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Comentário à Metafísica 1,1 de Aristóteles: os graus de conhecimento e o aprendizado

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Comentário à Metafísica 1,1 de Aristóteles: os graus de conhecimento e o aprendizado

Marcos Eduardo Melo dos Santos (UNICAMP) Susana Aparecida da Silva (PUC-SP).

Resumo: A presente comunicação visa estabelecer uma exegese de Metafísica 1.1, escrito atribuído ao filósofo grego Aristóteles, com o objetivo de aplicar a teoria dos graus de conhecimento à filosofia da educação. Os níveis ou graus de conhecimento que Aristóteles elenca com o objetivo de valorizar o tema proposto no livro, não somente tem uma função retórica, mas apresenta um sistema que ordena o conhecimento humano em graus, segundo a própria natureza humana. Essa ordenação descreve os níveis de conhecimento e que podem ser analógicos às etapas do aprendizado.Aristóteles parte do apreender meras sensações e noções particulares a fim de desdobrar em conhecimentos cada vez mais complexos e universais. Ora, tal processo pode ser entendido tanto no processo de formação global de um aluno, em sua formação desde o ensino infantil até o doutorado, assim como de uma determinada matéria, que ao longo dos anos, se descortina aos olhos do aluno com maior complexidade. Ora, esse processo merece ser considerado e a teoria de Aristóteles pode iluminar a reflexão do processo pedagógico tanto ao longo da formação acadêmica de uma pessoa, como no processo de apreensão de temas e conteúdos em sala de aula.

Palavras-chave: Filosofia da Educação, Teoria do conhecimento, sensações, ciência.

Introdução

O texto da Metafísica (1.1) atribuído ao filósofo grego Aristóteles, que viveu em torno dos anos de 385 e 322 a. C., tem por finalidade principal tratar da Metafísica, entendida como a ciência que estuda o ser enquanto ser, ou seja, contemplar o serde uma forma separada da matéria e que considera os entes em abstrato. Deve-se lembrar, porém, que essa obra só se tornou conhecidano

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século I a. C. e foi organizada por Andrônico de Rodes, que inclusive, pode ter sido quemintitulou o livro que ficou conhecido como Metafísica, talvez pelo fato localizar-se após os livros da Física ou ainda por tratar de assuntos abstratos.1

De fato, a metafísica consiste na ciência do ser, inclusive do ser por excelência, o que habitualmente se chama de Deus.O sentido do texto seria uma introdução à metafísica como a ciência por excelência, caracterizada como a verdadeira sabedoria, acima das demais formas de conhecimento e das demais ciências. Contudo, o início do livro da Metafísica I, contém um texto introdutório cujo conteúdo parece útil para a teoria do conhecimento, também conhecida como epistemologia e, por consequência lógica, possui implicações para a filosofia da educação, no sentido de refletir sobre o processo epistemológico humano.

Outros escritos atribuídos a Aristóteles também tem sido contemplados no âmbito da filosofia da educação, tal como a Ética a Nicômaco, que apresenta ideias sobre o processo do conhecimento em relação com as paixões e os sentidos humanos em vista da felicidade.2 Ademais, a Política apresenta a relação da paideia, entendida como a educação de bons hábitos (virtudes) em vista do bem comum e da felicidade na pólis.3 Refletir sobre a educação com base no texto introdutório da Metafísica não tem sido habitual entre os pesquisadores, mas, como veremos, o texto apresenta alguns ideias que se fazem pertinentes para a reflexão do educador enquanto promotor do aprendizado.

Metodologia

1

Cf. SILVA, Valéria do Nascimento ; RIBEIRO, Glória Maria Ferreira. “O saber que é mais saber” segundo Aristóteles. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008.

2

Cf. CUNHA, Marcus Vinicius. “O conhecimento e a formação humana no pensamento de Aristóteles” in: Introdução à Filosofia da Educação: Temas contemporâneos e História. Pedro Pagni e Divino José da Silva (Org.). São Paulo: Avercamp, 2007. pp. 60-84.

3

Cf. BOTO, Carlota . A ética de Aristóteles e a educação. Cadernos de História & Filosofia da Educação, São Paulo: FEUSP, v. VII, n. nº 7, p. 289-312, 2004. p. 302.

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Como metodologia, a presente comunicação é essencialmente bibliográfica. Com base no texto grego publicado pela HavardUniversity Press (1993)4 eda tradução portuguesa do livro de Aristóteles traduzida por Vincenzo Coceo (1984),5 e baseado em alguns comentários, o presente estudo tratará do texto em forma de comentário exegético, ou seja, avançando passo a passo na leitura e no comentário do texto em vista de salientar os aspectos mais relevantes para a reflexão do processo de aprendizado sob a perspectiva da teoria aristotélica do conhecimento.

Contexto e estrutura

O contexto no qual está inserido o excerto que consideramos está inserido no primeiro livro da Metafísica, que tem como assunto principal o objeto próprio desta ciência. Este assunto é precedido por uma introdução que possui com a finalidade de exaltar a filosofia primeira ou sabedoria como a mais eminente das ciências, assim como predicá-la com o título de mais autônoma, no sentido de que não tem os seus princípios extraídos de outra ciência, pois trata exatamente dos primeiros princípios do pensamento. Eis sua estrutura argumentativa:

a) Todo homem por natureza deseja conhecer b) Sinal que prova o argumento

c) Os três graus de conhecimento dos animais d) O que é próprio do conhecimento humano e) A geração da experiência no homem f) A geração da arte no homem

g) Comparação entre arte e experiência h) Comparação entre arte e ciência

i) A comparação entre a ciência e a filosofia (sabedoria).

Tradução portuguesa

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ARISTOTLE. Metaphysics.Volume 1. Aristotle Volume XVII. Loeb Classical Library 271.Trad. Hugh Tredennick. London: HavardUniversity Press, 1993.

5

ARISTÓTELES. Metafísica (Livro I e II) tradução direta do grego por Vincenzo Coeco e notas de Joaquim de Carvalho. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1984.pp. 11-13.

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Apresentamos a tradução de VicenzoCoeco à Metafísica de Aristóteles: 1. Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais. Com efeito, não só para agir, mas até quando não nos propomos operar coisa alguma, preferimos, por assim dizer, a vista ao demais. A razão é que ela é, de todos os sentidos, a que melhor nos faz conhecer as coisas e mais diferenças nos descobre.

Por natureza, seguramente, os animais são dotados de sensação, mas, nuns, da sensação não se gera a memória, e noutros, gera-se. Por isso, estes são mais inteligentes e mais aptos para aprender do que os que são incapazes de recordar. Inteligentes, pois, mas sem possibilidade de aprender, são todos os que não podem captar os sons, como as abelhas, e qualquer outra espécie parece de animais. Pelo contrário, têm faculdade de aprender todos os seres que, além da memória, são providos também deste sentido. Os outros [animais] vivem portanto de imagens e recordações, de experiência pouco possuem. Mas a espécie humana [vive] também de arte e de raciocínios.

É da memória que deriva aos homens a experiência: pois as recordações repetidas da mesma coisa produzem o efeito duma única experiência, e a experiência quase se parece com a ciência e a arte. Na realidade, porém, a ciência e a arte nem aos homens por intermédio da experiência, porque a experiência, como afirma Polos, e bem, criou a arte, e a experiência, o acaso.

E a arte aparece quando, de um complexo de noções experimentadas, se exprime um único juízo universal dos casos semelhantes. Com efeito, ter a noção de que a Cálias,atingido de tal doença, tal remédio deu alívio, e a Sócrates também, e, da mesma maneira, a outros tomados singularmente, é da experiência; mas julgar que tenha aliviado a todos os semelhantes, determinados segundo uma única espécie, atingidos de tal doença, como os fleumáticos, os biliosos ou os incomodados por febre ardente, isso é da arte. Ora, no que respeita à vida prática, a experiência em nada parece diferir da arte; vemos até, os empíricos acertarem melhor do que os que possuem a noção, mas não a experiência. E isto porque a experiência é conhecimento dos singulares, e a arte, dos universais; e, por outo lado, porque as operações e as gerações todas dizem respeito ao singular.Não é o homem, como efeito, a quem o médico cura, se não por acidente, mas Cálias ou Sócrates, ou a qualquer um outro assim designado, ao qual aconteceu também ser homem.Portanto, quem possua a noção sem a experiência, e conheça o universal ignorando o particular nele contido, enganar-se-á muitas vezes no tratamento, porque o objeto da cura é, de preferência, o singular.

No entanto, nós julgamos que há mais saber e conhecimento na arte do que na experiência, e consideramos os homens de arte

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mais sábios que os empíricos, visto a sabedoria acompanhar em todos, de preferência, o saber. Isto porque uns conhecem a causa, e os outros não. Com efeito, os empíricos sabem o “quê”, mas não o “porquê”; ao passo que os outros sabem o “porquê” e a causa. Por isso nos pensamos que os mestre de obras, em todas as coisas, são mais apreciáveis e sabem mais que os operários, pois conhecem as causas do que se faz, enquanto estes, à semelhança de certos seres inanimados, agem, mas sem saberem o que fazem, tal como o fogo quando queima. Os seres inanimados executam, portanto, cada uma das suas funções em virtude de uma certa natureza que lhes é própria, e os mestre pelo hábito. Não são, portanto, mais sábios os mestres por terem aptidão prática, mas pelo fato de possuírem a teoria e conhecerem as causas. Em geral, a possiblidade de ensinar é indício de saber; por isso nós consideramos mais ciência a arte do que a experiência, porque [os homens de arte] podem ensinar e os outros não. Além disto, não julgamos que qualquer das sensações constitua a ciência, embora elas constituam, sem dúvida, os conhecimentos mais seguros dos singulares. Mas não dizem o “porquê” de coisa alguma, por exemplo, por que o fogo é quente, mas só que é quente. É, portanto, verossímil que quem primeiro encontrou uma arte qualquer, fora das sensações comuns, excitasse a admiração dos homens, não somente em razão da utilidade da sua descoberta, mas por ser sábio e superior aos outros. E com o multiplicar-se das artes, umas em vista das necessidades, outras da satisfação, sempre continuamos a considerar os inventores destas últimas como mais sábios que os das outras, porque as suas ciências não se subordinam ao útil. De modo que, constituídas todas as ciências deste gênero, outras se descobriram que não visam nem ao prazer nem à necessidade, e primeiramente naquelas regiões onde os homens viviam no ócio. É assim que, em várias partes do Egito, se organizaram pela primeira vez as artes matemáticas, porque aí se consentiu que a casta sacerdotal vivesse no ócio. Já assinalamos na ética a diferença que existe entre arte, a ciência e as outras disciplinas do mesmo gênero. O motivo que nos leva agora a discorrer é este: que a chamada filosofia é por todos concebida como tendo por objeto as causas primeiras e os princípios; de maneira que, como acima se notou, o empírico parece ser mais sábio que o ente que unicamente possui uma sensação qualquer, o homem de arte mais do que os empíricos, o mestre-de-obras maisdo que o operário, e as ciências teoréticas mais que as práticas.Que a filosofia seja a ciência de certas causas e de certos princípios é evidente.

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Aristóteles inicia seu texto (Metafísica 1.1.1 980a21) com um princípio geral aplicado ao gênero humano segundo o qual, por natureza (φύσει), todo homem deseja conhecer. Para provar sua tese, apresenta o sinal (σημεῖον) de que as sensações (αἰσθήσεων) são literalmente amadas (ἀγάπησις) pelo homem. O conhecimento, por si mesmo, como é natural do ser humana, causa o prazer a complacência. Essas sensações agradam o ser humano pelo simples fato de existirem ou estarem em contato com este. Entre as sensações que causam maio prazer no homem está justamente as visuais (ἡδιὰτῶνὀμμάτων), ou seja, as que nos vêm através dos olhos. Essa ideia de que o prazer causado pelas sensações visuais são mais eminentes do que as oriundas através dos demais sentidos (audição, olfato, paladar e tato) ainda é reforçada pela ideia de que a visão é a primeira a parar quando o homem se propõe a não operação. Ora, esse pequeno texto aplicado ao processo de aprendizado não somente repete a ideia de que tudo que há na mente humana entra através dos sentidos, mas ao mesmo tempo que reforça a ideia da importância do visual no processo de aprendizado põe em cheque a tese de que a atualidade é como que “escrava” do visual. Se as mídias visuais tem ocupado um papel cada vez mais presente no cotidiano do homem contemporâneo, isto não se deveria tanto às maravilhas técnicas recentemente produzidas, mas outrossim, à própria natureza humana que responde com uma adesão cheia de amor, entendida como vontade que recai sobre algo agradável, sobre algo que preenche esta necessidade de ver, de conhecer através da vista. Ora, na atividade pedagógica, o auxílio visual tem sido defendido em todos os aspectos, desde as gesticulações do professor, até o uso de aparatos visuais, como ferramenta de aprendizado dos alunos. O texto de Aristóteles põe a vista como o sentido supereminente para a conquista do amor ou do agrado que deve haver no processo de conhecimento, que é natural ao homem. Por outro lado, o método pedagógico que abdique ou não considere a vista como sentido humano que recolhe o que é agradável e como principal receptáculo do conhecimento não está propondo conhecimentos de uma forma contrária à natureza humana? O texto de Aristóteles faz com que o educador reflita sobre a necessidade do belo, do agradável, do que é

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prazeroso de se ver, como ferramenta não somente eminente, mas também imprescindível para o aprendizado.

Em seu comentário a Metafísica de Aristóteles, Tomás de Aquino afronta uma objeção, pois poderia parecer errôneo afirmar que todo homem naturalmente aspira ao conhecimento: porque nós vemos que muitos ou a maior parte dos homens não se aplicam a este estudo? Ao ler a tradução latina do texto da Metafísica de Aristóteles, Tomás, em seu comentário, condensou os seguintes conceitos, considerando-os úteis para a compreensão do trecho:

Responde-se a esta objeção dizendo que nada obsta se os homens não se aplicam ao estudo da ciência. Frequentemente aqueles que desejam algum fim são impedidos de prosseguirem até aquele fim por alguma causa. Assim, posto que todos os homens desejem o conhecimento, todavia não são todos que se aplicam ao estudo da ciência, porque são detidos por outras coisas, os prazeres, as necessidades da vida presente e até a preguiça que evita o trabalho de aprender (Tomás de Aquino. Metaphysica 1.1.).

Ora, é justamente nesse contexto que se enquadra, por exemplo, a pedagogia social de Paulo Freire, aplicada ao contexto brasileiro, segundo o qual, alguns alunos não tem as mesmas oportunidades de aprendizado que outros alunos devido as condições sócio-econômicas precárias em que se encontram.6 O desejo natural do homem em conhecer dá-se numa situação ideal na qual não faltam os elementos básicos e necessários para a dignidade humana. Daí, conforme Freire, de relembrar que “os homens são capazes de agir conscientemente sobre a realidade objetivada”.7De fato, para Paulo Freire, “para ser válida, a educação deve considerar a vocação ontológica do homem – vocação de ser sujeito - e as condições em que ele vive: em tal lugar exato, em tal momento, em tal contexto”.8O contexto brasileiro exige que se trabalhe em uma situação precária, mas sanada a precariedade, volta-se ao contexto educacional ideal, no qual se insere o entendimento de Aristóteles.

Aristóteles avança sua argumentação apresentando o papel das sensações (αἴσθησιν) nos animais (ζῷα). Ora, o filósofo estabelece uma relação entre as sensações e a memória (μνήμη). A capacidade de recordar

6

PINEL, Hiran; SILVA, Eliene; DOMINGOS, Karla. Pedagogia social: a importância na

constituição desse saber-fazer a partir de Paulo Freire. Rev. Diálogo Educ., Curitiba, v. 9, n. 27, p. 351-361, maio/ago. 2009.

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FREIRE, Paulo. Conscientização. Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1980.p.26. 8

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(δυναμένωνμνημονεύειν) é diretamente proporcional à capacidade de aprender

(μαθητικώτερα). A memória e o sentido da audição torna alguns animais mais

inteligentes (φρονιμώτερα) e melhores aprendizes (μαθητικώτερα) . Por outro lado, para reforçar a ideia de que os sentidos facilitam o aprendizado, traz à tona o sentido da audição, que é imprescindível, assim como a memória para aprender. Aristóteles cita as abelhas como seres não providos de audição e, portanto, de capacidade de aprendizado. Neste ponto, seu ponto de vista merece uma acerba crítica baseado nas recentes observações sobre o comportamento coletivo e individual das abelhas, mas o próprio Aristóteles afirmava ignorar se as abelhas têm ou não o sentido do ouvido (Aristóteles, Histor. Anim. IX, 40, Bekk. p. 627). Os animais que possuem memória e ouvido e, portanto, tem capacidade de aprendizado, seriam o cavalo, o asno e o cachorro como se lê em outros textos paralelos (Asclepio, ap. Brandis, Scholia in Aristol., p. 552.). Ora, como lugar comum entre os antigos, a memória está relacionada ao conhecimento. Diferentemente da ideia platônica inatista segundo a qual “aprender é recordar” (Platão. Fédon. 72e-77a), em um homem entendido como possuidor de uma memória cujas informações já estão presentes devido às vidas anteriores que este possuiu, Aristóteles pensa a memória com a tábua rasa, cuja finalidade se é entendida, nos animais, como um receptáculo de sensações, mas reconhece que “na indução adquirimos conhecimento de coisas particulares, como se fossem uma ação por reconhecimento, pois há algumas coisas que conhecemos de imediato; por exemplo, se sabemos que isto é um triângulo, sabemos que a soma dos ângulos é igual a dois ângulos retos” (Metafísica1.1). A reminiscência participou na construção do conhecimento na medida em que, por indução, produziu uma conclusão, que antes não era sabida. Ora, entendendo o homem como animal político, capaz de sensações, e cuja memória, conserva as impressões oriundas através dos sentidos, Aristóteles dá um passo a mais, não somente ao propor os sentidos como porta de entrada do conhecimento, mas ao relacionar a memória com as sensações. As sensações imprimem na memória do que aprende a informação desejada. É de se concluir,, que quanto mais agradável e mais forte essa sensação, mais é gravada na memória, ou seja, mais é apreendida. Aristóteles conclui sua menção dos animais em comparação com a natureza humana.

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Essa comparação é feita segundo uma ordem hierárquica de fontes de conhecimento, a saber, as imagens (φαντασίαις) e as recordações (μνήμαις), que são capacidades graduais entre os animais, mas também que são participadas pelo ser humano. Mas a espécie humana (ἀνθρώπωνγένος) não vive apenas de sensação e memória, mas também da arte (τέχνῃ) e de raciocínios (λογισμοῖς):

3. Os outros [animais] vivem portanto de imagens e recordações, de experiência pouco possuem.

Mas a espécie humana [vive] também de arte e de raciocínios.

τὰ μὲν οὖν ἄλλα ταῖς φαντασίαις ζῇ καὶ ταῖς μνήμαις, ἐμπειρίας δὲ μετέχει μικρόν:

τὸ δὲ τῶν ἀνθρώπων γένος καὶ τέχνῃ καὶ λογισμοῖς.

O que vem a ser a arte? O que vem a ser os raciocínios?

A técnica é a virtude do reto saber fazer, ou seja, trata-se do conhecimento de como fazer as coisas com correção, de fazer bem o que se deve fazer (Ética a Nicômaco.1.1). É próprio do ser humana fazer as coisas. O raciocínio consiste na capacidade humana de abstrair e de, por indução, chegar a conclusões que não são evidentes aos sentidos. Também essa propriedade faz parte da natureza humana.

Tomás de Aquino sintetiza alguns conceitos adotados por Aristóteles em Metafisica 1.1.1-10:

O intelecto é o hábito da demonstração dos princípios primeiros. A ciência [são as] conclusões a partir das causas inferiores. A sabedoria considera as causas primeiras. A prudência [nos] dirige nas ações que não [transformam] a matéria exterior, [isto é], nas ações que são perfeições do agente. A prudência é a razão correta acerca do que é agível. A arte [nos] dirige nas ações que transformam a matéria exterior. Por exemplo, edificar e cortar. A arte é a razão correta do que é factível.

Em Metafísica 1.1.4, o texto dá a entender, porém não o afirma claramente, que os animais não possuem a técnica e o raciocínio. Aristóteles passa então a relacionar a memória (μνήμης) com a experiência (ἐμπειρία). A

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relação da primeira com a segunda é estabelecida como fonte através da preposição (ἐκ). Para fundamentar sua afirmação, argumenta que “pois as recordações repetidas da mesma coisa produzem o efeito duma única experiência” (Metafísica 1.1.4. 980b). Para Tomás de Aquino, “experiência a qual o torna capaz de operar correta e facilmente”.9A ideia da repetição relaciona-se à noção de hábito, segundo, a qual, um ato repetido, se torna um hábito adquirido. É fundamental a repetição do ato para que exista uma experiência. Se não há repetição do fenômeno, não há experiência, mas acaso. O caso contrapõe a experiência (Metafísica. 1.1.4 981a1).

Aristóteles passa então a contrapor em paralelo a técnica como um conjunto de experiências que forma um juízo universal. A arte (que para os gregos é uma técnica, um saber fazer) surge das várias reflexões a partir da experiência, entendida como uma análise das semelhanças entre as coisas que geram uma noção básica universal. A experiência está para o conhecimento dos singulares, assim como a arte, para os universais.Os que sabem a arte, ou seja, o porquê, podem ensinar, enquanto os que possuem somente a experiência, não podem. “É mais ciência a arte do que a experiência”. Para Aristóteles, “a ciência em seu conjunto é o resultado da experiência de cada um em particular” (Physic. auscult. 7.8).

Aristóteles, por fim, apresenta a diferença entre os empíricos e os “outros”. O que caracteriza os empíricos é o conhecimento técnico, sabe o “quê” se deve fazer, mas não sabem o “porquê”, ou seja a causa. Estes outros, que possuem mais ciência, e são mais sábios, não tem o seu conhecimento subordinado ao útil (10). Aristóteles chega ao final do seu raciocínio provando que a ciência das causas, que não está subordinada ao útil e que possui autonomia em relação às ciências inferiores é justamente a filosofia, entendida como a ciência que tem por objeto “as causas primeiras e os princípios”. O texto é defende a superioridade da filosofia, e da metafísica em particular, como a ciência supereminente entre todas. Contudo, o que nos interessa não é justamente esse propósito mais os graus de conhecimento que Aristóteles enumera a fim de provar a excelência da filosofia. Essa ordem ou hierarquia parece corresponder às fazer de aprendizado do aluno.

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Conhecer pela causa significa conhecer pelo geral, ou seja, pelo conceito e pela essência; assim o médico, conhecendo a essência da doença e do medicamento, conhece a relação causal deste para aquela, e portanto a causa do estabelecimento da saúde. Da mesma forma o educador, conhece o aluno em sua capacidade natural de aprendizado e a matéria a ser ensinada, dessa forma é capaz de ensinar, por saber a relação causal do conteúdo como remédio da ignorância do aluno.Mediante o conhecimento do geral, temos a inteligência do particular. Não há modo de conhecimento próprio do particular (Primeiros Analíticos. 2.21 Últimos Analíticos. 1.1).

Por fim, deve-se considerar como a classificação dos graus de conhecimento segundo Aristóteles, especialmente no que toca a divisão entre experiência, arte e ciência tem, ainda hoje, uma analogia com o sistema educacional brasileiro superior ao denominar os cursos posteriores ao Ensino Médio como tecnólogos, bacharelados e licenciaturas. O técnico visa agir bem no mercado de trabalho; o bacharel visa o aprofundamento na ciência específica; e a licenciatura, o ensinar. Causa espanto, porém, que o ensino básico talvez não esteja tão alinhado aos princípios aristotélicos no sentido de estimular a sensação e a memória do aluno através da visão, em primeiro lugar, e da audição, em segundo plano, a fim de que este possa aceder com maior prazer e amor às posteriores etapas do conhecimento. Deve-se salientar, ademais, que o conhecimento se situa na memória que é estimulada pela sensação, mas se fixa através da repetição, ou seja, da criação de hábitos. O texto de Metafísica 1.1 surpreende, porque trata dos hábitos (experiência) do conhecimento com um enfoque diverso dos hábitos virtuosos predicados na Ética a Nicômaco, que visam, sobretudo, a formação do cidadão habituado a agir corretamente para sua felicidade individual e para a felicidade coletiva, também chamada de bem-comum.10 O texto da metafísica 1.1 fala do hábito de conhecer e da fixação de um determinado conhecimento através da repetição e da ação, não somente pela especulação e pela audição. O aprendiz aprende porque se exercita até o momento em que sabe explicar as razões e causas daquilo que já faz bem feito. É o momento em que este rompe a barreira de

10

Cf. BOTO, Carlota . A ética de Aristóteles e a educação. Cadernos de História & Filosofia da Educação, São Paulo: FEUSP, v. VII, n. nº 7, p. 289-312, 2004. p. 302.

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aprendiz e se torna mestre. O objetivo da educação não é formar eternos alunos ou aprendizes, mas formar verdadeiros mestres.

Conclusão

O presente estudo, estabeleceu uma exegese de Metafísica 1.1, escrito atribuído ao filósofo grego Aristóteles, com o objetivo de aplicar a teoria dos graus de conhecimento à filosofia da educação. Os níveis ou graus de conhecimento que Aristóteles elenca com o objetivo de valorizar o tema proposto no livro, não somente tem uma função retórica, no sentido de bem apresentar o tema da metafísica, objeto específico do texto, mas apresenta um sistema que ordena o conhecimento humano em graus, segundo a própria natureza humana. Essa ordenação descreve as etapas do aprendizado no sentido de apreender meras sensações e noções particulares a fim de desdobrar em conhecimentos cada vez mais complexos e universais, passando pela memória, pela experiência, pela técnica, pela ciência e, por fim, pela sabedoria (filosofia). Ora, tal processo pode ser entendido tanto no processo de formação global de um aluno, em sua formação desde o ensino infantil até o doutorado, assim como de uma determinada matéria, que ao longo dos anos, se descortina aos olhos do aluno com maior complexidade. Ora, esse processo merece ser considerado e a teoria de Aristóteles pode iluminar a reflexão do processo pedagógico.

Bibliografia

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______. Physics.Volume II.Aristotle Volume V. Loen Classical Library.Books 5-8.Trad.P. Wicksteed e F. Cornford. London: Havard University Press, 1934.

______. Metafísica (Livro I e II) tradução direta do grego por Vincenzo Coeco e notas de

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______. Metaphysics.Volume 1. Aristotle Volume XVII. Loeb Classical Library 271.Trad. Hugh Tredennick. London: Havard University Press, 1993.

______. Nicomachean Ethics. Aristotles Volume XIX.Loeb Classical Library 73.Trad. H. Rackham. London: HavardUniversity Press, 1926.

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CUNHA, Marcus Vinicius. “O conhecimento e a formação humana no pensamento de Aristóteles” in: Introdução à Filosofia da Educação: Temas contemporâneos e História. Pedro Pagni e Divino José da Silva (Org.). São Paulo: Avercamp, 2007. pp. 60-84.

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mais saber” segundo Aristóteles. “Existência e Arte”- Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei – Ano IV - Número IV – janeiro a dezembro de 2008.

TOMÁS DE AQUINO. Commentary on Aristotle’s Metaphysics.Trad. John P. Rowan.: Dumb Ox Books, 1995.

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Tab1. - Quadro lógico dos graus de conhecimento segundo Metafísica 1.1.

graus fonte material finalidade modo trasmissão Natureza tipo abrangência

visão sensação sentidos audição Prazer recepção de fantasias presente memória passado recordações

Passiva infimo mais particular e menos universal

experiência repetição de atos utilidade hábito

pode ser adquirido mas não ensinado Arte repetição de experiências bem fazer “quê” conjunto de hábitos excelentes Ativa prático

ciência causas e razões de

ser “porquê”

torna capaz

de ensinar Explícita

menos particular e mais universal

sabedoria causas primeiras e princípios Inútil saber por saber união da ciência com a intelecção Pode ser ensinado contemplativa (ócio) teorético sem particular e sempre universal

Referências

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