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Cachoeira cidade criativa: uma análise do potencial criativo da cidade de Cachoeira

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

ANA BEATRIZ COSTA FERREIRA DOS SANTOS

CACHOEIRA, CIDADE CRIATIVA:

Uma análise do potencial criativo da cidade de Cachoeira (BA)

Salvador 2014

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ANA BEATRIZ COSTA FERREIRA DOS SANTOS

CACHOEIRA, CIDADE CRIATIVA:

Uma análise do potencial criativo da cidade de Cachoeira (BA)

Salvador 2014

Monografia apresentada ao curso de graduação em Comunicação Social – Produção em Comunicação e Cultura, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social – Produção em Comunicação e Cultura. Orientador: Prof. Dr. Sergio Sobreira

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Sergio Sobreira por ter aceitado me orientar neste trabalho. Pela sua generosidade e confiança.

Ao Professor José Roberto Severino pela sua presença e ensinamentos na maior parte de minha vida acadêmica, por me ajudar a me manter próxima ao Recôncavo da Bahia e por ter aceitado fazer parte da minha banca.

Ao professor Paulo Miguez pela sua disponibilidade de fazer parte da minha banca. Ao amigo Layno Pedra pela paciência e toda disponibilidade em me ajudar na realização deste trabalho.

Ao Secretário de Cultura e Turismo de Cachoeira, José Luis Anunciação Bernardo e ao Produtor da FLICA, Emmanuel Mirdad por disponibilizarem seu tempo e conceder a entrevista que faz parte deste trabalho.

À Carlos Paiva e à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia, pelas informações concedidas para o trabalho realizado.

Aos meus companheiros Eduardo Coutinho e Iajima Silena pelo amor e apoio de toda hora.

Aos meus colegas de faculdade que de alguma forma fazem parte dessa história, Ana Carolina Rosário, Camila Brito, Nathália Procópio, Stéfane Souto e Tomás Silva.

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RESUMO

Este trabalho consiste na análise do potencial criativo da cidade de Cachoeira, no Recôncavo da Bahia, a partir do conceito de Cidade Criativa. Para tanto, a monografia conta com fundamentação teórica sobre cultura e desenvolvimento, partindo do ponto de vista da cultura como fator de desenvolvimento socioeconômico, trazendo referências teóricas sobre economia da cultura, indústrias criativas e economia criativa. Além disso, é feita uma retrospectiva histórica sobre a formação da cidade de Cachoeira. São abordados também sua renovação a partir da implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e o surgimento de projetos culturais como a FLICA, ressaltando a contribuição que eles podem ter no desenvolvimento dos setores culturais e criativos, tornando Cachoeira, assim, uma cidade criativa.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Elos da cadeia produtiva...20

Figura 02 – Setores Criativos – a ampliação dos setores culturais...22

LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Exemplos de indicadores para medir a contribuição socioeconômica da cultura.19 Tabela 02 – Obras do Monumenta em Cachoeira...31

Tabela 03 – Bens Patrimoniais de Cachoeira...32

Tabela 04 – Valores apoiados via Fazcultura...44

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...7

2. CIDADE, CULTURA E DESENVOLVIMENTO...11

2.1 Cultura e Cidade...11

2.2 Cultura e Desenvolvimento...15

3. A CIDADE DE CACHOEIRA: UMA CIDADE COM POTENCIAL CRIATIVO....27

3.1 O cenário cultural...34

3.2 A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia...39

3.3 A Festa Literária Internacional de Cachoeira ...41

3.4 Cachoeira e seu potencial criativo...45

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...53

5. REFERÊNCIAS...56

6. ANEXOS...58

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1. INTRODUÇÃO

No final do século XX, o avanço das tecnologias e a mudança da economia no mundo capitalista fizeram surgir reflexões acerca da criatividade no espaço urbano. A era das indústrias estava chegando ao seu fim e a economia emergia em busca de novas formas e fontes de produção de riquezas e dessa maneira surgem as primeiras indagações em torno do setor cultural como forma de regeneração urbana. Iniciaram-se, nesse momento, a realização de conferências, a produção de artigos e livros que visavam desenvolver o pensamento em torno da cultura e da cidade, justamente explanando e comprovando o poder que a cultura, as artes, as indústrias criativas e um novo modelo de gestão baseada em políticas públicas para a cultura podem ter para transformar e desenvolver um local e sua população. Pensar no desenvolvimento humano em detrimento do desenvolvimento econômico pode ser, a partir desses novos pensamentos, a grande mudança para o mundo.

Dessa maneira, no início do século XXI, as discussões em torno da cultura e das artes se intensificaram passando a ser vistas como fatores desenvolvimentistas nas cidades de todo o mundo, tanto no setor social quanto no econômico. As políticas públicas para a cultura e o surgimento de indústrias criativas vêm fortalecendo essa ideia e estudos tentam encontrar novas maneiras de comprovar o potencial desse setor na diversificação da estrutura produtiva das economias locais e regionais de países como Espanha, Colômbia e até mesmo o Brasil. A partir desses novos pensamentos e estudos, vê-se a necessidade de pensar a cidade como esfera cultural do ser humano e inseri-la em uma nova política cultural que viabiliza soluções, também culturais e criativas, para a vida em comum, em sociedade.

Este projeto surge a partir deste cenário que se pensa acerca da cultura, baseado nos novos estudos que intensificam o potencial do setor, e, tendo como exemplos, cidades que souberam se reinventar, desenvolvendo uma economia que se move ao redor de bens intangíveis e simbólicos, de dimensão cultural para o fortalecimento de setores tradicionais da economia. A especialista em cidades criativas, Reis (2008), aponta várias cidades do mundo com esse potencial e dentre elas algumas cidades brasileiras de grande porte, como São Paulo e Belo Horizonte, que já começaram a dar mais atenção a essas questões. Cidades de médio e pequeno portes, como Paraty (RJ), também começaram a ter iniciativas criativas para o seu desenvolvimento.

A escolha da cidade de Cachoeira (BA) enquanto objeto de pesquisa surgiu nessa perspectiva, com o objetivo de analisar seu potencial criativo e as suas possibilidades de

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reinvenção e retomada de importância no cenário baiano. Uma cidade de pequeno porte1, que já teve seu apogeu econômico no período colonial do Brasil e devido à sua configuração histórica possui grande diversidade cultural, que reúne heranças de origem europeia, indígena e africana e, também por isso, já foi um importante pólo turístico. No entanto, Cachoeira ficou esquecida por mais de cinquenta anos. Com a implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em 2006, a cidade voltou a ser notada em seu grande potencial cultural, artístico e histórico e começaram a surgir projetos culturais de grande visibilidade, atraindo novamente os turistas.

Dessa forma, esta pesquisa tem como objetivo analisar a FLICA - Festa Literária Internacional de Cachoeira, e verificar a sua contribuição para o desenvolvimento socioeconômico e cultural da cidade. A FLICA é um projeto cultural realizado anualmente na cidade eteve sua primeira edição em 2011, período posterior à implantação da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB em Cachoeira. Também serão avaliados os investimentos para a produção desse projeto cultural, que podem ser geradores de empregos diretos e indiretos e estimular o desenvolvimento dos setores correlatos, como transporte, hotelaria, alimentação e outras atividades ligadas ao turismo cultural e os efeitos multiplicadores desse desenvolvimento sobre as demais atividades econômicas. Ressalta-se também a potencialidade de outros projetos culturais como a FLICA no sentido da revitalização das regiões, onde estão inseridos, por meio de incentivo artístico e cultural, melhorando a imagem da localidade, tornando-a novamente um destino turístico pelo seu potencial criativo.

Este projeto se desenvolve a partir do conceito de Cidade Criativa, defendido pela especialista Reis (2012), além dos autores que se debruçam sobre a temática da cultura e sua relação com o desenvolvimento, trazendo discussões na área da economia da cultura, indústrias criativas e economia criativa como os autores Miguez (2007), Tolila (2007), Vivant (2012), Canclini (2008) e Coelho (2008), além dos gestores Gilberto Gil e Juca Ferreira que contribuíram de forma inovadora na condução do Ministério da Cultura.

O trabalho consiste num panorama conceitual sobre esses temas para chegar ao conceito de cidades criativas de forma respaldada e garantindo o entendimento do campo cultural e sua contribuição para o desenvolvimento socioeconômico. Como o termo “cidade criativa” é ainda muito recente, fez-se necessário buscar conceitos que o antecedem para que fique claro seu surgimento, sua importância e sua aplicabilidade.

1 Segundo o IBGE, a cidade de Cachoeira possui 34.244 habitantes (dados de 2013). Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=290490 Acessado em: 3 de julho de 2014.

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Além disso, é feita uma análise da cidade de Cachoeira que se debruça sobre a história de construção da cidade e sua influência na formação da população e sua identidade. Tal análise identifica a importância que a cultura tem para as dinâmicas que já fazem parte do cotidiano de Cachoeira e, consequentemente, para a economia local, apresentando o seu potencial de se desenvolver e tornar-se uma cidade criativa.

Dessa maneira, o trabalho está dividido em dois capítulos: Cidade, Cultura e Desenvolvimento e A cidade de Cachoeira: uma cidade com potencial criativo. Essa divisão tem o objetivo primeiro de apresentar os conceitos que abordam a cultura e o desenvolvimento aplicados na esfera municipal e como Cachoeira possui características suficientes para desenvolver seu potencial criativo, garantindo o desenvolvimento socioeconômico local e se tornando uma cidade criativa.

No primeiro capítulo é traçado um panorama conceitual de como a cultura pode contribuir para o desenvolvimento das cidades. Nesse capítulo são abordados a relação da cidade com as manifestações culturais, a importância da cultura na contemporaneidade e como a cidade é o palco para a relações culturais e o desenvolvimento a partir da cultura. Abrange também os diversos conceitos de desenvolvimento, economia da cultura, indústrias e economia criativa até chegar ao conceito de cidades criativas. Todos os conceitos abordados contribuem para o entendimento de como o desenvolvimento pode ser promovido pela cultura, um desenvolvimento socioeconômico no qual, além de contemplar a economia, transforma a população e sua relação com a comunidade.

O segundo capítulo faz um resgate histórico da construção da cidade no período colonial até os dias de hoje; sua importância geográfica para a economia nesse período; como se deu a construção populacional da cidade e as principais atividades econômicas; seu declínio e ações do Governo Federal para a preservação do patrimônio material e imaterial. Além disso são abordadas as principais manifestações que acontecem na cidade e a importância da preservação de alguns símbolos históricos para a cidade, como os saveiros, a irmandade da Boa Morte, os terreiros de candomblé; além de citar setores considerados hoje criativos como a gastronomia e a produção artesanal de licor. Faz também uma apresentação sobre a instalação da universidade e como esse fato alterou as dinâmicas sociais da cidade de Cachoeira e também a sua visibilidade. Neste capítulo também é apresentado um projeto de grande visibilidade que acontece na cidade, a Festa Literária Internacional de Cachoeira, e suas contribuições para o local. E finalizado o capítulo é apresentado a análise sobre o potencial criativo da cidade, onde são apontadas as relações entre cidade e os novos projetos culturais, com os grupos e manifestações locais, com os equipamentos culturais existentes e

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em como a cidade deve se preocupar com políticas públicas de cultura que garantam uma base para esse cenário afim de desenvolver sua economia, atraindo novos investidores, garantindo a participação local e se tornando uma cidade criativa.

Por fim, nas considerações finais são apresentadas as conclusões da análise comparando diretamente os conceitos com o que foi apresentado sobre a cidade, defendendo o conceito de cidade criativa.

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2. CIDADE, CULTURA E DESENVOLVIMENTO

2.1 Cultura e Cidade

Mais da metade da população mundial vive em cidades e elas são a primeira e decisiva esfera cultural do ser humano. A cidade tem sido um espaço importante de diversidade e identidade no mundo globalizado. Nessa perspectiva, e com intensas relações globais diretas entre diferentes atores sociais, o protagonismo da cidade torna-se ainda mais urgente e justificado e torna-se uma necessidade repensar seu papel, seus recursos e como o planejamento urbano funciona quando o mundo atravessa dificuldades. Dessa forma, impõe-se agora uma nova ideia de política cultural firmada na hipóteimpõe-se da centralidade da cultura para as políticas públicas, para a obtenção de soluções culturais criativas para a vida na cidade (COELHO, 2008; REIS, 2012).

O que é cidade? Até meados do século XX o pensamento urbano respondia a essa pergunta segundo as configurações físicas: cidade é o oposto do campo, ou um tipo de agrupamento extenso e denso de indivíduos socialmente heterogêneos. Nas últimas décadas, tenta-se caracterizar o urbano levando em conta também os processos culturais e os imaginários dos que o habitam (CANCLINI, 2008, pág.15).

As cidades surgiram na Mesopotâmia, 3.000 a.C., e tinham como principal característica a troca de excedentes agrícolas produzidos, além do modo de organização urbana baseada na centralização do poder e crença em divindades ligadas à natureza. Surgiram então profundamente ligadas às relações econômicas, políticas, religiosas e sociais da época. Essas características permaneceram ao longo da história e foram recontextualizadas com o passar do tempo. No período industrial, as cidades sofreram uma transformação intensa que vigorou do século XVIII até as primeiras décadas do século XX. As pessoas migraram com grande intensidade do meio rural e se aglomeraram no espaço urbano em busca de melhorias financeiras. No entanto, as más condições de vida do período industrial, o acelerado crescimento demográfico e as crises econômicas prenunciaram uma série de problemas que ainda podem ser vistos nas cidades atuais, principalmente aquelas que foram atingidas mais diretamente com a revolução industrial, como carência de moradia, exclusão de grande parte da população a bens e serviços que trazem qualidade de vida e o excesso de marginalização. Problemas urbanos de toda ordem e que ainda fazem parte do cotidiano de muitas cidades.

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Na segunda metade do século XX, com o surgimento do que chamamos de era pós-industrial, a sociedade e a economia do conhecimento reconfiguram as cidades, principalmente as localizadas nos países desenvolvidos, com novas dinâmicas e formas de comunicação e de acesso à informação, além de uma economia baseada em serviços. A cidade pós-industrial valoriza e reconhece o capital humano, tanto em termos sociais quanto econômicos. A partir de então, surgiram reflexões acerca da criatividade no espaço urbano pelo avanço das tecnologias e a mudança da economia no mundo capitalista. A era das indústrias chegou ao seu fim e a economia emergiu em busca de novas formas e fontes de produção de riqueza. Dessa maneira, surgiram as primeiras indagações em torno do setor cultural como forma de regeneração urbana. Várias disciplinas científicas debatem e nomeiam essa mudança de “terceira revolução industrial”, baseada na produção da informação, do conhecimento (MIGUEZ, 2007; REIS, 2009).

Na contemporaneidade, a cultura passa por diversas esferas societárias, interagindo com o universo das cidades, servindo de veículo que liga setores como a economia, política, educação, meio ambiente, turismo e congregando discursos, estratégias desenvolvimentistas e práticas de regeneração não somente urbanas, mas sociais, econômicas e políticas. O espaço urbano passou a ser o centro de comunicação e campo de ação para estratégias políticas das esferas públicas e privadas. Segundo Richard Florida (apud VIVANT, 2012), pesquisador sobre cidades criativas, as grandes cidades sempre foram os centros de manifestação de singularidades e da criatividade, mas sempre tratadas como um campo marginalizado. A criatividade agora torna-se o foco do território urbano e de suas atividades, passando a ser reconhecida como fator de desenvolvimento econômico. Este, para Florida, liga-se diretamente ao que ele chama de "classe criativa", que valoriza a qualidade do espaço urbano que escolhe como residência e que favorece a criatividade, além de uma atmosfera cool, descontraída e boêmia. “A força da cidade está ligada a sua dimensão criativa, revelada por seu dinamismo cultural e artístico, único capaz de fazer frente aos efeitos de desinvestimento causados pelo declínio industrial.” (VIVANT, 2012, p.10).

Cultura e criatividade estão interligadas. Cultura é a panóplia de recursos que mostram que um lugar é único e distintivo. [...] Os recursos culturais são a matéria-prima da cidade e sua base de valor. Seus ativos substituem o carvão, o aço e o ouro. Criatividade é o método para explorar esses recursos e ajudá-los a crescer. [...] A tarefa dos planejadores urbanos é reconhecer, gerenciar e explorar esses recursos de maneira responsável. A cultura, portanto, deveria dar forma às questões técnicas do planejamento urbano, mais do que ser vista de forma marginal, considerada após as questões

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importantes do planejamento, como habitação, transporte e uso fundiário, terem sido resolvidas. Ao contrário, uma perspectiva pautada pela cultura deveria indicar como o planejamento, o desenvolvimento econômico e as questões sociais deveriam ser abordadas (LANDRY apud REIS, 2012, p.54-55).

A reflexão teórica vê-se obrigada a redefinir as formas, funções e estruturas da cidade, bem como as necessidades sociais inerentes à sociedade urbana. Inicia-se, nesse momento, uma produção intensa de pensamentos em torno da cultura e da cidade. No campo acadêmico, destacam-se autores como Canclini, Teixeira Coelho, Ana Carla Fonseca Reis, mas as discussões se estendem a pessoas diretamente ligadas a setores públicos diversos, que compartilham suas experiências locais e discutem a importância de uma nova dinâmica para a governança das cidades na contemporaneidade, trazendo a cultura para o centro das discussões e resoluções de diversas questões e em busca de desenvolvimento. Tais pensamentos comprovam o poder que a cultura, as artes e as indústrias criativas têm para transformar e desenvolver um local e sua população. E nesse cenário destacamos o papel central da cidade na definição de políticas públicas para a cultura, para o desenvolvimento humano em detrimento ao desenvolvimento econômico e em como traduzir a cultura em vetor de vida cotidiana (LEFEBVRE, 1991; COELHO, 2008).

O caráter central das políticas públicas de cultura é uma exigência das sociedades no mundo contemporâneo. A qualidade do desenvolvimento local requer a imbricação entre políticas culturais e as demais políticas públicas “sociais, econômicas, educativas, ambientais, urbanísticas” (AGENDA 21, 2008, p. 05).

As dinâmicas culturais locais acentuam-se principalmente entre os jovens que encontram ali um veículo de comunicação e expressão, mediadores da relação estabelecida entre eles e o mundo. Dessa maneira, destacam suas identidades, afinidades e afirmam sua cidadania. Nessas variadas dinâmicas a cultura encontra nas políticas locais e regionais novas formas de fomento da diversidade cultural das cidades. Por isso, torna-se imprescindível um novo olhar para essas políticas nos centros urbanos, para que se afirme, fundamentalmente, o compromisso com a diversidade e pluralidade. Este pode ser alcançado quando há a inserção de todos os setores da sociedade civil, tanto nas produções, quanto nas discussões das políticas públicas, possibilitando assim uma maior convivência das mais diversas formas de expressão.

Os municípios brasileiros devem entender a cultura como estratégia de desenvolvimento e, assim, priorizá-las como política social de desenvolvimento humano, a

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partir da valorização das suas manifestações, do modo de vida, arquitetura e história da própria cidade. O grande desafio posto para quem pensa a cidade enquanto um polo que se desenvolve diante de suas potencialidades culturais é fazer com que as ações culturais ultrapassem a construção de uma agenda de eventos. Os projetos devem ter, além do objetivo do desenvolvimento econômico local, a perspectiva de possibilitar a interação da população e de construir um ambiente de fruição e educação.

As discussões em torno de cidades que souberam reinventar-se a partir da cultura tornam-se cada vez mais frequentes. A aplicação de análises e conceitos deve estar atenta ao fato de que cada cidade tem um potencial muito singular, e os modelos de desenvolvimento devem ser pensados de modo que se adequem a cada cidade específica. Podemos destacar algumas cidades que fizeram da cultura um vetor de desenvolvimento, com seus principais investimentos voltados para alcançar o desenvolvimento socioeconômico: Londres, Bilbao, Toronto e Bogotá são os exemplos mais importantes deste cenário. No Brasil, os debates sobre as cidades criativas ainda é bastante incipiente e mencionado somente nas discussões sobre economia criativa. Ainda não temos nenhuma cidade que possa servir de exemplo, mas os estudos e investimentos em muitas cidades têm sido feitos em busca desse modelo de desenvolvimento. É o caso do Rio de Janeiro e de Porto Alegre, cidades de grande porte, e Paraty, cidade de pequeno porte.

A Secretaria de Economia Criativa, do Ministério da Cultura (MinC), desenvolveu uma pesquisa para identificar os polos criativos do país, para que essas regiões possam desenvolver-se utilizando as práticas da economia criativa para gerir e investir em suas potencialidades. O termo “polo criativo” é utilizado a partir do conceito de “território de identidade”, adotado pelo MinC, que abrange a relação das diversas dinâmicas culturais com o espaço geográfico, formando a identidade do local. No entanto, são as cidades os locais de vivências, onde as diversas relações são experimentadas, servindo como laboratório e terreno fértil para a criatividade.

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2.2 Cultura e Desenvolvimento

Nas últimas décadas do século XX, diversas conferências intergovernamentais realizadas pelo mundo, e que deram origem aos informes mundiais de cultura da UNESCO2, mostraram o grande interesse pela vinculação da temática cultural ao desenvolvimento socioeconômico. Esse interesse surge após as mudanças econômicas mundiais provocadas pelo declínio das indústrias e o surgimento da chamada economia do conhecimento.

A economia moderna, com efeito, caracteriza-se ao mesmo tempo pela importância adquirida pela informação como recurso fundamental e pela renovação das próprias problemáticas econômicas. O que se chama de economia do conhecimento, [...] torna a pôr em xeque as categorias clássicas das doutrinas econômicas convencionais e contribui para situar a cultura e seus modelos no núcleo duro das atividades essenciais para o desenvolvimento (TOLILA, 2007, p.72).

Esses esforços tentam chamar a atenção para as políticas culturais como o motor para que a cultura seja um recurso para alcançar outros fins, sobretudo econômicos, mas também políticos e sociais. Além disso, a cultura reforça a importância do conhecimento, dos saberes e da produção intelectual coletiva, que auxilia nos processos de mudança da economia atual. Dessa maneira a cultura aproxima-se da economia fortalecendo o processo de desenvolvimento e apresenta novos modelos de negócios, de lógicas de valor e troca e acumulação de capital.

Outro ponto que sustenta ainda mais a importância da cultura nas estratégias de desenvolvimento é a adoção do conceito antropológico de cultura. Nos últimos anos, o conceito antropológico de cultura se destacou. A partir desse conceito a cultura é entendida como a totalidade dos modos de vida, as distintas formas de viver em grupo, a partir das noções de herança social e integração social. A cultura passou a ser considerada em toda a trama social e, dessa forma, todas as nossas práticas sociais são diferentes formas de concretização da cultura da qual fazemos parte. Segundo Juca Ferreira, ex-ministro da cultura, "não se pode conceber desenvolvimento ou tecnologia sem cultura, porque tudo está impregnado de cultura" (GIL; FERREIRA, 2013, p. 72).

A esfera cultural, portanto, é uma dimensão fundamental do desenvolvimento e, para que ele aconteça plenamente, é necessário que se tenha um setor cultural desenvolvido, que contemple as dimensões simbólicas e não apenas os setores artísticos, além de garantir acesso

2 Publicações bianuais da UNESCO nas quais são ressaltadas novas tendências, apontados eventos que afetam a cultura, divulgadas boas práticas em políticas culturais e publicada uma série de indicadores quantitativos.

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pleno aos bens e serviços culturais. Deve-se, portanto, fortalecer a economia da cultura através do planejamento de políticas públicas que garantam e facilitem os processos de produção e acesso aos bens culturais.

A cultura produz muitas "externalidades"; os impactos dos processos simbólicos, das ações e dos conteúdos culturais e artísticos iluminam de diversas formas os diferentes segmentos da sociedade e a vida das pessoas nas mais diversas dimensões: impactos da cultura são visíveis na economia, na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, na pesquisa, na qualidade das relações sociais, nas questões de segurança pública, na vida política do país, na possibilidade de desenvolvimento de subjetividades complexas, fundamentais na formação de uma cultura democrática, solidária e participativa (GIL; FERREIRA, 2013, p. 79).

Hoje sabemos que o envolvimento estratégico entre cultura e desenvolvimento é um binômio-chave na formulação das políticas culturais e já faz parte da realidade de diversas cidades pelo mundo. A respeito dessas experiências, pode-se observar o ousado legado de outras cidades que redesenharam suas histórias a partir da implementação de programas e ações socioculturais de médio e longo prazos, da promoção de transformações consideráveis em seus perfis, como antídoto para diminuir a exclusão, as mazelas sociais e degradações urbanas de toda ordem. Dessa forma, já podemos encarar a cultura como um fator real de desenvolvimento na atualidade (REIS; MARCO, 2009).

Diante das discussões acerca do desenvolvimento promovido a partir da cultura, alguns estudiosos têm se debruçado sobre conceitos que tentam contribuir para avanço desse tipo de desenvolvimento. Um desses conceitos é o de economia da cultura.

O segmento da economia da cultura foi notado no pós-guerra, mas só se aprofundou sobre o assunto, mobilizando pesquisadores e universidades, a partir da década de 1970. Na década de 1990, ele começou a ser entendido como vetor de desenvolvimento, ganhando espaço nos órgãos internacionais de cooperação como a UNESCO. A cultura passou a fazer parte também dos fóruns internacionais, extrapolando o campo cultural propriamente dito e alcançando forças em debates da comunidade internacional sobre desenvolvimento, comércio internacional e propriedade intelectual.

A economia da cultura apresenta dinâmicas da cadeia produtiva de bens e serviços culturais. Desde os produtos da industrial cultural, bastante discutida pelos teóricos Adorno e Horkheimer, na escola de Frankfurt, onde os bens simbólico-culturais passam a obedecer aos princípios da produção econômica capitalista, até a cadeia produtiva de projetos culturais que são apoiados pelo Estado ou empresas privadas através de editais e leis de incentivo fiscal.

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[...] a economia da cultura oferece todo o aprendizado e o instrumental da lógica e das relações econômicas - da visão de fluxos e trocas; das relações entre criação, produção, distribuição e demanda; das diferenças entre valor e preço; do reconhecimento do capital humano; dos mecanismos mais variados de incentivos, subsídios, fomento, intervenção e regulação; e de muito mais - em favor da política pública não só de cultura, como de desenvolvimento (REIS; MARCO, 2009, p. 25).

Progressivamente, organizações internacionais multilaterais como a UNCTAD, Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e Desenvolvimento, o PNUD, Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento e a própria UNESCO, antes concentrada na área de patrimônio e memória, têm se articulado para a incorporação das imbricações entre cultura e desenvolvimento nas suas estratégias político-institucionais. Nessa medida, o seleto grupo de bancos multilaterais de desenvolvimento também incorporaram a cultura em suas estratégias. "James D. Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, liderou a tendência dos bancos multilaterais de desenvolvimento de incluir a cultura como catalisadora do desenvolvimento" (YÚDICE apud MIGUEZ, 2008 p. 02).

No Brasil, a partir da gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira no Ministério da Cultura, a economia da cultura se fez presente na agenda pública e a discussão em torno do tema foi ampliada a fim de alcançar diversos setores do governo. Os debates se tornaram mais frequentes, a cultura se fez presente em novas perspectivas e deixou de atuar como a cultura de balcão, clientelista. As leis de incentivo fiscais estão sendo repensadas; iniciou-se uma política de territorialização para que se fomente a cultura nos diversos cantos do país; e novas políticas de fomento estão sendo pensadas para atingir todas as etapas da cadeia produtiva, como por exemplo o Vale Cultura, que incentiva o consumo cultural. A cultura passou a se desmembrar e a fazer parte, se não ainda das ações, mas das discussões, de outros setores. Dessa forma, está sendo enfatizado a centralidade da atividade cultural na vida política e social e mostrando a importância da cultura na economia do país, nas novas formas de empreender, desenvolver e se relacionar no mundo globalizado. Como afirmou o próprio presidente Lula, destacando a importância da cultura para o país:

Posso garantir a vocês, com absoluta tranquilidade, que é outra - e que é nova - a visão que o Estado brasileiro tem, hoje, da cultura. Para nós, a cultura está investida de um papel estratégico, no sentido da construção de um país socialmente mais justo e de nossa afirmação soberana no mundo. Porque não a vemos como algo meramente decorativo, ornamental. Mas como a base da construção e da preservação de nossa identidade, como espaço para a conquista plena da cidadania, e como instrumento para a superação da exclusão social - tanto pelo fortalecimento da autoestima de

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nosso povo, quanto pela sua capacidade de gerar empregos e de atrair divisas para o país. Ou seja, encaramos a cultura em todas suas dimensões, da simbólica à econômica (GIL; FERREIRA, 2013, pág. 79).

As manifestações culturais e produtos que surgem a partir da cultura estão diretamente vinculados ao contexto socioeconômico e cultural dos artistas, produtores e demais atores envolvidos. Por isso a magnitude econômica da cultura, tem contribuído para que governos e empresas direcione sobre a economia da cultura um novo olhar e agregue a essa nova configuração a atual importância que está sendo dada à criatividade como o novo motor da economia capitalista. Dessa maneira, a cultura tem se tornado objeto de estudo e de políticas públicas, guiados pelo entendimento desse campo como fator de desenvolvimento econômico. A partir desse destaque dado à cultura e à criatividade, as atenções se voltaram para a identificação de vocações culturais locais que possam se transformar também em produtos e serviços que contribuam para o desenvolvimento socioeconômico. Surge a partir daí uma produção de indicativos e dados que informam o tamanho e a importância da cultura para as economias nacionais. As cadeias produtivas dos setores culturais e criativos passam a ser objeto de estudo para que haja uma qualificação profissional da área e se resolvam os problemas dos gargalos produtivos a partir de políticas culturais.

No caso do Brasil, tem sido desenvolvido um sistema de informações culturais que seja comparável com estatísticas nacionais e internacionais, como as da UNESCO. Como pode ser visto no quadro a seguir, esse sistema incialmente exercita as possibilidades das distintas fontes de estatísticas econômicas e sociais que são úteis para avaliar a contribuição econômica da cultura. Para o Estado, se torna importante analisar a realidade cultural através de recursos estatísticos e modelos analíticos que possibilite o reconhecimento das diversidades e particularidades do setor cultural para melhor objetivar o desenvolvimento das políticas públicas.

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Tabela 01 - Exemplos de indicadores para medir a contribuição socioeconômica da cultura

Fonte: REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Kátia de. Reflexões sobre indicadores e estatísticas culturais. Rio de Janeiro: Publit, 2009.

Segundo Lins (apud REIS; MARCO, 2009, p.67), “O IBGE, em convênio com o Ministério da Cultura, vem atualmente executando um projeto conjunto de sistematização das informações culturais, o que permitirá um diagnóstico mais aprofundado do quadro atual e a identificação de lacunas”. Este esforço é uma grande contribuição para ampliar o conjunto de dados e indicadores culturais de forma sistemática para o segmento da economia da cultura, que apesar da sua crescente importância para o desenvolvimento social e econômico ainda é carente na produção de estatísticas no país.

Além de indicadores para os segmentos, faz-se necessário um maior entendimento da cadeia produtiva dos setores culturais e criativos do país, para que possamos entender e agir da melhor maneira para solucionar os problemas existentes na produção cultural, seja ele de qualquer segmento, e para que haja uma qualificação desses setores. Para que haja uma superação dos problemas de algumas etapas de produção, como a distribuição do audiovisual, por exemplo, superando os gargalos existentes na cadeia para se desenvolva e seja seguida com fluidez e potencializando o consumo.

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Figura 01 - Elos da cadeia produtiva

Fonte: REIS, Ana Carla Fonseca. Economia da Cultura e Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Manole, 2006.

Podemos perceber, a partir do diagrama, que o campo cultural possui algumas especificidades na sua cadeia produtiva que o diferencia de outros tipos de produtos. Um exemplo disso é a observação dos bens e serviços culturais não circularem apenas na esfera do preço, mas também na esfera dos valores, essas duas dimensões dialogam, mas nem sempre há coerência entre eles, por isso é necessário conhecer as especificidades culturais, na tentativa de desenvolver os produtos culturais e fazê-los circular no mercado.

Há muitos tipos de valor: valor sentimental, valor religioso, valor científico, valor histórico, valor cultural, para citar apenas alguns. A percepção do valor é individual. Já o preço é uma percepção agregada, é o que pauta as trocas no mercado e afeta diretamente a quantidade comercializada de um bem ou serviço (REIS, 2002, p. 3).

Em resumo, a produção e circulação de bens culturais passaram a exercer grande importância e são vistos como novas formas de pensar modelos de desenvolvimento socioeconômico pelo seu potencial transformador e por ser um veículo de promoção do desenvolvimento social e humano. Ainda estamos aquém do desenvolvimento da produção cultural como forma de contribuição para a economia da cultura, mas o país tem avançado na produção dos dados quantitativos que demonstram como esse setor é promissor. Essa

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produção torna-se base do discurso de valorização econômica da esfera cultural frente às outras esferas sociais.

É também a partir desse novo olhar para a cultura e sua relação com a economia que se iniciam os debates acerca das indústrias criativas. Em abril de 2005, na cidade de Salvador, foi realizado o I Fórum Internacional das Indústrias Criativas, que teve como objetivo discutir as formas e a função de uma instância de pesquisa e observatório internacional das indústrias criativas no país. Essas discussões não se desenvolveram como era esperado e o tema só voltou à pauta em 2009, através do Ministério da Cultura, tornando “cultura e economia criativa” um dos cinco eixos norteadores das conferências nacional, estaduais e municipais de cultura. No entanto, o discurso do MinC ainda não revelava familiaridade com assunto, sendo reducionista ao explicar sobre economia criativa apenas como mecanismos de financiamento à cultura, principalmente na revisão da lei Rouanet; sustentabilidade das cadeias culturais; e geração de emprego e renda (REIS, 2012).

As expressões indústrias criativas e economia criativa são novas. Ainda que ambos os termos possam ser alcançados pelo expressivo debate que as várias disciplinas científicas travam à volta do que é chamado de “terceira revolução industrial” e, por extensão, estejam conectados com a variada gama de denominações que tentam capturar o paradigma de produção da sociedade contemporânea – sociedade pós-industrial, pós-fordista, do conhecimento e da informação ou do aprendizado – o certo é que, querendo significar um setor da economia ou almejando tornar-se um campo específico do conhecimento, não deixam de constituir-se em uma novidade bastante recente. Na linguagem da academia, pode ser dito, então, que indústrias criativas e economia criativa configuram um campo de conhecimento pré-paradigmático, ainda que em rota ascendente e ritmo crescente de constituição. (MIGUEZ, 2007, pág. 97-98)

A partir de então, nota-se o esforço em desenvolver setores específicos da economia criativa, mas não utilizando essa denominação ainda. Órgãos como o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desde 2006, realiza um programa para o desenvolvimento da economia da cultura que se dedica ao fortalecimento da cadeia produtiva do audiovisual, patrimônio cultural, fonográfico e editorial, livrarias e espetáculos ao vivo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), através de convênio com o Ministério da Cultura, publicou informações referentes à economia criativa com dados referentes às atividades econômicas indiretamente ligadas à cultura e à economia criativa, como comércio atacadista de computadores, microcomputadores e software; telecomunicações; digitalização

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de textos e imagens, hospedagem de páginas e sites; distribuição on-line de conteúdo eletrônico, etc.

Vale ressaltar a criação da Secretária de Economia Criativa no Ministério da Cultura em 2011, que tem como missão “conduzir a formulação, a implementação e o monitoramento de políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos brasileiros” (BRASIL, 2012). Segundo Reis (2012), o maior desafio enfrentado pela Secretaria, tem sido a articulação com as demais pastas públicas, com o setor empresarial e com a academia, de modo a promover a tão necessária transversalidade das políticas.

A economia criativa, a rigor, reconhece o valor da originalidade, dos processos colaborativos e a predominância de aspectos intangíveis na geração de valor fortemente relacionada à cultura e à diversidade. Isso porque é justamente a originalidade que diferencia produtos, serviços, processos e as próprias dinâmicas urbanas. Da economia do conhecimento à economia criativa, tornam-se necessárias as tecnologias de ponta, a necessidade de profissionais capacitados e o desenvolvimento dessas tecnologias. Mas herda também a valorização da autenticidade e do intangível cultural único e inimitável, considerando assim, outros setores que estão à parte desse tipo de tecnologia, como é o caso do artesanato (REIS, 2012).

Figura 02 – Setores criativos – a ampliação dos setores culturais

Fonte: MINISTÉRIO DA CULTURA. Plano da Secretaria de Economia Criativa: políticas, diretrizes e ações. 2011-2014. Brasília, Ministério da Cultura, 2012.

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Dessa maneira, é possível ver que a economia criativa engloba a economia da informação e a economia da cultura. É um setor amplo e diverso, que abrange diversos tipos de expressões, linguagens culturais e as indústrias baseadas na criação, como moda, arquitetura, design, publicidade, software etc.

O histórico e o desenvolvimento dos conceitos de indústrias criativas e economia criativa sugerem a possibilidade de estarmos diante de uma lógica econômica com traços próprios, pautado pelo reconhecimento do intangível criativo como grande elo agregador de valor às cadeias de produtos e serviços criativos, bem como às de bens e serviços tradicionais; fomentador de novos modelos de organização de negócios, baseado mais em redes do que em estruturas hierárquicas; possibilitado por uma convergência de interesses públicos e privados, bem como de objetivos sociais, culturais e econômicos; e no qual as singularidades locais podem sim ser engolfadas pela massificação global ou, ao contrário, valorizados por sua unicidade (REIS, 2012, p. 47).

Em suma, a economia criativa pode ser a alavanca para promover o desenvolvimento socioeconômico regional. O Brasil, um país com grande diversidade cultural e considerado criativo, ainda não conseguiu usar a economia criativa a seu favor. O seu conceito ainda não é muito discutido e estudado e não avançamos nas visões estratégicas para novos modelos de negócio. Somado a isso, é necessário superar os gargalos de distribuição e difusão de ideias, produtos e serviços para desenvolver a economia brasileira. Dessa forma, faz-se necessário também, que essas discussões cheguem ao âmbito municipal, na sua política, administração e gestão e usar a criatividade a favor do local, onde os efeitos são sentidos de forma mais imediata, afinal é na cidade que se vivencia as experiências.

A ideia de economia criativa também tem sido aplicada especificamente à economia das cidades, levando à emergência do conceito de “cidade criativa”. Esse termo descreve um complexo urbano, no qual atividades culturais de vários tipos são um componente integral do funcionamento econômico e social da cidade. Tais cidades tendem a ser construídas sobre uma forte infraestrutura social e cultural, a ter altas concentrações relativas de emprego criativo e a ser atraentes para investimentos, devido aos seus equipamentos culturais consolidados (UNCTAD apud REIS, 2012, p. 63).

A partir dos debates sobre economia criativa, da sua importância na economia atual e seu potencial como fator de desenvolvimento socioeconômico, principalmente em âmbito municipal, que surge o conceito de cidades criativas. Termo historicamente novo que tem despertado a atenção crescente em diversos países ao longo da última década em busca de um modelo de organização urbana coeso com um paradigma socioeconômico em transição. Surge

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um novo entendimento em relação à competitividade econômica, onde as regiões necessitam de inovação, nos modelos de negócio, na administração, gestão, nas relações sociais e culturais, e essa inovação é encontrada na criatividade. Busca-se, dessa forma, um ambiente criativo ou que se torne um, para que isso reverbere nas pessoas que residem e trabalham e, dessa forma, sejam criativas e agreguem isso à economia da cidade.

As primeiras menções explícitas ao termo “cidade criativa” envolvem profissionais sobretudo do eixo Austrália - Reino Unido - Estados Unidos - Canadá, advindos de áreas do saber enredadas e convergentes, em especial urbanismo, economia e sociologia (nas duas últimas, com destaque para pesquisadores envolvidos com o campo cultural) (REIS, 2012, p. 52).

A criatividade, que é encarada de forma multidisciplinar, transversal às atividades econômicas e estrutural nas políticas de desenvolvimento, pode abranger agora toda os setores da cidade e superar os desafios necessários para que se alcance um desenvolvimento socioeconômico. A cultura tem um papel crucial nesse sentido, como motor de processos de criação e nas manifestações culturais locais, por sua carga simbólica e muitas vezes histórica, que ajuda nas potencialidades da singularidade local.

A cidade criativa é um toque de trombetas para estimular a abertura mental, imaginação e participação pública. Isso tem um impacto dramático na cultura organizacional. A filosofia é que há sempre mais potencial em qualquer lugar do que precisaríamos à primeira vista [...]. Parte-se do pressuposto de que devem ser criadas condições para que as pessoas pensem, planejem e ajam com a imaginação para aproveitar as oportunidades ou resolver problemas urbanos aparentemente intratáveis. Estes podem variar de respostas à questão dos desabrigados, à geração de riqueza ou à melhoria do ambiente visual. Isso significa que cidades grandes e pequenas podem ser criativas. Cidade criativa é portanto um conceito positivo. O pressuposto é que pessoas comuns podem fazer coisas extraordinárias acontecerem, se tiverem uma oportunidade. (LANDRY apud REIS, 2012, p. 55)

Com seu conceito atrelado à contribuição da cultura ao processo de desenvolvimento urbano, a cidade criativa se baseia na capacidade de suas indústrias culturais gerarem emprego e crescimento econômico, bem como na contribuição das artes para incrementar a qualidade de vida urbana. Dessa forma, também se agrega os novos olhares para essa cidade, atraindo assim o turismo e novos investimentos. Dessa maneira, a cidade se torna um espaço de experimentação e inovação, onde as ideias se multiplicam e as pessoas se unem para colaborar e resolver os problemas urbanos, junto à uma gestão pública participativa, tornando o local um lugar melhor de se viver, trabalhar e se divertir. Esse tipo de cidade convive com

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as diferenças e isso alimenta seu potencial criativo, os patrimônios locais e as tendências; projetos culturais capazes de atrair grande público e projetos locais; cultura de elite e cultura de rua; etc.

Aos poucos vem surgindo obras que discutem sobre as cidades criativas e apresentam maneiras de como se utilizar da criatividade para buscar o desenvolvimento socioeconômico, melhorias urbanas e de qualidade de vida, contribuindo, dessa maneira para a vitalidade da região. A economia criativa se torna uma estratégia do desenvolvimento e seus conceitos debatem sobre como ela fomenta isso. Reis (2012) aponta em sua pesquisa quatro possíveis óticas sobre cidades e espaços criativos:

1) combate às desigualdades e à violência e atração de talentos e investimentos para revitalizar áreas degradadas;

2) promoção de clusters criativos, destacando-se entre os mais expressivos o distrito cultural do vinho da França, o cluster multimídia de Montreal, os parques criativos de Xangai e o polo de novas mídias de Pequim;

3) transformação das cidades em polos criativos mundiais, não raro de maneira articulada com a política do turismo e atração de trabalhadores criativos, conforme a experiência da África do Sul. Quando não bem conduzido, porém, pode engendrar um eventual processo de gentrificação e, na ausência do envolvimento comunitário, um esfacelamento das relações locais e a exclusão de pequenos empreendimentos criativos e da diversidade. 4) reestruturação do tecido socioeconômico urbano, baseado em

especificidades locais, como é o caso de Guaramiranga, com seu Festival de Jazz e Blues, e de Paraty, tendo por bandeira a Flip (REIS, 2012, p.69).

Dessa maneira, pode-se perceber que são variadas as possibilidades de investimentos e de ações que podem contribuir para que seja impulsionado o potencial criativo de uma cidade, para que ela se desenvolva. Lembrando, que cada cidade tem suas singularidades, principalmente se tratando de cultura, e elas precisam ser reconhecidas e estimuladas. Os mecanismos para se trabalhar para isso podem ser levados em questão, mas cada cidade terá suas especificidades próprias. Por isso, é importante que se reconheça as potencialidades locais, que se reconheça os talentos a serem destacados de uma região sem descaracterizá-la e o mais importante, fazer da cidade um lugar para as pessoas que ali vivem, fazendo com que elas também se engajem nesse processo e não apenas maquiar a cidade para o turista se encantar.

A grande característica de uma cidade criativa é a possibilidade de ampliar os mapas mentais de cada habitante, incentivando-o a fazer contato com áreas ou lugares que não frequentariam. Grandes projetos culturais e significativos têm esse papel, cuja qualidade de

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serviços são capazes de levar as pessoas a lugares que antes não frequentavam. Essas pessoas ampliam, dessa forma, também seus mapas emocionais, criando vínculos afetivos com espaços que frequentam, se apropriam e defendem.

Essa apropriação dos espaços e novos hábitos de utilização desses espaços pelos habitantes gera uma governança compartilhada, que caracteriza uma consolidação de uma cidade criativa, entre agentes da cidade (público, privado, academia e sociedade civil) e que se torna alheio às reviravoltas políticas ou crises econômicas. E assim, os espaços públicos e equipamentos culturais que são apropriados pela população é entendido como espaço de todos.

Dessa forma, Reis (2012) caracteriza as cidades criativas em três traços essenciais:

1) Inovações, entendidas como a capacidade de solucionar problemas e antecipar oportunidades, das mais diversas ordens. Se em uma grande cidade é possível pensar nas inovações propostas por um polo tecnológico ou acadêmico, em uma pequena cidade ou em um bairro periférico da metrópole vemos frequentemente soluções incríveis para problemas mais básicos. Da utilização da garrafa PET como materiais de construção civil a arranjos colaborativos para cuidar das crianças da comunidade.

2) Conexões, as mais variadas: entre pessoas e seus espaços e identidade; entre a história urbana e contexto presente e uma estratégia futura; entre as áreas da cidade; entre a cidade e o mundo, entendendo-se como elemento singular de um quadro maior; entre setores e agentes públicos, privados, da academia e da sociedade civil, em um pacto de governança concertada. 3) Cultura, pelo que apresenta de mais intrinsecamente simbólico, pela

identidade, pelos valores compartilhados; mas cultura também por seu impacto econômico e pela geração de um ambiente propício à eclosão da criatividade, do pensamento lateral, da ampliação de repertório, do olhar sob novos ângulos (REIS, 2012, p. 76).

Diante desses conceitos levantados aqui e por todas essas questões acerca de um tema novo para o campo cultural que são levantadas as informações sobre a cidade de Cachoeira, sua história, sua cultura, seu cenário cultural e os investimentos feitos que tem impactado numa renovação da sua imagem e dinâmica social. E, dessa maneira, relacionar esses conceitos de maneira que se verifique seu potencial para se tornar uma cidade criativa e que seu desenvolvimento seja construído a partir das suas especificidades culturais e seguindo os três traços comuns às cidades criativas: inovações, conexões e cultura. Independente da situação social ou econômica e de sua história, uma cidade criativa precisa apresentar essas marcas.

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3. A CIDADE DE CACHOEIRA: UMA CIDADE COM POTENCIAL CRIATIVO

A cidade de Cachoeira é uma das mais importantes da região do recôncavo baiano. Aliás, antes de falar mais especificamente sobre Cachoeira é importante compreender um pouco do contexto regional. A região do Recôncavo da Bahia é assim denominada muito em consideração a um conceito histórico, mais do que por uma configuração geográfica, como observava Milton Santos (1998). Ela variou territorialmente no tempo em função dos ciclos econômicos, mas foi marcada por uma herança cultural, material e imaterial, que sobrevive até os dias de hoje. Com esse nome, é conhecida desde o século XVII a faixa de terra formada por mangues, baixios e tabuleiros que contornam a Baía de Todos os Santos, que no período colonial os portugueses, a partir de 1559, ampliaram seu domínio territorial através de guerras contra os índios e os expulsaram da região para ali introduzirem a cana-de-açúcar. Além da cana-de-açúcar, o tabaco, a agricultura de subsistência e a produção de materiais de construção também fizeram parte da economia da região. Posteriormente, na segunda metade do século XX, a região também passou pelo ciclo do petróleo e da industrialização, que contemplava apenas o nordeste da Baía de Todos os Santos.

Com o crescimento da função portuária de Salvador, por causa da exportação de açúcar e importação de escravos africanos e de produtos manufaturados do Reino, a região do Recôncavo passou a ser a ligação mais próxima entre a capital da Bahia e o interior do estado denominado de Sertão. Dessa forma, rapidamente a região foi povoada e tomada por engenhos que se expandiram com canaviais e lavouras de fumo além da criação de gado, para o trabalho nos engenhos, dessa forma, a região do Recôncavo chegava até a encosta do que hoje conhecemos por Chapada Diamantina.

O processo de ocupação da região seguiu determinados vetores que por muito tempo definiram os caminhos e percursos que ligavam a capital da Bahia às localidades mais distantes do litoral. Quando o governo português decidiu ocupar em definitivo o território que mais tarde se chamaria Brasil, o Recôncavo foi a primeira região da América Portuguesa a ser sistematicamente colonizada (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA, 2010, p. 06).

Nesse cenário, no final do século XVII são elevados a vila os principais portos da região, entre eles o de Cachoeira (1698), por ser um importante entreposto comercial. O processo de urbanização do Recôncavo obedeceu em primeiro momento aos critérios defensivos e administrativos, as vilas foram estruturadas de forma estratégica contra ataques

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indígenas. No caso de Cachoeira, além dessa posição estratégica, preponderaram as funções portuária e comercial e a relação direta com a capital. Através dos saveiros, partiam de Cachoeira para a capital a produção local de açúcar, cachaça, fumo, farinha e outros produtos advindos do sertão; ao mesmo tempo, traziam de Salvador escravos africanos e produtos importados da metrópole, como tecidos, ferramentas, pólvora, azeite e vinho. As vilas fluviais serviram de ponto de comunicação entre Salvador e o sertão, dessa forma, Cachoeira tornou-se uma rica e importante vila.

São cinco as vilas elevadas a esta condição num espaço apenas de trinta anos: Juaguaripe (1697), Cachoeira (1698), São Francisco do Conde (1698), Maragogipe (1724) e Santo Amaro (1727). Elas revelam uma política da Coroa de exercer o domínio sobre redes urbanas preexistentes, que davam acesso ao sertão, no momento em que se descobria ouro em Minas Gerais e no sertão da Bahia. A transformação desses portos em vilas tinha como objetivo controlar o contrabando, a evasão de impostos e os conflitos sociais nessas áreas, através de portais administrativos e fiscais de ingresso ao interior. Nenhuma outra vila é criada no século XVIII no Recôncavo (CARDOSO; TAVARES; PEREIRA, 2011, p. 219).

A mão-de-obra indígena contribuiu profundamente na formação cultural do Recôncavo. Traços da sua cultura estão presentes nos hábitos e no vocabulário utilizado para dar nomes à topografia da região, como por exemplo, os nomes de cidades como Muritiba, Iguape e do rio Paraguaçu. Mais tarde, como aconteceu em outras regiões brasileiras, chegaram os africanos, força de trabalho escravo, para a construção da cidade e o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar. Estes vieram de diferentes regiões da África, com seus costumes, crenças e línguas, e no Recôncavo criaram novas alianças e estabeleceram novas trocas culturais que contribuíram ainda mais para a formação cultural e as formas de viver e sentir da população local.

O desenvolvimento urbano da região do Recôncavo e o perfil social de seus habitantes estiveram alicerçados na base econômica instalada – açucareira, fumageira, de subsistência - e divididas por sub-regiões, conforme os diversos tipos de solo que eram próprios para cada produção e totalmente voltada para a exportação, já que o objetivo do colonizador desde a sua chegada era extrair tudo que a terra poderia proporcionar, sem se preocupar em habitar o local, em fixar-se no território.

O porto de Cachoeira, nesse período, desempenhava um papel de grande importância. Era por onde escoava a larga produção açucareira para enviar ao porto da Capital, o mais movimentado do Atlântico Sul no século XVIII, onde eram realizadas as transações

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comerciais. Foi justamente a navegação flúvio-marítima e a atividade comercial da região que fortaleceram o núcleo populacional que se formava em Cachoeira. Pela sua grande extensão territorial e fluvial teve maior protagonismo, que as demais vilas. O litoral e o interior estavam ligados num ponto comum: o porto de Cachoeira. Mas nenhuma chegava a ser capital regional, pois sempre dependiam do porto de Salvador para suas transações comerciais.

E foi nesse cenário de exploração da riqueza de uma região sustentada por mão-de-obra escrava, que a sociedade foi sendo formada, num contexto de conflitos e desigualdades. A sociedade era intolerante com as tradições culturais indígenas e africanas e isso fez com que as lutas fossem constantes. A de maior importância foi pela independência da Bahia do domínio português, em 1822. Essa batalha lhe rendeu o título de “Cidade Heróica” e é celebrada até os dias de hoje, quando, por alguns dias a cidade passa a ser sede do governo baiano. Diante deste contexto, a cidade de Cachoeira viveu seu apogeu sendo considerada a mais importante vila de todo o Brasil.

Cachoeira chegou a ser sede do governo por duas vezes: a primeira, durante as lutas pela independência da Bahia, sendo sede da Junta Governativa e depois, do Governo Provisório em 1822, fato que, posteriormente, lhe rendeu o título de “Cidade Heróica” 16. A segunda, em 1837, durante a Sabinada. Até a primeira metade do século XIX, Cachoeira viveu sua era de ouro, sendo considerada “[...] sem dúvida a mais rica, populosa e uma das mais agradáveis vilas de todo o Brasil. Numerosas vendas e armazéns cheios de vários artigos europeus revelam o alto grau de movimentação de seu comércio” (BAHIA, 2010, p. 19).

Na segunda metade do século XIX ocorreu uma queda progressiva da produção econômica local e Cachoeira entrou em decadência. Primeiramente, pelo fim do tráfico de escravos e depois com a abolição da escravidão. Outros dois motivos também contribuíram para isso: a produção de açúcar de beterraba na Europa e a dificuldade de escoamento da produção por falta de estradas. A cidade tentou superar esse problema com a construção da estrada de ferro da Central da Bahia nas décadas de 1860/70/80, a ponte Don Pedro II que ligava Cachoeira e São Félix (1882 – 1885) e a rodovia Salvador-Feira de Santana (1924 – 1928). Mas os avanços promovidos na região voltaram-se contra ela própria e as estradas ganharam força com a modernização dos meios de transporte, fazendo com que o porto de Cachoeira perdesse sua função comercial, passando sua centralidade para cidades de Feira de Santana e Alagoinhas e para as rodovias que as ligam à Salvador. Houve ainda uma tentativa de expansão da produção fumageira com a chegada das fábricas de charuto Dannemann, em

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São Félix, e Leite & Alves, em Cachoeira, mas nada que trouxesse a cidade de Cachoeira a ser novamente um polo comercial.

Outro fator determinante da decadência do Recôncavo foi a substituição da hidrovia pelas novas estradas de rodagem. As cidades portuárias do Recôncavo, além de serem atingidas pela crise do açúcar e do fumo, experimentam um processo de marginalização frente às novas redes de transportes. A aprovação do Plano Rodoviário Estadual, 1917, e a unificação pelo Governo Federal, vinte anos mais tarde, das ferroviárias criadas por aquelas mesmas cidades, tiraram destes centros urbanos a condição de capitais sub-regionais, drenando toda produção de suas antigas áreas de influência diretamente para o porto de Salvador (AZEVEDO apud CARDOSO; TAVARES; PEREIRA, 2011, p. 211).

No final da década de 1930, a cidade de Cachoeira começou a ser contemplada por ações de proteção patrimonial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN. Entre os anos de 1938 e 1943, vinte edificações foram tombadas a fim de preservar parte do acervo arquitetônico barroco que poderia ser descaracterizado pelo avanço da urbanização e modernização. Essas ações não provocaram grandes impactos para a população local, já que todos os imóveis eram de propriedade pública, não gerou nenhum impacto econômico e não livrou outros imóveis de degradações de qualquer ordem. Além disso, a população desconhecia a importância desses bens ou não tinha recursos para conservação, devido à decadência econômica na década de 60.

Já nas décadas de 1970 e 80, diversas cidades brasileiras tiveram seus conjuntos arquitetônicos urbanos preservados por meio de ação de tombamento. Entre as quais se insere a cidade de Cachoeira, que em 1971, teve todo seu núcleo urbano e entorno paisagístico tombados como Monumento Nacional pelo IPHAN. Isso se deu por conta dos Governos Militares creditarem uma importância à proteção dos patrimônios considerados de “interesse nacional”, bem como a tentativa de aliar a preservação das cidades históricas e estímulo ao turismo. Tal ato se constituiu como a tentativa de intensificação de políticas culturais federais em assistência ao patrimônio material da cidade por reunir um dos mais importantes acervos arquitetônicos no estilo barroco, fruto de seu legado histórico.

Na tentativa de superar a estagnação econômica, na metade do século XX, o Governo Federal financiou ações e projetos na cidade, entre elas a instalação de um campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), por meio do Ministério da Educação, a realização do programa Monumenta, através do Ministério da Cultura e a execução do Programa de Ação do Turismo Étnico Afro da Bahia, através do Ministério do Turismo.

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O Monumenta é um programa nacional que busca a recuperação sustentável do patrimônio histórico urbano brasileiro e atua em locais que já foram tombados pelo IPHAN e que estão na lista do Patrimônio Cultural da Humanidade da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Atualmente o programa atua em vinte e seis cidades, incluindo Cachoeira. Foram recuperados todo o conjunto arquitetônico público e religioso, além de casas próprias que participam do programa com incentivo à restauração e formas diferenciadas de financiamento (CELESTINO;HENRIQUE, 2010)3 As principais obras executadas pelo Monumenta e os investimentos na reforma dos imóveis em Cachoeira são:

Tabela 02 – Obras do Monumenta em Cachoeira

Imóveis Valor

Casa de Câmara e Cadeia R$400.551,92

Casa de Ana Nery R$183.251,67

Capela Nossa Senhora D’Ajuda R$135.901,97

Ordem Primeira do Conjunto do Carmo R$1.970.256,46

Ordem Terceira do Conjunto do Carmo R$2.561.078,22

Igreja do Rosarinho e cemitério R$436.188,22

Quarteirão Leite Alves (para abrigar a UFRB) R$6.335.734,70

Igreja da Conceição do Monte R$753.389,03

Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário R$ 1.553.745,40

Imóvel Rua Benjamin Constant nº 17 R$258.178,68

Imóvel Rua Sete de Setembro nº 34 R$ 278.504,91

Fonte: CELESTINO, Lívia Fraga; HENRIQUE, Wendel. Avaliação do Programa Monumenta (Ministério da Cultura) sob a ótica dos moradores da cidade de Cachoeira-Ba. In: ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA (ENECULT), 6., 2010, Salvador. Anais... Salvador: UFBA, 2010. Elaborado pela autora.

Da mesma forma que a UFRB, a execução do Programa Monumenta faz parte das verticalidades impostas sobre a estrutura urbana e social da cidade de Cachoeira. Na Bahia, o Monumenta financia a reestruturação de Salvador, Lençóis e Cachoeira, sendo esta, a que recebe os maiores investimentos, executando obras na cidade desde

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2006. [...]

Os recursos para as obras de requalificação da cidade de Cachoeira extrapolam R$30 milhões, entretanto o financiamento para a recuperação de edificações particulares com longos prazos (de até 20 anos) e juros zero, tem instalado um verdadeiro comércio de ruínas na cidade (CELESTINO; HERINQUE, 2010, p. 04).

Vale a pena destacar que o tombamento de Cachoeira não se configurou apenas como uma ação de proteção do patrimônio edificado, mas também foi realizado com o intuito de inserir a cidade na lógica do desenvolvimento socioeconômico através da utilização do patrimônio e estímulo ao turismo. Segundo o Ministério da Cultura, o programa Monumenta tem como objetivo reverter os quadros de degradação do patrimônio histórico, artístico e arquitetônico que encontram-se localizados, principalmente, em locais com baixo nível de atividade econômica e de reduzida participação da sociedade. Estabelecendo assim, novos usos para os imóveis e monumentos recuperados para novas utilidades econômicas, cultural e social.

E não apenas o seu conjunto arquitetônico ganhou visibilidade para esse desenvolvimento. A festa da Boa Morte, por exemplo, também passou a ser foco de intervenções por meio de repasse de recursos, divulgações publicitárias com exposições fotográficas, produção de vídeos e publicações em revistas especializadas e, posteriormente, com a reestruturação da sede da Irmandade em resposta à campanha internacional suscitada por artistas baianos em favor da Irmandade.

Atualmente a cidade de cachoeira conta com 36 bens tombados e/ou registrados, conforme a tabela a seguir:

Tabela 03 – Bens patrimoniais de Cachoeira

Bem Cultural Âmbito de Proteção

Capela de Nossa Senhora da Pena e ruínas do sobrado anexo Federal

Capela Nossa Senhora da Ajuda Federal

Casa à Rua Ana Nery, nº 4 Federal

Casa à Rua Benjamin Constant (Ladeira da Cadeia), nº 2 Federal Casa à Rua Benjamin Constant, 17 (Ladeira da Cadeia) Federal Casa à Rua Benjamin Constant, nº 1 (Ladeira da Cadeia) Federal

Referências

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