• Nenhum resultado encontrado

Os limites de negociação para a colaboração premiada: a legalidade das benesses concedidas aos investigados/denunciados na Operação Lava Jato

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Os limites de negociação para a colaboração premiada: a legalidade das benesses concedidas aos investigados/denunciados na Operação Lava Jato"

Copied!
46
0
0

Texto

(1)

VÍTOR FRANKE GIACOMINI

OS LIMITES DE NEGOCIAÇÃO PARA A COLABORAÇÃO PREMIADA: A LEGALIDADE DAS BENESSES CONCEDIDAS AOS

INVESTIGADOS/DENUNCIADOS NA OPERAÇÃO LAVA JATO

Ijuí (RS) 2018

(2)

VÍTOR FRANKE GIACOMINI

OS LIMITES DE NEGOCIAÇÃO PARA A COLABORAÇÃO PREMIADA: A LEGALIDADE DAS BENESSES CONCEDIDAS AOS

INVESTIGADOS/DENUNCIADOS NA OPERAÇÃO LAVA JATO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: Patrícia Borges Moura

Ijuí (RS) 2018

(3)

RESUMO

O instituto da colaboração premiada é um procedimento que, embora já viesse sendo utilizado no Brasil, acabou se popularizando com sua aparição na Operação Lava Jato, dada sua importância por fazer a operação crescer e adquirir tamanha magnitude.Nesse contexto, o presente trabalho, desenvolvido pelo método hipotético-dedutivo, de revisão bibliográfica, legislativa e jurisprudencial, objetivou analisar e discutir os acordos firmados pelo Ministério Público durante a operação, pois, muito embora fundamentados legal e juridicamente, trouxeram dúvidas quanto à legalidade das benesses concedidas, visto que a Lei nº 12.850/13, que versa sobre o assunto, dispõe em seu art. 4º, caput, § 4º e § 5º os benefícios que, dependendo das circunstâncias, podem ser concedidos em troca da colaboração. São medidas inseridas em um rol taxativo, assim, em tese, não poderia o acordo ser firmado fora dos limites ali estabelecidos.

Palavras-chave: Colaboração Premiada; Operação Lava Jato; Legalidade; Benefícios.

(4)

ABSTRACT

The award-winning collaboration institute is a process that, althought it was already being used in Brazil, ended up becoming popular with its appearance in the Lava Jato Operation, due to its importance in making the operation grow and acquire such magnitude. In this context, the present work, developed by the hypotetical-deductive method, of bibliographical, legislative and jurisprudential review, aims to analize and discuss the agreements signed by the Public Prosecutor Service during the operation, because, althought properly legally founded, they have raised doubts as to the legality of the benefits granted, since as Law 12.850/13, which deals with the matter, has on its article 4º, caput, § 4º and § 5º the benefits that, depending on the circumstances, can be granted in exchange for the collaboration. They are measures inseted in a taxative roll, so at first, the agreement could not be done outside the limits established there.

Keywords: Award-Winning; Collaboration; Lava Jato Operation; Legality; Benefits.

(5)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

1 COLABORAÇÃO PREMIADA ... 8

1.1 Conceito e historicidade ... 8

1.2 Evolução Legislativa...10

1.3 Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13) ... 14

1.4 Conflito aparente de normas...16

1.5 Valor probatório, voluntariedade e motivação da colaboração premiada....17

1.6 Procedimento da colaboração premiada...20

2 OS LIMITES JURÍDICOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA E A OPERAÇÃO LAVA JATO NO BRASIL...24

2.1 Conhecedo a operação Lava Jato...24

2.2 A prisão preventiva e a Lava Jato...28

2.3 O princípio da legalidade...32

2.4 Entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 7.074/DF...33

2.5 A legalidade das benesses concedidas aos investigados/acusados na Operação Lava Jato...35

CONCLUSÃO...40

(6)

INTRODUÇÃO

A Operação Lava Jato é uma investigação sem precedentes na história brasileira, dada sua complexidade e grandiosidade. Como uma tentativa de desvendar o esquema criminoso e atingir o maior número de pessoas, foi amplamente utilizado o instituto da colaboração premiada.

O estudo será realizado sob a ótica da ética e da legalidade, fazendo uma análise do instituto da colaboração premiada como instrumento probatório no processo penal pátrio, bem como da legalidade das benesses concedidas aos investigados/acusados na Operação Lava Jato.

A pesquisa será do tipo exploratória, desenvolvida em dois capítulos. Inicialmente, no primeiro capítulo, será feita uma abordagem do instituto da Colaboração Premiada, desde seu surgimento no direito brasileiro e sua evolução ao passar do tempo. Além, seguirá uma análise de suas peculiaridades e de seu procedimento.

No segundo capitulo será feito um relato dos acontecimentos na Operação Lava Jato, passando-se após a verificar o objetivo da utilização das prisões preventivas durante a investigação, e também a legalidade dos benefícios concedidos ao que optaram por realizar o acordo.

Na sua realização, será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, de revisão bibliográfica e jurisprudencial, analisando também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir

(7)

um aprofundamento no estudo da colaboração premiada, e também da Operação Lava Jato.

(8)

1 COLABORAÇÃO PREMIADA

O instituto da colaboração premiada é tema de bastante polêmico no mundo jurídico, muitos questionam sua constitucionalidade ou criticam sua moralidade, porém, na luta contra o crime organizado, devido à evolução e complexidade das organizações criminosas, entende-se como um mal que se faz necessário.

A colaboração premiada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro na década de 90. À época, a denominação utilizada era “delação premiada”, sendo que diversas normas trataram do tema ao longo do tempo. Contudo, foi apenas recentemente, com a Lei 12.850/13, que se estabeleceu um procedimento para a sua utilização, o que foi um grande avanço para o instituto.

Nesse capítulo serão aprofundados importantes aspectos do tema, de forma que possibilite compreendê-lo melhor, tanto quanto suas peculiaridades e seu funcionamento, que são de grande complexidade mas que também é indispensável o seu estudo.

1.1 Conceito e historicidade

Nesse item, se verificará no que consiste a delação premiada e, para sua melhor compreensão, se analisará um pouco de sua relação com a história. Também, far-se-á uma contextualização da institucionalização do instituto em comento pelo Estado, sobretudo suas importantes características, que ajudam a situá-la no âmbito jurídico.

A traição existe desde os tempos mais remotos, fazendo parte da história da humanidade e estando presente em toda a trajetória até os dias atuais. Um dos mais conhecidos atos de traição dos tempos passados foi o momento em que Judas Iscariotes entregou Jesus aos soldados romanos em troca de trinta moedas de prata. (DILVA FRAZÃO, 2018)

(9)

Esse ato de traição, agora institucionalizado, praticado por criminosos que entregam suas organizações para Estado, ganhando em troca dessa atuação uma recompensa, recebe o nome de colaboração premiada que, para muitos, é mais apropriadamente chamada de “delação premiada”, tendo em vista que por trás desta imagem de colaboração à justiça, jaz a repugnante traição do homem contra seus companheiros, na forma de verdadeira delação. Entretanto, ambas as expressões são sinonímias.

A colaboração premiada apresenta-se, de maneira geral, como um mecanismo investigatório que incentiva o agente, por meio de determinados benefícios, a dar informações que ajudem a desvendar o esquema criminoso. É caracterizada por Renato Brasileiro de Lima (2016, p. 759) como:

[...] uma técnica especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos em lei, recebendo, em contrapartida, determinado prêmio legal.

Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 592), por sua vez, com um olhar mais crítico, a entende como:

[...] a possibilidade de se reduzir a pena do criminoso que entregar o(s) comparsa(s). É o “dedurismo” oficializado, que, apesar de moralmente criticável, deve ser incentivado em face do aumento contínuo do crime organizado. É um mal necessário, pois trata-se da forma mais eficaz de se quebrar a espinha dorsal das quadrilhas, permitindo que um de seus membros possa se arrepender, entregando a atividade dos demais e proporcionando ao Estado resultados positivos no combate à criminalidade.

Esse instituto é uma modalidade do plea bargaining, em que, nas palavras de Marcos Paulo Dutra Santos (2017, p. 29): "a reprimenda aplicada ao agente espelha não necessariamente a efetiva reprovabilidade da conduta, e sim a maior ou menor capacidade de negociação com o Estado". Assim, visto que a colaboração implica mudanças na pena imposta ao agente, variando de acordo com os resultados alcançados. Quanto à possibilidade de afronta à constitucionalidade do instituto no que tange a individualização da pena, embora possa se suscitar dúvida quanto a sua constitucionalidade, posiciona-se Santos (2017, p. 74) no seguinte sentido em relação ao assunto:

(10)

A constitucionalidade da delação premiada, ante o princípio da individualização da pena, justifica-se porque a dosimetria leva em conta não apenas a reprovabilidade do fato, mas também as circunstâncias pessoais do agente. O comportamento deste, buscando remediar as consequências do injusto, jamais foi um indiferente penal, haja vista as prefaladas desistência voluntária e arrependimento eficaz (art. 15 do CP), o arrependimento posterior (art. 16 do CP) e a atenuante genérica delineada no art. 65, III, b, do CP, que repercutem sensivelmente na aplicação da reprimenda. Se a simples confissão enseja a minoração da reprimenda - art. 65, III, d, do CP -, o que se dirá quando o acusado decide colaborar com a persecução penal, trazendo um plus que não pode ser ignorado pelo Estado-juiz na quantificação da resposta penal.

Outrossim, o plea bargaining é amplamente utilizada nos Estados Unidos, surgindo nos anos 60 no combate contra a máfia, tendo servido, junto com o modelo italiano, de referência para a elaboração do instituto no Brasil, porém, Eugênio Pacelli de Oliveira (2013, p. 847) resguarda que, diferentemente daqui, lá 85% dos casos penais encerrados por meio de acordos, o que na verdade reflete "claras e notórias intenções de reforçar a crença na suposta eficiência do sistema."

A colaboração premiada consiste em uma forma de justiça penal consensual, da mesma forma que são a composição transação penal e a suspensão condicional do processo, porém, enquanto estes são negócios jurídicos despenalizadores, aquele busca punir o maior número de agentes, inclusive o colaborador, tendo evidente veia punitiva. (SANTOS, 2017)

A partir da análise histórica, nota-se que a delação remonta desde a antiguidade, sempre sendo vista com um viés negativo, contudo, com a evolução das organizações criminosas, constitui um importante mecanismo para frear os adeptos dessa modalidade delitiva, de modo a possibilitar o desmantelamento dessas organizações.

1.2 Evolução legislativa

A fim de contextualizar o instituto da colaboração premiada, é importante que se faça uma revisão legislativa dos instrumentos legais que a preveem. Aqui encontram-se as 8 hipóteses previstas e em vigor, afora a Lei nº 12.850/13, que será

(11)

vista adiante. Percebe-se que há aquelas que se referem à vários crimes e outras a delitos específicos, porém todas se diferenciam uma das outras em determinada altura.

Consoante Lima (2016), a primeira lei brasileira a prever expressamente o instituto da colaboração premiada, foi a Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) que já previa, no parágrafo único do artigo 8º, que: "O participante e o associado que denunciassem à autoridade o bando ou quadrilha a que pertencia, possibilitando seu desmantelamento, teria a pena reduzida de um a dois terços." (BRASIL, 1990). Ainda, acrescentou o § 4º ao artigo 159 do Código Penal, de forma que "se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o coautor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços." (BRASIL, 1940), sendo este alterado posteriormente pela lei 9.269/96, passando a admitir a possibilidade de redução quando o crime for praticado em concurso de pessoas.

Posteriormente, diversas outras leis versaram sobre a matéria, como o fez a Lei nº 9.034/95, atualmente revogada pela Lei nº 12.850/13, das Organizações Criminosas, que dispunha, em seu artigo 6º, caput, que: "Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de um a dois terços, quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria." (BRASIL, 1995)

Após, entrou em vigor a Lei nº 9.080/95 que modificou a Lei nº 7.492/86, dos Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional, e a Lei nº 8.137/90, dos Crimes Contra a Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo, concedendo a possibilidade de, em crimes destas naturezas, cometidos em quadrilha ou coautoria, o coautor ou partícipe ter sua pena reduzida de um a dois terços se revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa através de confissão espontânea. (LIMA, 2016)

A Lei nº 9.613/98 também contém previsão nesse sentido em seu art. 1º, § 5º, tendo sua redação sido levemente alterada pela lei nº 12.683/2012, passando a prever que a pena pode ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a

(12)

qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime. (BRASIL, 1998)

Ao se referir à Lei nº 9.807/99, conhecida como Lei de Proteção às Testemunhas e Vítimas de Crimes, Lima (2016) leciona que esta trouxe a possibilidade de aplicação do instituto da colaboração a qualquer delito. Dispõe em seu art. 13 e 14:

Art. 13. Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado:

I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.

Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Art. 14. O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços. (BRASIL, 1999)

Pelo fato de a atual legislação levar a abrangência da colaboração premiada a qualquer crime, não é correto pensar que os resultados pretendidos devam ser cumulativos, pois isso, em verdade, restringiria sua aplicabilidade apenas ao crime de extorsão mediante sequestro cometido em concurso de agentes cujo preço do resgate tenha sido pago. Há de se levar em consideração as possibilidades de preenchimentos dos requisitos em cada situação fática, através de uma cumulatividade temperada. (LIMA, 2016)

Refere Lima (2016) que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto nº 5.015/04, também tratou em seu artigo 26 sobre o tema, conferindo aos Estados signatários o dever de tomar medidas para encorajar a colaboração de participantes de organizações criminosas.

(13)

A Lei de Drogas, nº 11.343/06, também legislou a respeito, ao prever em seu artigo 41 que "o indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais coautores ou partícipes do crime e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá sua pena reduzida de um terço a dois terços." (BRASIL, 2006)

A Lei nº 12.529/11, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa de Concorrência prevê a possibilidade de um acordo de leniência, nesse caso, celebrado pelo CADE, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, tanto com pessoas físicas quanto jurídicas, desde que advenha os seguintes resultados, previstos no art. 86 da Lei, quais sejam a identificação dos demais envolvidos na infração e a obtenção de informações e documentos que comprovem a infração noticiada ou sob investigação. (BRASIL, 2011)

Acrescenta Lima (2016, p. 766, grifo do autor), no que tange às alterações trazidas pela referida lei, que:

No tocante às consequências penais e processuais penais decorrentes do acordo de leniência, especial atenção deve ser dispensada ao art. 87 da Lei nº 12.529/11, que passa a prever que, nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137/90 e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666/93 e os tipificados no art. 288 do Código Penal, a celebração de acordo de leniência determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecemiento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência. Ademais, de acordo com o art. 87, parágrafo único, da Lei nº 12.529/11, cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes acima referidos. A doutrina costuma se referir ao acordo de leniência como acordo de brandura ou doçura.

Desta forma, importante ressaltar que, excluindo-se a Lei nº 9.034/95, que foi expressamente revogada, não houve a revogação das outras hipóteses de colaboração premiada, de modo que ainda vigoram no ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, todas elas ainda detêm aplicabilidade.

(14)

1.3 Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13)

A mais recente Lei sobre o tema, a Lei nº 12.850/13, Lei das Organizações Criminosas, permite observar e compreender as particularidades dos prêmios previstos para os agentes que colaborarem na investigação.

Sendo assim, a Lei nº 12.850/13 tem relevância ímpar, devido a ser a que melhor delimita o assunto da colaboração premiada, trazendo em seu texto toda a parte procedimental da matéria, até então ausente no ordenamento jurídico pátrio. Da mesma forma, esta norma trás, em seu art. 4º os benefícios, bem como os requisitos para concessão daqueles:

Art. 4º: O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. § 1º - Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (BRASIL, 2013)

Do disposto no inciso I, é demonstrada a necessidade da identificação envolver, especificamente, outros com os quais o colaborador tenha agido em concurso de agentes e, ainda, das informações prestadas se referirem ao mesmo delito praticado; o inciso II refere que o colaborador deve informar apenas as informações das quais tem conhecimento, tendo assim optado o legislador pois membros inferiores hierarquicamente comumente não têm acesso a seus superiores dentro da organização. (LIMA, 2016)

O inciso III, embora não determinando quais infrações se refere, é evidente que se tratam de delitos com penas superiores a quatro anos, ou que sejam de

(15)

caráter transnacional, consoante se extrai do conceito de organização criminosa do art. 1º, §1º; o inciso IV, com a palavra "produto", faz alusão ao bem resultado direto do crime, e com a palavra "proveito", ao resultado indireto do crime, vindo da destinação do produto direto do crime; o inciso V torna imprescindível que a vítima esteja viva e com sua integridade física preservada, do contrário o delator não terá direito à recompensa legal, mesmo que imaginasse que a vítima estava bem. Ainda, caso a vítima escape, seja liberada ou resgatada sem que a informação prestada tenha influenciado, não deverão ser concedidos os benefícios pretendidos. (LIMA, 2016)

No tocante à redução da pena, se for concedida antes da sentença, terá o limite de redução máximo de 2/3, e se após, até a metade da pena. O limite mínimo é de 1/6 para ambos os casos, este estipulado devido ao silêncio da lei nesse sentido, sendo então o menor quantum previsto no Código Penal e na Lei de Execuções Penais. (LIMA, 2016)

Quanto à substituição da pena por restritiva de direitos, por não haver qualquer remissão ao artigo 44, do Código Penal, o qual estabelece os requisitos para a substituição, pode ser aplicada sem que a observância de tais requisitos. (LIMA, 2016)

No que se refere à progressão de regime, deixa-se de lado os requisitos objetivos. Isso quer dizer que o delator poderá progredir de regime mesmo que não tenha cumprido a pena necessária legalmente estipulada para tanto. Contudo, isso não abrange os requisitos subjetivos, que concernem ao seu bom comportamento, portanto ainda dependerá dos últimos para haver a progressão. (LIMA, 2016)

Como será visto mais adiante, quanto ao perdão judicial, sopesando a relevância da colaboração prestada, pode ser postulado pelo Ministério Público ou pelo delegado de polícia ao juiz pela concessão do benefício, ainda que não tenha sido previsto na proposta inicial. (LIMA, 2016). Além disso, de acordo com o § 4º do artigo 4º, o Ministério Público pode deixar de oferecer a denúncia ao delator, porém apenas ao primeiro a prestar a efetiva colaboração e se este não for o líder da organização criminosa. (BRASIL, 2013)

(16)

Nota-se que para alcançar os possíveis benefícios não é necessário que consiga o máximo de resultados possíveis, bastando, para que o delator seja agraciado com algum dos benefícios, que apenas um seja alcançado. Porém, em qualquer caso, deve-se levar em consideração para a concessão dos prêmios a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração. (LIMA, 2016)

Santos (2017, p. 99, grifo do autor) refere ainda que, conjuntamente ao prêmio proveniente da colaboração, possa ser considerado a atenuante da confissão, eis que se computam em fases distintas:

Como a colaboração representa significativo plus ante a confissão, inexiste

bis in idem em cumular a última, na qualidade de atenuante genérica, aplicável na segunda fase da aplicação da pena, com a delação, cuja premiação projeta-se em outra fase - a depender da hipótese, na terceira, enquanto causa de diminuição de pena ou quando da estipulação do regime prisional ou substituição da privação libertária por restrição de direitos.

Do exposto, verifica-se que existem várias possibilidades que são oferecidas aos que optem a colaborar com a justiça. Tais prêmios, entretanto, ficam a cargo da discricionariedade do julgador, que deverá administrá-los proporcionalmente com os resultados que foram atingidos com o auxílio do delator.

1.4 Conflito aparente de normas

Os prêmios, antes de serem dosados pelo Magistrado, devem estar consignados em acordo firmado e homologado entre o Ministério Público e a parte colaboradora. (OLIVEIRA, 2013) Porém, frente à variedade de normas que tratam sobre o instituto, precisa-se resolver qual seria a lei aplicável a determinado crime e, consequentemente, quais benefícios podem ser concedidos.

Santos (2017, p. 69, grifo do autor) descreve o conflito aparente de normas como:

(17)

(...) uma ilusória ideia de que duas ou mais leis podem ser aplicadas ao mesmo fato, o que não é verdade, necessitando-se conhecer os critérios para a correta aplicação da lei penal. Daí por que o mais indicado é destacar o tema do contexto do concurso de crimes ou mesmo do concurso de leis. Não são normas que concorrem (afluem para a mesma situação ou competem), mas que têm destino certo, excluindo umas as outras. Basta saber aplicá-las devidamente. Enfim, inexiste concurso, mas mera ilusão de conflito.

Em meio a tantas leis que tratam sobre o instituto em comento, existe possiblidade de aplicação de mais de uma lei para determinado crime, havendo divergência doutrinária na aplicabilidade da norma a depender do crime praticado, visto que pode se levar como princípio determinante tanto o da aplicação da norma mais benéfica quanto o da especialidade.

Santos (2017) prima pelo princípio da especialidade, defendendo que para precisar qual será a lei aplicável deve-se buscar pela mais específica. Por exemplo, a lei com a aplicabilidade mais geral é a de nº 9.087/99 (Proteção a Testemunhas e Vítimas de Crimes), que é seguida pela Lei nº 8.072/90 (Crimes Hediondos), pois esta versa sobre o gênero do crime e não sobre a espécie. Explica o autor (2017, p.116, grifo do autor) que:

Dessa forma, pode-se estabelecer a seguinte relação: a Lei nº 9.807/99 é

preterida pela Lei nº 8.072/90, que, por sua vez, é preterida em prol de qualquer outra hipótese de delação premiada que contemple crime hediondo ou constitucionalmente hediondo.

De outro lado, Nucci (2015) defende a aplicação pelo prisma da norma que será mais favorável ao colaborador. A respeito do crime de extorsão mediante sequestro, deve ser utilizada a norma prescrita no próprio artigo, pois é mais benéfica quando em confronto com a insculpida na Lei nº 9.807/99. Isso pois naquela não exige-se requisitos subjetivos específicos para o agente, nem a voluntariedade. Ainda, mesmo que não resulte na identificação dos comparsas, se resultar na libertação da vítima já legitima o acesso ao prêmio.

1.5 Valor probatório e voluntariedade da colaboração

O direito ao silêncio é uma garantia fundamental, prevista no inciso LXIII do artigo 5º de nossa Constituição Federal de 1988 e, sendo assim, é uma cláusula

(18)

pétrea em nosso ordenamento, ou seja, impossível de ser modificada. Seu texto ordena que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. (BRASIL, 1988)

O direito ao silêncio, decorrente do direito a não autoincriminação, tem relevância reconhecida mundialmente, pactuando-se em tratados internacionais o direito da pessoa investigada. O Brasil, inclusive, recepcionou tratados que o preveem, como o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, assinado em Nova York, Estados Unidos, no artigo 14, inciso 3, alínea "g" e na consagrada Convenção Interamericana de Direitos Humanos, em seu artigo 8º, inciso II, alínea "g", de 1969, assinada em São José, Costa Rica, ambos introduzidos no ordenamento brasileiro em 1992, nos quais se estabelece, de forma similar, que o acusado de um delito terá o pleno direito de não ser obrigado a depor contra si mesmo, ou mesmo a se confessar culpado.

Inicialmente, cabe ressaltar, no que diz respeito ao direito ao silêncio e ao direito de não produzir prova contra si mesmo, o que Lima (2016, p 762) leciona sobre a matéria:

É fato que os benefícios legais oferecidos ao colaborador servem como estímulo para sua colaboração, que comporta, invariavelmente, a autoincriminação. Porém, desde que não haja nenhuma espécie de coação para obrigá-lo a cooperar, com prévia advertência quanto ao direito ao silêncio (CF, art. 5º, LXIII), não há violação ao direito de não produzir prova contra si mesmo. Afinal como não há dever ao silêncio, todo e qualquer investigado (ou acusado) pode voluntariamente confessar os fatos que lhe são imputados. Nessas condições, cabe ao próprio indivíduo decidir, livre e assistido pela defesa técnica, se colabora (ou não) com os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal.

Assim, diferentemente do artigo 4º, §14, da Lei nº 12.850/13, em que se fala em renúncia ao direito ao silêncio, o mais apropriado seria falar em "opção pelo seu não exercício", pois constitui escolha do colaborador em cooperar ou não, sem haver qualquer espécie de coação. O mesmo se conclui observando o disposto no § 10, que refere que em caso de retratação "as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor" (LIMA,

(19)

2016, p. 762), sendo tal disposição válida, também, para o caso de as informações prestadas não vierem a se confirmar. (OLIVEIRA, 2013)

Da análise do § 16, que dispõe que "nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador" (BRASIL, 2013), entende-se que, se nem a confissão tem valor absoluto, o que, inclusive, está em coerência com o sistema acusatório e com o previsto no artigo 197, do CPP1, muito menos o depoimento o teria em relação a pessoa diversa.

Surge assim o que, segundo Lima (2016), a doutrina chama de regra da corroboração, a qual significa que o colaborador há de trazer elementos de informação e de prova que possam confirmar suas alegações.

Ainda, poderá haver a necessidade de, em processos de coautores ou partícipes, ser ouvido em juízo o colaborador, o que será feito com a observância do contraditório e da ampla defesa, podendo, desta maneira, serem feitas perguntas ao colaborador. Desta maneira, é ele ouvido como testemunha, ganhando seu depoimento o valor de prova testemunhal.

Embora pareça controversa a ideia de que o agente, para colaborar, deva obrigatoriamente abrir mão do seu direito a não autoincriminação e confessar fatos a si relacionados, a compatibilidade do instituto frente ao tema repousa no arbítrio que o investigado tem para escolher pela delação ou não, sendo o não exercício de seu direito fundamental de se manter silente apenas condição para a realização do acordo.

Esse arbítrio de escolha deve ser, logicamente, ausente de constrangimento para que se configure um ato voluntário, requisito expresso no artigo 4º da Lei nº 12.850/13 para a validade da colaboração.

Segundo Lima (2016), não se confunde o ato voluntário com a iniciativa do ato. Para se considerar o ato como voluntário, é prescindível que este tenha sido

1 Art. 197. O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova,

e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

(20)

proposto pelo próprio colaborador, mas sim que seja desprovido de qualquer constrangimento, o que significa que pode haver inclusive incentivos de terceiros a fazer o acordo, entretanto sendo inválido o uso da coação para tanto. Oliveira (2013) refere que usar da negociação como meio de intimidação do investigado para a obtenção de provas seria atitude abusiva e levaria inclusive à banalização do ato.

Quanto aos motivos que levaram o agente a colaborar, tem-se que estes são irrelevantes, não importando se está arrependido ou apenas interessado nos benefícios que pode receber em troca das informações que ajudarão a desvendar a trama delituosa. (LIMA, 2016)

Em suma, para se considerar válido o acordo em relação à voluntariedade prevista no artigo 4º, deve apenas o agente optar por livre vontade, não precisando partir dele a iniciativa, mas não pode haver qualquer espécie de coação por parte de terceiros.

1.6 Procedimento da colaboração premiada

Foi a Lei nº 12.850/13, Lei das Organizações Criminosas, que consignou um roteiro para a parte procedimental da delação premiada, sendo esta aplicada por analogia às outras leis que tratam do instituto, eis que não existia até o momento nenhuma regulamentação específica acerca do tema. (SANTOS, 2017)

Tem-se como imprescindível a presença de defesa técnica para o delator desde o começo das tratativas, sob pena, em regra, de nulidade absoluta da colaboração. As exceções se dão em virtude do princípio do prejuízo, previsto no artigo 563, do CPP, segundo o qual nenhum ato será declarado nulo se não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa. Assim, se o colaborador, porventura, for agraciado com o perdão judicial, ou for substancialmente recompensado em caso de sentença penal condenatória, não se pode falar em prejuízo, de forma que desconstituí-la seria uma afronta àquele princípio. Entretanto, tal prejuízo só pode ser alegado pelo colaborador porque o vício não diz respeito aos delatados. (SANTOS, 2017)

(21)

Após iniciado o acordo na fase inquisitorial, segundo Oliveira (2013, p. 872) segue-se de forma que:

[...] se de acordo os legitimados, MP, o colaborador e seu defensor, será assinado um termo de colaboração, devidamente acompanhado das declarações do colaborador e cópia dos procedimentos de investigação já registrados, para posterior encaminhamento à distribuição em juízo, a quem caberá o exame da regularidade do ajuste (art. 4º, § 7º). Querendo, o juíz poderá ouvir o colaborador, na presença de seu defensor.

Referido termo deverá conter (art. 6º):

I- o relato da colaboração e seus possíveis resultados;

II- as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;

III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;

IV- as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;

V- a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

A seguir, distribuído o pedido de homologação ao juiz, em forma de petição e contendo apenas informações necessárias ao registro do feito, ele deverá decidir no prazo de 48 horas, podendo recusar o acordo se não atender os requisitos legais ou adequá-lo ao caso concreto. (OLIVEIRA, 2013)

Quanto ao acordo, ressalva-se que pode ser feito a qualquer tempo, desde a investigação ou até na fase de execução, entrentanto não é necessário ter sido pactuada a colaboração desta para que o agente tenha acesso aos prêmios. O agente, ao colaborar e ao serem alcançados os resultados na forma que a lei prevê, os prêmios lá previstos tornam-se direito público subjetivo do acusado, mesmo não tendo sido pactuada a colaboração, devendo o julgador conceder os benefícios previstos. (SANTOS, 2017)

Não significa dizer, portanto, que o acordo é inútil, pois, consoante Santos (2017, p. 134), "o pacto entabulado com o Ministério Público e homologado pelo Juízo apenas potencializa a expectativa de direito à premiação, não a tornando, todavia, certa, porque sujeita à valoração jurisdicional quando da sentença."

Quanto ao perdão judicial, considerando a relevância da colaboração prestada, pode o Ministério Público a qualquer tempo, e o delegado de polícia nos

(22)

autos do Inquérito Policial, com a manifestação do Ministério Público, requerer ou representar ao juiz pela concessão do benefício, ainda que não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o artigo 28 do CPP2. (LIMA, 2016)

A respeito da legitimidade conferida ao delegado de polícia para representar pelo perdão judicial do colaborador ou na formalização do acordo, possibilidades dispostas nos §§ 2º e 6º do artigo 4º, foi suscitada a inconstitucionalidade através da ADI nº 5.508, sendo que, em 20/06/18, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por 7 votos a 4, julgou constitucional tal disposição. A decisão foi de que sempre haverá a manifestação do Ministério Público no acordo e no fim, a avaliação do juiz de homologá-lo ou não depois de avaliar a proposta e efetuar o controle das cláusulas eventualmente desproporcionais, abusivas ou ilegais. Dessa forma, mesmo com a atuação do delegado, por se tratarem de pronunciamentos privativos do Poder Judiciário, a concretização desses benefícios sempre dependerá deste. (STF DECIDE..., 2018)

Quanto à possibilidade de não oferecimento de denúncia pelo Ministério Público, trata-se de exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, devendo o inquérito policial ser arquivado, o que, aplicando subsidiariamente o artigo 87, parágrafo único, da Lei nº 12.529/113, acarretará a extinção da punibilidade do

colaborador pelo cumprimento do acordo. Lima (2016, p. 775), sobre o exposto, refere que é um movimento com o qual se deve ter cautela:

Como se trata, a concessão do perdão judicial, de decisão declaratória extintiva da punibilidade, tal decisão estará protegida pela coisa julgada, o que importa no reconhecimento da imutabilidade do comando que dela emerge. Por consequência, este dispositivo deve ser utilizado de maneira excepcional, vale dizer, o juiz não deve conceder o perdão judicial de

2 Art. 28. Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o

arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.

3 Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de

1990 , e nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.

Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade dos crimes a que se refere o caput deste artigo.

(23)

pronto, vez que nem sempre será possível atestar o grau de liderança da organização criminosa exercido pelo colaborador sem o prévio encerramento da instrução criminal em juízo. Daí a importânica de o não oferecimento da denúncia previsto no art. 4º, § 4º, ser precedido do sobrestamento da persecução penal inserido no art. 4º, § 3º, a fim de verificar a eficácia objetiva das informações prestadas pelo colaborador. Outrossim, na eventualidade de o juiz não concordar com a promoção de arquivamento com fundamento no art. 4º, § 4º, por entender, por exemplo, que o suposto colaborador seria o líder da organização criminosa, não fazendo jus à extinção da punibilidade por tal motivo, deve o magistrado aplicar o princípio da devolução inserido no art. 28 do CPP, determinando a remessa dos autos ao Procurador-Geral.

No entanto, por ter natureza jurídica de decisão existe vinculação com a sentença condenatória, portanto "a redução, a substituição da pena privativa ou o perdão judicial somente poderão ser aplicados, isto é, somente poderão ser eficazes a partir da condenação do colaborador." (OLIVEIRA, 2013, p. 871)

Assim, analisou-se o que é o instituto da colaboração premiada e seu desenvolvimento no direito brasileiro. Embora ainda esteja em processo de evolução, pode-se compreender melhor seu funcionamento, bem como o que pode acontecer no que tange à recompensa do delator.

A partir disso, se poderá entender mais claramente o que acontece atualmente, com a Operação Lava Jato, investigação iniciada formalmente no ano de 2014, mas que ainda continua em andamento. Nela, em uma tentativa de desvendar o esquema criminoso, foi amplamente utilizada a delação premiada, resultando em diversos processos criminais, sendo seus acordos analisados no próximo capítulo.

(24)

2 OS LIMITES JURÍDICOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA E A OPERAÇÃO LAVA JATO NO BRASIL

Neste capítulo se discorrerá a respeito da Operação Lava Jato, seu início e seu desenvolvimento, explicando como chegou a se tornar a maior investigação da história brasileira, bem como a importância do instituto da colaboração para sua expansão.

Também será feita uma análise sobre as prisões preventivas decretadas durante a operação considerando os requisitos do acordo e, por fim, sobre os benefícios concedidos em contrapartida às delações sob um ponto de vista da legislação.

2.1 Conhecendo a Operação Lava Jato

A Operação Lava Jato iniciou-se em 17/03/2014, quando foram executadas diversas medidas judiciais como mandados de busca e apreensão e prisões cautelares com o intuito de investigar uma rede criminosa de lavagem de dinheiro e pagamento de propina, divididos em quatro grande operações: a Operação Lava Jato; Operação Dolce Vita; Operação Bidone; e Operação Casa Blanca. Um dos investigados era Carlos Habib Chater, dono de um posto de gasolina usado para lavagem de dinheiro e recebimento de propina por políticos, que, devido à natureza do estabelecimento, esta operação foi batizada de Lava Jato. (DECISÕES DA JUSTIÇA..., 2018?)

As investigações ligaram-se à Petrobrás quando, a partir de interceptações telemáticas de Alberto Youssef, foi descoberto que havia doado um veículo Land Rover Evoque a Paulo Roberto Costa, que na época, era Diretor de Abastecimento da Petrobrás, e também que este e seus familiares estavam ocultando provas objeto de busca e apreensão no domicílio do ex-diretor. (BRASIL, 2014a)

Logo após, em abril de 2014, o Ministério Público Federal criou uma força-tarefa de investigação, essa operação acabou se tornando a maior que o Brasil já

(25)

teve. Até 25/04/2014, quando foram ofertadas as primeiras denúncias pela força-tarefa relativas ao caso, haviam sido decretadas 31 prisões, 23 conduções coercitivas e 96 buscas e apreensões, que acabaram se tornando apenas a ponta do iceberg de um esquema criminoso que se perpetuava há mais de 10 anos. (LINHA..., 2019?)

Ainda, Rodrigo Chemim (2017) aponta que havia quem antevisse a possibilidade de anulação do processo de Paulo Roberto Costa ao chegar nas mãos do Supremo Tribunal Federal, tendo em vista os diversos precedentes nesse sentido no histórico brasileiro de combate à corrupção, que, no mais das vezes, acabaram nesse sentido. Porém diferentemente, apenas foi concedida a liberdade ao investigado, optando-se pelo desmembramento do processo e prosseguimento em 1ª instância. Entretanto, foi rapidamente decretada sua prisão preventiva, pois foi descoberta uma conta milionária na Suíça e, também, que ele havia ocultado passasporte estrangeiro, cuja entrega havia sido determinada pela Corte superior.

Foram então executadas buscas e apreensões em empresas ligadas a Paulo Roberto Costa e a seus familiares, tendo por fim o ex-diretor buscado a realização do acordo de colaboração premiada, sendo o primeiro a fazê-lo. A partir desse acordo, revelou o esquema entre os partidos polítcos e cargos na Petrobrás e também o de fraudes de licitações com empreiteiras. (CHEMIM, 2017)

Atendo-se a explanar o funcionamento do esquema acima referido, Paulo Roberto Costa relatou em seu 1º Termo de Colaboração que, como em todas as empresas vinculadas ao governo, para ascender à diretoria da Petrobrás, precisava de um apadrinhamento político, que o seu foi pelo Partido Progressista, sendo então indicado ao cargo de diretor de abastecimento da estatal. A presidência da Petrobrás ficava a cargo do PT, que comandava, também, a Diretoria de Serviços, na qual eram firmados os maiores contratos da empresa, através do diretor Renato Duque, a de gás e energia, a de exploração e produção e a financeira. A Diretoria Internacional ficava sob o comando do PMDB. (BRASIL, 2014b)

Explicou também que quanto à área de serviços, tendo em vista que o Brasil possui em torno de 10 empresas com capacidade de realização de grandes obras,

(26)

havia a formação de um cartel, em que elas previamente se reuniam para decidir quem ficaria com qual obra, bem como os percentuais de pagamento de propina e os responsáveis pelas obras e contratos, o procedimento licitatório da Petrobrás, consequentemente, ocorria de forma idônea. Haviam pessoas que teriam a incumbência de receber e gerenciar os valores de propina, repassando aos agentes políticos, como seria o caso de Alberto Youssef em relação ao PP, Fernando "Baiano" em relação ao PMDB e João Vaccari em relação ao PT. (BRASIL, 2014b)

Além disso, em seus outros 79 depoimentos, relatou pormenorizadamente as fraudes ligadas à Petrobrás, bem como os pagamentos de propina, citando inúmeros nomes de pessoas e empresas envolvidas, inclusive em outras áreas do governo. (ACESSE A ÍNTEGRA..., 2015a)

Após Paulo Roberto Costa, na 6ª fase da Operação Lava Jato, foi a vez, a partir de 02/10/2014, de Alberto Youssef colaborar, também sendo essencial no desvendamento de diversos outros casos de corrupção, explicando o início o esquema, seu papel em transferir valores entre para os destinatários, citando diversas ocorrências de pagamento de propina entre empresas e políticos. (ACESSE A ÍNTEGRA..., 2015b)

Em 20/10/2014, começaram a surgir os resultados das investigações realizadas, sendo prolatada a primeira sentença dos processos relativos à Operação Lava Jato, tendo como conedados os réus Carlos Habib Chater, Rene Pereira e André Catão de Miranda, envolvendo crimes de lavagem de dinheiro do tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico internacional de drogas e evasão de divisas. (LINHA..., 2019?)

Dois dias depois, em 22/10/2014, foram realizados mais acordos de colaboração premiada, agora com representantes da empresa Toyo Setal, são eles Augusto Ribeiro de Mendonça Neto e Júlio Gerin de Almeida Carvalho, a empresa, que participava da fraude de licitações da Petrobrás, assinou o primeiro acordo de leniência da operação. (LINHA..., 2019?)

(27)

Com o passar do tempo, as investigações continuam, o ex-gerente da Petrobrás, Pedro Barusco, também fecha acordo de colaboração em novembro de 2014. O ano de 2015 inicia-se, havendo a instauração de CPIs no congresso com o intuito de investigar a estatal, é realizada a primeira operação para apurar os crimes de formação de cartel e ajuste prévio de licitações, bem como ao pagamento de propina relativas a estatal Eletronuclear, porém, este processo acabou sendo desmembrado e remetido à Justiça Federal do Rio de Janeiro. (LINHA..., 2019?)

Tadeu Rover e Giselle Souza (2016) assinalam que em março de 2016 ocorreu a condução coercitiva do ex-presidente Lula para depor, o caso gerou bastante repercussão em virtude de o Juiz responsável pela Operação Lava Jato no Paraná, Sérgio Moro, aplicar a medida sem a observância dos mandamentos da lei. A medida apenas poderia ser usada quando o investigado fosse anteriormente intimado para depor e injustificadamente não comparecesse, porém o ex-presidente foi conduzido sem ao menos ser antes intimado para prestar seu depoimento.

No Paraná, o local onde as investigações iniciaram, até o dia 20 de maio de 2019 haviam sido decretadas 227 mandados de conduções coercitivas, 160 mandados de prisões preventivas e 155 de prisões temporárias, bem como 6 prisões em flagrante, também contava com 184 acordos de colaboração premiada firmados e 11 acordos de leniência, com 90 acusações criminais contra 429 pessoas, das quais 159 já foram condenadas. (A LAVA JATO..., 2019)

No Rio de Janeiro, até 09 de outubro de 2018, foram 43 denúncias com 296 denunciados, havendo 9 sentenças com 40 condenados. (A LAVA JATO..., 2018)

As investigações se perpetuam, não se avistando o fim do túnel, sendo, pelo que já se conhece, estarrecedor a duração e enormidade desse esquema de corrupção que apenas foi possível desvendar a partir do instituto da colaboração premiada.

(28)

2.2 A prisão preventiva e a Lava Jato

Cumpre identificar neste tópico, o objetivo da prisão preventiva no processo penal brasileiro, observando, após, sua utilização na Operação Lava Jato e os reflexos que produziu nos acordos de colaboração premiada.

De acordo com Norberto Avena (p. 917, 2012), a prisão preventiva é uma medida cautelar, podendo ser decretada, pela autoridade judicial, durante a investigação criminal ou durante o processo " desde que concorram os pressupostos que a autorizam e as hipóteses que a admitem (arts. 312 e 313 do CPP)". Tem natureza excepcional, se justificando quando da existência de dois pressupostos legais: o periculum libertatis, que é o risco que há com a liberdade do agente, em especial, à persecução penal e à ordem pública, e do fumus comissi delicti que, em outras palavras, são os indícios suficientes de autoria e materialidade.

Segundo o artigo 313 do CPP, são quatro hipóteses em que podem ser decretadas a medida extrema, que conjugadas com algum dos requisitos do artigo 312, se fazem necessárias:

Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;

II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

IV - (revogado).

Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (BRASIL, 1941)

(29)

Faz-se necessário um breve resumo dos requisitos descritos no artigo 312 do CPP, pois, diferentemente do que traz o artigo 313, são de conceito amplo. Além de indícios sufientes de autoria de materialidade, deve ser fundamentada a prisão, concomitantemente, pela como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

Segundo Nucci (2016), a garantia da ordem pública tem a interpretação mais extensa, sendo necessária a prisão quando há prática de um delito, que deve ser grave e de particular repercussão e com reflexos negativos no corpo social, inclusive causando um sentimento de impunidade e insegurança, calcados no receio de reincidência do agente.

A prisão fundada na garantia da ordem econômica tem o objetivo de impedir que o agente, frente ao abalo no domínio econômico de uma instituição ou órgão de Estado causado por ele, permaneça em liberdade, assim não "demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área". (NUCCI, 2016, p. 588)

A prisão por conveniência da instrução criminal, por sua vez, se faz necessária quando há o risco concreto de o agente agir com o intuito de perturbar o normal desenvolvimento da instrução criminal, como no caso de ocultação de provas. (NUCCI, 2016)

Por fim, a asseguração da aplicação lei penal significa garantir ao Estado o direito de punir, ou seja, quando o agente tenta se esvair da punição, é o caso do acusado que foge do País com o objetivo de não cumprir a pena. (NUCCI, 2016)

O Código de Processo Penal não prevê um prazo determinado para a prisão preventiva, que portanto perdura enquanto se fizer necessária no curso do processo, levando em consideração as circunstâncias e complexidade do feito, a atividade processual do interessado e a conduta das autoridades judiciais. Porém, certo é que não podem ser definitivas, não havendo justificativa para um aprisionamento demasiadamente alongado ou injustificado, ou quando deixarem de existir as razões pelas quais foi decretada a prisão. (NUCCI, 2016)

(30)

Na Operação Lava Jato, o levantamento feito pela revista Consultor Jurídico no ano de 2017 revela que as prisões preventivas tem média de 281 dias. Entre elas, destacam-se as de Carlos Habib Cahter e René Luiz Pereira, que duraram mais de 1000 dias. (PEDRO CANÁRIO, 2017)

O levantamento informa que nenhum investigado que se submeteu ao acordo continuou preso, é o caso de Alberto Youssef, que ficou 900 dias preso, Nelma Kodama, que ficou 828 dias, e Renato Duque, que ficou 800 dias, todos soltos após assinarem acordos de colaboração premiada. Ao tempo da pesquisa, dos 86 presos, só 16 ficaram detidos por menos de 81 dias e dos 58 delatores cujos acordos não estão protegidos por sigilo, 25 estiveram presos e todos foram soltos logo depois de assinar o termo de colaboração ou pouco antes e, entre os que não foram presos, há familiares favorecidos pelos acordos. (CANÁRIO, 2017)

Diante de tal cenário, Lenio Streck (apud CANÁRIO, 2017) afirma que:

[...] ultrapassamos até mesmo o padrão dogmático que tínhamos”. Antes, conta, havia um limite de 81 dias para as prisões provisórias. Depois esse prazo passou a ser de 169 dias. “Hoje não temos limites. “O limite é o dia em que o preso confessar ou fazer delação premiada.”

Tão verdade é a afirmativa, que o Ministério Público Federal, em 21 de novembro de 2014, em parecer desfavorável à concessão da ordem, prestado no pedido habeas corpus nº 5029050-46.2014.404.0000, impetrado em favor de José Aldemário Pinheiro Filho e Mateus Coutinho de Sá Oliveira, integrantes do grupo OAS, sustentou o posicionamento nas seguintes razões:

[...] A sucessão de ocorrências delituosas indica a premente necessidade de resguardar a ordem pública. Envolvidos como os pacientes, que integram empreiteiras com grande potencial de corromper agentes públicos (e de serem corrompidos) devem ser mantidos segregados, a fim de se resguardar o erário dos constantes ataques a que vem sofrendo nos últimos tempos.

Trata-se de círculo vicioso. Os agentes públicos corruptos e corrompidos se utilizam de terceiros como os pacientes que recebem do poder público as vultosas quantias e redistribuem com os integrantes da organização. Assim, faz-se necessário a segregação, não só dos agentes públicos como os empresários e executivos, para se colocar a salvo da ordem pública, com proteção ao erário, dos constantes abalos provocados pela sucessão de práticas delitivas que se tornaram comuns no país.

De outra banda, vislumbro presente, além da necessidade de preservar a ordem pública, um dos requisitos autorizadores da prisão preventiva,

(31)

previsto no artigo 312 do Código de Processo Penal, outro requisito, qual seja, a conveniência da instrução criminal.

A conveniência da instrução criminal mostra-se presente não só na cautela de impedir que os investigados destruam provas, o que é bastante provável no caso dos pacientes, que lidam com o pagamento a vários agentes públicos, mas também na possibilidade de a segregação influenciá-los na vontade de colaborar na apuração de responsabilidade, o que tem se mostrado bastante fértil nos últimos tempos.

Com efeito, à conveniência da instrução processual, requisito previsto artigo 312 do Código de Processo Penal, deve-se acrescer a possibilidade real de o infrator colaborar com a apuração da infração penal, como se tem observado ultimamente, diante dos inúmeros casos de atentados contra a administração e as finanças do país.

Nesse propósito, por razões óbvias, as medidas cautelares alternativas à prisão são inadequadas e impróprias aos fins previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. (BRASIL, 2014, grifou-se)

Torna-se fácil de entender a crítica feita por Aury Lopes Jr. (apud GALLI, Marcelo; CANÁRIO, Pedro, 2017), que refere que as prisões preventivas:

(...) foram usadas como “prevenção negocial”. “Quem não colaborou recebeu penas elevadíssimas, completamente desproporcionais”, diz. “Com esse cenário, nem precisava prender mais, o recado estava muito claro. É óbvio que a prisão preventiva foi banalizada, degenerada e que as colaborações foram fruto dessa coação velada.”

Portanto, como visto, sendo requisito a validade do acordo a voluntariedade, que se consubstancia na livre vontade do agente, livre de coação, é evidente que a prisão preventiva vem sendo usada como forma de coação, de modo a infringir tal disposição, na medida que condiciona a liberdade do investigado à realização do pacto.

Não se discute que a prisão preventiva torna-se muito conveniente à instrução processual na medida em que facilitaria sobremaneira o pacto negocial, porém, a prisão fundada neste motivo não tem o objetivo de facilitar a instrução mas sim impedir sua obstrução.

Como já discorrido no primeiro capítulo, a barganha não pode ser banalizada ao simples desejo do órgão acusador de arraigar mais provas a fundamentar a acusação, devendo se manter nos conformes ínsitos do instituto, preservando assim sua legitimidade.

(32)

2.3 O princípio da legalidade

Impende, ao tratar sobre os seguintes temas, tecer breves considerações acerca do princípio da legalidade, tendo em vista que este foi recepcionado pelo Brasil, na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XXXIX, que refere que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", reproduzido no artigo 1º do Código Penal. (BRASIL, 1988)

O referido princípio tem aplicação específicamente relacionada ao direito penal. O modelo penal garantista, com o qual ele está vinculado, "tem a função de delimitar o poder punitivo do Estado mediante a exclusão das punições extra ou ultra legem." Assim, a lei condiciona a ação do aplicador do direito, que tem a incumbência de decidir dentro de seus limites, evitando assim arbitrariedades. (LUIGI FERRAJOLI, 2002, p. 33)

Para Ferrajoli (2002) esse princípio se subdivide em dois elementos, o primeiro é a reserva legal ou mera legalidade, que é dirigida ao julgador e segundo o qual este, ao decidir, deve considerar como desvio punível apenas aquilo que a lei formalmente estabeleceu como tal, e não se valer de sua moral para definir que determinada conduta seja merecedora de sanção.

O segundo, seria a legalidade estrita, que seria dirigida ao momento de criação das normas, prescrevendo a formulação exaustiva e taxativa dos fatos desviados, de forma unívoca e precisa. Este segundo elemento então possibilita a existência do primeiro, pois evita que haja espaço para valoração da norma, sujeitando portanto o juiz à lei. Nas palavras de Ferrajoli (2002, p 75-76):

No primeiro sentido (lato), o princípio da legalidade se identifica com a reserva relativa de lei, entendendo "lei" no sentido formal de ato ou mandato legislativo e se limita a prescrever a sujeição do juiz às leis vigentes, qualquer que seja a formulação de seu conteúdo, na qualificação jurídica dos fatos julgados. No segundo sentido (estrito), identifica-se, ao revés, com a reserva absoluta de lei, entendendo "lei" no sentido substancial de norma ou conteúdo legislativo, e prescreve, ademais, que tal conteúdo seja formado por pressupostos típicos dotados de significado unívoco e preciso, pelo que será possível seu emprego como figuras de qualificação em proposições judiciais verdadeiras ou falsas. Disso resulta, assim, garantida a sujeição do juiz somente à lei

(33)

Após, no momento à aplicação da pena, o juiz deverá antes fazer uma interpretação equitativa das circunstâncias do fato criminoso para após aferir apenas e unicamente a quantidade dessa pena. Entretanto, exepciona-se os casos em que a lei prevê diferentes qualidades de pena, como privativa de liberdade ou pena pecuniária, nessas oportunidades que ficará a cargo do julgador ponderar qual será o tipo de pena mais adequada. (FERRAJOLI, 2002)

Portanto, entende-se pelo princípio da legalidade que deve haver uma precisão na criação das normas incriminadoras, e devido ao poder de decidibilidade do magistrado ficar vinculado à tais normas, a precisão evita que exista espaço para valoração da lei e consequentemente para a existência de decisões arbitrárias.

2.4 Entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição 7.074/DF

De grande importância é conhecer o posicionamento da Suprema Corte, pois, na condição de guardiã da Constituição Federal, é ela que indica o caminho que deve ser trilhado pelos tribunais e magistrados e, devido à relevância do tema, de tantas pessoas que já fizeram e ainda virão a fazer acordos de colaboração, inclusive fora da Operação Lava Jato, tamanha é, também, a relevância das decisões que são proferidas naquela Corte.

O instituto da colaboração premiada já teve a possibilidade de ser discutido perante o Supremo Tribunal Federal, na Questão de Ordem na Petição 7.074/DF, julgada em 2017, foram esclarecidos alguns pontos nos quais surgiram dúvidas, que embora o foco da questão fosse a homologação do acordo de colaboração premiada e os limites da atuação do relator, por correlação com a matéria, surgiu um terceiro ponto, que seria da revisão das cláusulas oriundas do acordo pelo Tribunal. Diante de tal possibilidade, afirmou-se:

i) a atribuição do Relator para, monocraticamente, homologar acordos de colaboração premiada, oportunidade na qual se limita ao juízo de regularidade, legalidade e voluntariedade da avença, vencidos os Ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio; ii) a competência colegiada do Supremo Tribunal Federal, em decisão final de mérito, para avaliar o cumprimento dos termos bem como a eficácia do acordo, vencidos, nos termos de seus

(34)

votos, os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Marco Aurélio; iii) que o acordo homologado como regular, voluntário e legal, em regra, deverá ser observado mediante o cumprimento dos deveres assumidos pelos colaboradores, sendo possível ao Plenário a análise de sua legalidade, nos termos do § 4º do art. 966 do CPC. (BRASIL, 2017, p. 382)

Segundo o entendimento firmado, o ato de homologação do acordo faz deste um ato jurídico perfeito, tornando-se coisa julgada, não havendo, em regra, possibilidade de revisão dos benefícios concedidos, pois seria uma afronta a segurança jurídica e algo que deslegitimaria o instituto da colaboração o Estado se beneficiar e não honrar a contraprestação negociada. (BRASIL, 2017)

Caso exista alguma cláusula esteja em desacordo com a Constituição e o sistema normativo, deverá o juiz competente fazer o controle desta cláusula no momento da homologação, pois como dito, é o ato que confere segurança ao pacto negocial estabelecido, que deverá respeitar a liberdade de negociação, inclusive à margem da lei, e no momento de homologação o pactuado é tornado válido. A sentença apenas terá o condão de verificar se as informações prestadas pelo colaborador foram efetivas ou não, existindo vinculação aos benefícios premiais pactuados. (BRASIL, 2017)

Desta forma, a homologação do acordo cumulada com o cumprimento pelo colaborador das cláusulas aventadas resultaria a vinculação do Poder Judiciário e de todo o Estado aos ajustes realizados, sendo que o descumprimento desta imposição de caráter ético-jurídico, além de caracterizar uma afronta à segurança jurídica, é uma afronta aos princípios da confiança e da boa-fé objetiva, dado ao caráter negocial do instituto da colaboração premiada. (BRASIL, 2017)

A legalidade das cláusulas dos acordos, entretanto, ainda podem ser revistas pela Corte, sendo esta reanálise vinculada ao disposto no artigo 966, § 4º, CPC4, de

forma que apenas poderiam ser modificadas em caso de nulidade ou anulabilidade,

4 Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

(...)

§ 4º Os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei; (BRASIL, 2015)

Referências

Documentos relacionados

Dando continuidade aos estudos na área, Merhy (1997), ao descrever a produção do cuidado e suas tecnologias, estabeleceu três categorias para as tecnologias de trabalho

(...) §2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a

Os resultados da pesquisa foram agrupados e categorizados da seguinte forma: Concepções de Educação em Saúde; Componentes curriculares onde foram desenvolvidas

No recente julgamento da ADI 5508, como pode ser observado pelo informativo nº 907 15 do Supremo Tribunal Federal, os ministros julgaram improcedente a ação proposta pelo

-.. litar SP), Fábio Ramazzini Bechara (doutor, stiça SP), Gianpaolo Poggio Smanio (doutor, r justiça SP), Marcos Zilli (doutor, Prof.. ✓eríssimo(doutor, Prof.

§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação

Da mesma forma que ocorre nas fases anteriores, o juiz responsável pela execução da pena estará vinculado aos termos do acordo de colaboração homologado,

de meios instrumentais de moderna tecnologia; apresenta um intrincado esquema de conexões com outros grupos delinquenciais e uma rede subterrânea de ligações com os