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Intenção de Voto e Propaganda Política: Efeitos e gramáticas da propaganda eleitoral. Notas para um debate. *

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Notas para um debate.

Marcus Figueiredo & Alessandra Aldé**

12º Encontro Anual da Compós

03 a 06 de Junho de 2003

Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Recife-PE

Este trabalho deve ser visto como notas de pesquisa. Pedimos que não seja citado sem autorização dos autores

Resumo:

O trabalho apresenta uma metodologia para identificar o efeito agregado da propaganda política sobre a intenção de voto e outra para a análise do horário eleitoral gratuito na televisão. São apresentados os primeiros resultados obtidos na observação da campanha presidencial de 2002, com ênfase especial nas estratégias discursivas e persuasivas das campanhas eleitorais e de seus efeitos. Quanto à análise dos efeitos agregados da

propaganda política, procuramos inovar usando mão de uma estratégia analítica fundada na análise de séries históricas. Para a análise do programa eleitoral gratuito retomamos, aqui, a mesma estratégia analítica apresentada em “Estratégias de persuasão em eleições

majoritárias” (Figueiredo, Aldé, Dias e Jorge, 2000). Embora seguindo a mesma linha para o estudo da propaganda eleitoral veiculada em bloco, ampliamos e adaptamos os elementos persuasivos e a identificação das estratégias persuasivas dos candidatos.

* Este trabalho é resultado preliminar de uma parte do projeto “Eleições 2002” desenvolvido no

DOXA/IUPERJ. Contamos com os apoios do programas “Cientistas do Nosso Estado”, da Faperj, concedido a Marcus Figueiredo, Fixação de Pesquisador, da Faperj, do CNPq e da CAPES, na formas de Bolsas de Produtividade, de Doutorado, Iniciação Científica e Apoio Técnico.

**Marcus Figueiredo é doutor em Ciência Política, professor do Iuperj e coordenador do Doxa

(Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública), do Iuperj. Alessandra Aldé é doutora em Ciência Política, pesquisadora do Doxa-Iuperj e professora da PUC-Rio.

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Introdução

Este trabalho procura apresentar uma metodologia para identificar o efeito agregado da propaganda política sobre a intenção de voto e outra para a análise do horário eleitoral gratuito na televisão, e descrever os primeiros resultados, obtidos na observação da campanha presidencial de 2002. Trata-se de instrumentos metodológicos ainda em experimentação, e portanto os resultados apresentados aqui, bem como suas análises, oferece-se para discussão como provisórios e sujeitos a revisão e aprofundamento. Com este estudo, procuramos avançar na observação das estratégias discursivas e persuasivas das campanhas eleitorais e de seus efeitos, e com isso contribuir para a compreensão do

comportamento eleitoral de candidatos e eleitores.

Sobre a análise dos efeitos agregados da propaganda política procuramos inovar usando mão de uma estratégia analítica fundada na análise de séries históricas. No caso analisando a série histórica das intenções de voto e de avaliações do segundo mandato do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Sobre a análise do programa eleitoral gratuito retomamos, aqui, a mesma estratégia analítica apresentada em “Estratégias de persuasão em eleições majoritárias” (Figueiredo, Aldé, Dias e Jorge, 2000). Naquele artigo analisamos os spots (comerciais curtos, entre 15 e 60 segundos, veiculados ao longo da programação normal dos canais de televisão) a partir de uma aplicação exaustiva de critérios de formato e linguagem persuasiva, bem como avaliando o posicionamento estratégico dos candidatos em relação ao cenário eleitoral e à percepção de mundo da maioria do eleitorado. Embora seguindo a mesma linha, para o estudo da propaganda eleitoral veiculada em bloco ampliamos e adaptamos os elementos persuasivos e a identificação das estratégias persuasivas dos candidatos1.

Os programas eleitorais longos, veiculados nas redes abertas de televisão, especialmente os que vão ao ar no horário nobre das 20:30h, têm, a nosso ver, um papel central na construção do panorama eleitoral a cada pleito. Também nos interessam enquanto um formato típico da propaganda política brasileira, em estudo sistemático desde as

eleições de 1989.

Efetivamente, o horário eleitoral gratuito de rádio e televisão transformou-se, ao longo das últimas décadas, numa peça fundamental da democracia brasileira. Para os eleitores, espectadores ou ouvintes, tornou-se um hábito, um marco do início do “tempo da política”, da disputa eleitoral mais acirrada que mobiliza mesmo os cidadãos mais distantes da política2. E, apesar dos temores em contrário – de que a centralidade das eleições

presidenciais na mídia desde o começo do ano esvaziasse o interesse dos eleitores nos 1Os comerciais curtos são fortemente caracterizados por seu formato específico. Em relação aos spots de 2002, uma impressão preliminar é de que eles tiveram uma função estratégica complementar aos programas longos, veiculados em bloco. Por seu formato breve e pelo fato de se inserirem inesperadamente nos intervalos da programação televisiva, os

comerciais contam com a simpatia dos eleitores, atingindo um público maior que o que assiste voluntariamente à propaganda eleitoral veiculada em bloco no horário nobre. Em termos cognitivos, as inserções curtas precisam ser mais condensados, pontuais, o que as torna especialmente aptas à construção do apelo persuasivo a partir de imagens e símbolos.

2 Uma análise da compreensão das estratégias de comunicação escolhidas e implementadas

pelos candidatos precisa ser enriquecida pelo estudo dos programas de rádio, que ainda não têm sido suficientemente observados, apesar da óbvia importância em termos de alcance eleitoral.

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programas – a “mídia livre” reforçou o caráter emblemático do HGPE na medida em que deu ênfase ao processo eleitoral e a todas as estratégias dos candidatos, transformando a eleição de 2002 numa das mais visíveis da história recente (Aldé, 2002; Albino, 2002; Miguel, 2002).

Com as estratégias analíticas adotadas mostraremos o efeito agregado da

propaganda política, tanto na sua versão “Horário Político Partidário”, veiculados de junho de 2001 a julho de 2002, quanto na sua versão “Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral”, veiculados de 20/agosto a 2/outubro de 2002, e as estratégias políticas e discursivas

presentes nos programas eleitorais dos principais candidatos a presidente. Veremos que a construção da intenção de voto do eleitorado, ao logo do tempo, é fortemente influenciada pelas estratégias de propaganda dos partidos e candidatos envolvidos no processo eleitoral, antes e durante o período eleitoral formal.

Este trabalho está dividido em dois itens. Apresentaremos as metodologias e estratégias analíticas dos dois conjuntos de dados analisados e os respectivos resultados. A junção desses resultados será feita por inferências pois não nos foi possível, ainda,

combina-los de forma a poder identificar o efeito direto, não agregado, dos programas políticos sobre as intenções de voto do eleitorado ao longo do período considerado, o que será feito em outra oportunidade.

1. Efeito Agregado da Propaganda Política - sua metodologia e resultados

Que a propaganda política exerce algum efeito sobre a intenção de voto dos eleitores para nós não resta nenhuma dúvida. A questão analítica passa a ser então como, quando e com qual magnitude a propaganda política participa da construção da vontade eleitoral. O como será objeto de análise do próximo item. Neste item veremos o quando e a magnitude com que a propaganda política contribuiu para o resultado eleitoral da eleição presidencial de 2002.

Para situarmos o papel e o efeito da propaganda política começamos por

identificarmos algumas verdades estabelecidas nos estudos de comportamento eleitoral, fartamente documentado. O estudo de processos eleitorais e as tentativas de explicar os resultados eleitorais observados trabalham com dois conjuntos de dados, no mais das vezes, de forma estanque. De um lado estão as teorias que centram seu foco em um conjunto de variáveis estruturais, estáveis ao longo do tempo: identificação partidária dos eleitores, ideológicas, de classe, avaliações econômicas do estado da nação e desempenho dos governantes, de outro lado estão as variáveis comunicacionais, algumas estáveis ao longo do tempo e outras de curtíssimo prazo: hábitos de consumo, exposição e preferências por mídias e exposição às propagandas políticas e eleitorais. Recentemente, diversos estudos têm sido recorrentes em demonstrar que entre as variáveis estruturais, de longa duração, duas tem sido cada vez mais preponderantes: avaliações econômicas e de desempenho dos governantes, especialmente do mandatário. Entre as variáveis comunicacionais duas apresentam-se como as mais preponderantes: exposição às mídias jornalísticas e as propagandas políticas, esta última especialmente nos períodos que antecedem as eleições3.

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Neste trabalho, como um exercício inicial, construímos uma estratégia analítica usando duas variáveis explicativas da intenção de voto observada ao longo do tempo: avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso (segundo mandato) e exposição, direta ou indiretamente, aos programas políticos e eleitorais. Para orientar esta análise tomamos por referência uma hipótese econômica, clássica, e acrescentamos a ela a variável

exposição à propaganda política e eleitoral. Desta forma, o modelo a ser testado tem a seguinte estrutura:

IntVtt = Av(FHC)t + PPEt + ε t

ou seja, a intenção de voto agregada do eleitorado no tempo t é função do efeito agregado conjunto da avaliação do governo FHC e da exposição à propaganda política e eleitoral no mesmo tempo t, mais um erro de estimativa, próprio deste tipo de modelo empírico.

A hipótese teórica clássica aqui expressa nos diz: a intenção de voto de um eleitor é função da avaliação que este eleitor faz do atual governante e da campanha executada pelos candidatos, sendo estes o próprio governante ou seu sucessor e os opositores. Substantiva e historicamente, esta hipótese nos diz que se o atual governante vai bem ele próprio ou seu sucessor tem maiores apoios eleitorais, caso contrário a oposição terá mais chances eleitorais.

Esta hipótese, para além de intuitiva, ela é empiricamente poderosa. Entretanto a propaganda eleitoral foi inventada para confrontar tal tendência estruturalmente duradoura. A propaganda eleitoral tem três funções simultâneas, no debate eleitoral: reforçar seu eleitorado, conquistar o eleitorado do adversário e ganhar os indecisos. Ora, como todos os eleitores têm uma avaliação do atual governante fica claro que o efeito relativo persuasivo de uma campanha eleitoral será maior ou menor em função do posicionamento estratégico dos candidatos em relação ao status quo, ou seja em relação ao nível de popularidade do governante.

Para testarmos este modelo construímos uma matriz de dados constituída pelas seguintes informações agregadas, oriundas de 18 pesquisas de opinião entre os meses de junho de 2001 a 2 de outubro de 20024:

1. Intenção de voto estimulada, em proporções, para os quatro principais candidatos finais e para a Roseana Sarney;

2. Avaliação do governo FHC, em proporções, nos casos de avaliações como sendo Ótimo/Bom, Regular e Ruim/Péssimo e Média da Nota de Zero a 10;

3. Data de realização da pesquisa de opinião;

4. Com base na data da pesquisa identificamos o período eleitoral e o momento em que as propagandas dos candidatos foram veiculadas na TV, em rede, Pré-Eleitoral (junho/01-junho/02), Eleitoral (julho-16/agosto/02) e Horário Eleitoral (30/agosto-2/outubro/02).

4 Os dados usados são todos da série de pesquisas de opinião do Instituto DataFolha, com amostras nacionais, todas publicadas. Ver site DataFolha.

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Testes preliminares apontaram que do conjunto das variáveis explicativas as variáveis FHC R/P (avaliação ruim e péssima de FHC) e Dummy HGPE (variável dummy para horário eleitoral) foram as que melhor se ajustaram ao modelo de teste pretendido. Para este teste foram feitas cinco regressões, uma para cada candidato, da distribuição de intenção de voto de cada um sobre FHC RP e Dummy HGPE, para todo o período considerado, com o objetivo de avaliar o efeito regressivo das variáveis avaliações de FHC e horário eleitoral na predição da intenção de voto para cada candidato, no tempo t, sendo, portanto, cinco regressões com a seguinte estrutura:

IntVtCit = b0 + b1 Av(FHC)t + b2 PPEt + εt

Os resultados destes testes apontam para os seguintes resultados agregados (ver em anexo a Tabela 1).

1. O desempenho eleitoral de Ciro Gomes, ao longo do período considerado, é inteiramente independente do grau de avaliação do governo FHC e do seu desempenho persuasivo no seu horário eleitoral (ver Gráfico 5 em anexo);

2. Igualmente a Ciro foi o resultado encontrado para Roseana Sarney, no curto tempo em que disputou a preferência eleitoral;

3. Entretanto, os melhores momentos de ambos decorreram dos seus programas partidários, antes do horário eleitoral (ver Gráficos 5 e 6 em anexo);

4. Garotinho e Serra tiveram, igualmente, desempenhos decorrentes da avaliação do governo FHC e dos respectivos programas eleitorais. Para ambos, as suas intenções de voto observadas ao longo do período variaram em função do nível de

popularidade de FHC e tiveram seus melhores momentos a partir da entrada no ar de seus programas eleitorais. Sendo, para Serra a partir da primeira semana e para Garotinho a partir da terceira semana de horário eleitoral. Seus programas

partidários, ao longo do período, nada acrescentaram em intenção de voto (ver Gráficos 3 e 4 em anexo);

5. O desempenho de Lula, ao longo do período, foi independente da variação da avaliação do governo FHC, no entanto fortemente dependente do desempenho dos demais candidatos, especialmente durante a presença de Roseana, e do seu horário eleitoral, principalmente a partir de 30 de agosto (ver Gráfico 2 em anexo);

Dos resultados encontrados o único que destoa do senso comum foi a ausência de correlação entre intenção de voto em Lula e avaliação negativa do governo FHC.

Do ponto de vista estatístico a explicação é simples. Ao longo do período analisado a intenção de voto em Lula variou muito, entre 35% em junho de 2001, 25% em março de 2002, 43% em maio, 33% em 30 de julho e finalmente 45% em 27 de setembro e 2 de outubro. Estas oscilações produziram uma taxa média constante de intenção de voto da ordem de 35% (ver Gráfico 2), mostrando dois movimentos: esta taxa média predita de 35% representa um potencial de voto constante, que dependendo do desempenho dos outros candidatos poderia ou não ser atingido. Tanto que as duas quedas significativas ocorridas foram, respectivamente, quando Roseana e Ciro “explodiram” nas suas curvas de intenção de voto, ambos após os respectivos programas partidários. Lula recupera o seu patamar potencial exatamente após a queda de ambos. Nesses dois momentos

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entram, ademais, em cena as propagandas de Lula, especialmente no horário eleitoral. Portanto, a variação da intenção da intenção de voto em Lula pouco teve com a variação da avaliação negativa de FHC. A vantagem relativa de Lula sobre os

candidatos remanescentes estava no seu potencial predito constante de 35%. Ou seja, na ausência de candidatos competitivos, tanto na oposição quanto na situação, a maioria do eleitorado desejoso de mudança convergia para o Lula, e sua propaganda o ampliava. Do ponto de vista da competição eleitoral as quedas de Roseana e de Ciro Gomes abriram uma avenida para o Lula, já que Serra sempre foi muito dependente da avaliação negativa do governo de Fernando Henrique Cardoso5.

Para termos uma visão geral do efeito da propaganda política e eleitoral nesta campanha, no Gráfico 1, em anexo, mostramos a variabilidade da magnitude da diferença entre a intenção de voto observada durante o período e a intenção de voto predita pelo modelo testado acima, mostrando um eleitorado mais volátil do que o predito pelas variáveis estruturais mais duradouras.

Vejamos a seguir as estratégias persuasivas dos candidatos.

2. Estratégias Persuasivas – sua metodologia e resultados

A matriz de dados desenvolvida para a análise dos programas do HGPE se beneficia de estudos anteriores, especialmente Figueiredo e outros (2000), Afonso de Albuquerque (1999) e Mauro Porto (1995). Nossa intenção foi desenvolver uma metodologia aplicável a várias situações eleitorais, e mesmo aos programas políticos não eleitorais, tornando análises futuras mais comparáveis, e portanto mais fáceis de se entender e explicar6.

Em primeiro lugar (colunas 1 a 7), cada programa recebe sua identificação: qual a

área geográfica da disputa eleitoral em questão (cidade, estado ou país); a data de

veiculação em rede aberta de televisão e o período (tarde ou noite) em que foi ao ar; para que cargo, de que candidato, de que partido e apoiado por qual coligação.

Em seguida, analisamos a linguagem dos programas (colunas 8 a 12). Em primeiro lugar, são relacionados os segmentos, unidade de análise de toda a planilha, numerados em ordem seqüencial. Um segmento é um trecho do programa televisivo que tem autonomia discursiva (ver Albuquerque, 1999). Embora, geralmente, as indicações mais claras de mudança de segmento sejam cortes de som e imagem, muitas vezes um conjunto de

formatos intercalados apenas trata profissionalmente, em termos de linguagem de televisão, uma mesma peça discursiva. É o caso de um pronunciamento de candidato em que, a cada ponto discurso, a imagem do candidato é substituída por uma ilustração listando as

propostas, lida em off, para depois voltar ao candidato. Outros exemplos de unidade discursiva seriam um jingle entremeado de manifestações populares a favor do candidato, ou um segmento de formato jornalístico em que não se separam as intervenções do âncora. 5 As quedas de Roseana e Ciro são exemplos cabais do efeito da mídia jornalística e da propaganda de ataque impetrada por José Serra.

6 A coleta dos dados para as eleições de 2002 foi realizada, além dos autores, por Luiz Cláudio

Lourenço e Juan Carlos Muciño, pós-doutorandos do Iuperj e pesquisadores do Doxa. Cada programa foi analisado conjuntamente por ao menos dois dos pesquisadores, e cada dúvida discutida, à luz das categorias aqui apresentadas, até uma conclusão consensual.

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Em seguida, a planilha prevê a marcação do tempo de cada segmento, o que permite ponderar a importância relativa que assumem no programa. É evidente que uma vinheta de poucos segundos tem peso diferente do que um pronunciamento ou

documentário de vários minutos. No presente artigo, de caráter preliminar, esta contagem do tempo ainda não está disponível, e portanto analisamos os segmentos como se fossem homogêneos, limitação esta que consideraremos ao longo da análise.

A quantidade de segmentos, considerada de acordo com a duração de cada programa, já permite observar algo sobre sua linguagem: o ritmo dos programas, seu caráter rápido, frenético, ou mais lento.

O tipo de segmento informa se ele tem caráter de campanha, metacampanha ou auxiliar, tipologia também proveniente do estudo de Albuquerque sobre as eleições presidenciais de 1989. São considerados segmentos de campanha os que apontam

problemas sociais e indicam sugestões para o seu solucionamento; promovem a imagem do candidato, seu partido e seus aliados em termos atraentes para o eleitor; atacam adversário, candidatos ou não (Albuquerque, 1999, p.69). Trata-se da disputa substantiva, do conteúdo propagandístico. Como seria de se esperar, trata-se do principal tipo usado pelos

candidatos, respondendo por 77,4% dos segmentos veiculados em 2002.

Os segmentos de metacampanha são aqueles em que, mais do que sobre o

candidato, suas propostas, o mundo presente ou as perspectivas futuras, a campanha fala de si mesma, sua viabilidade e sucesso em comícios e números de intenção de voto, chamando o eleitor para a adesão e o engajamento. Nas eleições de 2002, responderam por 11,4% dos segmentos. A “categoria ‘auxiliar’ diz respeito às mensagens cujo propósito fundamental é adequar o discurso político dos programas à lógica comunicativa da televisão” (idem, p. 70). Assim, seriam os elementos de ligação do programa, especialmente as vinhetas, mas também, por exemplo, jingles ou imagens em que não seja possível identificar apelo de campanha – como no caso do jingle “é só você querer”, da campanha de Lula, que em algumas edições limita-se ao elogio da livre escolha, sem mensagem de campanha propriamente dita. Estes segmentos, no entanto, são minoritários (10,9%).

Quanto ao formato, cada segmento pode ser, alternativamente: pronunciamento do candidato; documentário/telejornal/reportagem; entrevista ou debate com o candidato; videoclipe/vinheta; ilustração/animação; dramatização/ficção/publicidade; "povo fala"; depoimento; chamada. As categorias são as mesmas do estudo sobre os spots municipais de 1996 (Figueiredo e outros, 2000). Permitem uma primeira aproximação com o tipo de interlocução buscada pelo candidato com seus potenciais eleitores: se mais direta ou mediada, por quem, e se num formato mais sério, realista, ou lúdico e simbólico.

Em seguida, ainda tratando da linguagem do programa, aferimos se o candidato

está presente com uma intervenção sonora (imagem e voz), só de imagem, só de voz, se é

apenas mencionado ou se não aparece no segmento em questão. Isso também nos dá uma dimensão da centralidade pessoal do candidato na campanha, complementada pela

identificação do orador dominante de cada segmento, que pode ser: o próprio candidato; seu patrono político; garoto-propaganda; âncora/mestre de cerimônias do programa; líder partidário; locutor (off); cantor; candidato (off); personagem; personalidade; populares; vice-candidato; adversário.

Quanto ao objetivo, cada segmento pode estar tentando atacar, defender, construir ou desconstruir um determinado objeto, ou ainda ensinar a votar ou chamar para a

seqüência do programa, para outros programas ou eventos de campanha. Nos dois últimos casos, às vezes não há um objeto claro para a mensagem. A diferença entre ataque e

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desconstrução define-se pela presença identificada do adversário; ataque é o que tem endereço. Quando um candidato expõe as mazelas do país nesta ou naquela área, sem responsabilizar diretamente ninguém, está desconstruindo um assunto ou a imagem do país, do estado; quando se refere a falhas, limitações e defeitos do governo Fernando Henrique ou de seus adversário, está atacando.

Na coluna seguinte, definimos qual o objeto do segmento, seu “assunto” principal, escolhendo uma entre as 24 possibilidades listadas – segurança pública; saúde e

saneamento; educação; infra-estrutura (energia, portos, estradas); problemas sociais; economia e desenvolvimento; político-ideológico; esporte, cultura e lazer; transporte; política agrícola/ reforma agrária; meio ambiente; política internacional; habitação;

cardápio ou programa de governo genérico; imagem da área geográfica (cidade, país etc.); imagem do governo; imagem do candidato; imagem do adversário; imagem do partido; imagem da campanha; imagem da equipe; emprego/trabalho/salário; categorias sociais (mulheres, negros, idosos etc.); pesquisas de opinião/intenção de voto.

O posicionamento político dos candidatos em relação ao status quo do atual governo também é analisado a cada segmento, observando se ele se manifesta, contra (oposição/desafiante), a favor (situação/mandatário) ou com uma combinação de críticas e elogios (crítico) ou, ainda, se não é possível identificar, naquele segmento, um

posicionamento político. Sempre nos perguntamos, à guisa de teste, se aquilo poderia estar sendo dito pelos outros candidatos.

Os elementos da retórica persuasiva da propaganda eleitoral se desdobram, à semelhança do estudo realizado sobre os spots, em apelo (pragmático, ideológico, político, emocional ou de credibilidade das fontes), retórico (sedução, proposição, crítica, valores ou ameaça) e linguagem (didática, informativa ou panfletária). Como as demais categorias, estas são excludentes, e portanto nos obrigam, quando há várias combinadas no mesmo segmento, a escolher a predominante.

Em seguida, analisamos a qualificação do conteúdo, sempre em relação ao objeto definido na coluna 14. Em primeiro lugar, a dimensão temporal (presente, passado ou futuro) e a valência (positiva, negativa ou neutra) em que é tratado o objeto do segmento. Analisamos também os atributos eventualmente abordados no tratamento do objeto, que podem ser positivos ou negativos e envolver aspectos pessoais, políticos e

administrativos. Interessa, ainda, esclarecer a que público alvo se destina o segmento em

particular, embora tenhamos confirmado, em 2002, o predomínio absoluto de programas voltados para o público em geral, que se explica, entre outras coisas, pelo veículo televisivo e pelo caráter nacional e majoritário da disputa.

Anotamos, ainda, nas três últimas colunas, a presença ou ausência de outros recursos persuasivos, como o “uso do cargo”, o recurso à autoridade ou feitos de cargos anteriormente ocupados, a menção a partido ou coligação e a menção a outros grupos

políticos.

Por último, na coluna observações, cada segmento recebe um nome-resumo, para que seja possível identificá-lo no caso, freqüente nos programas que analisamos, do uso dos mesmos segmentos em variadas edições de diferentes programas.

Neste artigo, a intenção é apresentar os resultados preliminares da análise dos dados coletados por este método para os programas noturnos dos quatro principais candidatos no primeiro turno. Na tentativa de resumir os principais pontos em relação às estratégias discursivas dos candidatos, priorizamos o que consideramos mais explicativos: em primeiro lugar, os elementos de conteúdo e qualificação de conteúdo, ou seja, objetivo, objeto e seus

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atributos, bem como o posicionamento político do candidato. Estas informações sobre o conteúdo da propaganda eleitoral em 2002 se completam com a observação, ainda que parcial, de suas características discursivas, enquanto peças de persuasão; aqui,

consideramos o apelo, retórica e linguagem de que lançaram mão as diversas campanhas, bem como os outros recursos persuasivos utilizados.

Os programas eleitorais presidenciais em 2002

Nesta eleição de 2002, o discurso de todos os candidatos adotou uma perspectiva transformadora, de mudança, e não de continuidade. Ao contrário de 94 e 98, as pesquisas eleitorais, que orientam as grandes campanhas profissionalizadas, revelaram em 2002 um eleitorado descontente, assustado com o desemprego e com a violência. Das seis

candidaturas presidenciais que disputaram, cinco tinham à frente partidos de oposição, e de origem socialista. Mesmo Roseana Sarney, enquanto apareceu como candidata viável pelo PFL, tratou de usar o fato de ser mulher como garantia de renovação política, como ficou claro no programa eleitoral que multiplicou suas intenções de voto no início de 2002. No próprio PSDB centrista, Serra afirmava ter sido desde sempre crítico da condução

econômica do governo Fernando Henrique. As forças políticas conservadoras, oportuna-mente, ancoraram-se em alianças com as candidaturas mais viáveis; à frente da cena elei-toral, no entanto, ficou o discurso da mudança e preocupação com a injustiça social, com matizes paternalistas, socialistas e populistas em graus variados.

Como já indicávamos em 2000, a partir dos estudos de Riker (1996) sobre as estratégias de comunicação eleitoral, quando a eleição parece tão claramente vinculada a um tema que este se torna consensual entre os concorrentes, e uma determinada leitura de mundo predomina na sociedade, a exemplo do Plano Real em 1994, a disputa entre os candidatos desloca-se para a avaliação do garantidor deste mundo futuro possível. Assim, na medida em que o desejo e perspectiva de mudança, em relação aos oito anos do governo de Fernando Henrique Cardoso, tornaram-se o eixo central e consensual das eleições, a disputa entre os candidatos passou a se centrar na qualificação apresentada para realizar a mudança, transferindo a competição em direção à relativa competência, confiabilidade ou coerência para concretizá-la.

A comparação e avaliação das diferentes alternativas, portanto, só podia se dar pela atribuição de valores diferenciados aos próprios candidatos, e não a seus projetos, que pareciam ser convergentes. Assim, a estratégia comunicativa eleitoral dos candidatos a presidente teria que lidar com a construção de algum tipo de credibilidade específico, que o credenciasse para realizar a mudança. Como veremos, nas eleições de 2002 os candidatos optaram por propor a mudança e garantir-se como a melhor alternativa para concretizá-la com argumentos e discursos persuasivos que, se são semelhantes na base afetiva e genérica de seus programas, diferem substancialmente no conteúdo e construção da comunicação.

A construção do discurso persuasivo pelos candidatos ilustra tanto este predomínio do discurso transformador, quanto as diferenças evidentes nas alternativas de discurso persuasivo escolhidas pelas campanhas. Algumas observações ajudam a esclarecer os pontos indicados.

Quanto ao objetivo principal dos segmentos estudados, por exemplo, é interessante notar que, tomados agregadamente, os programas de todos os candidatos evitaram os ataques, presentes em apenas 7,3% dos segmentos estudados, o que parece confirmar a

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idéia de que os candidatos procuram evitar os custos da propaganda negativa, ao menos nos programas do HGPE, cujo emissor é mais facilmente identificável como o próprio

candidato do que no rádio ou nos spots. A partir de uma observação rotineira, não ainda sistematizada, podemos dizer que, nas eleições de 2002, os ataques entre adversários se concentraram justamente nos spots curtos, além dos momentos de abertura e fechamento dos programas, em que é possível ao candidato atacante tentar evitar o ônus do ataque, que, segundo as pesquisas de opinião, não é bem tolerado pelos eleitores, que rejeitam

candidatos agressivos7.

Observando os objetivos aparentes nos programas, fica claro como o de Lula foi o mais ativo no reforço da necessidade de mudança presente na opinião pública, descontente com o governo Fernando Henrique Cardoso. Lula é o único candidato cujo programa dedica-se, ainda que parcialmente, à desconstrução do mundo presente, com 23,6%. Trata-se da estratégia clássica de oposição, e que, nestas eleições, ganhou força devido a sua coincidência com o clima de opinião predominante na sociedade. Lula busca ocupar o espaço da mudança sem, no entanto, explicitar responsáveis ou atacar adversários (apenas 1,4% dos segmentos), mas adotando uma leitura negativa do mundo presente e construindo-se, a si e a sua campanha, enquanto alternativas coerentes e viáveis para transformá-lo.

Ciro, por outro lado, é o único candidato que parte para a defensiva. Ele ataca em 20%, se defende em outros 10%, e gasta 25% de seus preciosos segmentos para fazer chamadas e ensinar a votar, deixando apenas 40% para a construção do programa ou da imagem do candidato. Embora se declarando sempre na oposição, como veremos, não enfatiza a desconstrução do mundo presente (7,2%), o que dificulta sua identificação como o realizador da mudança. Não por acaso, seu programa é o que mais perde aceitação entre o público espectador, do começo ao fim do processo eleitoral8.

Garotinho e Serra dedicam-se predominante à construção – no caso do primeiro, quase que exclusivamente da própria imagem. Os programas de Serra, como veremos, foram os mais variados em termos dos objetos abordados, com destaque para a imagem do próprio candidato e o tema emprego. Vemos que Serra ataca bem menos que Ciro nos programas (4,7%), concentrando as críticas aos adversários nos spots.

A análise do objetivo do programa se completa com a de seu objeto. Quais foram os conteúdos destas construções e desconstruções? Que temas abordaram os programas, que imagens procuraram construir? As diferentes ênfases temáticas nos indicam as intenções persuasivas de cada candidato. Vemos que a estratégia de Lula reforçou a corrente

avaliação negativa do mundo presente, usando parte de seu programa para desconstruir seja a imagem do país (6,9%) e do governo (7,6%), o que, somado, dá uma dedicação maior dos programas à construção/desconstrução do mundo do que à própria construção de sua

imagem, presente em 13,2%. Assim, vemos que a de Lula não foi uma campanha personalista, mas antes de construção de cenário, visto que era ele quem mais tinha a ganhar com a ênfase na mudança, bandeira tradicional do principal partido de oposição desde a redemocratização. Além da construção/desconstrução do mundo, os programas de

7 É comum, nas campanhas eleitorais brasileiras, recorrer a qualquer dispositivo para omitir ou

disfarçar o verdadeiro emissor de mensagens negativas, tendo como um de seus sintomas o amplo uso de partidos-laranja, que fazem ataques mais pesados apesar de não terem chance real de eleição. Exemplos significativos do uso de “laranjas” foram as eleições de 1996 em São Paulo (contra Pitta) e as estaduais de 2002 no Rio (contra Rosinha).

8 De acordo com levantamento telefônico divulgado pelo Datafolha, na Folha de São Paulo, a

respeito da avaliação dos programas eleitorais dos candidatos, realizado continuadamente durante todo o período eleitoral.

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Lula dedicam espaço mais significativo de todos à própria campanha, presente em 18,8% dos segmentos, mais até do que a imagem de Lula. A imagem de uma campanha dinâmica, com adesões crescentes, bem-sucedida e emocionante são uma das tônicas, efetivamente, do programa. Também ganham algum destaque, nos programas do PT, os temas relativos à saúde (10,4%), economia e desenvolvimento (9%), emprego (6,3%) e problemas sociais (5,6%).

A imagem do candidato, embora de centralidade evidente em qualquer campanha presidencial, assume papel monolítico no programa de Garotinho, a que se dedicam 62,7% dos segmentos analisados. Aborda superficialmente, ao modo de cardápio, vários outros temas, mas apenas três ultrapassam 5%: a imagem da campanha (5,1%), dos adversários (5,1%) e o tema economia e desenvolvimento (5,9%).

Já Serra, embora dedique quase um terço dos segmentos à construção da própria imagem (30,7%), aborda o mais amplo leque temático, não deixando de fora praticamente nenhum dos problemas nacionais. Seu foco, no entanto, é sua própria proposta de emprego, projetada para um futuro positivo: é o tema de 19,3% de seus segmentos. A própria

campanha merece 8,7% dos segmentos, importantes especialmente na arrancada em direção ao segundo turno. Como já dissemos, os ataques entre candidatos concentraram-se nos spots; mesmo assim, Serra dedica 6,3% do espaço do HGPE a seus adversários, enquanto Lula não os menciona nem sequer uma vez. A saúde, presente especialmente através das realizações do próprio Serra no ministério da Saúde, alcançaram 4,7% dos segmentos.

É interessante notar o baixo grau de posicionamento de todos os candidatos que analisamos. Em termos agregados, 56% dos segmentos apresentados no horário eleitoral noturno não continham uma avaliação, negativa ou positiva, do status quo. Mesmo para os candidatos que pregavam a mudança, portanto, esta proposta de renovação não se construiu como uma oposição muito crítica ao atual governo. Assim, tendem a não se posicionar, simplesmente descrevendo problemas e propondo soluções, ainda que fantasiosas, mas sem atribuir responsabilidades muito claras pelo estado das coisas. O melhor exemplo é

Garotinho que, apesar de sua retórica antibanqueiros e a favor dos pobres, apenas em 31,4% dos segmentos posiciona-se na oposição. Em 63,6% dos casos, não tem posicionamento.

Quem desvia do padrão light é Ciro Gomes, dono do discurso mais oposicionista, explicitando-se como desafiante em 47,7%, significativo dentro do padrão brasileiro, em que os candidatos, tanto de situação quanto de oposição, tendem a manifestar uma postura "acima da briga”, como enfatizamos na análise das eleições municipais de 1996. Ciro é intransigente em sua oposição ao governo, não fazendo concessões nem na forma de crítica.

Fica evidente, também, que ninguém aceita o ônus da situação, nem mesmo o candidato oficial, José Serra, que só adota uma posição de mandatário em 28% dos segmentos. Em 7,3% sua posição é matizada como crítica, reconhecendo avanços mas apontando omissões e diferenças em relação ao governo de seu partido; em outros 10%, o candidato oficial chega a adotar discurso de franca oposição. Não admira que tenha causado no eleitor uma impressão de esquizofrenia, de uma “fala fora do lugar” (Almeida, 2002), além de não se beneficiar da adesão potencial dos eleitores efetivamente satisfeitos com o governo e o estado das coisas. Como já observado em outras ocasiões, brigar no campo do adversário é sempre uma estratégia eleitoral arriscada, uma vez que é difícil reivindicar uma bandeira já em poder de outro ator político.

Lula, embora propondo-se como desafiante em 32,6% dos segmentos, registra 9,7% de segmentos críticos (mais que o próprio Serra), em que, apesar de diagnosticar o mundo

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presente como problemático, reconhece alguns avanços do atual governo. Estes dados confirmam a impressão de uma oposição moderada, responsável e confiável, reforçando a imagem de maturidade que o PT de Lula procurou construir nesta eleição.

Estes conteúdos temáticos e políticos chegaram ao público através de determinados formatos e estilos discursivos, que certamente contribuem para sua compreensão, e para o julgamento e decisão eleitoral da parte importante da população que, direta ou

indiretamente, atingem. Os diferentes candidatos procuram se dirigir ao público com os apelos, retórica e linguagem que lhes parecem mais eficientes e viáveis, adequando-os a suas próprias trajetórias históricas e propostas políticas.

Assim, temos que Serra e Garotinho lançaram mão de forte apelo pragmático em seus programas – presente em 48,7% dos segmentos para o primeiro e 54,7% para o

segundo. No caso de Serra, o pragmatismo aparece na promessa de extensão dos benefícios da rede federal implantados por FHC mas, mais do que isso, suas prospecções de um mundo futuro melhor que o atual são bastante pragmáticas, apelando para emprego e benefícios individuais. Apelos políticos respondem por 18,5% dos segmentos, enquanto emocionais são 13,4%.

Garotinho, na medida em que mostra a população do Rio feliz – agricultores e trabalhadores de estaleiros salvos do desemprego, desempregados comendo por um real – e atribui esta felicidade a sua gestão, também sugere que estes benefícios serão estendidos a todo o país caso seja eleito. A persuasão, nos dois casos, conjuga uma retórica da sedução com o apelo pragmático. Garotinho, no entanto, tem discurso mais emocional (22,2%) e menos político (16,2%).

Para Lula, por sua vez, predomina o apelo emocional, com 36%, seguido pelo pragmático (28%) e político (27%). O apelo emocional está presente na valorização, pela campanha, de aspectos afetivos e simbólicos para estabelecer a associação política de Lula à oposição, à renovação e à mudança, bem como para marcar sua identidade popular, mais do que propor um cálculo pragmático.

Chama a atenção, em todos os candidatos, a absoluta ausência de apelos

ideológicos, caracterizados pela crítica estrutural ao regime capitalista, divergência em termos de projeto; nenhum do quatro estava propondo uma mudança de sistema.

Em termos de retórica, os quatro candidatos usaram predominantemente a sedução. Serra foi o mais propositivo (23,3%), enquanto Ciro e Lula usaram retórica mais crítica (23,5% e 24,3%, respectivamente). Esta ênfase na sedução, seja tendo como objeto a imagem dos candidatos, ou as promessas de um país melhor para todos, mostram que o debate se deu, como temos observado em outros estudos da propaganda eleitoral, mais em termos da construção de uma imagem genérica dos candidatos em disputa do que em diferenças programáticas consideráveis.

Confirma esta avaliação a observação da categoria “linguagem”, em que chama a atenção o fato de que todos os candidatos apóiam seus programas principalmente na

linguagem panfletária, a mais vazia, em termos de conteúdo, das possibilidades discursivas, tipicamente construídas a partir de chavões e palavras de ordem, apelando para o senso comum e para os afetos. Garotinho, com 63,2%, e Lula, com 62,5%, são os que mais recorrem ao panfleto, mas Ciro (51%) e Serra (43%) também a privilegiam em relação às outras. Serra é o que mais recorre às linguagens informativa (39%) e didática (12,3%).

A análise dos elementos persuasivos confirma, de certa forma, o tom emocional apontado na campanha de Lula ao longo do processo eleitoral. Vemos que todos os candidatos privilegiaram os elementos mais fáceis e afetivos do discurso, apelos

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emo-cionais e pragmáticos calcados na sedução e no panfleto. Como vimos, no entanto, há um conteúdo político de mudança em disputa; trata-se de estabelecer quem é o mais qualificado para reivindicar esta bandeira. Onde se concentrou, então, a disputa pela sucessão na

presidência? Uma pista aparece na análise dos atributos dos candidatos.

A ênfase na imagem do próprio candidato, nas eleições de 2002, embora tenha elementos personalistas, apoiou-se principalmente nos atributos políticos, tanto positivos quanto, em menor escala, negativos. Especialmente no caso de Lula, foram argumento para garantir as promessas de mudança; embora a associação se dê muitas vezes de forma afetiva e simbólica, através de músicas e imagens, vemos que os atributos enfatizados por Lula são predominantemente políticos. Atributos pessoais são minoria para todos os

candidatos, estando ausentes em 78,4% do total, mas ainda assim Ciro e Serra os enfatizam em cerca de 22% dos segmentos.

Já os atributos políticos encontram-se presentes em mais de 40% dos segmentos nos programas de Lula, Serra e Garotinho. Também em seus discursos críticos, seja ao governo, ao país ou aos adversários, os atributos negativos mais presentes foram políticos: 23,5% para Ciro e 13,9% para Lula.

Serra e Garotinho procuraram associar sua imagem a suas qualidades e feitos administrativos, baseados na comprovação interna e externa de sua qualificação técnica, conquistada como ministro da Saúde, no caso de Serra (38%) e como governador do Rio de Janeiro para Garotinho (45,3%). Esta ênfase nas próprias realizações fica evidente na freqüência com recorrem ao uso do cargo, marcante para ambos, com 39,3% (Garotinho) e 28% (Serra). O também ex-governador Ciro Gomes, embora faça algumas referências a suas realizações no Ceará e como ministro (7,8%), encontra-se significativamente abaixo da marca dos outros.

A ênfase nas realizações e na performance demonstrada em outros cargos pode ser um argumento persuasivo forte, mas trata-se essencialmente de um recurso de mandatário, que ganha maior credibilidade em tempos de avaliação positiva do governo em curso.

Ciro, mas especialmente Lula, procuram conduzir o debate para o plano político. Assim, além da ênfase apontada nos atributos políticos, é significativa a menção ao partido, ou coligação. No caso de Ciro, a Frente Trabalhista é forte argumento eleitoral nos Estados, presente em 10,5% dos segmentos, enquanto seu grupo político é destacado em outros 13,7%. O PT está presente em 36% dos segmentos de Lula, transformando-se em

importante aval político de compromisso com a mudança e, ao mesmo tempo, experiência administrativa – visto que devem-se ao partido os 13,9% de atributo administrativo positivo presentes nos programas de Lula.

Para finalizar, é interessante observar uma mudança de ênfase mais geral na

campanha eleitoral presidencial de 2002, através dos programas televisivos que analisamos, em relação às eleições que estudamos anteriormente – as duas eleições de Fernando

Henrique, bem como as eleições municipais de 1996 e 2000 nos vários municípios analisados9. Tratava-se, é verdade, de eleições realizadas sob os auspícios de uma opinião

pública favorável aos mandatários, confiante na continuidade. Desta forma, as campanhas centraram-se na qualificação técnica, administrativa, para a continuidade do que fora conquistado.

Em 2002, as eleições presidenciais convergiram, ao contrário, para um discurso de 9 Ver http://doxa.iuperj.br, “eleições 2000” e outras.

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mudança; apesar de um certo consenso quanto à manutenção da estabilidade e dos compromissos econômicos – o que excluiu do debate eleitoral a discussão ideológica – a grande bandeira das eleições foi a mudança dos rumos do Estado. Ora, a partir do momento em que todos concordaram com a necessidade de mudança, a disputa passou a ser quanto a quem teria melhores condições de realiza-la. A novidade, nestas eleições, é que a

qualificação teve cunho eminentemente político, e não mais técnica. Os argumentos persuasivos que enfatizavam a capacidade e sucesso administrativo em cargos já ocupados foram contrapostos, especialmente na campanha de Lula, a argumentos políticos, acerca da coerência e habilidade políticas do candidato. Esta estratégia de comunicação mostrou-se eficiente, na medida em que estabelecia como centrais justamente as características que Lula podia ostentar com plausibilidade.

A politização da disputa eleitoral também favoreceu, como vimos, um tratamento afetivo e emocional da política, que a chave econômica, mais forte nas eleições anteriores, esvaziava. Enquanto a ênfase na qualificação técnica e administrativa convoca o leitor ao cálculo, pragmático, a centralidade da política na avaliação dos candidatos em suas campanhas abriu uma margem maior para a adesão política através do afeto, da

identificação com uma imagem de renovação e mudança que Lula veio cultivando em todas as eleições anteriores, e que ocupou lugar de destaque na estratégia de sua campanha em 2002.

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Anexos

Tabela 1

Intenção de Voto, Avaliação de FHC e Horário Eleitoral

Modelo de Predição

(Valores Agregados, em %) Modelo

Ciro

(b)

Garotinho

(b)

Lula

(b)

Serra

(b)

Roseana

(b)

Constante 7,501 23,636 38,401 40,468 21,683 FHC R/P 0,147 -0,620** -0,107 -0,629** -0,131 Dummy HGPE -0,061 0,397* 0,681** 0,674** --R2 0,022 0,450 0,448 0,693 0,170 Adj R2 -0,108 0,377 0,374 0,652 -0,179 F (Sig.) 0,169 (0,864) 6,146 (0,011) 6,079 (0,012) 16,897 (0,000) 0,088 (0,779) DW 0,430 1,623 1,037 1,144 0,991 N 18 18 18 18 7 Sig. (*) p ≤ 0,5%; (**)p ≤ 0,1%

Fonte: Pesquisas Eleitorais DataFolha, junho/2002 – 02/outubro/2002, amostras nacionais, Site Instituto Data Folha.

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Gráfico 1

Previsão de Voto e o Efeito da Propaganda Política (em %) -15 -10 -5 0 5 10 15 20

jun/ 01 set / 01 nov/ 01 dez/ 01 jan/ 02 f ev/ 02 mar/ 02 abr/ 02 mai/ 02 jun/ 02 jul/ 02 30/ jul 16/ ago 30/ ago 9/ set 20/ set 27/ set 2/ out

Período Eleitoral R es íd u os ( O bs er va do -P re di to )

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Gráfico 2

Lula: Intenção de Voto e Valor Pre dito (em %) 20 25 30 35 40 45 50 Lula 35 30 31 31 30 26 25 31 43 40 38 33 37 37 40 44 45 45 Lula Predit o 35,91 35,73 35,73 35,70 35,60 35,51 35,48 35,48 35,45 35,48 35,42 35,67 35,60 35,60 35,67 35,67 35,70 35,60

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Gráfico 3

Garotinho: Inte nção de Voto e Valor Predito (em %) 0 5 10 15 20 Garot inho 11 9 9 11 11 13 15 15 15 16 13 11 12 10 14 15 15 15 Garot inho Predit o 9,73 11,60 11,60 11,91 12,85 13,78 14,10 14,10 14,41 14,10 14,72 12,22 12,85 12,85 12,22 12,22 11,91 12,85

jun/ 01 set / 01 nov/ 01 dez/ 01 jan/ 02 f ev/ 02 mar/ 0

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Gráfico 4

Serra: Intenção de Voto e Valores Preditos (em %) 0 10 20 30 Serra 8 7 8 7 7 10 17 19 17 21 20 16 13 19 21 19 19 21 Serra Predit o 8,19 12,34 12,34 13,03 15,10 17,17 17,86 17,86 18,55 17,86 19,24 13,72 15,10 15,10 13,72 13,72 13,03 15,10 jun/ 01 set / 01 nov/ 01 dez/ 01 jan/ 02 f ev/ 02 mar/ 02 abr/ 02 mai/ 02 jun/ 02 jul/ 02 30/ jul 16/ ago 30/ ago 9/ set 20/ set 27/ set 2/ out

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Gráfico 5

Ciro: Intenção de Voto e Valores Pre ditos (em %) 0 10 20 30 Ciro 15 14 12 10 10 8 8 10 14 11 18 28 27 20 15 13 11 10 Ciro Predit o 16,02 14,85 14,85 14,65 14,07 13,48 13,29 13,29 13,09 13,29 12,89 14,46 14,07 14,07 14,46 14,46 14,65 14,07

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Gráfico 6

Roseana: Intenção de Voto e Valore s Preditos (em %) 0 5 10 15 20 25 Roseana 12 16 19 21 23 15 13 Roseana Pr edi to 15,54 16,41 16,41 16,56 17,00 17,44 17,59 17,59 17,73 17,59 17,88 16,71 17,00 17,00 16,71 16,71 16,56 17,00 j un/ 01 set/ 01 nov/ 01 dez/ 01 j an/ 02 f ev/ 02 mar / 02 abr / 02 mai / 02 j un/ 02 j ul / 02 30/ j ul 16/ ago 30/ ago 9/ set 20/ set 27/ set 2/ out

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Referências

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