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FAMÍLIAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

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Academic year: 2021

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FAMÍLIAS DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL: ELEMENTOS PARA REFLEXÃO

Denise Jesuína Faria (UNESP – Franca)1 Neide Aparecida de Souza Lehfeld (UNESP – Franca)2 Vanessa de Oliveira (UNESP – Franca)3

Este artigo tem como objetivo compartilhar reflexões sobre alguns elementos que perpassam a questão do abrigamento de crianças e adolescentes, assim como o contexto vivenciado por suas famílias, tendo em vista que essa é uma das realidades apresentadas durante o exercício profissional do assistente social na área do Poder Judiciário.

Ao nos aproximarmos destas vivências, entendemos ser importante rever conceitos, práticas e paradigmas, com vista a um movimento na busca de contribuir na construção de conhecimentos que subsidiem, dentre outras ações, na implantação de políticas públicas que atendam, de fato, aos interesses das crianças e adolescentes e suas famílias.

As considerações apresentadas basearam-se, principalmente, na leitura do livro Famílias de crianças e adolescentes abrigados: quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam, o qual tem por norte uma pesquisa realizada com famílias de crianças institucionalizadas no município de São Paulo, e que constatou, dentre outros aspectos, que a motivação principal do abrigamento é “a privação econômico-material, o não-acesso a políticas sociais, a fragilidade dos laços familiares e o desenraizamento em relação à cidade” . (FÁVERO, 2008, p. 20).

Ainda que, de forma breve, para que se possa melhor subsidiar as reflexões ora propostas, entendemos como necessário pontuar sobre a história social da criança, além do surgimento histórico das instituições de atendimento a esse segmento no país, para uma melhor compreensão do momento atual, suas configurações, limites e desafios postos.

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A chamada roda dos expostos surgiu no século XVIII como uma forma de proteção à criança abandonada e que, geralmente, estavam ligadas a ações da Igreja. As três primeiras rodas de expostos no Brasil surgiram em Salvador (1726), no Rio de Janeiro (1738) e em Recife (1789).

Com o desenvolvimento da sociedade nos períodos subseqüentes, a questão da pobreza se intensificou, bem como a exposição de crianças a situações de risco, sendo o abandono prática comum. Este contexto levou à criação de diversas “obras filantrópicas”, cujo objetivo era cuidar e prestar auxílio a essas crianças.

Esta situação de abandono, vivenciada por crianças e adolescentes, era mais intensas em famílias cuja origem era negra ou mestiça, caracterizadas, em sua maioria, como famílias em situação de extrema pobreza, o que gerava dificuldades de cuidar de sua prole.

A literatura mostra que as primeiras instituições que acolhiam este contingente tinham como foco a punição, com vistas a garantir a segurança nacional e destinava-se, em sua maioria, a meninos. Em geral, os abrigos localizavam-se em espaços afastados da comunidade e se configuravam em grandes complexos com escolas, cursos profissionalizantes, áreas esportivas, serviços médicos e outros.

A análise histórica sobre crianças e adolescentes e sua relação com abrigamento nos permitem identificar alguns elementos para nossa reflexão, cujo rebatimento ainda hoje podemos presenciar. Vejamos alguns deles: famílias pobres, crianças abandonadas, dificuldades para cuidar dos filhos, controle, punição, afastamento da comunidade. Isto nos parece familiar?

Em um breve recorte sobre abrigamento na Comarca de Orlândia – SP, no período de 2005 a 2009, pode-se observar:

- ocorrência de 29 crianças e adolescentes abrigados; - destes, 93,10% são crianças e 6,9% são adolescentes; - 07 abrigamentos são de grupos de irmãos;

- 20 crianças e adolescentes retornaram para suas famílias ou família extensa;

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- 5 foram encaminhados à adoção, ressalta-se que um dado importante é que estas adoções se deram com grupos de irmãos de 03 e 02;

- 02 continuam abrigadas;

- no tocante às famílias destes jovens, estas totalizaram 19.

Neste universo, é possível identificar as causas que desencadearam o abrigamento, destacando que, em muitas das situações, dois ou mais fatores estavam presentes.

Abandono 36,8% Alcoolismo 26,4% Dificuldades em lidar com problemas de comportamento

criança ou do adolescente 17,8%

Drogadição 36,8% Falta de condições sócio-economicas/habitacionais 57,8%

Negligência 52,6% Transtornos mentais (doença/deficiência) 17,8%

Violência Física 17,8%

Violência Sexual 3,4%

Quadro 1 – Motivos do Abrigamento

Fonte: Cadastro Individual de Criança/Adolescente sob medida de proteção Abrigo 2005-2009 Comarca de Orlândia/SP

Neste quadro é possível observar que a falta de condições sócio-economicas/habitacionas da família, seguida da negligência são as motivações principais nas famílias atendidas. Destaca-se também o abandono, a drogadição e o alcoolismo, de maneira que a problemática ligada à saúde mental (ou falta de), nos remete a compreender a tentativa de fuga da condição de sofrimento, exclusão e pobreza que vivenciam.

Notou-se que a violência social a que estas famílias estão submetidas como: desemprego, ausência ou condições precárias de moradia, ausência de equipamentos sociais públicos que atendam a criança no horário de trabalho da família e outros, é uma realidade presente.

Outra importante observação a ser considerada é que a precariedade ou inexistência de domicílio ocasiona a circulação entre várias casas e a insegurança desta condição, além do fato de que a convivência de múltiplas famílias em um

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mesmo domicílio é fato de acirramento dos conflitos inter e intrafamiliares, expondo ainda mais as crianças a situações de negligência.

Segundo Fávero (2008, p. 204) com estas situações “[...] joga-se sombra no papel do Estado e reitera-se a idéia de fracasso familiar” (p. 204)

As famílias de crianças e adolescentes abrigados em sua maioria por vivenciarem este contexto de intensa vulnerabilidade referendam o abrigamento, se pautando na afirmação de que o melhor para seus filhos é que fiquem nestes espaços onde terão alimentação, segurança, roupas, escola.

Portando, podemos observar que as dificuldades das famílias em se manterem e cuidar dos filhos continua a ser, ainda no século XXI, um dos principais fatores que leva ao abrigamento de crianças e adolescentes.

Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, temos a perspectiva jurídica de garantia de direitos à criança e ao adolescente, de maneira que o abrigo seja uma medida de caráter excepcional e provisório e que a convivência familiar e comunitária seja efetivada, prioritariamente na família de origem e excepcionalmente em família substituta.

Contudo, ainda há uma forte cultura no Brasil de que o abrigamento de crianças e adolescentes seria uma forma de protegê-los das ‘más influências’ de seu meio, desconsiderando as perdas e as conseqüências para o desenvolvimento psicológico, afetivo e cognitivo.

A atuação profissional junto ao Tribunal de Justiça nos aponta que, as diversas famílias que tiveram seus filhos abrigados, não contavam com suporte necessário para prover e manter seus filhos de forma digna e, embora existam outras formas de apoio mútuo entre familiares, vizinhos, relações de compadrio, conhecido como circulação de crianças, tal rede de apoio informal mostra-se insuficiente para evitar o abrigamento de crianças.

O desemprego, a falta de moradia, de uma rede apoio familiar e comunitária, agravado pelas sobreposições de vulnerabilidades (sociais, econômicas, culturais).

O rompimento deste círculo é fundamental, pois o que se observa é que de geração após geração, estas famílias continuam expostas a situações de

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extrema vulnerabilidade social, fato este que pode interferir na tarefa de maternagem/paternagem. São grupos familiares privados do acesso a direitos sociais básicos, o que evidencia a fragilidade dos programas oficiais existentes que, em sua maioria, se caracterizam por serem seletivos e focalistas e, quase sempre, desarticulados entre si.

É fundamental que as famílias tenham acesso à renda, bem como acesso a serviços de saúde e qualificação profissional, de modo que seja possível construir uma nova dinâmica que permita o retorno seguro de seus filhos. A reinserção familiar depende de uma complexidade de fatores, pois,

[...] sem trabalho e renda suficientes para contemplar suas necessidades básicas, sem a devida proteção social do Estado e sem contar com uma rede social pessoal com potencial para o exercício da solidariedade, os pais, mesmo estando juntos, não conseguem assegurar condições para a permanência dos filhos consigo, abrindo-se, assim, espaço para o acolhimento institucional” (FÁVERO, 2008, p. 59).

Dar voz às famílias, bem como às crianças e adolescentes envolvidas neste contexto, é essencial para que possam participar e contribuir para pensar, elaborar, implantar e avaliar políticas públicas e práticas sociais.

O Poder Judiciário, muitas vezes, ao não permitir a escuta destas crianças e de suas famílias, ao não dialogar e exercer seu papel “controlador” cobra das famílias melhorias em suas condições materiais, ou seja, exige-se um “esforço individual” das famílias, sem exigir um trabalho integrado entre as políticas públicas. É preciso ampliar o horizonte de discussão e avaliar sobre as competências, limites e desafios postos aos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo.

Merece ser pontuado que a questão social, fruto da intensa contradição entre capital e trabalho, passa, hoje, a ser judicializada. Este processo se expressa de diferentes formas, mas, principalmente, na culpabilização das famílias, nas separações de crianças e adolescentes de seus familiares ao serem acolhidos institucionalmente como primeira medida a ser tomada, da moralização das situações de dependência química, dentre outros.

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De fato, no cotidiano de trabalho, as famílias enfrentam inúmeras dificuldades de ordem estrutural para obter o retorno de seus filhos ao lar, pois os desafios e a capacidade de superação da problemática vivenciada não são meramente pontuais.

As medidas protetivas de apoio sóciofamiliar a fim de prevenir o abrigamento não são efetivadas, ou seja, não há investimento em nenhum familiar da criança ou do adolescente antes do abrigamento.

A pesquisa desencadeada por Fávero (2008) nos mostra que as famílias precisam “convencer” o Poder Judiciário de que possui condições de desabrigar seus filhos e cuidar deles adequadamente. Por parte dos profissionais que trabalham com essas famílias, em especial o Assistente Social, é necessário o compromisso técnico, ético e político para se aproximar do real e concreto cotidiano dessas famílias e não culpabilizá-las pela situação que vivenciam.

As exigências que o Judiciário, em seu papel “controlador”, cobra das famílias, focam-se nas condições materiais, exigindo um “esforço individual” delas em detrimento de exigir um trabalho articulado com os recursos do município, os quais são insuficientes para atender à demanda.

Estas situações ficam evidentes, por exemplo, quando as famílias são encaminhadas a realizar acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, há uma fila enorme de espera, além da ausência de diálogo entre unidade de acolhimento e Vara da Infância.

Verificamos o controle do Estado sobre a vida do cidadão, ao invés do necessário controle social quanto às obrigações do Estado na atenção a criança e adolescente e que por trás de uma criança de abrigo há uma família que foi abandonada pelo poder público.

Entendemos que o Projeto Ético-Político e o Código de Ética do Serviço Social são importantes instrumentais que nos respaldam nas intervenções e mediações realizadas cotidianamente.

Pensar na garantia de direitos de crianças e adolescentes no viés do direito a convivência familiar e comunitária perpassa, dentre outros aspectos, ampliar o acesso dos usuários de serviços sócio-assistenciais a informações e

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serviços; refletir e problematizar sobre os processos e instâncias coletivas possíveis para a democratização dos serviços e das instituições onde estamos inseridos; articular com outros sujeitos coletivos; conhecer e ter como instrumento de trabalho as legislações em sua relação com as conquistas bem como diante das demandas atuais; além de capacitar-se continuamente.

Pensamos ainda que a reflexão sobre o cotidiano de nosso exercício profissional deve ser permanente, de modo que novas realidades possam ser construídas para as crianças e adolescentes e suas famílias.

Tal exercício reflexivo poderia evitar que a ação profissional ocorra na perspectiva de “controle” do cumprimento de exigências ou no alcance de modelos pré-estabelecidos, situações verificadas na ação de alguns profissionais como condicionantes para a liberação dos filhos para suas famílias.

Diante da diversidade da realidade das famílias brasileiras, torna-se necessário que estas participem e contribuam para pensar políticas públicas e práticas sociais, através do diálogo e escuta atenta de suas reais necessidades, capazes de ultrapassar ações sócioassistenciais pontuais e fragmentadas existentes na atualidade.

REFERÊNCIAS

AGUINSKY, B. G.; ALENCASTRO, E. H. Judicialização da questão social: rebatimentos nos processos de trabalho dos assistentes sociais no Poder

Judiciário. Revista Katálisys. Porto Alegre, v. 9, n. 1, 2006, p. 19-26. Dsiponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/katalysis/article/view/5926/5445

Acesso em 19 abr 2010.

BAPTISTA, M. V. Um olhar para a história. In: BAPTISTA, M. V. Abrigo:

comunidade de acolhida e socioeducação. São Paulo: Instituto Camargo

Corrêa, 2006. p. 25-37

FÁVERO, E. T.; VITALE, M. A. F.; BAPTISTA, M. V. (orgs) Famílias de crianças

e adolescentes abrigados: quem são, como vivem, o que pensam, o que desejam. São Paulo: Paulus, 2008.

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1 Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Orlândia; Mestre em Serviço Social pela Faculdade de História, Direito e Serviço Social – UNESP - Franca, aluna especial do doutorado junto ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP- Franca, E-mail: denisejrt@netsite.com.br

2 Professora livre docente, coordenadora do Curso de Serviço Social da Universidade de Ribeirão Preto UNAERP; professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista UNESP - Franca, E-mail: nlehfeld@unaerp.br

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Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Comarca de Orlândia; aluna regular do mestrado junto ao Programa de Pós Graduação em Serviço Social da Universidade Estadual Paulista – UNESP- Franca, E-mail: vanessa.forum@hotmail.com

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