala, resquícios dessa forma de pensar. Apesar disto, essa moralidade não faz mais parte da racionalidade hegemônica. Quer dizer, embora ainda seja comum encontrar famílias que carreguem forte peso dos ensinamentos tradicionais que atravessaram as gerações, a evolução da ciência e das tecnologias, em especial da tecnologia da informação, têm contribuído grandemente para destituir os modos explícitos e implícitos de impor poder na lógica das relações, sejam estas relações de gênero, de idade, de etnia ou de orientação sexual.

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Com relação a este aspecto, Giddens (1992) também ressalta, por exemplo, que o desenvolvimento de métodos contraceptivos marcou profunda transição na vida pessoal. Expõe o autor que a partir disto, a sexualidade tornou-se maleável, podendo então ser assumida de muitos modos. Uma diferenciação entre sexo e reprodução passou a ser feita de modo mais claro. A reprodução passou a ser possível, inclusive, sem a consumação do sexo e, com isto, fez-se esvair de vez as teias que conectavam um ao outro.

Nos dias de hoje, “a maior parte das pessoas, homens e mulheres, chega atualmente ao casamento trazendo com elas uma reserva substancial de experiência e conhecimento sexual [...] Os casais recém-casados de hoje são em sua maioria experientes sexualmente. (Giddens, 1993, p.21)

Em resumo, os relacionamentos contemporâneos e a vida sexual são alguns entre muitos elementos que podem ser estudados a luz dos resquícios do padrão cultural que resultou da complementaridade entre a casa-grande e a senzala que, segundo Gilberto Freyre (1966), representa todo um sistema econômico político e social, e que possui extrema importância da formação dos valores, crenças e costumes.

2.4. MODERNIDADE E RELACIONAMENTO

Para compreender o lugar e a forma que os relacionamentos amorosos ocupam na consciência social pós-moderna, é necessário um mergulho atencioso na história das relações humanas e sociais e na formação cultural que resultou a partir delas, esta assertiva justifica a discussão que se estabeleceu até esse ponto, inclusive a experiência histórica da sexualidade e dos relacionamentos amorosos no Brasil. É imprescindível entender as transformações dos elementos que são hoje considerados constitutivos destes relacionamentos, para que nos fique claro como eles dialogam com as características que influem, direta ou indiretamente, sob a sua forma, seja por meio de valores, crenças ou interesses.

Segundo Giddens (1993) O termo relacionamento, como significante de um vínculo emocional próximo e continuado entre pessoas, só chegou ao uso geral em uma época relativamente recente. No entanto, pode-se dizer que sua estrutura já assumiu diversas formas e ainda assume, se pensadas com relação às diferentes culturas nacionais. No Oriente Médio, por exemplo, o casamento poligâmico é normalmente aceito para os homens. Para Bauman (2004, p.9), ““Relacionamento” é o assunto mais quente do momento, e aparentemente o único jogo que vale a pena, apesar de seus óbvios riscos”.

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