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Pedagogia da Competição: Teoria e Proposta de Sistematização nas Escolas de Esportes

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Academic year: 2021

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RILLER SILVA REVERDITO ALCIDES JOSÉ SCAGLIA PAULO CÉSAR MONTAGNER (Organizadores)

PEDAGOGI

ONCEITUAIS DA COMPETIÇÃO E E S T U D O S APLICADOS

C o l e ç ã o E d u c a ç ã o Física e E s p o r t e s

flilorte

editora

S ã o P a u l o , 2 0 1 3

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PEDAGOGIA DA COMPETIÇÃO: TEORIA

E PROPOSTA DE SISTEMATIZAÇÃO

NAS E S C O L A S DE E S P O R T E S

1

Paulo C é s a r Montagner A l c i d e s J o s é Scaglia

Competição, confronto entre os melhores. Essa tal-vez seja a primeira impressão causada quando se ouve esse termo. Pensando nela no âmbito escolar, recordamo-nos das disputas entre os melhores na quadra e, obviamente, os piores fora dela, assistindo, ou melhor, torcendo, decla-mando com fervor, os mais esdrúxulos gritos de guerra.

Parece-nos que o Esporte, como um dos maiores fenômenos contemporâneos - se não o maior - neces-sita um compromisso permanente: participar da forma-ção e da educaforma-ção das pessoas, cuidar das gerações. Não nos parece impossível pensar que ir a um estádio acompanhar futebol, ou a um ginásio ver basquetebol, ou ainda a uma competição de natação ou atletismo te-nha sentido se não for para ampliar nossa capacidade de compreender o papel do esporte, de nos sentirmos felizes, de refletir na nossa educação esportiva, na valori-zação das manifestações dessa experiência.

1 0 presente capítulo é uma atualização e ampliação do texto homônimo publicado pela Revista Motus Corporis em 2 0 0 1 , com a participação do professor mestre Adriano de Souza, atualmente treinador-assistente na primeira divisão universitária americana de voleibol.

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194 Pedagogia do Esporte

Infelizmente, os jogos estudantis acabaram por reproduzir um siste-ma que de educacional pouco ou quase nada tem a acrescentar aos nos-sos alunos e à nossa sociedade, ou àquela que queremos construir. Dessa feita, esses embates foram e atualmente continuam sendo combatidos veementemente. Porém, poucas foram as soluções encontradas para se reverter tal situação e mostrar que competição não é guerra, e esporte não é apenas para os mais aptos.

Contudo, ainda observamos que uma das primeiras iniciativas foi a de negar a competição; assim, a maioria dos jogos estudantis foi extinta ou pouco incentivada. Para ocupar essa lacuna, algumas propostas inte-ressantes e extremamente coerentes surgiram, por exemplo, os festivais de esportes (Scaglia, 1999a) e (Souza, 1999) e os jogos cooperativos (Brotto, 2 0 0 1 ) , além de uma massa crítica produzida na área, sobre essa temática (Scaglia e Gomes, 2 0 0 5 ; Hirama e Montagner, 2 0 1 1 ; Carone Soares, 2 0 1 0 ; Ca2etto et al., 2 0 0 8 ) .

Atualmente, acreditamos que seja inevitável o momento de se re-pensar a competição estudantil e que seja impossível se re-pensar em ensinar Esporte, desvinculado o fato de se aprender a competir. A competição é um conteúdo a ser ensinado nos projetos esportivos.

Desse modo, aliado a uma ofensiva pedagógica que visa a ensinar esportes de maneira não tecnicista a todos os alunos (Freire, 2 0 0 0 , 2 0 0 2 , 2 0 0 3 ; Paes, 2 0 0 1 , 2 0 0 2 ; Scaglia, 1999a, 2 0 0 3 , Reverdito e Scaglia, 2 0 0 7 , 2 0 0 9 ; Reverdito, Scaglia e Paes, 2 0 0 9 ; Garganta, 1 9 9 5 , 1 9 9 9 ; Graça, 1 9 9 5 , 2 0 0 1 , 2 0 0 6 ) , faz-se necessário, da mesma forma, descobrir metodologias para ensinar todos os alunos a competir.

Para isso, procuramos neste texto lançar algumas reflexões visan-do a contribuir para a construção de uma pedagogia da competição, que vise a minimizar os pontos negativos e a maximizar os pontos positivos presentes nas disputas, partindo do pressuposto de que a competição é um dos temas e conteúdos a serem ensinados para nossas crianças e nossos jovens, tanto nas aulas de educação escolar quanto nas escolas de esportes.

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P e d a g o g i a d a C o m p e t i ç ã o : teoria e p r o p o s t a de s i s t e m a t i z a ç ã o n a s e s c o l a s de e s p o r t e s

Para uma reflexão sobre o conceito de Pedagogia

Em essência, acreditamos ser de fundamental importância, antes de entrar na discussão a respeito do conceito de Pedagogia do Esporte, entender o conceito de Pedagogia. Essa talvez seja a pergunta que deva ser respondida inicialmente, para, em seguida, procurarmos compreender os nossos pressupostos teóricos e as possíveis relações entre a Pedagogia e a competição esportiva.

Segundo Ferreira ( 1 9 9 5 , p. 4 9 0 ) , no novo dicionário básico da lín-gua portuguesa, a palavra Pedagogia possui alguns significados, a saber:

1 - T e o r i a e ciência d a e d u c a ç ã o e do e n s i n o . 2 - C o n j u n t o

d e d o u t r i n a s , princípios e m é t o d o s de e d u c a ç ã o e instrução

que t e n d e m a u m objetivo p r á t i c o . 3 - O e s t u d o d o s ideais de

e d u c a ç ã o , s e g u n d o u m a d e t e r m i n a d a c o n c e p ç ã o de v i d a , e

d o s m e i o s ( p r o c e s s o s e t é c n i c a s ) m a i s e f i c i e n t e s para e f e t i v a r

e s t e s i d e a i s . 4 - Profissão ou prática de e n s i n a r .

Essas palavras podem ser analisadas de duas formas. Inicialmente, com a simples referência de alguém que ensina algo para outro alguém que aprende por meio de transmissão; ou, numa idéia mais completa, como as próprias definições apresentadas e os estudos mais recentes da Pedagogia preconizam, uma relação dinâmica que responde às necessidades de mudan-ça e de formação, articulando-se sempre em níveis maiores de complexidade.

Ampliando nosso entendimento sobre o conceito de Pedagogia, Brugger (1969, p. 3 1 4 ) , em seu dicionário de Filosofia, afirmou que a Pedagogia é a ciência da educação, e que "não se reduz a mera arte, senão que pro-põe-se descrever, fundamentar e sistematizar, de acordo com as últimas razões, o processo cultural denominado educação".

Alguns autores mencionam que a origem da palavra Pedagogia data da Antigüidade e designa a função do pedagogo, que, mais precisamente na Grécia e em Roma, era o escravo que cuidava de conduzir a criança de

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196 Pedagogia do Esporte

sua casa para a escola, podendo-se considerar o pedagogo como um me-diador entre a família e a escola. Com o tempo, esse pedagogo passou de simples acompanhante para ser o educador da criança (Ghíraldelli Júnior,

1 9 9 1 ; Saviani, 1 9 8 9 ; Lima, 1987).

Isto posto, é possível identificar a Pedagogia como uma teoria que se estrutura por meio de uma elaboração entre os pensamentos da teoria e sua relação com as práticas, interessadas na execução da ação e seus resultados. Para Ghíraldelli Júnior ( 1 9 9 1 , p. 8), a Pedagogia se apresenta, entre outros, como o ato da condução do saber elaborado e sistematizado, e tem a:

p r e o c u p a ç ã o c o m o s m e i o s , c o m a s f o r m a s e m a n e i r a s de

levar o indivíduo ao c o n h e c i m e n t o . A s s i m , a P e d a g o g i a

vinc u l a s e a o s p r o b l e m a s m e t o d o l ó g i vinc o s r e l a t i v o s ao vinc o m o e n

-s i n a r , a o q u e e n -s i n a r e, t a m b é m , a o q u a n d o e n -s i n a r e p a r a

q u e m e n s i n a r .

Para Luckesi (1991), a Pedagogia é o modo de agir em Educação, constituindo uma concepção filosófica, e essa concepção ordena os ele-mentos que direcionam a prática educacional.

Muitos estudos investigativos podem ser encontrados na literatura a respeito da Pedagogia. Ghíraldelli Júnior (1991) argumenta em benefício de uma pedagogia progressista, em que estão presentes, entre outros conceitos, a preocupação com os conteúdos, a concepção de mundo, a criatividade, a responsabilidade e a liberdade.

Assim, entendemos a Pedagogia como um processo de reflexão que nos leva ao saber. E se estamos falando de algo que possui um significado aos profissionais da Educação Física, que é o esporte, estamos falando do que, como e para quem ensina esportes, entendendo esporte como um fenômeno histórico, de signos populares, símbolos, fantasias e sonhos.

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P e d a g o g i a d a C o m p e t i ç ã o : teoria e p r o p o s t a de . « y s i s t e m a t i z a ç ã o n a s e s c o l a s de e s p o r t e s

A Pedagogia do Esporte como um conceito

presente na Educação Física

Relacionando as idéias expostas para o campo dos esportes, lem-bramos os estudos de alguns autores que entendem o papel da Pedagogia do Esporte no atua! contexto da Educação Física. Freire (1998} argumenta que é papel do pedagogo em esportes possuir princípios básicos que de-vem nortear seu trabalho:

• ensinar esportes;

• ensinar esportes bem a todos; • ensinar mais que esportes a todos; • ensinar a gostar de esportes.

Paes ( 1 9 9 6 , 2 0 0 1 , 2002) considera que, atualmente, o papel da Pedagogia do Esporte é observar e focar sua atenção nas maiorias, e não apenas em uma minoria possuidora de talentos para as práticas competi-tivas, não obstante reconheça o valor de todos os elementos inseridos no ambiente esportivo. Para o referido autor, o esporte moderno, com suas diversidades, seu crescimento e suas articulações, trouxe aspectos oti-mistas para serem explorados por pedagogos do esporte, e ainda que seja factível uma análise crítica sobre a relação "esporte produto de consumo"

versus "Pedagogia do Esporte", ainda assim existem aspectos ainda

pou-co percebidos e que certamente podem ser benéfipou-cos para as crianças praticantes do esporte. 0 autor defende a diversificação esportiva como um dos aspectos principais no desenvolvimento de uma "cultura esporti-v a " e a importância de ações que enesporti-volesporti-vam uma pedagogia da inclusão.2

Gostaríamos de ampliar o conceito de Pedagogia do Esporte neste ar-tigo, em que o técnico de esportes em modalidades individuais e coletivas e

2 Para Paes, ensinar esportes implica desenvolver estratégias de participação de uma maioria, e o autor acredita que o esporte deveria ser mais bem-sistematizado na escola, por ser um espaço mais democrático e de maior acesso ao público; não obstante, o autor acredita ser importante que, existindo condições para o desenvolvimento esportivo, a Pedagogia do Esporte deva incentivar o crescimento.

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198 Pedagogia do Esporte

participante do esporte competitivo seja incluído na categoria de pedago-go, uma vez que, partindo dos conceitos de educação permanente, o téc-nico formador de atletas jovens e adolescentes deve se posicionar, antes de qualquer postura mais técnica, como um educador, consciente do seu papel social (Montagner, 1993).

Os exemplos certamente não parariam por aqui. Reconhecemos que os esportes "alcançam" e "atingem" as crianças por meio de muitas fontes, pelas brincadeiras de rua, pela televisão, pelos profissionais do esporte, pelos irmãos, pais e amigos. Nessa prática, temos a atuação em diferentes ambientes, como a rua, os clubes, as escolas, aliados aos processos naturais, à imitação de grandes atletas e à participação em equipes, o que sugere o acompanhamento de um grupo de pesquisadores que investiguem os casos descritos (Montagner, 1 9 9 9 ) .

Em razão desses antecedentes teóricos e das teorias pedagógicas atuais (Coll et al., 1 9 9 8 , Zabala, 2 0 0 2 ; Morin, 2 0 0 1 , 2 0 0 6 ; Perrenoud, 1999; Delors et al., 2 0 0 4 ) , deixou de ser papel da Pedagogia do Esporte "entulhar" o aluno apenas de conhecimentos técnicos, sem uma correspon-dente reflexão, focados no desempenho de destrezas, sem permitir a ele o desenvolvimento de uma capacidade crítica sobre o conteúdo ensinado.3

Não obstante, a Pedagogia ter forte vinculação com a escola não res-tringe seus estudos e campos de aplicação exclusivamente a ela (escola).

Portanto, a aplicação da Pedagogia do Esporte vai além do aprendizado de técnicas ou do jogo em si e de seus fundamentos. Implica na aquisição de hábitos e condutas motoras, ampliando-se o repertório de possibilidades (Scaglia, 2 0 0 3 ) , no entendimento do esporte como um fator cultural (por conseqüência, humano), no estímulo e no desenvolvimento de sentimen-tos de solidariedade, cooperação, autonomia e criatividade, assim como no resgate e na difusão de valores éticos, sociais e morais (Castellani Filho, 1 9 9 7 , 1 9 9 8 ; Reverdito e Scaglia, 2 0 0 9 ; Montagner, 1 9 9 3 , 1 9 9 9 ; Montagner e Hirama, 2 0 1 0 ; Bento, 2 0 0 4 ) .

3 Aqui cabe a preocupação de Freire (1987) com o desenvolvimento da concepção de "ensino bancário" e como discussão das mais significativas no campo da Pedagogia do Esporte. Essa idéia foi desenvolvida na obra Pedagogia do oprimido.

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P e d a g o g i a da C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a de s i s t e m a t i z a ç ã o nas e s c o l a s d e e s p o r t e s

É difícil para alguns aceitar que o desenvolvimento do esporte possa ter outras características, outros objetivos, além de revelar atletas. Infe-lizmente, o referencial do esporte ainda é o desempenho, a aptidão física, sendo somente essas as dimensões, para muitos, que o justificam.

Diferentemente desse conceito, a Pedagogia do Esporte nos permite avançar no entendimento dessas questões. Obviamente, queremos de-fender que o pedagogo que ensina Esporte não é diferente do profissional que ensina Matemática ou Física, apenas se utiliza de outras ferramentas para auxiliar na construção do processo educacional; tem o pedagogo o Esporte como eixo para sua "ação pedagógica".

Para uma compreensão teórica do conceito de

"Pedagogia da Competição"

Ao buscar a compreensão e a justificativa do conceito de Pedagogia da Competição, parece-nos, à primeira vista, que é totalmente contrário à concepção do esporte querer assumi-lo sem a competição. Ainda nos balizamos nas reflexões de Orlick (1989), que realizou estudos sobre o papel da competição em diferentes ambientes e culturas, identificando relações sociais e econômicas com as atitudes de jovens nos jogos ou nas atividades esportivas.

Porém, o conceito de competição está sempre alinhado com as idéias de sobrevivência dos mais aptos, ou, ainda, como alguns discursos acríticos propõem, de que a competição faz parte natural da vida, e o próprio nascimento de um bebê implica na vitória de um único espermato-zoide sobre milhões de concorrentes (Reverdito et al., 2 0 0 8 ) .

Parece-nos um conceito equivocado e com um discurso "vencido", algo que influenciou gerações de profissionais e pouco se discutiu sobre a essência e a importância desse tema na formação de estudantes, além da competição esportiva como conteúdo aplicável para a formação des-sas gerações. Recordamos os estudos recentes de Marano (2008), que.

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SOO P e d a g o g i a do E s p o r t e

valendo-se da percepção dos fatos e da interferência dos pais, nos EUA, previu o fenômeno que a autora chamou de "uma nação de fracos", fru-tos do excesso de proteção e tutela dos pais, pela formação de gerações incapazes de suportar frustrações, acostumadas a facilidades e projetos minuciosos para o sucesso e êxitos futuros. Esses discursos e ações se esquecem da capacidade de as crianças superarem erros e conviverem com a frustração e o fracasso oriundos das mais variadas experiências. Esquecem-se, ainda, da importância dessas sensações e experiências para o fortalecimento de várias atitudes, e também, para a formação de pessoas equilibradas e coerentes.

Proporcionar a competição esportiva para crianças e adolescentes não significa, necessariamente, que o processo esportivo tenha a missão de produzir atletas, de construir uma mentalidade competitiva focada ape-nas no êxito esportivo, de assegurar o prestígio esportivo nacional ou ain-da de valorizar apenas os mais fortes ou mais aptos e difundir a prática ma-quiavélica de que os fins (ganhar) justificam os meios para essa conquista.

Concordamos com Orlick (1989) quando afirma que as culturas que apresentam grande ênfase na competição tendem a valorizar cada vez

mais o individualismo e que esse processo cria uma única medida para o sucesso, que é a busca pelo primeiro lugar. Porém, entendemos que exis-tem pressupostos pedagógicos na competição que devem ser explorados, tais como o prazer de sentir-se moralmente forte, de ultrapassar seus pró-prios limites, de superar obstáculos que pareciam anteriormente intrans-poníveis e, sobretudo nos jogos esportivos coletivos, de que é necessário aprender a cooperar (jogar junto) para a obtenção da vitória sustentável. Contudo, os apontamentos de Betti (1991) justificam o estímulo e as críticas contra a competição esportiva. Fatores como doping, fraudes, vitórias manipuladas, falsificações de jovens atletas, os famosos " g a t o s "4

representam um aspecto hostil e que merecem punições.

4 A expressão "gatos" é muito utilizada no ambiente do esporte de competição e significa a adulteração da idade cronológica de atletas. Outra hipótese é a de que alguns atletas "pobres" fazem seus registros após algum tempo de sua data de nascimento real.

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P e d a g o g i a da C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a de p—.

s i s t e m a t i z a ç ã o n a s e s c o l a s d e e s p o r t e s

No entanto, generalizar e aplicar a competição esportiva para crian-ças e jovens baseando-se no sistema esportivo, nos moldes da competi-ção esportiva formal de adultos e suas transgressões, implica numa in-compreensão das diferenças e possibilidades de intervenção pedagógica nos diferentes ambientes. A o pensar em construir um conceito de "Peda-gogia da Competição" para os esportes de crianças e jovens, buscamos construir um pensamento em torno de maximizar os aspectos positivos da competição esportiva e minimizar os sinais negativos que certamente existem e constantemente são combatidos por autores que sugerem a extinção da competição no esporte, como se fosse possível conviver sem essa interação natural.

Betti ( 1 9 9 1 , p. 55) apresenta um conceito interessante de Parlebas e que baliza nosso posicionamento teórico:

O d e s p o r t o n ã o p o s s u i n e n h u m a virtude m á g i c a . Ele não é

e m si m e s m o n e m s o c i a l i z a n t e n e m antissocialÍ2ante. É c o n

-f o r m e : e l e é aquilo q u e s e -fizer d e l e . A prática do judô o u

do râguebi pode formar t a n t o patifes c o m o h o m e n s perfeitos

p r e o c u p a d o s c o m o fair play.

A Pedagogia da Competição deve entender o valor da humanização das relações interpessoais em detrimento da escravização do resultado; também busca equilibrar as relações entre prática e resultado, compreen-dendo o valor sociocultural da (con)vivência da competição esportiva. Pa-rece-nos um tanto arrogante afirmar que a lógica da competição esportiva é destruir as pessoas, colocá-las reféns do sistema de rendimento, em que o resultado final é o funil do alto rendimento. Promover a Pedagogia da Competição propõe encaminhar nossos alunos a constantemente superar--se individual e coletivamente.

Fica difícil estabelecer relações entre o bem e o mal com tema sub-jetivo como o que estamos propondo: "Pedagogia da Competição". Sua

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2 0 2 Pedagogia d o E s p o r t e

buscar justificativas concretas para sua aplicação - por natureza de difícil compreensão - , pois seus elementos balizadores t ê m sido o da competi-ção esportiva, em essência, voltados para a superacompeti-ção por meio da apti-dão física motivados por modelos muito visíveis - dos recordes, dos jogos olímpicos, dos torneios televisados etc. - e difundidos culturalmente. As-sim, muitos equívocos teóricos foram construídos na direção de idealizar um esporte sem competição.

Castellani Filho ( 1 9 9 7 , 1998) apresenta um posicionamento interes-sante sobre a competição como um dos elementos necessários ao traba-lho da cultura corporal e que devem ser apreciados pela Educação Física. O autor chama a atenção para alguns equívocos e comenta:

por p r e s e n c i a r m o s , e m n o s s a s o c i e d a d e , v i a de r e g r a , o

pre-v a l e c e r de u m s e n t i d o de competição, c o m p r o m e t i d o c o m o s

v a l o r e s h e g e m ô n i c o s na s o c i e d a d e , q u e f a z por e x a c e r b á - l a

naquilo q u e p o s s u i de d e s u m a n í z a d o r a (ao m e n o s p a r a u m

projeto de s o c i e d a d e q u e n ã o e s t e q u e aí e s t á ) , n e g a s e a p o s

-sibilidade de s e olhar a c o m p e t i ç ã o c o m o e l e m e n t o passível

de s e r construído e m o u t r o s p a t a m a r e s q u e não o e x i s t e n t e ,

r e t i r a n d o s e , a príori, a p o s s i b i l i d a d e d e t r a t á l a p e d a g o g i c a

-m e n t e . T r a t a -m e n t o p e d a g ó g i c o e s s e q u e v e n h a nela

particula-rizar o princípio de c o m p e t i r com, no lugar de c o m p e t i r contra

q u e c o n t e m p l e a s d i f e r e n ç a s s e m c a m u f l á - l a s , r e s p e i t a n d o e

v a l o r i z a n d o - a s i g u a l m e n t e . ( C a s t e l l a n i Filho, 1 9 9 8 , p. 5 5 - 6 )

Os pressupostos identificados por Castellani Filho (1998) identi-ficam uma tendência muito respeitada por pedagogos dos esportes. A competição é um dos componentes que permeiam os esportes e deve ser trabalhada como tal. Se não conseguirmos ensinar a beleza do esporte em sua plenitude, inclusive a competição, seremos escravos de discursos acadêmicos, muitas vezes, elaborados por quem jamais presenciou o gos-to e o prazer de vivenciar essa prática ou de sequer ter pisado em uma

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P e d a g o g i a d a C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a d e gr)3

s i s t e m a t i z a ç ã o nas e s c o l a s d e e s p o r t e s

pista ou entrado em uma quadra de esportes. Isso posto, torna-se possível criar uma Pedagogia da Competição que não a realização de uma cópia pura e sistematizada pelo sistema esportivo formal, mas uma competição instrumentalizada por outros princípios e pressupostos norteadores.

Faz-se necessário que a competição não seja vista sempre como um jogo de alguém contra alguém, mas sim como o jogar com alguém e con-tra si próprio, como um marco de referência para uma autoavaliação. O objetivo da competição deve estar voltado também para a autossuperação e a busca de autoestíma.

Betti ( 1 9 8 8 , p. 33-6) apontou cinco características para discutir o envolvimento educacional e social do esporte que são importantes na análise da competição esportiva e que devem ser reorganizados e minimi-zados nos pressupostos da "Pedagogia da Competição":

• A primeira característica marcante é a própria competição, que tem a superação como meta. Se o confronto é direto, a superação é contra os adversários; se não existe o confronto direto, a supe-ração é de marcas, tempos, recordes e também a autossupesupe-ração. • A segunda característica apresentada é a da hierarquia social, em

que os resultados definem quem é o melhor (primeiro) e o pior (último), o que leva a estabelecer hierarquias entre os praticantes. • A terceira característica é o rendimento máximo e o da

perfor-mance, compreendendo, no caso, a performance como a

reali-zação de exigências máximas do atleta/aluno na busca de vitória ou recorde.

• A quarta característica é a da recompensa intrínseca, bastante presente no esporte competitivo, como prêmios e dinheiro, a fama e a notoriedade, criando-se vínculos maiores, como um trabalho. • Por f i m , a quinta característica são as regras, inflexíveis e prees-tabelecidas, que devem ser cumpridas por todos de forma cor-reta e rígida; ainda que as regras existam para evitar fraudes ou na busca de resultados sob quaisquer condições, são conhecidos

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S 0 4 Pedagogia d o E s p o r t e

mecanismos diversos para uma exploração indevida (doptng, fal-sificação de idade de atletas jovens, mudanças de regulamentos que privilegiam grupos econômicos mais fortes...).

Se reconhecemos que essas características estão presentes na com-petição esportiva, reconhecemos, como pedagogos do esporte, a neces-sidade de intervenções pedagógicas nessas realidades apresentadas por Betti (1988). Reconhecemos também que, sem essas intervenções, pouco se estará contribuindo para a formação dos nossos alunos se simplesmen-te nos limitarmos a reproduzir as regras do sissimplesmen-tema esportivo formal sem a necessária reflexão para valorizar os pontos positivos e reconhecer a necessidade de interagir com os negativos {Galatti et al., 2 0 0 7 ; Reverdito et al., 2 0 0 8 ; Scaglia, Medeiros e Sadi, 2 0 0 6 ; Scaglia e Gomes, 2 0 0 5 ) .

A competição da vida não é a mesma competição do esporte, como muitos querem acreditar, e se, muitas vezes, por mais que lutemos con-tra, não conseguimos modificar as regras da competição da vida e suas distorções sociais, certamente, a "Pedagogia da Competição" permite cor-rigir os possíveis erros observados no esporte. Essa pedagogia identifica o potencial do esporte e posiciona-se no pressuposto da prática do fair

play* como proposta de superação do desrespeito e da busca da vitória

por meio do vale-tudo.

Conceitos de esporte de competição: aspectos

positivos e negativos

O conceito de competição esportiva mais difundido é aquele que se apresenta de forma seletiva por meio de competições, torneios, jogos sis-temáticos organizados por federações e confederações nacionais e inter-nacionais, em que existem nitidamente regras inflexíveis e com a principal

5 Fair play: é uma palavra da língua inglesa, muito usada no meio esportivo para designar o

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P e d a g o g i a da C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a d e pQ5

s i s t e m a t í z a ç ã o nas e s c o l a s d e e s p o r t e s

finalidade de superação. Essa forma de competição caracteriza e orienta a quase totalidade do movimento esportivo mundial, vinculado a um sis-tema esportivo rígido em suas diferentes esferas (amadoras, profissionais e semiprofissionais - profissionalização clandestina). Essas relações são entendidas - por alguns críticos da competição esportiva - como a repro-dução de uma ideologia dominante, pois priorizam uma relação intrínseca entre a superação e o poder.

Seurin (1984, p. 44} apresenta alguns fatores positivos e negativos na relação entre o adolescente e a competição esportiva, interessantes e que permitem uma reflexão dos pedagogos do esporte. Para o autor, en-tre alguns fatores positivos, crianças e adolescentes encontram, no êxito esportivo, algumas necessidades fundamentais: ser amado (ou estimado); ter segurança e ser valorizado, o que muitas vezes reequilibra em relação a outros fracassos, tais como os intelectuais, os afetivos ou os sociais. Também como aspecto positivo, observa que as tendências agressivas podem ser canalizadas por meio das regras organizadas e transparentes, com essa agressividade sendo canalizada e podendo evoluir para uma "combatividade".

Ainda como aspectos positivos, Seurin (1984) aponta que a com-petição esportiva pode satisfazer as necessidades de atuação livre e total, bem como de autossuperação, que são tão importantes para os adoles-centes. Nos ambientes de competição, clubes, equipes, escolas e outros, a competição esportiva apresenta ao jovem um "lar social", que muitas vezes complementa e até substitui o lar familiar. Essa relação, segundo Seurin, é "bastante mais" interessante do que pertencer a uma gangue ou a um bando. Para o autor, os adolescentes sempre procuram afirmações por meio de provas, e ao se canalizarem esses impulsos para as atividades esportivas, existe o mérito de oferecer situações claras e com resultados concretos, podendo o adolescente ter metas e objetivos definidos e sentir as conseqüências de seu empenho, encontrando no esporte um ambiente favorável para essa instabilidade natural da adolescência.

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S 0 6 Pedagogia d o E s p o r t e

Seurin (1984), a despeito de apresentar alguns aspectos positivos na competição esportiva, também identifica alguns negativos, que, em nosso entender, devem ser minimizados, e que o atual processo de com-petição esportiva em sua forma clássica interessa apenas a uma minoria. Para o autor, a atividade esportiva apresenta-se muitas vezes como um novo trabalho, com obrigações diárias, cobranças excessivas, busca de resultados e pouca preocupação com o desenvolvimento harmônico.

O autor aponta ainda uma característica marcante: a relação com o tempo livre, e que outras formas de ocupação desse tempo são melho-res, mais prazerosas e exigem menor esforço, dada a existência de uma hierarquia desportiva e uma exigência, na maioria dos casos, de melhorar constantemente a performance* No caso de jovens e adolescentes, o au-tor aponta que a rigorosidade e exigência dos treinamentos esportivos são antagônicos aos interesses dos adolescentes, que, em geral, querem ser livres e recusam o formalismo.

Os posicionamentos de Seurin (1984) nos seus aspectos negati-vos implicam na compreensão da importância de conhecer essa realidade, uma vez que essa evolução atual do esporte implica em dúvidas sobre o seu papel educativo. Aí está o ponto mais significativo: não é a competi-ção esportiva o problema, mas quem lança mão dela para seus fins. Reco-nhecemos a existência desses aspectos negativos, mas também que, em seus aspectos positivos, muitas são as possibilidades educacionais. A in-fluência dos meios, clubes, professores, técnicos, grupos sociais, fatores políticos e econômicos, entre outros, pode levar jovens a comprometer-se e a envolver-se, ou a recusar-se a participar e a afastar-se das competi-ções, desacreditando das atividades morais e educativas do esporte.

Ao se trabalhar c o m a "Pedagogia da Competição", o profissional deve estar ciente dos riscos de suas ações, quando inadequadas. As ações dos pedagogos do esporte devem estar comprometidas com a responsabilidade e com os princípios educativos do esporte, dimensão

6 A palavra performance é muito utilizada para designar o desempenho de um esportista em treinamentos, provas, competições jogos e outras ações esportivas. É a ação atlética reconhecida e estruturada por números e recordes mensuráveis.

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P e d a g o g i a da C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a de s i s t e m a t í z a ç ã o nas e s c o l a s de e s p o r t e s

esta possível se respeitados alguns dos princípios e pressupostos aqui apresentados, mesmo levando-se em consideração os fatores negativos anteriormente expostos.

Desse modo, sintetizando, por meio da competição esportiva, o jo-vem aprendiz pode sentir-se mais maduro, livre, um ser social que sabe tomar iniciativas, responsabilidades, superar-se, além de aprender a traba-lhar em grupo, principalmente, quando dos eventos esportivos coletivos.

A Pedagogia da Competição: da teoria a um relato

de experiência com escolas de esportes

Para não ficarmos apenas no plano teórico, apresentaremos a se-guir, em linhas gerais, uma experiência desenvolvida com crianças de 7 a 1 5 anos, em que a Pedagogia da Competição materializou-se na forma de uma Liga Pedagógica de Esportes, que tem por objetivo o desenvolvimen-to de uma ação educativa conjunta.

Ao longo de cinco anos, inserido no contexto de um processo di-ferenciado para se ensinar esportes, pontualmente pautados por teorias (Scaglia, 1999a, b; Garganta, 1 9 9 5 ; Freire, 1 9 9 8 ; Griffin; Mitchell e Oslin, 1 9 9 7 ; Souza, 1999; Montagner, 1999; Reverdito e Scaglia, 2 0 0 9 ; Paes, 2 0 0 1 , 2002) que buscam romper com o pensamento tradicional, em que o modelo tecnicista é hegemônico, o conceito da Pedagogia da Competição vinha sendo elaborado e, ao mesmo tempo, experienciado, por intermédio de esforços isolados de alguns professores, dentre eles os que criaram os festivais pedagógicos de esportes (Scaglia et al., 1999).

A Liga Pedagógica tem por finalidade reunir professores que, can-sados do estereótipo de competição seletiva e exacerbada, maciçamen-te disseminado, buscam abordá-la envoltos por princípios pedagógicos e pressupostos7 teórico-práticos, que lhes permitem dar ênfase aos pontos

7 A Liga Pedagógica de Esportes só se justifica se regida por certos princípios (proposições diretoras de uma ciência, às quais todo o desenvolvimento posterior dessa ciência deve estar subordinado) e pressupostos (circunstância ou fato considerado como antecedente necessário de outro), pois caso contrário constitui-se evasiva.

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2 0 8 Pedagogia d o Esporte

positivos possibilitados na competição em detrimento dos frustrantes e negativos.

Sendo assim, a liga procura conduzir as crianças ao aprendizado do mais importante e delicado conteúdo desenvolvido durante o processo inicial de ensino-aprendizagem de esportes, a competição.

Alguns princípios pedagógicos

A Liga apresenta uma série de diretrizes que norteiam a sua práti-ca, construídas em meio à reflexão teórica descrita no início deste artigo. Esses princípios referem-se a pontos, muitas vezes, ideológicos (ou filosó-ficos), que devem aparecer implicitamente tanto na ação dos professores ao orientar seus alunos quanto na adaptação e modificação das regras do jogo formal, assegurando assim não apenas um jogo adaptado para de-terminadas idades, mas otimizando a compreensão lógica do jogo. Assim, o aluno participará da competição sem a necessidade de adquirir certos pré-requisitos técnicos para só então disputar os jogos.

Podemos dizer que o primeiro grande princípio da Liga Pedagógica é promover uma competição mais equilibrada e, por conseqüência, mais desafiadora, em que as equipes se encontrem em níveis próximos tanto em relação às suas habilidades quanto no tocante à compreensão do jogo.

Assim, firma-se um compromisso de possibilitar o aprendizado da competição a todos os alunos, sem em nenhum momento enaltecer alguns em detrimento de outros, pela simples razão de formar equipes com os melhores, enquanto outros aprendem a competir nos bancos de suplência.

Logo, outro princípio da Liga é entender e ressaltar que a competi-ção deve ser vista como um conteúdo a ser aprendido por todos os alu-nos, e não apenas pelos melhores; sendo assim, todos devem jogar um tempo significativo nas partidas.

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P e d a g o g i a da C o m p e t i ç ã o : t e o r i a e p r o p o s t a de P Q Q s i s t e m a t í z a ç ã o nas e s c o i a s d e e s p o r t e s

Mas, para que isso possa acontecer, fazem-se necessárias altera-ções nas estruturas do jogo, e, com certeza o mais importante e funda-mental, a modificação da postura do professor diante da competição.

Todos os professores, antes de participarem de jogos na Liga Peda-gógica, devem fazer uma reflexão sobre sua atitude diante dos momentos a que foram expostos à competição, pois os valores que atribuem a ela, aliados à sua postura, constituír-se-ão em modelo e parâmetro para seus alunos. Um possível bom ou mau comportamento apresentado pelos alu-nos ao longo de uma disputa é muitas vezes reflexo do comportamento externado por seu professor ou reforçado positivamente pelo próprio.

Isso posto, vemos o professor como o grande mediador - e não competidor - no processo de aprendizagem de comportamentos e atitu-des, muitas delas de cunho emocional, durante as competições.

Um treinador que grita com seus alunos, coloca a culpa no juiz pela derrota, ou discute com outras pessoas ao longo da disputa, mostrando um grande descontrole emocional, ou então apenas é reprodução de mo-delos comportamentais presentes nas competições esportivas massifica-das; não conseguirá ensinar aos seus alunos o fair play, muito menos a assimilação de atitudes éticas e morais diante de situações competitivas. Por f i m , outro princípio fundamental para o sucesso das propostas da Liga Pedagógica é a consciente participação dos pais, que devem, a todo momento, estar cientes dos objetivos que a Liga almeja atingir, colocando--se como corresponsáveis pelo sucesso do processo de aprendizagem.

Os pressupostos da Liga Pedagógica de Esportes

A Liga Pedagógica assume alguns pressupostos, subordinados aos princípios, para que possam manifestar-se e colocar-se em prática todas as propostas assumidas ao longo do discurso teórico. Logo, os pressupos-tos permitem a junção entre teoria e prática, ou melhor, a visualização da teoria na prática.

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2IO P e d a g o g i a do Esporte

Os pressupostos estão conectados às questões referentes às estru-turas dos jogos e à organização geral das formas de disputas, para que estas se concretizem ao longo das várias etapas da Liga.

O primeiro pressuposto refere-se às categorias de disputa, em que idade cronológica constitui-se apenas em referencial para a formação des-sas categorias, pois sabemos que crianças apresentam ritmos de desen-volvimento e crescimento diferenciados; por essa razão, algumas crianças um pouco atrasadas ou então precoces, tanto em relação à sua maturação quanto aos seus conhecimentos a respeito do jogo, podem participar de categorias diferentes da de sua faixa etária.

Vale destacar um ponto fundamental: professores não conscientes de seu papel de educadores e ainda presos a estereótipos tradicionais poderão usar dessa liberdade para levar vantagem sobre os demais. Por isso, volta-mos a afirmar a necessidade de se assumir princípios, bem como normas de conduta conscientes e diferenciadas dos padrões atualmente massificados pela competição no alto nível, ou então pela cultura popular do brasileiro, que cultua o jeitinho brasileiro e sua mania de querer levar vantagem em tudo.

0 próximo pressuposto diz respeito às estruturas físicas do jogo. Há uma redução das medidas dos jogos para cada categoria. Assim, o tama-nho do campo ou da quadra aumenta à medida que as crianças crescem, bem como os alvos. Por exemplo, a tabela de basquete fica mais baixa para crianças menores; o mesmo acontece com o tamanho do gol, no fu-tebol, e com a altura da rede, no vôlei.

À guisa de conclusão

Por que crianças pequenas devem jogar nos campos oficiais? Por que uma criança não pode viver a sensação de enterrar uma bola no jogo de basquete? Cravar uma bola no jogo de voleibol?

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Na Liga Pedagógica de Esportes, acreditamos que as crianças não precisam depender de atributos físicos ou do ganho de habilidades técni-cas para vivenciar e aprender todas as possibilidades do jogo.

A mesma preocupação volta-se para os objetos que intermedeiam os jogos, ou seja, as bolas também devem ser de pesos e tamanhos ade-quados às crianças. Crianças menores arremessam bolas mais leves, chu-tam bolas que não são oficiais.

Outro fato de extrema importância para as disputas diz respeito à arbitragem. Se queremos pensar a competição diferentemente dos pa-drões massificados, devemos ensinar aos nossos alunos que os árbitros em nada interferem no resultado do jogo; eles apenas fazem as regras previamente estabelecidas serem cumpridas. Na Liga Pedagógica de Es-portes, não existem jargões como: "Juiz ladrão!" ou "Perdemos o jogo porque o juiz roubou".

Mas, para que esse objetivo seja alcançado, deve-se montar uma liga de arbitragem que também reflita sobre a sua atuação, buscando encontrar apoio para uma mudança de visão a respeito da arbitragem, especialmente quando se refere ao futebol.

Já em relação às formas de disputas e contagem dos pontos, nun-ca, na Liga Pedagóginun-ca, acontecem apenas jogos formais; paralelamente ou no intervalo entre as competições, acontecem as gincanas, que, na verdade, são jogos/brincadeiras já realizados em aulas e que valem pon-tos, somando-se aos dos jogos.

No futebol, por exemplo, existem disputas de pênalti americano, campeonato de gol, tiro rápido, tiro certeiro, gol caixote, bola na trave... No basquete, temos bandeja maluca, arremesso rápido, mata-mata, en-terradas, long jump... No voleibol, podemos citar saque ao alvo, corte ao alvo, finta maluca, saque rápido, rally bali...

Nas gincanas, como nos jogos, obviamente, todos os alunos partici-pam, e ao final de todas as etapas são distribuídas as devidas premiações, independentemente da classificação. Enfim, todos os alunos devem sair pre-miados da competição, mesmo porque o princípio é de que uma competição

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212 Pedagogia do Esporte

pedagógica não deve apenas identificar o primeiro colocado ou o vencedor; cada aluno ou professor, em algum momento ou situação, obteve uma vitó-ria, pessoal ou coletiva, e isso deve ser valorizado simbolicamente.

Por fim, entendemos que a Liga Pedagógica de Esportes constitui-se em proposição inicial, e não numa utopia que, apesar da busca constante de superação de suas metas, não se mostra acabada, muito menos deten-tora do único modo de abordar o tema competição na iniciação esportiva; todavia, apresenta-se como interessante referencial e exemplo teórico-prá-tico para novas intervenções.

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