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APESAR DE VOCÊ 1 : RESISTÊNCIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA BAHIA DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR ( )

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Academic year: 2021

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“APESAR DE VOCÊ”1: RESISTÊNCIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL NA BAHIA DURANTE A DITADURA CIVIL-MILITAR (1964 – 1985)

Lívia Diana Rocha Magalhães2 Mércia Caroline Sousa de Oliveira3 Elpídia de Menezes Pires4 Fábio Viana Santos5

Eixo Temático: Movimentos Sociais, Lutas de Classes, Trabalho e Educação

Resumo

O presente texto visa apresentar o levantamento documental referente à pesquisa “Educação, Memória e História da Bahia: processos autoritários e ditadura militar”, que tem por objetivo o rastreamento e a análise de documentos acerca da atuação do movimento estudantil baiano durante a ditadura civil-militar (1964 – 1985). Tomamos como estudo o movimento estudantil oriundo de estudantes da UBa - Universidade da Bahia - atualmente denominada UFBA, a única instituição pública de ensino superior no Estado até a década de 1970, ainda que também houvesse uma importante participação dos estudantes da UCSal (Universidade Católica de Salvador). O fato é que, no que tange ao ensino superior, a primeira se destacou como vanguardista nos movimentos

1Referência à música homônima, composta pelo cantor e escritor brasileiro Chico Buarque, em 1970.

Segundo o autor, a canção denuncia implicitamente a falta de liberdades durante a ditadura militar (1964– 1985).

2 Professora plena da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, doutora em educação pela

UNICAMP, com pós-doutorado em Psicologia Social pela UERJ e estágio na Universidad Complutense de Madri. Coordenadora Geral do Museu Pedagógico da UESB. lrochamagalhaes@gmail.com

3 Discente do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB). Bolsista de Iniciação Científica (CNPq), pelo projeto Ditadura civil-militar na Bahia:

contestações e aceitações do movimento estudantil às políticas educacionais sob a coordenação da Profa.

Dra. Lívia Diana Rocha Magalhães. Membro do grupo de estudo e pesquisa: História e Memória das Políticas Educacionais e trajetórias sociogeracionais. merciacaroline00@gmail.com

4 Discente do curso de Direito, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Bolsista de

Iniciação Científica (FAPESB), pelo projeto Educação, Memória e História da Bahia: processos autoritários e ditadura militar sob a coordenação da Profa. Dra. Lívia Diana Rocha Magalhães. Membro do grupo de estudo e pesquisa: História e Memória das Políticas Educacionais e trajetórias sociogeracionais.

5 Discente do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia, pela Universidade Estadual do Sudoeste da

Bahia (UESB). Bolsista de Iniciação Científica (UESB), pelo projeto Educação, Memória e História da Bahia: processos autoritários e ditadura militar sob a coordenação da Profa. Dra. Lívia Diana Rocha Magalhães. Membro do grupo de estudo e pesquisa: História e Memória das Políticas Educacionais e trajetórias sociogeracionais.

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que buscavam redirecionar a política e educação baiana e contestar contra o autoritarismo no país. Para efetivação da pesquisa, levantamos cerca de 23 (vinte e três) jornais estudantis, entre jornais baianos e do movimento nacional, além de 29 (vinte e nove) documentos da Comissão “Milton Santos de Memória e Verdade” da Universidade Federal da Bahia (UFBA), priorizando-se fontes que retratam a repressão da ditadura civil-militar brasileira a participantes do Movimento Estudantil, observando também os espectros dessa realidade sobre as mulheres estudantes. Nossa intenção é apresentar o levantamento documental realizado, bem como as temáticas e abordagens que comparecem tanto nas fontes escritas como orais que coletamos.

Palavras-chave: Ditadura civil-militar. Movimento Estudantil. Documentos.

Introdução

A presente pesquisa são recortes do projeto intitulado “Educação, Memória e História da Bahia: processos autoritários e ditadura militar”, que tem por objetivo o levantamento e análise de documentos acerca da atuação do movimento estudantil baiano frente às políticas educacionais impostas e implantadas durante a ditadura civil-militar (1964 – 1985), bem como as repressões sofridas por este grupo.

Privilegiamos o levantamento e análise de materiais (panfletos, jornais, revistas entre outros) produzidos por estudantes baianos, com ênfase nos movimentos estudantis na Universidade da Bahia, hoje Universidade Federal da Bahia- UFBA, considerando que nesta universidade, á única instituição pública baiana de ensino superior à época, ocorreu um intenso movimento estudantil. Também não deixamos de considerar outros materiais produzidos pela União dos Estudantes (UNE) entre outras articulações que faziam parte da relação e sustentação das discussões realizadas pelas organizações estudantis à época.

No mapeamento das fontes (panfletos, jornais e revisitas etc.) observamos também que a maioria dos estudantes apoiavam manifestações contra as políticas e o regime civil-militar embora também houvesse, em menor expressão, movimentos de colaboração de grupos de estudantes favoráveis ás mudanças legislativas da educação no período ditatorial. A seguir apresentamos os resultados e as discussões parciais da pesquisa.

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“Hoje você é quem manda, falou tá falado...” mas, tem discussão!6- O ME versus Ditadura

Retomamos os estudos de Foracchi (1972, p.160), e Brito (2008) para conceituar o movimento estudantil como o “conjunto de ações desenvolvidas por estudantes na defesa de seus interesses, reivindicações, lutas e ideias” (BRITO, 2008, p.10), que

[...] não sendo passível de delimitação etária [...] representa, histórica e socialmente, uma categoria social gerada pelas tensões inerentes à crise do sistema. Sociologicamente, ela representa um modo de realização da pessoa, um projeto de criação institucional, uma alternativa nova de existência social (FORACCHI apud AUGUSTO, 2005, p.12).

O movimento estudantil baiano na Universidade da Bahia - UBA (atual UFBA) se apoiando em organizações político-partidárias de esquerda se expressa contra a ditadura e suas politicas educacionais em jornais alternativos a exemplo do Jornal Universitário (DCE/UFBA), Inimigos do rei (Faculdade de Filosofia da UFBA) e Viração (Estudantes/UFBA), dentre outros, publicados entre 1968 e 1980, trazendo discussões que iam de encontro às políticas desencadeadas pelo regime ditatorial iniciado em 1964.

No Jornal Universitário publicado em junho de 1968, a denúncia contra a truculência da polícia militar em relação aos estudantes foi realizada pelo movimento docente da UBA (UFBA):

Professores das diversas unidades da FBa, reunidos às 17h do dia 21 de junho a fim de fixarem a sua posição e, face dos recentes acontecimentos aprovaram o seguinte documento que recebeu mais de uma centena de assinaturas: ‘Professores da universidade federal da Bahia, reunidos em assembleia, destinada a análise dos acontecimentos que foi palco a instituição de ensino na madrugada de hoje (21), decidem tornar público – 1) seu inconformismo face ao desrespeito à autonomia universitária e a autoridade de seus dirigentes. 2) sua solidariedade as providências adotadas pelos órgãos diretivos da Universidade. 3) sua disposição de dar continuidade ao diálogo com o corpo discente, buscando uma solução comum para os

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graves problemas que afligem a universidade brasileira’. (BAHIA, J.U, Documento de Professores. 30/06/1968, n.10, p.2).

Nesta mesma edição, é possível ainda, observar a manchete Principais

acontecimentos da Bahia, onde é apresentado um calendário para as discussões e luta

contra a falta de condições de estudo, trabalho e resistência contra as politicas para a Universidade a partir de 1968

Dia 1º de junho – os alunos de geologia entram em greve contra a extinção da sua escola.

Dia 8 – os estudantes de medicina resolvem paralisar suas atividades alegando a falta de condições para funcionamento do curso e a precária situação em que se encontra o Hospital das Clínicas devido ao corte de verbas.

De 8 a 16 – realiza-se o I seminário de Estudos de Política Educacional do governo organizado pelo DCE, onde se discutiu a situação da universidade brasileira, dando-se maior importância à realidade baiana e a posição do governo frente a ela.

Dia 16 – em assembleia geral, os estudantes resolvem paralisar as atividades escolares de todas as faculdades e escolas da UFBA e decretam a ocupação por parte dos alunos de todas as unidades universitárias.

De 16 a 20 – é feito um levantamento completo da situação atual da Universidade Federal da Bahia onde se procurou demonstrar as consequências em cada uma das faculdades e escolas, do corte de verbas determinado pelo governo federal.

Dia 20 – realiza-se a passeata contra o corte de verbas tendo sido a manifestação reprimida pela polícia.

Dia 21 – pela madrugada, a polícia invade as faculdades de economia, administração e filosofia, desalojando os universitários que as ocupavam e conduzindo-os presos para suas corporações.

Dia 21 – às 10h , os estudantes reúnem-se em assembleia geral no Hospital das Clínicas e reocupam as escolas.

De 21 a 22 – são promovidos debates entre professores e alunos para discussão da crise e os professores de várias faculdades publicaram documentos de apoio aos universitários.

De 22 a 28 – os estudantes continuam reunindo-se em assembleias gerais, realizando comícios relâmpagos e distribuição de panfletos. As escolas continuam a ser ocupadas até o encerramento das atividades para a edição desse número da JU (BAHIA, J.U 30/06/1968. n.10, p.2).

Editado na cidade de Salvador-BA, o Jornal Viração, ligado ao DCE/UFBA, defendia a criação de um centro e residência estudantis, inclusive uma residência para mulheres, além de se posicionar criticamente frente à censura, e emitirem notas

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denunciando em 1976 de forma sarcástica a realidade negativa que envolvia o estudante baiano, e os problemas de infraestrutura apresentados, conforme exemplo abaixo.

Em 1973 (desejamos unicamente ser fieis as datas) a representação estudantil aqui cabe uma explicação, não pretendemos de forma alguma nos referir as ideias exóticas e alienígenas de alguns apátridas de que o estudante poderia representar alguma coisa, não senhores! Para o bem da verdade é preciso dizer o estudante nada representa, diríamos mais o estudante praticamente não existe, da residência feminina (sim senhor, residência feminina) não como querem algumas devassas, residência mista, antro da perdição, lugar de orgias e safadezas, foi cortada. [...] as condições de manutenção do próprio prédio são precárias o telefone foi cortado, (uma medida acertada diga-se de passagem) para que uma estudante (estudante!) iria querer um telefone? Para prática de atos libidinosos? Não senhor, isso jamais. Banho quente, isso não existe nem para doentes num país tropical como o nosso, o banho frio é o ideal inclusive para doentes de gripe, tuberculose e etc. Banho quente é para país frio. Porém o pior é a

repressão em todos os níveis (onde se lê repressão leia-se MEDIDAS MAIS RÍGIDAS, é preciso ser fiel a verdade) é proibido reuniões (pra que? Acaso vão discutir os destinos de nosso país, o mais feliz do mundo? Debates, creio em Deus padre, eu hein? Manifestações culturais (já não existe o Amaral Neto mostrando a todos o verdadeiro Brasil?, não existe o Sílvio Santos, Fantástico etc. Vocês querem mais? Háaa! Na certa querem os subversivos Gonzaga Jr, Chico Buarque, Glauber Rocha, Carlos Drummond de Andrade. E até mesmo esportivas, naturalmente é claro não eram puramente esportivas. Tinha-se bate-papos, confraternizações. E quando se procura o SCVU pelo superintendente Santo homem! Santo homem! Proferia-se ameaças, equívoco onde le-se grosserias e ameaças leia-se UM TOM DE VOZ MAIS GRAVE (JORNAL VIRAÇÃO, 21/05/1976,

p.4, grifo negrito nosso).

Outros jornais de cunho estudantil também se dedicavam a critica ao regime ditatorial na Bahia. Em Salvador, o jornal O inimigo do rei, periódico de cunho anarquista, editado por estudantes da Faculdade de Filosofia da UFBA, abordava em suas notícias, temáticas em torno da censura, desrespeito aos direitos humanos de minorias oprimidas e a violência, conforme podemos ver em algumas notícias a seguir (1978, 1979).

Ao comemorar os dez anos da Primavera de Praga – uma tentativa de socialismo humanista – O Inimigo do rei registra, mais uma vez, o seu protesto contra o autoritarismo não só a nível internacional, como nas

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fronteiras políticas da América Latina, onde se inclui a cena brasileira (O INIMIGO DO REI, 1978, p.2).

É preciso que surja nas universidades formas de lutas autogestionárias, onde não haja nenhuma chefia , nenhum líder, onde todos percebam que toda estrutura de pode não passa de consolidação do velho mundo. É preciso que todos percebam que toda estrutura de poder não passa de consolidação do velho mundo. É preciso que todos compreendam que cada um tem o direito somente de governar a si próprio preservando assim a liberdade de cada individuo. Só através dessas formas de lutas, é que poderemos algum dia, chegar a uma sociedade onde ninguém mais esteja sujeito a autoridade do pai, do professor, do patrão, do Estado, etc. Aos estudantes lutas através de suas federações, aos operários lutas através de seus sindicatos! (O INIMIGO DO REI, 1978, p.5).

Os governos que sobrevieram a 1964 viveram sempre de mentiras [...] situação por si só anômala, que só gerou anomalias. Anomalias como o terror do Estado que teve seus tempos gloriosos durante o governo do general Médici. O rapto, tortura e assassinatos de cidadãos brasileiros, as portas escancaradas para as multinacionais, que, céleres, encontraram o campo aberto para sugar o que podiam do trabalhador (aliás não foi a tôa que os Estados Unidos articularam e financiaram o golpe) (O INIMIGO DO REI, 1979, p.1).

O Jornal Nova Ação (1977), editado por estudantes da UFBA, se posiciona contrário às propostas para as fundações de ensino e o crédito educativo, defendendo o ensino gratuito para todos os níveis educacionais, discorrem ainda, sobre as péssimas condições materiais de ensino na Bahia. Defende um movimento político de luta democrática em prol de uma universidade livre da repressão, onde esta deve assumir um papel de defesa da sociedade. Dentre as notícias destacamos:

[,,,] como ocorre em todas as universidades a repressão se faz ver nos restaurantes e residências e em medida bem maior, tendo por finalidade impedir os estudantes de organizarem e se contrapuserem coletivamente em relação a esse estado das coisas. PELA AMPLIAÇÃO E MELHORIA DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA, PELA REPRESENTAÇÃO ESTUDANTIL, LIVRE NOS RESTAURANTES E RESIDÊNCIAS, POR UMA CRECHE PARA FILHOS DE ESTUDANTES, PROFESSORES E FUNCIONÁRIOS, CONTRA O CRÉDITO EDUCATIVO [...] CONTRA AS FUNDAÇÕES DE ENSINO, PELO ENSINO GRATUITO EM TODOS OS NÍVEIS! (NOVA AÇÃO, 1977, p.7-8).

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[,,,] Ao invés de permanecer à espera de manifestações esporádicas que porventura venham a romper o bloqueio cultural importo pelo sistema, deglutindo passivamente os frutos de tais aberturas, cabe a nós no momento colaborar no estabelecimento de bases para o surgimento de uma nova cultura, livre, reflexo do próprio desenvolvimento da sociedade. PELA LIBERDADE DE CRIAÇÃO CONTRA A CENSURA! (NOVA AÇÃO, 1977, p.9).

O jornal Faca Amolada (Jornal dos estudantes de comunicação da UFBA, 1978) apresenta um panorama acerca do ME, e suas manifestações e protestos presentes em todo o país:

Os estudantes saíram ás ruas das maiores cidades do país ara protestar contra o regime de exceção, pedindo anistia ampla e irrestrita para os presos políticos, liberdades democráticas e melhores condições de vida para a população (FACA AMOLADA, 1978, p.2).

Em Vitória da Conquista – BA, o jornal Voz Estudantil (1979), apresenta posicionamento favorável em defesa da liberdade de expressão e de pensamento. Onde estudantes da rede pública (CIENB, IEED) e privada (PAULO VI, JUVÊNCIO TERRA, NORMAL DIOCESANO) alegam “sentirem na pele” a repressão dentro do colégio, sobretudo, por parte da diretoria, além de denunciarem o autoritarismo.

Nós, estudantes da escola Normal (líderes, vice-líderes de classe e demais interessados), reunidos clandestinamente para discutimos nossa situação, sentimos realmente na pele a repressão que há dentro do colégio, ou seja, a falta de liberdade de reunião, a não ser do interesse da diretoria [...] (VOZ ESTUDANTIL, 1979, p.2).

Como todas as escolas do Brasil, o nosso colégio [Juvêncio Terra – escola privada] não foge às regras quando se fala do baixo nível de ensino que nos é dado, mas a característica marcante do Juvêncio é a falta de liberdade de discussão em outras palavras, a repressão às nossas ideias (VOZ ESTUDANTIL, 1979, p.4, colchetes – destaque nosso).

O Fifó, outro jornal da cidade, dirigido e editado por um estudante de vinculação comunista de Vitória da Conquista, apresenta discussões em defesa da redemocratização do Brasil, e crítica a anistia imposta pelo regime como uma medida meramente eleitoreira, como também a denúncia contra a censura:

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A censura persiste, ela não foi eliminada de todo. Os meios de informação ainda não cobrem todas as necessidades neste nível, ainda não são acessíveis á maioria da população. (FIFÓ, 1977, s.p).

Já o “movimento estudantil de direita”7, grupo que no período tentou se

articular em oposição à grande parte do ME , contava com alguns estudantes das faculdades de medicina e direito. Como pode ser observado em nota ao Jornal da Bahia (1964), onde declararam apoio ao novo regime governamental instaurado:

O novo Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade da Bahia, recentemente empossado, cônscio dos seus direitos e deveres, vem, de público, manifestar seu regozijo em face dos últimos acontecimentos políticos, em que as Forças Armadas do Brasil, numa tomada de posição condizente com as reais tradições democráticas do nosso povo, mostraram mais uma vez a sua eterna vigilância e amor à pátria livrando-a do abismo vermelho que a esperava. A estes heróis da Pátria, a nossa admiração e estima e, ao povo baiano, a afirmação de que, neste DA, novos alicerces democráticos serão levantados, novas perspectivas esperarão o estudante de Medicina, para que ele possa realmente desempenhar a sua função primeira: estudar. Estudar para ser um bom profissional e, assim, melhor servir ao seu povo (JORNAL DA BAHIA, 15/04/1964 apud BRITO, 2008, p.105).

Verifica-se que o projeto de afastamento do movimento estudantil da vida política como fica previsto no AI 5 “estudar e não fazer política” é apoiado por parcela de estudantes. O jornal ressalta que estes deveriam “[...] desempenhar a sua função primeira: estudar”, é elucidado justamente por meio de um posicionamento político, em apoio ao novo Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina, bem como, verossimilhança com os modelos “exemplares” de estudantes, com comportamentos considerados aceitáveis pelo regime em questão (BRAGHINI, CAMESKI, 2015).

Nos jornais encontrados, identificamos além de reivindicações pulsantes acerca da reestruturação universitária, que perpassavam a ampliação de vagas para as IES; melhores condições infraestruturais; construção da residência universitária luta contra os acordos MEC/USAID, outras temáticas que insurgiram no movimento revelando a característica política deste, á medida que priorizou a luta contra os arbítrios da ditadura

7 Esta nomenclatura é adotada pela Profa. Dra. Katya Mitsuko Zuquim Braghini em sua pesquisa sobre o

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na Universidade; repressão acometida a alguns discentes, docentes e funcionários perseguidos pelo regime.

“Onde vai se esconder da enorme euforia?”8: A repressão e a Comissão da Verdade

A análise preliminar dos relatos disponibilizados pela Comissão Milton Santos nos permite verificar que a maioria dos estudantes vinculados ao Movimento Estudantil da UFBA sofreu algum tipo de repressão, como cassação de matrículas, processos; perseguições; prisões, com o objetivo de punir e conseguinte desarticular o movimento.

As perseguições e graves violações às garantias individuais são reiteradas pelos ex-alunos da Instituição, que vivenciaram aquele contexto político, denunciando as arbitrariedade conduzidas pelo regime ditatorial frente às manifestações de resistência política estudantis, que desafiavam o poder autoritário estabelecido. Valdélio Santos Silva, ex-aluno do curso de ciências sociais, revela que durante os Inquéritos Policiais (IPM’s) a tortura foi uma ferramenta amplamente utilizada para garantir o controle das manifestações estudantis.

A gente era retirado da cela individualmente e levado para lugares onde havia, digamos assim, uma sala organizada de tortura, onde alguns observadores ficavam sentados e duas ou três pessoas nos interrogavam e nos espancavam. Nós tomamos muita porrada, eu tomei muita porrada. Eles batiam, batiam, usavam cigarros, nos ameaçavam de todas as formas, humilhavam. Era uma tortura física e uma tortura psicológica. (SILVA, depoimento, 2014)

Eduardo Henrique Saphira Andrade, ex-aluno do curso de Economia, reitera a cassação de alunos membros do dos movimentos estudantis, onde

A partir do AI’5, nós, cerca de 90 estudantes da Universidade Federal da Bahia, fomos cassados. A primeira senha era exatamente todos os que estavam no Congresso da UNE, em Ibiúna. Fomos cassados de uma maneira assim: totalmente por debaixo do pano. Simplesmente, nós fomos avisados na hora de fazer a matrícula, em 69, que nós estávamos proibidos. Então, eu e vários colegas ficamos dois anos afastados da faculdade. (ANDRADE, depoimento, 2014)

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Javier Ulpiano Alfaya, ex-aluno do curso de Arquitetura relata que era

[...] praticamente impossível fazer passeata, havia resistência nas escolas, mas, ninguém podia se organizar em massa, além da presença da polícia militar nas ruas, se temiam as consequências posteriores como prisões, inquéritos, processos, etc., acirrado com o decreto 477.

E ainda que

Até 1975 não tínhamos um movimento de professores, assim forte significativo, a constituição proibia a sindicalização dos funcionários públicos. Essa greve deu uma virada na UFBA, foi histórica, enquanto a imprensa daqui não queria noticiar, a greve foi acompanhada pela BBC de Londres, abalou a universidade, abalou a Bahia, e abalou o movimento estudantil brasileiro. Foi tão poderosa a greve que a ditadura teve que mandar para cá, o segundo homem do ministério para negociar com os estudantes e me lembro que os estudantes não aceitavam negociações com os representantes da ditadura, mas foi feita uma assembleia na grama da Faculdade de Belas Artes em São Lázaro e perante uma assembleia de 2000 estudantes o professor Machado foi obrigado a fazer uma negociação com os estudantes sobre o fim do movimento, dos pleitos, quer dizer era um movimento que a ditadura não pôde mais reprimir, nós com aquela greve recomeçamos um movimento de massa, digamos assim, estudantil, não era só aquela resistência pequena dentro da escola, debate, mas passou a se pensar em uma coisa externa (ALFAYA, depoimento, 2014).

“Água nova brotando...”9 : As Mulheres no ME

Como vimos anteriormente, o ME reivindicou na UFBA uma residência feminina para as alunas dos cursos desta instituição, revelando a presença destas, muitas vezes pouco retomadas, sobretudo, a partir da incorporação mundial das lutas feministas na reivindicação de direitos igualitários em todos os âmbitos sociais, e no que corresponde ao movimento estudantil o reconhecimento de suas lutas.

Alfaya destaca o fato de que o movimento estudantil ativo em 1975 incorporou algumas reivindicações, tal qual o movimento de 1968 na França, dentre outros movimentos de esquerda de outros países, que indagavam sobre incorporar outras lutas minoritárias, tais como o movimento feminista, visto que

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[...] havia mulheres, algumas até em evidência no movimento estudantil, contudo, até então não havia as ideias que norteariam o progresso das conquistas das mulheres. Essa geração incorporou muito as bandeiras das lutas para as mulheres, principalmente feministas. A minha campanha inaugurou um cartaz trazendo a representação da mulher desnuda da revolução francesa para o DCE, até então ninguém havia pensado em colocar mulheres de seio aberto. Era impensável, improvável até então. Então começamos a falar da luta feminista, da sexualidade, do uso da maconha, da liberdade ou não porque a maconha era reprimida, eram elementos que não eram substitutivos da luta política, mas que tinham sua importância, embora o eixo central era o combate a ditadura e a luta pela universidade, mais verbas para a educação, melhoria para o ensino, equipamentos, restaurantes, residência, mais vagas, etc. (ALFAYA, depoimento, 2014

Maria Liege Rocha, outra aluna à época, se refere à coibição a qualquer resistência à ditadura no âmbito da Universidade Federal da Bahia. Ela revela que antes mesmo da edição do Decreto-Lei 477 foram aplicadas severas punições a estudantes, professores e funcionários.

[...] eu mesma fui cassada antes do 477. Então, eu fui impedida de me matricular em 1969. Não só impedida de me matricular como de frequentar a Escola de Biblioteconomia. [...] eu e outros os estudantes - meus companheiros e companheiras – fizemos várias assembleias, que era pra me manter na Escola. Isso causou um certo temor na diretora e, logo depois, eu e meu pai fomos chamados à Polícia Federal. (ROCHA, 2014)

De acordo com Souza (2016) Liege em 1979, foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia incorporando as mulheres baianas na defesa pela anistia, o que culminou na criação do Comitê Brasileiro da Anistia. Por conta de sua militância foi presa em 1982 na Associação dos Funcionários Públicos da Bahia, na ocasião do lançamento de um livro sobre o Araguaia: “todos foram cercados, o tenente

nervoso gritou que foi treinado para acabar com a guerrilha mandou todos sentarem e prenderam 11 pessoas, 10 homens e eu, a única mulher presa, ficamos 21 dias presos”

(ROCHA, depoimento, 2014 apud SOUZA, 2016, p,160).

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A partir da revisão teórica, bem como, documentos coletados para esta pesquisa pudemos identificar que os estudantes usufruíram de instrumentos de circulação de ideias (jornais, noticiários, revistas, panfletos etc.), a fim de, manifestarem suas posições político-partidárias. As notícias encontradas nos jornais bem como os relatos dos estudantes que tiveram atuação no ME, trazem em seu arcabouço discursivo as intempéries experimentadas pelo movimento na condição de opositor a ditadura, em sua militância clandestina ou ofensiva. Como ficou evidenciado houve uma parcela de estudantes a favor do regime, contudo a maioria das fontes encontradas sobre o ME apresentam uma vertente de oposição, bem como, as produções acerca do tema. Confirmando nossa constatação, Braghini e Cameski (2015, p.946) expressam o seu argumento:

Na imprensa de circulação em massa, eram apresentados como estu-dantes modelares aqueles grupos que não praticavam política estudantil explícita; manifestavam-se favoráveis ao movimento golpista; faziam bloqueio às ações de seus oponentes, ora por meio de atuações convencionalmente aceitas, ora de formas violentas de ação. Tratamos aqui de estudantes que eram considerados modelos “exemplares” de jovens, de modo a apresentar outros desenhos estudantis e juvenis, expondo um tipo de manifestação pouco examinada pela historiografia. Fosse para fazer empecilho e contraponto aos movimentos estudantis contrários à ditadura, fosse atuando de formas “modelares”, por meio de comportamentos considerados “aceitáveis”, pudemos perceber que, oculto e apagado, esse movimento também teve um passado para ser historicizado.

A Universidade da Bahia, única instituição pública, embora houvesse a Universidade Católica (privada) onde também ocorreu importante participação estudantil contra o regime militar, a UBA (UFBA) até a década de 1970, consolida a luta discente. Segundo Brito (2008), a experiência política vivenciada pelos estudantes da UBa (UFBA) fez com que a instituição alcançasse a condição de locus protagonista dos movimentos que buscaram alternativas aos rumos social-político-econômicos para os quais a Bahia trilhava.

No entanto, ainda que as análises tenham nos proporcionado pistas contundentes para a discussão que objetivamos neste recorte da pesquisa, ainda estamos analisando outras fontes e realizando seu cotejamento para recompor a atuação do ME durante a ditadura civil-militar a partir da Bahia. Constitui nosso objetivo ao longo da

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pesquisa nos debruçar de forma mais aprofundada nesse material produzido por estudantes baianos durante a ditadura de 1964.

REFERÊNCIAS

BENEVIDES, Silvio César Oliveira. Aventuras estudantis em tempos de opressão e fuzis. In: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro. (Org.). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, vol. 1, p. 115-125.

BRAGHINI, Katya Zuquim.; CAMESKI, Andrezza Silva. Estudantes democráticos: a atuação do movimento estudantil de “direita” nos anos 1960. In: Educação e Sociedade. Campinas, v.36, n.133, p.945-962, out/dez 2015.

BRITO, Antônio Maurício Freitas. Salvador em 1968: um breve repertório de lutas estudantis universitárias. In: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro. (Org.). Ditadura militar na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online]. Salvador: EDUFBA, 2009, vol. 1, p. 89-113.

______. O golpe de 1964, o movimento estudantil na UFBA e a resistência à ditadura militar (1964-1968). 242f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós- Graduação em História da UFBA. Salvador: UFBA, 2008.

LIRA, Alexandre Tavares do Nascimento. A legislação de educação no Brasil durante a ditadura militar (1964-1985): um espaço de disputas. 367f. Tese (doutorado em história social) - Programa de Pós-Graduação em História Social da UFF. Niterói: UFF, 2010.

SOUZA, Daniela Moura Rocha de. Intelectuais, Ideologia e Política Educacional baiana durante a ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). 281f. Tese. (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICAMP. Campinas-SP: UNICAMP, 2016.

REZENDE, Claudinei Cássio. Suicídio revolucionário: a luta armada e a herança da quimérica revolução em etapas. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 258p.

Fontes:

Jornais

JORNAL CÁLICE. Jornal Estudantil. Vitória da Conquista-BA. Exemplares dos anos de 1976 e 1978.

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JORNAL FACA AMOLADA. Jornal Estudantil. Salvador. Exemplares do ano de 1978. JORNAL FIFÓ. Jornal Alternativo. Vitória da Conquista-BA. Exemplares do ano de 1977.

JORNAL O INIMIGO DO REI. Jornal estudante Anarquista. Salvador. Exemplares dos anos de 1968 e 1978.

JORNAL NOVA AÇÃO. Jornal Estudantil. Salvador. Exemplares do ano de 1977.

JORNAL VIRAÇÃO. Jornal Estudantil. Salvador. Exemplares dos anos de 1976 e 1977.

JORNAL VOZ ESTUDANTIL. Jornal Estudantil. Vitória da Conquista-Ba. Exemplares do ano de 1979.

UFBA. Reestruturação da UFBA. J.U - Jornal Universitário. Salvador: UFBA, 31/05/1968, n.8, p.2.

UFBA. Reforma Universitária. J.U - Jornal Universitário. Salvador: UFBA, 31/12/1968, p.4.

Depoimentos:

ALFAYA, Javier Ulpiano. Depoimento dado na Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. [1:23:35 minutos]. Salvador: Comissão Milton Santos/UFBA, 2014. Disponível em: <http://www.comissaoverdade.ufba.br/node/34>.

ANDRADE, Eduardo Henrique Saphira. Depoimento dado na Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. [52:24 minutos]. Salvador: Comissão Milton Santos/UFBA, 2014. Disponível em: <http://www.comissaoverdade.ufba.br/node/34>. ROCHA, Maria Liege. Depoimento dado na Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. [37:51 minutos]. Salvador: Comissão Milton Santos/UFBA, 2014. Disponível em: <http://www.comissaoverdade.ufba.br/node/34>.

SILVA, Valdélio Santos. Depoimento dado na Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA. [47:16 minutos]. Salvador: Comissão Milton Santos/UFBA, 2014. Disponível em: <http://www.comissaoverdade.ufba.br/node/34>.

Referências

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