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AFINIDADES ELETIVAS ENTRE O MARXISMO E O JUDAÍSMO NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN.

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PIBIC-UFU, CNPq & FAPEMIG Universidade Federal de Uberlândia Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação DIRETORIA DE PESQUISA

AFINIDADES ELETIVAS ENTRE O MARXISMO E O JUDAÍSMO

NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA DE WALTER BENJAMIN.

Aline Ludmila de Jesus

Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia. Campus Santa Mônica, Av. João Naves de Ávila, 2121. Bairro Santa Mônica. Uberlândia – MG 38400-098

alineludmila@yahoo.com.br

Orientador: Pedro Spinola Pereira Caldas

Resumo: Este artigo analisa a Filosofia da História esboçada por Benjamin nas teses “Sobre o conceito de história”. Pretendemos discorrer acerca da peculiar relação entre judaísmo e materialismo histórico no pensamento benjaminiano, compreendendo a relação dialética entre passado, presente e futuro.

Palavras chaves: Teoria da História; Judaísmo; Materialismo Histórico.

INTRODUÇÃO

No afã de refletirmos acerca da historicidade do conhecimento histórico, visualizamos o quão fértil é discutirmos a Filosofia da História em Walter Benjamin no seio da Teoria da História. Buscamos, portanto, perscrutar nas constelações teóricas elaboradas pelo filósofo alemão Walter Benjamin nas teses “Sobre o conceito de História”1, elencando os principais conceitos presentes nas teses que traduzem o escopo de formular um novo conceito de História. Flutuaremos pela correnteza materialista-judaica, no intuito de mergulharmos na principal formulação do autor – a necessidade de um novo conceito de História que instaure um tempo vindouro.

Detemo-nos neste trabalho em percorrer sob as minúcias do fragmentado pensamento benjaminiano, pois cada pormenor se articula rumo à elaboração do todo. Noções como redenção, rememoração, instante, interrupção, dentre outras, são conceitos particulares filigranados por Benjamin para compor um arsenal teórico maior. Sob esse viés, aqui temos o esforço de caminhar pela aquarela teórica elaborada por Benjamin e sua respectiva contribuição para o ato de pensar historicamente.

TEMPO DE AGORA, TEMPO DE OUTRORA: AFINIDADES

ELETIVAS ENTRE O JUDAÍSMO E O MARXISMO EM WALTER

BENJAMIN

A República de Weimar foi permeada pela efervescência cultural e política do judaísmo. Trata-se de um período marcado por uma intelectualidade judaica de origem

1 BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas, v.I Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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burguesa que, conforme nota o filósofo Michael Löwy2, era uma juventude alicerçada nas universidades alemãs que se opunha ao anti-semitismo que passara a ser disseminado na Alemanha. Löwy ao analisar este processo, mostra que a intelectualidade judaica se entrelaçava com os ideais de esquerda. Foi criada neste momento uma reação romântica anticapitalista tendo em vista o surto do capitalismo na Alemanha. Eram intelectuais que almejavam trazer à baila o judaísmo que se obscurecia no esquecimento.

Entre esses intelectuais estavam os “Judeus Religiosos Anarquizantes”, como Martin Buber, Franz Rosenzweig, Gershom Scholem e Leo Löwentharl, como também os “judeus assimilados (ateu-religiosos) libertários”, como Ernst Bloch, Walter Benjamin, Eric Fromm, Herbert Marcuse e dentre outros. Em face da união de dois pólos tão distintos – religião e política – Löwy recupera a noção de afinidade eletiva3,

pois por meio dessa é possível estabelecer uma simbiose entre o pensamento messiânico-judaico com o pensamento utópico-libertário.

No emaranhado dessa intelectualidade judaica, invocamos o autor que aqui nos interessa – Walter Benjamin. A Filosofia da História deste filósofo está lastreada por uma concepção teológica da história na qual se fundem reflexões do materialismo histórico com a teologia oriunda de uma tradição judaica. Não buscamos com isso definir uma posição para o pensamento benjaminiano, isto é, colocar o judaísmo como o norteador do pensamento de Benjamin, mas sim visualizar rastros do judaísmo em Benjamin. Falamos em tentar compreender, pois como percebe Jeanne Marie Gagnebin, o paradoxo entre teologia e marxismo presente em Benjamin jamais poderá ser superado. Portanto, cabe-nos levantar hipóteses e questionamentos. Conforme nota Gagnebin:

“Ora, um dos grandes buracos negros do pensamento de Benjamin é certamente, e apesar de várias interpretações simpáticas, mas redutoras, sua teoria da história, mais especificamente da escritura da história e de sua ligação com uma prática transformadora, ao mesmo tempo redentora e revolucionária”.4

Nas teses “Sobre o conceito de História” Benjamin alvitra uma singular relação dialética: o auxílio da teologia ao materialismo histórico. Entretanto, como nota Löwy, Benjamin não fala do “verdadeiro” materialismo histórico, mas aquele que assim é cunhado pelo marxismo vulgar da social-democracia. Benjamin vislumbra que a prática da social-democracia estava ancorada num conceito dogmático de progresso, cuja visão percebe a história como uma máquina que conduz automaticamente a sociedade ao triunfo do socialismo.

À teologia apraz intervir no processo histórico, ela se porta como interventora, não obstante, conforme percebe a filósofa Olgária Matos5, ela pode ser compreendida como a personificação da possibilidade mística, pois o messiânico é aquilo que ainda não é, está suspenso na espera. Embora a teologia seja a interventora, o materialismo histórico não pode expô-la, haja vista que Benjamin a considera “feia”. Löwy sugere

2 Löwy, Michael. Redenção e Utopia: o judaísmo libertário na Europa central (um estudo de afinidade

eletiva). São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

3 Para aprofundar na discussão deste conceito ver: 3 Löwy, Michael. Redenção e Utopia: o judaísmo

libertário na Europa central (um estudo de afinidade eletiva). São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

4 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2007. p 1.

5 MATOS, Olgária. Os arcanos do inteiramente outro: A Escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1995.

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que ela é feia, porquanto está imersa numa sociedade incrédula. Percebe-se, portanto, que a intervenção teológica deve se manifestar de forma recôndita.

O conceito benjaminiano de teologia pode ser compreendido de forma esmiuçada mediante dois outros conceitos: a rememoração – Eingedenken -e a

redenção – Erlösung6. A rememoração pressupõe o olhar para o passado e a redenção

projeta uma possível emancipação no presente. Benjamin identifica que a primeira cabe a possibilidade de olhar para os destroços do passado e trazer à tona o passado oprimido, que de acordo com o autor, fora negligenciado pela historiografia tradicional considerada presente nos historicistas.

O ato de rememorar em Walter Benjamin se

configura enquanto uma necessidade de ação política e não de contemplação. O autor se aproxima de Nietzsche para pensar a necessidade de trazer o passado à baila tendo em vista alguma utilidade. Nietzsche ao examinar sobre as vantagens e desvantagens da

História para vida, mostra que a história sem vivificação se torna um “precioso

supérfluo e luxo do conhecimento”. 7

O ato de rememorar em Benjamin significa captar fragmentos do passado e circunscrevê-los no presente. Essa concepção se assemelha com a idéia do colecionador elaborada pelo filósofo alemão nas Passagens8. Na concepção benjaminiana o ato de

colecionar é mais do que uma forma de recordação prática, é também uma manifestação profana de “proximidade”. É significativo, então, pensar que colecionar não implica apenas trazer ao redor objetos do passado, mas pensá-los como articulação de uma proximidade no presente.

Benjamin supõe que somente o historiador materialista pode apreender as reminiscências do passado. Reminiscências que se portam como faíscas que podem provocar, utilizando da alegoria de Benjamin, um possível incêndio. Tais faíscas o historiador materialista traz para o presente no momento de luta, visto que o historiador busca a redenção.

O conceito de redenção elaborado por Benjamin tem um viés teológico no sentido de salvação e também político no sentido de libertação. Porém, para o autor a

redenção é uma possibilidade, visto que não é certa a sua ocorrência.9. O passado

requesta a sua redenção que sobrevém mediante a rememoração realizada pela humanidade afligida. O estudioso do judaísmo Julius Guttmann (GUTTMANN, 2003) ao elaborar uma reflexão sobre a filosofia desta tradição mostra que para o Talmud a profecia e os eventos miraculosos pertencem ao passado e que a salvação pertence ao futuro. Para esse filósofo do judaísmo a distinção entre presente, as revelações de Deus no passado e no futuro, é o corolário necessário do caráter histórico do conceito de revelação e da expectativa de uma redenção futura. Nesse sentido, o conceito de história de matriz judaico-materialista elaborada por Walter Benjamin é dotado de elementos históricos e dialéticos. Löwy identifica que a rememoração está no cerne da relação teológica do passado da redenção, pois “enquanto os sofrimentos de um único ser

6 Optamos por manter o conceito na língua alemã, pois pode ser traduzido tanto por redenção como por

libertação, cada um tendo um significado específico. 7 NIETZSCHE, Friedrich. Segunda consideração intempestiva: da utilidade e desvantagem da história

para a vida. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2003.

8 Conferir: BENJAMIN, Walter. H: O colecionador. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.

9 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de História”. São Paulo: Boitempo, 2005. p.51

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humano forem esquecidos, não poderá haver libertação.” 10 Na tese III Benjamin escreve:

“Certamente, só à humanidade redimida cabe ao passado em sua inteireza. Isso quer dizer: só à humanidade redimida cabe o passado em sua inteireza. Isso quer dizer: só à humanidade redimida o seu passado tornou-se citável em cada um dos seus instantes. Cada um dos instantes vividos por ela torna-se uma citation à l’ordre du jour’- dia que é justamente, o do Juízo final” (LÖWY apud BENJAMIN, 2005, p34)

Löwy considera que o Juízo Final é uma apocatástase, uma vez que cada vítima do passado, cada tentativa de emancipação, busca ser salva do esquecimento e ser constantemente rememorada. O filósofo, igualmente, aponta outro significado na idéia de apocatástase: o retorno de todas as coisas ao seu estado originário. Trata-se de uma restituição do todo.

Segundo Löwy a redenção implica numa rememoração das vítimas do passado que converge numa reparação, visto que a rememoração do sofrimento permite uma possível reparação das injustiças passadas. Na segunda tese Benjamin escreve que:

“Felicidade que poderia despertar inveja em nós existe tão-somente no ar que respiramos, com os homens com quem teríamos podido conversar, com as mulheres que poderiam ter-se dado a nós. Em outras palavras, na representação da felicidade vibra conjuntamente, inalienável, a [representação] da redenção. Com a representação do passado, que a História toma por sua causa, passa-se o mesmo. O passado leva consigo um índice secreto pelo qual ele é remetido à redenção.” 11(LÖWY apud BENJAMIN, 2005)

A imagem de felicidade está lastreada em ares de outrora que poderia ter sido de outra forma; portanto, a possibilidade de redenção, a imagem de felicidade de cada um, está no passado. Sob este viés, a redenção pressupõe a realização de um passado que poderia ter sido diferente, ocasionando, uma melancolia aliada com a necessidade de outro porvir. Olgária Matos compreende o melancólico como aquele que se prende ao passado, buscando conservar a memória e suas esperanças irrealizadas. Se a rememoração reveste o papel de impedir que o passado se repita, a melancolia assume a idéia de tentar impedir que a “razão calculadora” liquide a memória.

A rememoração é integral, porquanto não faz a distinção entre os grandes e pequenos acontecimentos e somente a humanidade redimida pode apropriar-se do passado em sua totalidade. A rememoração cumpre a função de tentar impedir que o passado se repita, adquirindo, assim, cores pinceladas pela dialética, pois “a especificidade da experiência dialética consiste em dissipar a aparência do sempre-igual – e mesmo da repetição – na história. A experiência política autêntica está absolutamente livre desta aparência”. 12

10 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de História”. São Paulo: Boitempo, 2005. p.54

11 BENJAMIN, Walter no livro LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das

teses “Sobre o conceito de História”. São Paulo: Boitempo, 2005. p.48

12 MATOS, Olgária. . Uma história barroca. In: Os arcanos do inteiramente outro: A escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1989. p32

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A memória se salienta pela redenção, visto que o ato de recordar traz como contribuição a possibilidade de se desviar do caminho da repetição. Ao recordar, o historiador materialista fica incumbido de captar momentos no curso da história, trazendo-os para o presente, fazendo com que o passado se torne inédito devido ao seu índice de “passado anterior”. Benjamin imprime às classes revolucionárias a necessidade de rememoração e a redenção. Porém, Olgária Matos percebe que não há em Benjamin uma noção de uma classe revolucionária em-si, mas antes uma classe que se torna revolucionária mediante a interrupção histórica.

Jeanne Marie Gagnebin ao tecer reflexões sobre a noção de interrupção em Benjamin mostra que esse conceito visa uma crítica não somente a social-democracia, mas ao historicismo alemão. Em contraposição ao tempo de causalidade presente nos historicistas, Benjamin propõe o tempo de agora, que pressupõe o surgimento do passado no presente. A interrupção ocorre no momento de “agora”, momento esse que corresponde à cristalização de um momento crítico do passado que o configura enquanto mônada, esta se configura como elemento vital no momento de pausa. Matos vislumbra que a mônada “capta os fragmentos que flutuam na ‘correnteza do tempo vazio’ e os envolve com o próprio tempo”.13 A mônada histórica cristaliza um momento do passado que ainda existe.

O tempo de agora é o momento de interrupção histórica. Se na concepção de Benjamin a historiografia tradicional traz a ilusão no novo, embora seja a repetição do mesmo, a interrupção histórica promove a revolução que traz em seu bojo o desejo por algo novo. A rememoração messiânica propende apreender o passado que deve ser captado no momento certo, isto é, no tempo de agora. Nas correspondências de Benjamin com Adorno14¸ Benjamin descreve que o tempo de agora tem, de certa maneira, características de um anacronismo no sentido positivo da palavra, visto que pretende não somente trazer o passado à tona, não obstante, busca lutar por um futuro mais digno. O futuro em Benjamin não tem uma dimensão de algo a ser conhecido, mas sim de algo que se espera conhecer.

O passado na concepção de Benjamin se configura de forma fugaz e momentânea como um relampejo. Neste sentido, cabe ao materialista histórico desvelar uma constelação crítica do passado que se relaciona com algum momento do presente. Olgária Matos escreve que há uma repetição que não se trata colocar o passado no presente, isto é, o eterno retorno do passado, mas sim a possibilidade de saltar para outro tempo, tendo em foco uma luta que ocorre no instante. O tempo de agora é, portanto, uma das dimensões do pensamento teológico-materialista de Benjamin, uma vez que este promove o olhar para o passado num tempo de agora, visando outro tempo; tempo esse desconhecido, não obstante, carregado de esperanças.

O instante mostra como a história, antes dele acontecer, era caótica, por mais que houvesse a ilusão da existência de um sentido natural. Aliás, o instante mostra justamente que o sentido natural é sempre ilusório. Em contraposição ao tempo de agora, Benjamin coloca que os historicistas têm uma “imagem eterna do passado” e o oposto da história linear é o tempo de um presente entendido como passagem.

Rolf Tiedemann analisa que subjaz na concepção benjaminiana a idéia de que cada época presente deveria estar em sincronia com determinados momentos na história, de forma que os acontecimentos singulares do passado se tornariam legíveis em uma determinada época. Entretanto, não se trata de projetar o passado para o domínio mitológico, mas sim dissolver a mitologia no espaço da história. Assim, Tiedemann

13 MATOS, Olgária C. F. Uma história barroca. In: Os arcanos do inteiramente outro: A escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. São Paulo: Brasiliense, 1989. p32

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percebe em Benjamin uma dimensão concreta, materialista, no sentido de que importa aquilo que está próximo. Partindo dessa concepção, para Benjamin, o historiador não deve mergulhar nas profundezas da história, mas permitir que o ocorrido entre em sua vida; a proximidade substitui a “empatia” fugaz. Tiedemann visualiza que essa noção implica que os acontecimentos passados não seriam dados imóveis e imutáveis dados ao historiador; ao contrário, a dialética “revira pra baixo o que está por cima” (D°, 4) 15, e tal reviravolta precisa ser realizada no despertar do século XIX. A idéia de despertar é considerada por Benjamin o “melhor exemplo da reviravolta dialética” (D°, 7)16.

A discussão teológica da História em Benjamin remete a uma reflexão acerca da noção de origem. Gershom Scholem 17- teórico do judaísmo e amigo de Benjamin- ao analisar as grandes correntes da mística judaica, identifica que o cabalismo de Isac Luria refletia acerca da origem, o começo, e não ia diretamente ao fim – redenção. Essa concepção presume que a redenção não é um movimento que antecipa catástrofes históricas, mas é um caminho que conduz à criação e revelação. A origem em Benjamin é o momento de confluência entre passado e presente, pois as catástrofes históricas estão tanto no passado e no presente, nesse sentido, não há como antecipá-las na concepção benjaminiana. Se a rememoração cumpre o papel de visualizar as catástrofes históricas, a redenção – enquanto emancipação – pode conduzir à criação, embora isso não signifique que Benjamin postule a idéia de voltar para um estágio anterior.

Gagnebin escreve que Benjamin insistia em apreender o tempo histórico em termos de intensidade e não de cronologia. Eis a importância de recorrer à noção de origem, haja vista que ela é para Benjamin a base de uma história regida por outra temporalidade que não aquela temporalidade linear exterior ao evento.

Para Benjamin a pesquisa busca restituir o objeto único e irredutível, mobilizando-o para preservá-lo do esquecimento e da destruição da origem, fazendo com que salte da cronologia reinante18. Gagnebin analisa que a origem não significa uma noção nostálgica de uma volta a uma origem matinal, trata-se de saltos que rompem com a cronologia da história oficial, que visa parar o tempo infinito e indefinido. Essa autora deduz com isso que história e temporalidade não são negadas, mas se encontram concentradas no objeto, é uma “relação intensiva do objeto com o tempo, do tempo no objeto, e não extensiva do objeto no tempo, colocado como por acidente num desenrolar da história heterogênea à sua constituição”. 19

O projeto benjaminiano, analisa Gagnebin, não é somente fruto de uma dimensão nostálgica no autor, pois não pressupõe somente uma retomada do passado, mas consiste em uma abertura para o futuro. A origem não é uma categoria atemporal, pelo contrário, é uma categoria histórica, e é, sobretudo, uma idéia que se concretiza historicamente. A autora escreve que Benjamin associa os conceitos de origem com o de revelação, todavia, se

“a referência à teologia ressalta a dinâmica histórica e temporal atuante no desdobramento da origem, devemos, porém, nos lembrar que, para a tradição judaica, a salvação não aconteceu ainda e até mesmo, segundo certas correntes místicas como o Lurianismo, que se a salvação é promessa, nunca é segurança, pois o Exílio da Criatura

15 BENJAMIN, Walter. H: O colecionador. In: Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006.

16 Ibid.

17 SCHOLEM, Gershom. As grandes Correntes da Mística Judaica. São Paulo, Perspectiva, 1972. 18 Ibid.

19 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2007. p 97

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recai sobre Deus mesmo, afastando cada vez mais o universo da sua ordem primeira”20

A origem se manifesta como o estabelecimento de uma conexão entre passado e presente. Gagnebin presume que a origem precisa da história para dizer-se que não é um simples início da história, mas a figura temporal de sua redenção. Entretanto, de acordo com as teses, essa figura só pode ser definitivamente reconhecida através da luta, luta essa que Benjamin assimila à luta de classes. Esta autora escreve que para serem salvos, os fenômenos precisam ser arrancados de uma falsa continuidade.

Na tese XV Benjamin analisa que ao olhar para os oprimidos do passado, as classes revolucionárias rompem com o continuum da história. O calendário introduzido pela revolução faz com que os dias retornem sob a forma de feriados, transformando-se em dias de reminiscências.. Os calendários se opõem aos relógios, no sentido de que se restauram na memória o tempo de outrora, não obstante, os relógios sempre marcam o tempo linear. Portanto, o salto dialético das classes revolucionárias em direção ao passado, cumpre romper o continuum e fazer explodir os relógios.

São as classes revolucionárias e os oprimidos do passado que reclamam destroçar a continuidade histórica. Os calendários contradizem a linearidade temporal, visto que carregam consigo as marcas de um tempo carregado de memória. Benjamin faz menção aos calendários para edificar críticas ao tempo dos relógios calcado num tempo linear.

Benjamin busca restituir um tempo fundamentado na tradição. Matos observa que a tradição “aloja a aura do tempo”, uma vez que consolida uma experiência coletiva. A repetição configura-se, segundo a autora, como substância da tradição, visto que garante a “recordação coletiva”. Sob essa concepção, o ato de rememorar está intimamente conectado com a noção de tradição em Benjamin. Para a autora, o tempo do calendário carrega consigo a tradição, haja vista que nesses dias há a recordação de tempos anteriores que se tornam “atuais”.

Gagnebin mostra que é construído em Benjamin uma dialética do teológico e o político, resultando numa concepção paradoxal da história e da salvação e da história da salvação. Todavia, a salvação, conceito demasiadamente importante em seu pensamento, não é alvo da dinâmica histórica, porque Benjamin não considera o Reino de Deus enquanto sendo o telos da dinâmica histórica. Benjamin recusa a idéia de um processo linear progressivo que conduz a uma forma secularizada de redenção.

Pensando em todas as reflexões aqui esboçadas acerca de uma relação dialética entre teologia e marxismo, percebe-se que se configura em Benjamin a construção de um projeto utópico que visa outro tempo. Löwy ao investigar o judaísmo libertário na Europa Central demonstra como as raízes judaicas nutrem uma aproximação com as utopias socialistas. Löwy utiliza-se do conceito hebraico “Tikkoun” que significa o estabelecimento de uma grande harmonia perdida, é o caminho que leva ao fim, como também ao começo das coisas, trata-se de uma restauração de uma determinada ordem ideal. O advento do Messias é o cumprimento desta utopia que Löwy considera como sendo dual: a sacralização do profano e a secularização do religioso. Portanto, o messianismo utópico-libertário implica numa relação entre a esfera da religião e utopia. Trata-se de uma utopia melancólica. O anjo da história das teses representa tal olhar esperançoso, não obstante, melancólico. Tal anjo- que em face do amontoado de escombros que diante dele cresce até o céu -, hesita em se direcionar para o vento do passado, todavia, é empurrado pela tempestade para futuro, a saber, o progresso. O anjo

20 GAGNEBIN, Jeanne Marie. História e Narração em Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 2007. p 16

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que olha para os escombros do passado desmistifica a visão progressista, pois olha para as ruínas que o progresso produz e alude aos “grandes massacres da história”.

À guisa de conclusão, Benjamin constrói um conceito de História regido pela dialética entre teologia e materialismo histórico. As afinidades eletivas entre estas duas tradições apontam o desejo de libertação da humanidade tanto do tempo de agora como do tempo de outrora. As esperanças irrealizadas são trazidas à baila mediante o ato de lembrar. É o lembrar e o rememorar que alicerça a composição de uma memória oprimida relegada, até então, pela historiografia tradicional. Se reverbera no ato de lembrar a imagem catastrófica de outro tempo, surge na humanidade uma melancolia que, ao mesmo tempo em que provoca a paralisia do olhar em face de um passado que poderia ser diferente, espalha as centelhas de esperança no presente. Portanto, o novo conceito de História formulado por Benjamin articula uma peculiar relação dialética, não linear, entre passado, presente e um tempo desconhecido e esperançoso conhecido como futuro.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq.

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TEMPO DE AGORA, TEMPO DE OUTRORA.

Aline Ludmila de Jesus

Instituto de História, Universidade Federal de Uberlândia. Campus Santa Mônica, Av. João Naves de Ávila, 2121. Bairro Santa Mônica. Uberlândia – MG 38400-098

alineludmila@yahoo.com.br

Orientador: Pedro Spinola Pereira Caldas

Abstract : This article analyzes the philosophy of history in the thesis “Sobre o conceito de História” outlined by Benjamin We intent to descant about the peculiar relationship between Judaism and historical materialism in the benjaminiano thought, understanding the dialectical relationship between past, present and future.

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