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Vista do O afastamento do lar do suposto agressor nos casos de violência doméstica pela autoridade policial

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA PELA AUTORIDADE POLICIAL

THE REMOVAL OF SUPPOSED AGGRESSOR FROM HOME IN CASES OF DOMESTIC VIOLENCE BY POLICE AUTHORITY

João Pedro Santi Possamai1

Rodrigo Vaz Silva2 RESUMO

Objetiva-se com o presente artigo analisar as disposições trazidas pela Lei n. 13.827/19 que possibilitou o afastamento do lar do suposto agressor nos casos de violência doméstica pela Autoridade Policial, contrastando com os princípios da inviolabilidade do domicílio, da vedação à proteção insuficiente, da separação dos poderes e da reserva de jurisdição. A pesquisa foi realizada através do método dedutivo e por meio de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial. O tema guarda grande pertinência e atualidade, diante da busca de mecanismos eficientes para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher enraizada na sociedade que perdura até os dias atuais. A nova hipótese de afastamento do lar trazida pela lei busca potencializar os direitos das mulheres, assegurando especialmente a sua segurança e integridade física, fornecendo uma proteção mais adequada diante das circunstâncias do caso concreto, tendo em vista que o Estado-juiz não se mostra presente o tempo todo e em todas as situações. Lado outro, a problemática aparentemente conflita com outras disposições do ordenamento jurídico, como a separação dos poderes e a reserva de jurisdição. De todo modo, ao longo do estudo desenvolvido conclui-se que o afastamento do lar do suposto agressor nos casos de violência doméstica e familiar pela autoridade policial se mostra razoável diante das balizas trazidas pela lei, adotando-se a medida de maneira excepcional e subsidiária.

Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência doméstica e Familiar. Afastamento do

lar. Autoridade Policial. Medida protetiva de urgência.

1Acadêmico de Curso de Graduação em Direito da Universidade do Contestado. Campus Concórdia.

Concórdia. Santa Catarina. Brasil. E-mail: joao__santi@hotmail.com

2Mestre em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Especialista

em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp, Bacharel em Direito pela

Universidade do Rio Grande (FURG), Professor de Curso de Graduação em Direito da Universidade do Contestado – Campus Concórdia. Concórdia. Santa Catarina. Brasil. E-mail:

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ABSTRACT

The aim in this study is to analyze the provision brought by the Law n. 13.827/19 that allowed the removal of the supposed aggressor from home in cases of domestic violence by police authority, in contrast with the principles of the home inviolability, forbiddance of insufficient protection, separation of powers and judicial reserve. The research was realized by the deductive method and through doctrinal and jurisprudential research. The subject holds relevance and topicality, searching for efficient mechanisms to repress the domestic and family violence against a woman that is still rooted in society and stills persists nowadays. The new hypothesis for the removal from home brought by the law aims to maximize women rights, ensuring their security and physical integrity, providing more effective protection under the circumstances in this specific case, with a view that the state-judge is not present all the time and in all the situations. On the other side, the issue apparently comes in conflict with others provisions of the legal system, such as the separations of powers and the reservations of jurisdictions. Either way, throughout the study developed it was concluded that the removal from home of supposed aggressor in case of domestic and family violence by the police authority shows itself reasonable facing the marks brought by law, adopting the measure in a exceptional and subsidiary way.

Keywords: Maria da Penha Law. Domestic and Family Law. Removal from home.

Police Authority. Emergency protective measure.

1 INTRODUÇÃO

A Lei 11.340/06 tem como objetivo de combater a violência de gênero e ganhou o nome de Maria da Penha em razão de uma vítima de violência doméstica, que teve sua vida atentada por duas vezes por seu marido, que a deixou paraplégica na primeira ocasião.

Em razão da impunidade do agressor, o Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, sob fundamento de que o país não possuía ferramentas para combater a prática de violência doméstica, sendo, ao final, condenado. Dentre as recomendações, estava a adoção de políticas públicas para prevenir e combater a violência doméstica.

Dado o apanhado histórico, ao passar dos anos, a Lei n. 11.340/06 sofreu algumas alterações, dentre elas, a recente, efetivada pela Lei n. 13.827/19, que possibilitou à Autoridade Policial afastar o suposto agressor do lar nos municípios em que não forem sede de comarca.

Com a possibilidade de afastamento do agressor do lar pela autoridade policial surge a problemática em razão da colisão de princípios constitucionais, que se busca

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resolver através de uma pesquisa doutrinária e jurisprudencial acerca das balizas que envolvem o tema.

Isto se dá, pois, de um lado há a vedação da proteção deficiente, dever do Estado, considerado o elevado índice de violência doméstica contra mulher na sociedade. De outro, presentes a separação de poderes e o postulado constitucional de matérias afetas à jurisdição, dado que a autoridade policial integra o Poder Executivo e a restrição à determinadas garantias fundamentais exige um pronunciamento jurisdicional.

2 A LEI MARIA DA PENHA – LEI N. 11.340/06

Promulgada em 2006, atualmente considerada referência na área pela Organização das Nações Unidas, a Lei n. 11.340 visa prevenir, frear e coibir a violência doméstica contra a mulher3.

Renato Brasileiro de Lima explica que a referida lei ganhou o nome de uma vítima – Maria da Penha Maia Fernandes – de violência doméstica, que teve seus direitos gravemente violados em duas oportunidades por seu marido no ano de 1983, resultando em paraplegia na primeira ocasião. Em que pese o agressor ter sido denunciado em 28 de setembro de 1984, sua prisão veio a acontecer apenas em 2002. Em razão desta impunidade, da lentidão do processo e havendo grave violação de direitos humanos, o Brasil foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, sob alegação de que o país não possuía ferramentas para combater a prática de violência doméstica. Dentre as recomendações, constantes no Relatório n. 54/2001, estava a adoção de políticas públicas para prevenir e combater a violência doméstica4.

Em seus artigos iniciais, a lei estabelece diversos direitos e garantias fundamentais da mulher, bem como mecanismos de defesa e suporte para aquelas

3Lei Maria da Penha foi reconhecida pela ONU como uma das mais avançadas do mundo, registra

Ana Amélia. Agência Senado. 2011. Disponível em:

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2011/08/04/lei-maria-da-penha-foi-reconhecida-pela-onu-como-uma-das-mais-avancadas-do-mundo-registra-ana-amelia. Acesso em: 28 nov. 2019.

4LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada: volume único. 6. ed. Salvador:

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vítimas de violência doméstica, baseados na dignidade da pessoa humana, a exemplo do que ocorre nos artigos 2º e 3º5.

Nas palavras de Renato Brasileiro de Lima6:

À primeira vista, fica a impressão de que o dispositivo seria de todo redundante, já que tais direitos seriam inerentes a todo e qualquer ser humano, seja ele do sexo masculino ou feminino. No entanto, quando nos lembramos que, historicamente, a construção dos direitos humanos ocorreu, inicialmente com a exclusão da mulher, percebe-se a importância da explicitação de todos esses direitos e garantias fundamentais.

Dentre suas disposições, ainda define os tipos e formas de violência doméstica, dispõe acerca da assistência à mulher em situação de violência doméstica e familiar, do atendimento pela Autoridade Policial, dos procedimentos, das medidas protetivas de urgência, e a atuação do Estado.

2.1 DAS MEDIDAS PROTETIVAS

As medidas protetivas surgem, neste contexto, para dar efetividade ao fim que a lei se propõe: a integral proteção aos direitos das mulheres7. A própria lei traz um

rol exemplificativo, de medidas que podem ser adotadas pelo juiz, consoante se extrai do § 1º do artigo 22 e no caput dos artigos 23 e 248.

5Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível

educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

6LIMA, op. cit., p. 1181.

7DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência

doméstica e familiar contra a Mulher. 4 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 138.

8Art. 22 [...]§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na

legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público. Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

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Para seu implemento, que depende da vontade da vítima, o juiz deve ser provocado, sendo que a autoridade policial e o Ministério Público devem requere-las, quando diante de uma situação de violência doméstica. Nesse sentido, Maria Berenice Dias explica9:

A aplicação de medidas protetivas não tem origem somente nos procedimentos instaurados perante a autoridade policial. Também nas

demandas cíveis intentadas pela vítima ou pelo Ministério Público, que têm

origem em situação de violência doméstica, pode ser requerida a concessão de tais medidas. Inclusive o magistrado pode determinar de ofício a adoção das providências necessárias à proteção da vítima e dos integrantes da unidade familiar, principalmente quando existem filhos menores de idade. A jurisprudência vem reconhecendo a possibilidade de as medidas protetivas serem deferidas de forma autônoma, no juízo cível, a título de tutela

cautelar, independente mente da existência de eventual processo-crime.

(grifo nosso)

Ao discorrer sobre a natureza jurídica das medidas protetivas, Fausto Rodrigues de Lima afirma que “as medidas protetivas não são instrumentos para assegurar processos. O fim das medidas protetivas é proteger direitos fundamentais, evitando a continuidade da violência e situações que a favorecem"10. Nessa seara, o

entendimento predominante é de que se está diante de verdadeiras medidas cautelares.

Diante da amplitude do tema e considerado o fim a que se propõe, importa ao presente artigo uma breve menção acerca das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor, dispostas no artigo 22 da Lei n. 11.340/06, uma vez que determinadas constrições de liberdade necessitam de um pronunciamento jurisdicional.

São medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor: a suspensão da posse ou restrição do porte de armas; o afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a vítima; a proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas; a proibição de contato com a ofendida, seus familiares e

9DIAS, op. cit., p. 139.

10LIMA, Fausto Rodrigues de; CAMPO, Carmen Hein de (Org.). Lei Maria da Penha: comentada em

uma perspectiva jurídico-feminista: Da atuação do Ministério Público: artigos 25 a 26. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 329.

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testemunhas; a proibição de frequentar determinados lugares; a restrição ou suspensão de visitas; a prestação de alimentos provisionais ou provisórios11.

Dentre as hipóteses exemplificadamente mencionadas pela lei, é cediço que as medidas protetivas de urgência importam na restrição de direitos do suposto agressor, sendo alguns deles fundamentais, como é o caso do afastamento do lar e a proibição de frequentar determinados lugares, implicando em expressiva restrição à inviolabilidade do domicílio e ao direito de ir e vir, respectivamente, consagrados no artigo 5º, incisos XI e XV, da Constituição Federal12.

Superado os tópicos iniciais, definido o plano de fundo do presente artigo, passa-se a uma análise do problema e seus fundamentos.

2.2 DO ATENDIMENTO PELA AUTORIDADE POLICIAL E A LEI N. 13.827/19 – QUE ALTEROU A LEI N. 11.340/06

Buscando dar maior efetividade ao combate à violência doméstica, assim como a redução dos danos causados às vítimas, a Lei Maria da Penha, no capítulo III do título III, prevê uma série de medidas a serem adotadas pela autoridade policial, na ocasião de um episódio de violência doméstica.

Dispõe que na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis, segundo o artigo 10, caput, da Lei n. 11.340/06. Com o avanço da legislação, no ano de 2017, estabeleceu-se o direito de atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores capacitados, preferencialmente do sexo feminino13.

11BRASIL. Lei n. 11.340, de 07 de agosto de 2006. Diário Oficial da União. Brasília, 07 de agosto de

2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 29 Out. 2019.

12BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 1 Nov. 2019.

13Art. 10. Na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a

autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis. Art. 10-A. É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados.

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Neste ponto, Adriana Ramos de Mello e Lívia de Meira Liva Paiva, citando Mello, esclarecem que anteriormente14:

A criação das delegacias de atendimento à mulher (Deams) na década de 1980 foi uma das primeiras políticas públicas voltadas para as mulheres no Brasil, fruto de demandas feministas que atuaram ativamente na Assembleia Constituinte de 1987. Destaca-se o pioneirismo do Brasil com esse modelo de delegacia que, em seguida, serviu de exemplo para outros países da América Latina. De lá para cá, foram criadas várias delegacias especializadas de atendimento à mulher, mas o número ainda é insuficiente, considerando o tamanho do País.

Maria Berenice Dias explica o que ocorria em muitos casos em tempos mais remotos, anteriores à Lei Maria da Penha15:

Além disso, era de todo inadequado o tratamento dispensado à mulher que se dirigia à delegacia de polícia na busca de socorro. Ouvida no balcão, muitas vezes acabava sendo ridicularizada e até questionada sobre o que ela tinha feito para dar ensejo à reação do agressor. Com isso, a vítima era culpabilizada pela violência.

Tal criação, juntamente com aqueles direitos e providências previstos nos artigos 10-A e 11 da Lei n. 11.340/06, traduzem verdadeira forma de redução de danos, a fim de se evitar a vitimização secundária.

Em todo caso, segundo o artigo 12 da Lei n. 11.340/06, deverá a autoridade policial adotar uma série de providências assim que tomar conhecimento de uma situação de violência doméstica.

Segundo Renato Brasileiro de Lima, trata-se de rol meramente exemplificativo, devendo ser analisado caso a caso. Contudo, algumas delas são de caráter obrigatório, como a oitiva da vítima, a lavratura do boletim de ocorrência16.

14MELLO, Adriana Ramos de; PAIVA, Lívia de Meira Lima. Lei Maria da Penha na prática. 1. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, n. p.

15DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à

violência doméstica e familiar contra a Mulher. 4 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 166.

16LIMA, Renato Brasileiro. Legislação criminal especial comentada: volume único. 6. ed. Salvador:

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No ano de 2019, interessante inovação legislativa introduziu o artigo 12-C na Lei Maria da Penha, através da Lei n. 13.827/19, publicada no dia 13 de maio de 2019, que passou a vigorar com a seguinte redação17:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

I - pela autoridade judicial;

II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.

Da análise do dispositivo, verifica-se que, efetivamente, em determinadas situações, o Delegado de Polícia ou até mesmo o policial, pode afastar o suposto agressor do lar, igualmente como ocorre nas medidas protetivas de urgência. Trata-se, pois, de uma atuação subsidiária a do Poder Judiciário18.

Comentado o dispositivo, Rogério Sanches Cunha observa que:

Com efeito, no caso de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da vítima, a lei estabelece que, em primeiro lugar, a autoridade judicial aplica a medida de afastamento. Caso o local não seja sede de comarca, isto é, caso se trate de um município (normalmente de pequeno porte) que não conte com varas judiciais e faça parte de comarca instalada em outro município, a medida pode ser concedida pelo delegado de polícia, que, aliás, ao receber a comunicação do crime tem mais condições de avaliar, ainda que superficialmente, as condições físicas e psicológicas da vítima e a real situação a que está submetida. Finalmente, caso o município não seja sede de comarca e, por alguma circunstância, não haja delegado disponível no

17BRASIL. Lei n. 13.827, de 13 de maio de 2019. Diário Oficial da União. Brasília, 14 de maio de

2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm. Acesso em: 4 nov. 2019.

18CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11.340/06. Comentada

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momento da comunicação do crime, a medida pode ser concedida pelo policial.

Em vista disso, denota-se que a lei busca diferenciar a gravidade, caso a caso, de modo que nesta situação haja o atual ou iminente perigo para a vida ou a integridade física da vítima19. Assim, o afastamento do lar consagrado no artigo 12-C

da Lei n. 11.340/06 é considerado verdadeira medida protetiva ou medida cautelar. Por todo o exposto, diante da possibilidade criada pela lei, a situação se relaciona com determinados princípios e normas constitucionais, quais sejam: a inviolabilidade do domicílio, a vedação à proteção insuficiente, a separação dos poderes e a reserva de jurisdição.

3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

3.1 A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

A matéria afeta à inviolabilidade do domicílio é resguardada no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal, segundo o qual "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial"20.

Veja-se que a própria Constituição Federal estabelece expressamente as exceções que podem ocorrer a violação sem o consentimento do morador, quais sejam: flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou durante o dia, por determinação judicial.

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, não subsistem mais os demais casos em que a legislação permitia o ingresso na residência, sem autorização judicial ou sem o consentimento do morador21.

19CUNHA, op. cit., p. 134-135.

20BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 19 Nov. 2019.

21MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10.

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Assim sendo, pelo próprio texto constitucional, verifica-se que a proteção à inviolabilidade do domicílio não é absoluta e comporta ressalvas, que são feitas no mesmo âmbito de consagração da norma.

Nesse passo, a garantia fundamental se relaciona com o disposto no artigo 12-C da Lei n. 11.340/06, incluído pela Lei n. 13.827/19, tendo em vista que possibilita o afastamento do suposto agressor do lar pela Autoridade Policial sem qualquer determinação judicial nesse sentido, o que implica, em tese e ao menos, em uma violação reflexa do direito fundamental.

3.2 A PROIBIÇÃO DA PROTEÇÃO INSUFICIENTE

Em um primeiro momento, o dispositivo vai ao encontro da proibição da proteção insuficiente, consectário lógico do princípio da proporcionalidade, ao lado da proibição do excesso à proibição, conforme indica a Corte Constitucional alemã22.

Isto porque o conjunto de disposições da Lei Maria da Penha busca, precipuamente, consagrar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como reafirma direitos fundamentais23, devendo,

portanto, o Estado assegurar de maneira suficiente a sua proteção.

Para a proibição da proteção insuficiente, considera-se que frente às agressões a direitos fundamentais por terceiros, existe um dever de proteção do Estado24.

Lenio Luiz Streck ensina25:

22MENDES; BRANCO, op. cit., p. 228.

23Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher,

nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

24SARLET, Ingo Wolfgang. Constituição e proporcionalidade: o direito penal e os direitos

fundamentais entre a proibição de excesso e de insuficiência. Revista da Ajuris, a. XXXII, n. 98, p. 107, jun. 2005.

25STECK, Lenio Luiz. O dever de proteção do Estado (Schutzpflicht): O lado esquecido dos direitos

fundamentais ou qual a semelhança entre os crimes de furto privilegiado e o tráfico de entorpecentes?. Revista Jus Navigandi, Teresina, n. 1840, 15 jul, 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11493. Acesso em: 21 nov. 2019

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há uma distinção entre os dois modos de proteção de direitos: o primeiro – o princípio da proibição de excesso (Übermassverbot) – funciona como proibição de intervenções; o segundo – o princípio da proibição de proteção insuficiente (Untermassverbot) – funciona como garantia de proteção contra as omissões do Estado, isto é, será inconstitucional se o grau de satisfação do fim legislativo for inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção.

Dito isso, analisando o instituto sob a perspectiva do direito alemão, referido autor identifica três classificações para o dever de proteção, são eles26:

a) o Verbotspflicht, como sendo "o dever de se proibir uma determinada conduta";

b) o Sicherheitspflicht, como sendo o dever que o Estado tem de proteger o cidadão contraataques de terceiros, devendo de tomar as medidas de defesa cabíveis;

c) o Risikopflicht, como sendo o dever do Estado de atuar com o objetivo de evitar riscos para o indivíduo.

Sob esse aspecto, observa-se o dispositivo inserido na Lei n. 11.340/06, pela Lei n. 13.827/19, consagra o princípio da proibição da proteção insuficiente, nas vertentes delineadas nos itens ‘b’ e ‘c’.

Os direitos das mulheres são potencializados com a possibilidade de imediato afastamento do lar do suposto agressor, uma vez que não dependerá do expediente a ser analisado pelo juiz.

3.3 A SEPARAÇÃO DOS PODERES e a RESERVA de JURISdIÇão

Sob outro aspecto, a nova situação jurídica trazida pela norma analisada relaciona-se com o princípio constitucional da separação dos poderes, consagrado no artigo 2º da Carta Magna, que estabelece que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário"27.

26STECK, op. cit.

27BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,

1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em: 11 Nov. 2019

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Traçando um breve histórico, Flávio Martins Alves Nunes Júnior explica que a teoria inicial da separação dos poderes tem origem em Aristóteles, na obra A Política, quando definiu funções estatais distintas: deliberação, comando e judicatura. Já no século XVI, John Locke dá novos contornos à teoria, definindo quatro funções: legislativa, executiva, federativa e prerrogativa28. Contudo, André Ramos Tavares cita

uma divergência doutrinária quanto a autoria da separação de poderes. Para ele, há aqueles que consideram Locke como autor original. Já outros, atribuem o conceito a Montesquieu, sendo Locke o percursor29.

Historicamente, a separação dos poderes consagrava-se entre o poder legislativo e o poder executivo, quando então Montesquieu acrescentou a função judicial30.

Tanto a doutrina de Locke, como a de Montesquieu baseava-se na premissa de que "todo poder tende a corromper-se onde não encontra limites"31.

Nesse sentido, a teoria surge, como explica Flávio Martins Alves Nunes Júnior, para evitar centralização do poder, e consequentemente, o arbítrio e o autoritarismo32.

Nas palavras de Walber de Moura Agra33:

A separação de poderes tem como escopo evitar o surgimento do absolutismo, que representaria a morte da democracia e dos direitos fundamentais. Assim, surge a teorização de que cada órgão de poder realiza uma atividade, especializando-se nela de forma a melhorar a sua eficácia. A concentração de poder tende ao arbítrio; com a sua repartição, em que um poder limita o outro, a fiscalização do cumprimento dos parâmetros legais pode ser realizada, evitando-se a quebra dos princípios democráticos.

Em um panorama atual, a separação de poderes serve para organizar o Estado, especialmente em sua estrutura política, o que permite um controle mútuo entre os órgãos e funções. André Ramos Tavares resume bem a ideia34:

28NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constitucional [livro eletrônico]. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, n. p.

29TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.

1197.

30TAVARES, op. cit., p. 1198.

31TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012 p.

1198.

32NUNES JÚNIOR, Flávio Martins Alves. Curso de direito constitucional [livro eletrônico]. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, n. p.

33AGRA, Walter de Moura. Curso de direito constitucional. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p.

161.

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E é na Constituição que se encontra o grau de interdependência e colaboração entre os diferentes órgãos existentes e as suas respectivas atribuições. Neste caso, tem-se uma teoria da separação de poderes como uma específica teoria acerca do arranjo institucional desenhado em cada Estado pela respectiva Constituição.

Nesse mesmo sentido leciona Alexandre de Moraes35:

A Constituição Federal, visando, principalmente, evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado (CF, arts. 44 a 126), bem como da instituição do Ministério Público (CF, arts. 127 a 130), independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais para que bem pudessem exercê-las, bem como criando mecanismos de controles recíprocos, sempre como garantia da perpetuidade do Estado Democrático de Direito.

Além de estarem elencados expressamente no artigo 2º da Constituição Federal, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário têm suas composições, funções e prerrogativas definidos no texto constitucional36.

Na dicção de Luis Roberto Barroso, ao discorrer sobre o tema, ensina que os poderes Legislativo e Executivo recebem atribuição, na sua essência, política. Cabe ao Legislativo a criação das leis. De outra maneira, o Executivo se presta à administração, em a autoridade máxima exerce a função de chefe de Estado e de governo concomitantemente, no sistema presidencialista. Ao passo que ao poder Judiciário compete, precipuamente, a aplicação do direito, atribuição fundamentalmente técnica37.

A par disso, o debate traz à baila o postulado constitucional de reserva de jurisdição que decorre da separação dos poderes38, tema ainda pouco explorado pela

doutrina e jurisprudência nacional, segundo o qual "implica a reserva de juiz relativamente a determinados assuntos"39.

35MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed.

São Paulo: Atlas, 2013, p. 72.

36MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 9. ed.

São Paulo: Atlas, 2013, p. 72.

37BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 420.

38CARVALHO, Daniel Pinheiro de. Reserva de jurisdição: classificação doutrinária e jurisprudência

brasileira. Revista da AGU, Brasília, v. 18, 06 abr. 2016. Disponível em:

https://seer.agu.gov.br/index.php/EAGU/issue/view/73. Acesso em: 15 nov. 2019.

39CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina,

(14)

Para Gilmar Mendes, "a cláusula de reserva de jurisdição consiste em confinar ao âmbito do Judiciário a prática de certos atos que impliquem restrição a direitos individuais especialmente protegidos"40.

Em interessante abordagem, José Gomes Canotilho explica41:

Em sentido rigoroso, reserva de juiz significa que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última palavra, mas também a primeira palavra. É o que se passa, desde logo, no domínio tradicional das penas restritivas de liberdade e das penas de natureza criminal na sua globalidade. Os tribunais são guardiões da liberdade e das penas de natureza criminal e daí a consagração do princípio nulla poena sine judicio [...]

Nesta linha já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, em Mandado de Segurança, sob a relatoria de Celso de Mello42:

[...] Postulado constitucional da reserva de jurisdição: um tema ainda pendente de definição pelo Supremo Tribunal Federal. O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter à esfera única de decisão dos magistrados a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de ‘poderes de investigação próprios das autoridades judiciais’. A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado [...].

Aprofundando o tema, Guilherme Newton do Monte Pinto, em dissertação de mestrado, ao discorrer sobre as concepções da reserva de jurisdição, afirma que em uma delas, tem-se verdadeira atribuição de competência exclusiva ao Poder Judiciário

40MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 10.

ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 901.

41CANOTILHO, op. cit., p. 664.

42BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Mandado de Segurança n. 23.452-RJ.

(15)

para a prática certos atos. Nesta concepção, o postulado é utilizado para mitigar algum direito fundamental43.

Trazendo a discussão para a problemática abordada no artigo 12-C da Lei n. 11.340/06, certo é que o Delegado de Polícia e o policial fazem parte do Poder Executivo.

Dessa forma, em uma primeira análise dissociada de outros parâmetros, a possibilidade de a autoridade policial implementar o afastamento cautelar do lar do suposto autor de violência doméstica afrontaria os princípios da separação dos poderes e da reserva de jurisdição, uma vez que o caráter da medida não está abrangida dentre as funções tipicamente previstas para esses agentes44.

Contudo, conforme já citado anteriormente, autorizada doutrina considera a medida trazida pelo artigo 12-C da Lei n. 11.340/06 como sendo subsidiária e excepcional45.

Não se pode perder de vista que o próprio ordenamento jurídico autoriza, em determinadas situações, que agentes públicos não investidos de jurisdição pratiquem atos de cunho jurisdicional, a exemplo do que ocorre na fiança arbitrada pelo Delegado de Polícia46. Nesse mesmo sentido se pode sustentar que é a prisão em flagrante

realizada por policiais militares até a lavratura de todo o procedimento, que importa em grave restrição à direito fundamental do agente47.

A situação de flagrância em diversos pontos se assemelha à problemática advinda com a entrada em vigor da Lei n. 13.827/19, pois devido às circunstâncias, o sujeito terá alguns direitos restringidos até decisão em contrário.

43PINTO, Guilherme Newton do Monte. A reserva de jurisdição. São Paulo, 2009. Dissertação

(Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2009, p. 224-225.

44Art. 282. [...]§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou,

quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)

45 CUNHA, Rogério Sanches. Violência doméstica: Lei Maria da Penha. Lei 11.340/06. Comentada

artigo por artigo. 8. ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2019, p. 133-134.

46Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena

privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

47 Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender

(16)

Parte autorizada da doutrina sustenta que a prisão em flagrante possui caráter precautelar, ou seja, se presta para colocar o flagranciado à disposição do juiz48. Nos

dizeres de Renato Brasileiro de Lima:

Não se trata de uma medida cautelar de natureza pessoal, mas sim precautelar, porquanto não se dirige a garantir o resultado final do processo, mas apenas objetiva colocar o capturado à disposição do juiz para que adote uma verdadeira medida cautelar: a conversão em prisão preventiva (ou temporária), ou a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com as medidas cautelares diversas da prisão.

Utilizando-se de analogia, o afastamento do suposto agressor do lar possuí nítido caráter precautelar, não se dirigindo para garantir o resultado final do processo, mas sim assegurar os direitos da vítima até que o magistrado possa analisar a situação e então proferir uma decisão.

A excepcionalidade, a subsidiariedade, bem como os apontamentos feitos acima pelos quais as medidas se assemelham à prisão em flagrante ficam claros diante da redação do § 1º do artigo 12-C da Lei n. 11.340/06, que determina que o juiz será comunicado no prazo de 24 horas e decidirá em igual prazo49.

Por tais razões, não há que se falar em violação do princípio da separação dos poderes e da reserva de jurisdição.

4 CONCLUSÃO

Certo é que a violência doméstica e familiar está enraizada na sociedade e necessita ser combatida. Nesse passo, buscando dar-se a tutela adequada aos direitos das mulheres, surgiu a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06).

A referida lei traz um conjunto de direitos, ações, medidas e recomendações à todos, especialmente ao Poder Público, a fim de coibir a violência doméstica e familiar. Com o passar dos anos, significativas mudanças ocorreram, no intuito de melhorar e adequar as disposições da Lei às necessidades da sociedade.

48 LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único. 6. ed. Salvador: JusPODIVM,

2018, p. 940.

49 Art. 12-C. [...]

§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.

(17)

Nesse contexto, surgiu a Lei n. 13.827/19, que alterou a Lei n. 11.340/06, acrescentando o artigo 12-C e possibilitou o afastamento do lar, de imediato e pela Autoridade Policial, do suposto agressor, quando preenchidos os requisitos.

Partindo de uma análise teórica, objetivou-se analisar os princípios e normas que se relacionavam com o tema, a fim de se verificar se compatível ou não com os institutos.

Foi identificado a relação com a inviolabilidade do domicílio, com a proibição da proteção insuficiente e com a separação dos poderes e a reserva de jurisdição.

No que concerne à inviolabilidade do domicílio, o tema guardou grande pertinência, tendo em vista que a possibilidade criada pela lei pode violá-lo, ao menos em uma via reflexa, diante do afastamento do lar do indivíduo.

Acerca da proibição da proteção insuficiente, constatou-se que as disposições da Lei potencializam o instituto, tendo em vista que os direitos das mulheres, reafirmados na Lei Maria da Penha, como o direito à vida, à segurança, à saúde, ao acesso a justiça, dentre outros, são objeto de uma tutela mais efetiva, possibilitando uma maior proteção.

Acerca da separação dos poderes e da reserva de jurisdição, verificou-se que a medida é adotada por integrante do Poder Executivo, o que em uma primeira análise vai de encontrou à tais princípios.

Contudo, considerou-se que a norma é subsidiária e excepcional, assemelhando-se com outros institutos, como o arbitramento de fiança pelo Delegado de Polícia e a prisão em flagrante.

Nessa perspectiva, utilizando-se da analogia, evidenciou-se que a possibilidade de afastamento do lar do suposto agressor pela Autoridade Policial possui caráter precautelar, como ocorre na prisão em flagrante, possibilitando assim a resguarda de um direito e colocando-o a disposição do Estado-Juiz para análise definitiva.

Tendo em vista o exposto, considera-se a nova situação criada pela Lei n. 13.827/19 se mostra legal, em conformidade com o ordenamento jurídicos, nas suas regras e princípios.

(18)

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 29/06/2020 Artigo aceito em: 07/10/2020 Artigo publicado em: 13/11/2020

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