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Dra. Izolina Fanzeres

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Academic year: 2021

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Iz ol in a F an ze re s

O tema inveja é extremamente amplo e tem suscitado controvérsias e debates entre as várias escolas e ten-dências psicanalíticas. Há muito vem sendo reconhecido na teoria e na práti-ca, embora nem sempre seja feita uma clara distinção entre ciúme, inveja e narcisismo.

Freud dá à inveja do pênis consi-derável destaque ao longo de sua obra. Menciona-a para designar a manifesta-ção do complexo de castramanifesta-ção na crian-ça do sexo feminino. A inveja do pênis é uma dentre as várias manifestações desse sentimento. Sua importância na patologia e na prática clínica é de rele-vante valor.

A inveja, por parte de um homem, dos atributos e capacidades de uma mulher, raramente fizeram parte dos escritos de Freud.

Embora a inveja seja tão antiga quanto a humanidade, foi a partir da

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sou a desempenhar papel mais relevante na clínica, bem como originou o surgimento de inúmeros trabalhos psicanalíticos.

Klein enfatiza o sentimento gerado pelo fato de outra pessoa possuir e desfrutar de algo desejável, sendo o impulso dirigido para espoliá-la desse bem. Diz ela (1957) que ”a inveja é uma poderosa força mental que explica o ataque agressivo contra os objetos bons internos e externos”. Enfatiza a inve-ja do seio-que-nutre, sentido como fonte de vida e prazer. Para entender me-lhor a idéia de inveja, é necessário que se aborde o destaque que Klein faz ao componente agressivo e destrutivo da vida emocional, expandindo o uso do termo “pulsão de morte” de Freud. Segundo ela, a “pulsão de morte” era repre-sentada pelas fantasias de morder, rasgar e introduzir-se no corpo da mãe. Klein amplia o conceito de frustração-agressão ligando à pulsão de morte a característica de inveja. Isto a capacitou a reconhecer a presença de tais fanta-sias, mesmo quando a mãe se faz presente e em condições de oferecer gratifi-cação. Mais especificamente, a pulsão de morte é ativada por certos fatos que podem ser divididos amplamente em: 1) frustração longe do seio (separação) – o seio não satisfaz , conservando para si o leite e o amor, e 2) frustração no seio (inveja), pela capacidade de dar leite. A inveja se dirige contra o objeto que proporciona gratificação, sendo assim inteiramente diferente do ataque ao ob-jeto que frustra.

H. Rosenfeld (1971) introduz a expressão “narcisismo destrutivo”, relaci-onando-o com o conceito de pulsão de morte de Freud, descrevendo uma es-trutura de Ego extremamente importante. No narcisismo destrutivo, segundo Rosenfeld, a personalidade está dominada pela pulsão de morte e manifesta-se clinicamente com uma idealização da destrutividade e ataques às partes boas do self: “uma organização que pode não só impedir o acesso à parte libidinal do paciente, mas pode, de fato, incorporar violentos ataques contra o objeto e principalmente contra a parte amorosa do self”. Conseqüentemente, há um estado interno de destrutividade do self para consigo mesmo. Tal conceito nos dá a idéia da cisão da personalidade. Diz ele: “um objeto interno, bastante semelhante a uma “gang” da Mafia criminosa, que domina e intimida as

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par-Iz ol in a F an ze re s

tes amorosas do self e idealiza a agressão e a destrutividade, controlando o mundo interno”.

Na sua obra, Rosenfeld, ao apresentar concepções acerca da inveja, inici-almente a concebe como tanática primária, posteriormente como manifestação defensiva.

Rosenfeld diz ter sempre se interessado pelas “reações terapêuticas nega-tivas”, enfatizando o papel da inveja nas mesmas. Como exemplo, cita aqueles pacientes nos quais uma organização narcisista destrutiva tende a se desenvol-ver. Essas formas de organização geralmente onipotentes exercem forte influ-ência (de forma oculta ou manifesta) e são dirigidas contra a vida, destróem os elos de ligação entre os objetos e o self, atacando ou matando partes do self, também são destrutivas em relação a qualquer objeto bom, tentando depreciá-lo e eliminar sua importância. Na análise, esses pacientes expressam seus sen-timentos depreciando o trabalho do analista por meio de indiferença persisten-te, de comportamento ardiloso e repetitivo e, às vezes, de franco menosprezo. À semelhança de Rosenfeld, Klein considerava que a inveja é o motivo princi-pal de uma espécie de reação terapêutica negativa, que se manifesta depois de um trabalho útil ser reconhecido pelo paciente.

Betty Joseph (1986), ao abordar esse tema em seu artigo sobre a “Inveja da Vida Cotidiana”, descreve-a desde suas manifestações mais simples e cons-cientes que poderíamos classificar mais como admiração ou, no dizer de B. Joseph, ambição – até as mais profundamente destrutivas. Sobre estas diz: “se a inveja for excessivamente poderosa e não for suficientemente mitigada pelo amor, ela perturba as relações normais com as pessoas e a construção de uma estrutura de caráter saudável e satisfatória e contribuirá para sérias dificul-dades emocionais”. Ao referir-se às “confusões” entre ciúme e inveja, assinala que o ciúme, por ser geralmente ligado ao amor, é mais tolerável. A inveja e a espoliação se fazem por ódio. Um exemplo das “confusões” entre ciúme e inveja nos é dado por Elizabeth Spillius, em conferência pronunciada na Soci-edade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (1991): “E mesmo Shakespeare faz Iago descrever o elemento crucial do ciúme em termos que constituem uma excelente descrição do cerne da inveja”.

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Da carne com que se nutre.”

B. Joseph (1982), em seu artigo intitulado “O vício pela quase morte”, faz referência a certos pacientes que apresentam um tipo de autodestruição muito maligna que, segundo a autora , é da natureza de um vício. Um vício pela quase morte. Diz ela que este vício domina a vida desses pacientes, seu modo de trazer material para a análise, seu relacionamento com o analista, seus rela-cionamentos com o mundo externo e o modo como se comunicam consigo mesmos. Ao descrever esses pacientes, assinala a tendência dos mesmos a ab-sorverem-se em atividades que parecem dirigidas a destruí-los física e mental-mente, citando como algumas das características comumente encontradas: tra-balho excessivo, quase não dormir e alimentação inadequada (deficiente ou excessiva). Esses pacientes sentem-se escravizados a uma parte do self que os domina, aprisiona-os e não os deixa escapar nem atender aos chamados da vida.

Não me proponho a fazer apresentação abrangente dos conceitos de inve-ja, pois a mesma exigiria fundamentação bem mais detalhada, teríamos que iniciar, penso eu, pelo Gênesis – onde, por inveja, Caim mata Abel, recorrer à mitologia, às diversas correntes psicanalíticas, à literatura, aos ditos populares tais como “morrer na praia”, etc.

Verbalizações de alguns pacientes, tais como: “tenho medo de mim mes-mo”, “é como se existissem duas pessoas dentro de mim, uma é inimiga da outra”, “se eu ficar bem parece que vai me acontecer uma desgraça”, etc., me levam a pensar na hipótese de um funcionamento mental onde a destrutividade tem papel relevante, e os profundos ataques que fazem contra si mesmos têm características de inveja, com seu potencial destrutivo.

Muitos são os vértices que podemos utilizar para uma aproximação com-preensiva do material que os pacientes nos trazem. Por vezes, as hipóteses teóricas que nos ocorrem não parecem satisfatórias para tal. Na prática clínica, as “teorias” se transformam em “conhecimentos” através das vivências emoci-onais. Ao ler o trabalho de Rafael Lopes Corvo sobre “auto-inveja” ou “inveja-de-si-mesmo” e na tentativa de uma compreensão mais próxima do observado, o trabalho de Lopes Corvo pareceu-me um convite a pensar. A idéia já está

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presente na obra de Rosenfeld desde 1971, quando da apresentação de seu importante relatório ao Congresso Psicanalítico de Viena.

Lopes Corvo (1992) procura descrever os mecanismos da “auto-inveja” ou “inveja-de-si mesmo” referindo-se à escassa literatura existente sobre o tema. Segundo ele, o termo foi originalmente introduzido por Clifford Scott (1975) para definir “um problema existente toda vez que há um conflito entre um aspecto depreciado e outro idealizado dentro do ego”.

Lopes Corvo assinala que a idéia já estava presente em Freud (1916), quando descreve “Neurose de Fracasso”. O termo foi usado por Freud para designar “indivíduos que parecem ser os artífices de sua própria infelicidade porque não podem suportar a conquista do que mais parecem desejar” e, mais tarde (1924), quando descreve “Neurose de Destino” em pessoas que “dão a impressão de um destino que as persegue, de uma orientação demoníaca de sua existência”. Nesse artigo, L. Corvo dá ênfase à origem intrapsíquica do conflito: “a auto-inveja significa um ataque destrutivo efetivado por uma par-te maligna do self contra aspectos criativos também do self”.

Na minha experiência, observo pacientes que sofrem de patologia narci-sista e freqüentemente apresentam reações terapêuticas negativas com sua agressividade inevitável. Não raro, após um trabalho produtivo, fazem profun-dos ataques a si mesmos (psíquicos, físicos e materiais), sentindo-se empobre-cidos e solitários, portanto não tendo o que invejar. Esse funcionamento nos dá a imagem de suas relações consigo mesmos.

Penso que um ego invejoso destrutivo ataca um ego produtivo capaz de fazer um bom vínculo, isto é, como se estes pacientes invejassem a própria capacidade de fazer uma boa relação com a analista, não aceitando as coisas positivas que a análise poderia proporcionar. Corvo, em seu artigo, ajuda-nos a entender esse tipo de paciente, mencionando que ele apresenta uma modalida-de modalida-de organização mental, narcisista ou limítrofe, formada por vários objetos internos ou objetos do self, dispostos de tal forma que um dos componentes continuamente ataca e destrói, por pura inveja, outro componente que foi ide-alizado. A inveja manifse como uma necessidade destrutiva contra esta-dos internos de bondade, amor, amizade, criatividade e harmonia, que na trans-ferência é “re-vivida” como um ataque contra a harmonia da aliança de

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traba-do self.

Após Freud, o conceito de inveja muito se ampliou. Partindo de vivências clíni-cas, principalmente com pacientes onde se observa funcionamento limítrofe, e na tentativa de uma aproximação com conceitos teóricos bem conhecidos e conceitua-dos, o trabalho de Rafael Lopes Corvo sobre auto-inveja ou inveja-de-si-mesmo pare-ceu-me um hipótese a ser pensada. Tanto na prática clínica como na vida cotidiana, podem-se observar pessoas que, pela ação constante do que me parece inveja, não conseguem desenvolver e realizar seus potenciais intelectuais e artísticos, tornando suas vidas exemplo dramático de desperdício, sofrimento e frustração. Este é o aspec-to trágico da inveja – o ataque a si mesmo. A atividade clínica e os conceiaspec-tos estão em movimento permanente e, portanto, sujeitos a novas indagações.

After Freud, the idea of envy has widen considerably. Departing from clinical life experiences, mainly with patients where adjacent function is observed, and the attempt of an approach with reputable and well known theoretical conceptions, the work of Rafael Lopes Corvo about self-envy or envy-about-oneself seemed, to me, a theory to be thought about. Much as on clinical practice as on daily life one can observe individuals who, through continuous action, of what I consider envy, cannot develop and accomplish their intellectual and artistic potentials, leading their lives to an example of dramatic waste, suffer and frustration. This is the tragic feature of envy – the offense to oneself. The clinical activity and the conceptions are in constant motion and, hence, liable to new inquiries.

Inveja-de-si-mesmo.

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