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REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE HISTÓRIA EM WALTER BENJAMIN

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CONVÊNIOS CNPq/UFU & FAPEMIG/UFU

Universidade Federal de Uberlândia Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação DIRETORIA DE PESQUISA COMISSÃO INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA 2008 – UFU 30 anos

REFLEXÕES SOBRE O CONCEITO DE HISTÓRIA EM WALTER

BENJAMIN

Autor: Aline Ludmila de Jesus

Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia (UFU) alineludmila@yahoo.com.br

Orientador: Pedro Spinola Pereira Caldas

Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia (UFU)

pedro.caldas@gmail.com

Resumo: Buscamos nesse artigo analisar o conceito de história proposto por Walter Benjamin nas teses Sobre o conceito de História, e sua respectiva contribuição para a Teoria da História. Posteriormente, iremos a refletir sobre a crítica do autor à linearidade temporal presente no historicismo alemão e na social-democracia.

Palavras chaves: Teoria da História; Tempo Histórico; Teologia e Materialismo Histórico.

A fragmentada filosofia da história de Walter Benjamin nos fornece rastros para caminharmos sobre a reflexão da historicidade da própria história. Nas teses Sobre o conceito de história (1940) desse autor, ele formula um novo conceito de história, tal como exerce crítica a linearidade presente em algumas correntes de pensamento. Essas teses são fruto de uma conjuntura histórica específica, qual seja, a ascensão do fascismo. Nesse sentido, Benjamin escreve as teses, tendo em vista uma preocupação de seu próprio tempo.

Benjamin, diante das impressões angustiantes da conjuntura histórica sobre a qual estava imerso, desenvolve um novo conceito de história propondo uma abertura da história: abertura porque abre a possibilidade de romper com a opressão histórica, ao passo que permite a instauração de algo novo. Nesse sentido, estamos diante de um autor que, embora esteja acinzentado por um sentimento melancólico, não estava numa atitude de resignação política, já que diante de seu olhar ainda havia a possibilidade de um novo vir-a-ser pincelado pela esperança.

A abertura histórica, então, é delineada pelos espectros do passado conjugados com os combatentes situados no tempo presente. Dois tempos em confluência que, na concepção de Benjamin, só é possível por meio da conjugação da teologia com o materialismo histórico. Na primeira tese desse filósofo, o mesmo coloca que um anão corcunda, mestre de xadrez – a teologia-, escondia-se em uma mesa a fim de auxiliar um fantoche – materialismo histórico – em uma partida de xadrez. A teologia é, para o autor, “pequena e feia” e, por conseguinte, se oculta. O filósofo francês Michael Löwy capta que a teologia é considerada feia, haja vista que está imersa em uma era racionalista e incrédula. 1 Além disso, Löwy considera que o boneco da tese chamado de materialismo histórico não é o “verdadeiro” materialismo histórico, mas é aquele que assim costuma ser chamado pelos ideólogos da II e III internacional.

O materialismo histórico, nessa concepção, não é capaz de sobrelevar-se estando sozinho, ele necessita da teologia para escapar de uma visão linear e de uma concepção da história sob o prisma

1 LOWY, MICHAEL. Uma leitura das teses “Sobre o conceito de História” de Walter Benjamin. In: Walter Benjamin: aviso de incêndio. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005.

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daqueles que sempre triunfaram na história. E tendo em vista que Benjamin tem mente o triunfante de seu tempo, o fascismo, ele coloca que essa simbiose exposta acima é necessária para combatê-lo. Se o materialismo histórico é o corpo, a teologia é o espírito que o conduz.

A teologia presente no pensamento benjaminiano é oriunda de uma tradição judaica messiânica. Nessa tradição existem dois conceitos fundamentais para entendermos as teses:

rememoração e redenção. A primeira propõe um olhar para o passado, já a segunda significa

emancipar-se no presente. Enquanto o presente é o momento de luta, o futuro se converte em um tempo desconhecido, embora aloque a esperança; isso porque na tradição judaica não é permitido investigar o futuro, pois é nesse tempo que reside a possibilidade da vinda de um Messias. Löwy registra que aquele que espera o futuro se torna passivo, visto que está sempre à espera de algo. Dessa forma, o Messias ao qual Benjamin refere na última tese deve ser entendido não como algo a ser esperado, mas antes como algo cujo retorno inesperado deve ser provocado. Löwy ainda escreve que cada geração – seja ela do passado ou do presente – pode ser o Messias porque de acordo com a tradição judaica: “Deus está ausente, e a tarefa messiânica é inteiramente atribuída às gerações humanas.”2 Partindo dessas considerações, Löwy presume que a redenção implica numa rememoração das vítimas do passado que converge numa reparação, já que a rememoração do sofrimento permite uma possível reparação das injustiças passadas.

Benjamin visualiza a necessidade de libertar tanto os oprimidos do presente, quanto os do passado, e vem daí a pertinência de uma rememoração orientada para o passado e uma redenção orientada para o presente. A rememoração é integral, porquanto não faz a distinção entre os grandes e pequenos acontecimentos, e somente a humanidade redimida pode apropriar-se do passado em sua totalidade. Sobre isso Benjamin escreve na tese III que: “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história.”3 Para Löwy, o filósofo alemão utiliza-se do cronista alegoricamente para ilustrar a idéia da tese, uma vez que esse escreve a história sob o prisma dos vencedores. Todavia,

“(...) escolheu o cronista porque ele representa essa história ‘integral’ que ele afirma ser seu desejo: uma história que não exclui detalhe algum, acontecimento algum, mesmo que seja insignificante, e para a qual nada está ‘perdido’. O escritor russo Lesskov, Franz Kafka e Anna Segher são, a seus olhos, figuras modernas do cronista assim compreendido.” 4

A rememoração cumpre a função de tentar impedir que o passado se repita, adquirindo, assim, cores pinceladas pela dialética, pois “a especificidade da experiência dialética consiste em dissipar a aparência do sempre-igual – e mesmo da repetição – na história. A experiência política autêntica está absolutamente livre desta aparência”. 5

Porém, ao mesmo tempo em que Benjamin escreve sobre a necessidade de olhar para o passado em sua totalidade, ele postula que não podemos captar o passado tal como ele de fato foi, mas antes por reminiscências que relampejam em um momento de perigo. O momento de perigo é quando surge uma imagem autêntica do passado, momento esse caracterizado pela dissolução da visão da história como progresso. É quando aparece essa imagem que apraz ao materialista histórico

2 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São

Paulo: Boitempo, 2005. p.52Ibidem. p.52.

3 BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Magia, técnica, Arte e política: ensaios sobre literatura e

história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. – (Obras escolhidas; v. 1)

4 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São

Paulo: Boitempo, 2005. p.54.

5 BENJAMIN, Walter. Teoria do conhecimento, Teoria do progresso. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora: UFMG,

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captar e ater a centelha de esperança em um passado marcado por um acúmulo de derrotas e não somente de vitórias.

É a partir dessas reflexões que percebemos a existência de uma melancolia presente no pensamento de Benjamin, no sentido de olhar para o passado de forma nostálgica, imaginando um passado que poderia ser diferente. Olgária Matos vê o melancólico enquanto aquele que se prende ao passado, buscando conservar uma memória que preserve as esperanças irrealizadas desse tempo. O anjo da história de Benjamin, baseado no quadro de Paul Klee chamado Angelus Novus, representa essa noção de melancolia. O olhar do anjo da história se dirige para o passado, onde o mesmo vê uma cadeia de escombros – ele visualiza a catástrofe. O anjo quer juntar esses fragmentos, não obstante uma tempestade chamada progresso o lance para o futuro. Susana Kampff Lages demonstra que há uma fixidez física da face do anjo que pode corresponder a uma paralisação psíquica do historiador, podendo, assim, ser identificada enquanto melancólica.6 Essa fixidez do olhar pode ser interpretado segundo a autora, como uma expressão da visão da “verdadeira imagem do passado”, momento esse que ocorre no instante benjaminiano. Portanto, ao mesmo tempo em que o anjo representa a paralisia oriunda de uma melancolia, ele também representa a potencialidade de outro tempo. O melancólico, então, também é um sonhador. Nas palavras de Leandro Konder: “O melancólico se abstrai das demandas do dia a dia para sonhar, se entrega aos pesadelos, mas também aos sonhos proféticos”. 7A melancolia de Benjamin é criadora de alegorias eivadas de múltiplos sentidos que se juntam para salientar a beleza que há naquilo que esvai a partir do momento no qual a memória resgata o tempo do esquecimento atroz.

Se a memória se destaca pela redenção, é somente por meio da recordação que se pode desviar do caminho da repetição. Benjamin sublinha que ao historiador materialista apraz captar momentos do curso da história, pois ele os traz para o presente de forma que se tornem próprios devido ao índice de “história anterior”, donde, portanto, retiram a suposta aparência da repetição. 8

No pensamento benjaminiano são as classes revolucionárias os sujeitos históricos responsáveis pelo rompimento desse tempo linear e pela instauração de um tempo messiânico. Entretanto, como percebe Matos, não há em Benjamin uma noção de uma classe revolucionária

em-si, mas antes uma classe que só se torna revolucionária quando provoca a interrupção histórica. Essa

interrupção ocorre no momento de “agora”, momento esse que corresponde a uma cristalização de um momento crítico do passado e o configura enquanto mônada. Benjamin escreve que no ato de rememorar há um momento de pausa que traz consigo um elemento vital – a mônada. Olgária Matos vislumbra que essa “capta os fragmentos que flutuam na ‘correnteza do tempo vazio’ e os envolve com o próprio tempo” 9 A mônada histórica cristaliza um momento do passado que ainda existe.

Percebe-se, portanto, a importância que Benjamin dá ao passado tendo em vista uma luta no presente. Ao dar essa importância ao tempo de outrora, o autor exerce críticas ao tempo linear e progressista, tempo esse que o filósofo considera que é presente no historicismo alemão na social-democracia e no chamado marxismo vulgar.

Benjamin aponta que a social-democracia partilha de um tempo progressista, no sentido de acreditar que o desenvolvimento técnico conduz a sociedade à libertação, tratando-se, nesse sentido,

6 LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2007

7 KONDER, Leandro. Introdução. In: Walter Benjamin: o marxismo da melancolia. Rio de Janeiro:

Campus, 1988.p 11.

8 BENJAMIN, Walter. Teoria do conhecimento, Teoria do progresso. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora: UFMG,

São Paulo: Imprensa oficial do estado de São Paulo. P 515.

9MATOS, Olgária C. F. Uma história barroca. In: Os arcanos do inteiramente outro: A escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1989. . p.32.

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de uma concepção teleológica da história. Olgária Matos percebe que tal noção de progresso nos remete para a noção de repetição, porque o progresso traz o retorno daquilo que é igual. Benjamin observa que a noção de progresso perde relevância quando esse passou a permear todos os domínios da atividade humana. Sobre isso temos nas palavras do autor:

“A teoria e, mais ainda, a prática da social-democracia foram determinadas por um conceito dogmático de progresso sem qualquer vínculo com a realidade. Segundo os social-democratas, o progresso era, em primeiro lugar, um progresso da humanidade em si, e não das suas capacidades e conhecimentos. Em segundo lugar, era um processo sem limites, idéia correspondente à da perfectibilidade infinita do gênero humano. Em terceiro lugar, era um processo essencialmente automático, percorrendo, irresistível, uma trajetória em flecha ou em espiral.” (BENJAMIN, 1940, p. 229)

O que Benjamin critica na socialdemocracia é o seu imobilismo, uma vez que espera “ a chegada inevitável da ‘situação revolucionária’.” 10Löwy enfoca que Benjamin tem uma concepção aberta da história como práxis humana que se opõe a uma visão teleológica da história.O filósofo alemão presume que o progresso defendido pela social-democracia era um progresso técnico e não das capacidades de conhecimento da humanidade. O tempo presente na social-democracia é o tempo que deve ser e, portanto, se contradiz ao tempo fruto de um devir histórico. A crítica de Benjamin à social-democracia se amplia para uma crítica ao chamado marxismo vulgar, uma vez que este marxismo se tornou a arma teórica da social-democracia na época da Segunda Internacional. Franco Andreucci11 observa que os social-democratas indicavam ao proletariado a meta – o socialismo – a ser alcançada, tendo como base uma necessidade conduzida por leis de desenvolvimento. Benjamin presume que a preocupação da social-democracia com o progresso, acabou por beneficiar o fascismo, nas suas palavras, “(...) o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em nome do progresso, considerado como uma norma histórica”. 12

Olgária Matos reflete que a crítica exercida por Benjamin a social-democracia “é a recordação (ainda não desesperançada) da verdade e da realidade da revolução como realização histórica”13. A autora discorre que Benjamin volta-se contra os tabus progressistas da modernidade industrial, pois na modernização das condições de existência, a compulsão à repetição que caracteriza o mito norteia um “ciclo perpétuo do idêntico na novidade”. Nessa concepção, não há progresso na história, haja vista que o progresso se funde sempre no seu eterno retorno, todavia, cabe à classe revolucionária romper com esse fatigável ciclo.

A crítica de Walter Benjamin a linearidade temporal se amplia a uma crítica ao historicismo

alemão. Esse autor constrói um conceito de história que busca se opor ao conceito de história

identificado no historicismo Entretanto, na crítica de Benjamin não é explícito sobre qual historicismo ele fala, o que acaba por homogeneizar tal conceito.

Se para Benjamin o passado se dá de forma fugaz e momentânea como um relampejo, ele escreve que o passado para os historicistas se configura como uma imagem de uma verdade imutável. O autor presume que não há como olhar o passado de forma “pura”, já que a “’pureza’ do olhar não só é difícil, mas também impossível de ser alcançada”.

10 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São

Paulo: Boitempo, 2005. p.54.

11ANDREUCCI, Franco. A difusão e a vulgarização do marxismo. In: História do marxismo II: o marxismo

na época da segunda internacional/ Eric Hobsbawn. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

12 BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense,

1994. p 226.

13 MATOS, Olgária C. F. Uma história barroca. In: Os arcanos do inteiramente outro: A escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1989. p.43.

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Para o filósofo cabe ao materialismo histórico desvelar uma constelação crítica do passado que se relaciona com um momento do presente. Olgária Matos escreve que há uma repetição que não se trata colocar o passado no presente, isto é, o eterno retorno do passado, mas sim a possibilidade de saltar para outro tempo, tendo em foco uma luta que ocorre no instante.

Benjamin acusa os historicistas de estabelecerem um nexo causal entre os momentos históricos, mostrando que nenhum fato por ser causa se torna um fato histórico. Na concepção desse autor somente o índice de historicidade pode transformar um fato em histórico. É sob essa dinâmica, que o filósofo defende que o historiador materialista deve captar um momento de sua própria época que entrou em contato com uma época anterior.

Além disso, Benjamin afirma que o historicismo está imbuído dos pressupostos de uma história universal, cujo método consiste em adicionar fatos históricos preenchidos com um tempo linear. Em contrapartida, o autor escreve que os historiadores materialistas trazem a tona um momento saturado de tensões.

“O historicista apresenta a imagem “eterna” do passado, o materialista histórico faz desse passado uma experiência única. Ele deixa a outros a tarefa de se esgotar no bordel do historicismo, com a meretriz ‘era uma vez’. Ele fica senhor das suas forças, suficientemente viril para fazer saltar pelos ares o continnum da história” (BENJAMIN, 1940, p .230,231) Comentando o trecho acima, Löwy escreve que Benjamin pretende indicar, por meio de uma alegoria, que a prostituta “era uma vez” instalada no bordel “historicismo” recebia os vencedores um em seguida de outro, alimentando, assim, o contínuo da história. Em contrapartida, o materialismo histórico, com a imagem do passado, tem uma experiência única, isto é, é aquele acende as faíscas no momento preciso da história para, dessa forma, fazer explodir a continuidade histórica. O materialista histórico deve se atentar a um conceito de presente que pára e imobiliza, pois é nesse tempo “saturado de tensões” que o materialista histórico escreve a história. O autor percebe que o historicismo apresenta a “imagem eterna do passado”.

O oposto da história antilinear é o tempo de um presente entendido como passagem. Olgária Matos percebe em Benjamin a importância da idéia de que o adepto do materialismo histórico não tem como renunciar à concepção de presente que não é transição, mas tempo que se fixa.

Benjamin acusa os historicistas de se identificarem com os vencedores, para ele os dominadores de hoje são herdeiros dos vencedores de outrora. Mas Löwy reflete que o sentido de “vencedor” não é aquele referente às batalhas, mas à “guerra das classes”, uma vez que a classe dominante sempre vencia os oprimidos. E aqui Löwy apreende um conceito fundamental que Benjamin expõe - a empatia. Segundo esse autor, na concepção benjaminiana a origem da empatia está na acedia. Sobre a acedia temos nas palavras de Löwy:

“ a acedia é o sentimento melancólico da todo-poderosa fatalidade, que priva as atividades humanas de qualquer valor. Conseqüentemente, ela leva a uma submissão total à ordem das coisas que existem. Enquanto meditação profunda e melancólica, ela se sente atraída pela majestade solene do cortejo dos poderosos”14

O pensamento benjaminiano concebe a apologia como um véu que encobre os momentos revolucionários da história; ela almeja a continuidade da história por meio da exaltação daquilo sobre o qual têm influência, como corolário, as minúcias salutares da história são relegadas. Walter Benjamin defende a o engajamento do adepto do materialismo histórico em contraposição à apatia do historiador tradicional, que nas palavras do autor pode ser considerada enquanto uma “atitude contemplativa”. Cabe, portanto, ao materialista histórico “escovar a história a contrapelo”. Para Löwy, o sentido dessa frase de Benjamin possui duas dimensões: um sentido histórico, qual seja,

14LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São

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romper com a corrente da versão oficial da história a qual concebe a continuidade história e opor-lhe a tradição dos oprimidos. Em segundo lugar possui um sentido político (atual), no sentido de que a redenção não ocorre graças ao progresso, mas sim na luta contra a corrente.

Esse autor coloca que os vencedores carregam os despojos dos oprimidos no cortejo; despojos esses que Benjamin visualiza também como sendo bens culturais; é por esse motivo que ele afirma que todo documento de cultura é também um documento de barbárie. O autor apresenta cultura e barbárie dialeticamente como uma unidade contraditória. Na concepção benjaminiana a alta cultura não existe sem os trabalhos anônimos dos produtores diretos. Contudo, Löwy observa que Benjamin não é partidário de rejeitar as obras da “alta cultura”, pelo contrário, em muitas obras esse autor capta um potencial revolucionário. Nas palavras de Löwy: “Trata-se, então, de redescobrir os momentos utópicos ou subversivos escondidos na ‘herança’ cultural(...)”15

Susana Lages observa que a crítica de Benjamin ao historicismo alemão também tem uma dimensão melancólica, no sentido de que a apatia causa resignação e paralisação do agir. O anjo da história de Walter Benjamin vislumbra esses destroços que Benjamin cunha como bens culturais de forma melancólica. Para elucidar isso temos na escrita de Lages:

“O horror que infunde a visão dos produtos da história oficial é equivalente à terrível visão do anjo do quadro de Klee, segundo a descrição de Benjamin na nona tese: os despojos dos vencidos correspondem às ruínas e aos mortos que se acumulam diante do olhar aterrorizado do anjo da história. A morte é o fio condutor de todo a história construída a partir do triunfo dos poderosos”. 16

Quando Benjamin propõe “escovar a história a contrapelo”, Löwy capta aproximações desse autor com a critica de Nietzsche ao historicismo alemão em Segunda consideração intempestiva: da

utilidade e desvantagem da história para a vida. Nietzsche demonstra nessa obra todo o seu

desprezo pelos historiadores que concebiam a história factual e a apatia em relação ao poder. Tal como Benjamin, Nietzsche exerce críticas a linearidade que considera presente no chamado historicismo, esse filósofo considera que o tempo linear acaba por atribuir aos eventos uma lógica racional, porquanto os historiadores que transformam os eventos e fatos em ídolos agem como “advogados do diabo”. 17Ademais, a linearidade acaba por se desencadear uma noção de moralidade histórica, já que as épocas históricas são aglomeradas em uma única época, além disso, o passado se torna isolado e repetitivo.

Percebemos por meio dessas reflexões que as idéias representadas por Walter Benjamin nas teses Sobre o conceito de história são decorrentes do próprio momento histórico que ele vivenciou, momento esse que em seu vocabulário pode ser denominado como período de catástrofe. Para tanto, Benjamim propõe um novo conceito de história que vise o salto dialético da revolução.

AGRADECIMENTOS

À CNPq, pela bolsa de iniciação científica que me foi concedida Ao professor Dr. Pedro Spinola Pereira Caldas pela solicitude.

15 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de história”. São

Paulo: Boitempo, 2005. p.79.

16 LAGES, Susana Kampff. Walter Benjamin: tradução e melancolia. São Paulo: Editora da Universidade de São

Paulo, 2007.

17 NIETZSCHE, Friedrich. Segunda Consideração Intempestiva: da utilidade e desvantagem da história para a vida.

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REFLECTIONS ABOUT THE CONCEPT OF HISTORY IN WALTER BENJAMIN Author’s Name: Aline Ludmila de Jesus

History’s Institut(UFU). alineludmila@yahoo.com.br

Advisor: Pedro Spinola Pereira Caldas

History’s Institut (UFU).

pedro.caldas@gmail.com

Abstract: In this paper we have intend to analyze the concept of history proposed by Walter

Benjamin in theses “Sobre o conceito de História”, and their contribution to the Theory of History. Later, we will reflect about the author's critical to the linearity time in German historicism and the social democracy.

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