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Presença de modificador: exigência para a boa formação de médias?

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Academic year: 2021

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Presença de modificador: exigência para

a boa formação de médias?

Morgana Fabiola Cambrussi1 1

Programa de Pós-graduação em Lingüística – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – Campus Universitário – CCE – Trindade – 88040-900 – Florianópolis – SC

morganacambrussi@yahoo.com.br

Abstract. According to Keyser & Roeper (1984), Fagan (1988) and Fellbaum &

Zribi-Hertz (1989), middle constructions like ‘This floor cleans easily’ and ergative constructions like ‘The door opened’ have some structural differences starting from its formation. One of the differences pointed by the authors is the modifier requested in the good semantic and syntactic formation of middle constructions, besides the fact that in the ergatives the modifier is optional. However, after analyzing evidences supplied by the authors mentioned, the idea that middle constructions become grammatical only with a modifier is questioned. The conclusion is that the structural realization of a modifier is not a restriction to a good syntactic and semantic formation of middle constructions.

Keywords. middle constructions; ergative constructions; modifier; alternations. Resumo. Construções médias do tipo ‘Esse piso lava fácil’ e ergativas do tipo ‘A

porta abriu’ guardam entre si diferenças que, sustentadas pelos autores Keyser & Roeper (1984), Fagan (1988), Fellbaum & Zribi-Hertz (1989), atestariam se tratar de duas construções distintas desde a formação. Uma das diferenças apontadas é a exigência de modificador para a boa formação semântica e sintática de construções médias, enquanto nas construções ergativas o modificador é opcional. Questiona-se a afirmação de que construções médias são gramaticais somente sob escopo da modificação, com base em evidências fornecidas pelos próprios autores citados. Conclui-se que a realização estrutural de modificação não é restrição para a boa formação dessas construções.

Palavras-chave. Construções médias; construções ergativas; modificadores;

alternâncias.

1. Introdução

Construções médias como Este aipim cozinha fácil e Esta calça veste bem, disponíveis e produtivas para muitas línguas (entre elas o inglês, o francês, o Português do Brasil), possuem características bem peculiares. Revisitadas freqüentemente pela literatura (em especial por Keyser & Roeper (1984); Fagan (1988); Fellbaum & Zribi-Hertz (1989)), são sempre postas em contraste com construções ergativas do tipo O aipim cozinhou rápido e A

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As razões que motivam o paralelo entre médias e ergativas vêm da proximidade estrutural entre as duas construções. Em sua configuração sintática, tanto médias quanto ergativas apresentam tema à esquerda do verbo, ou seja, realizado na posição de sujeito gramatical da construção. Entretanto, há particularidades guardadas para cada caso. Segundo Rodrigues (1998, p.8), “na interpretação das estruturas médias, há uma relação de ‘propriedade’ entre o sujeito e o predicado verbal: o que o predicado verbal assevera é uma propriedade intrínseca da entidade representada pelo sujeito gramatical/objeto lógico.” Construções ergativas, por outro lado, não contêm interpretação de propriedade intrínseca disponível para o tema.

Fagan (1988, p.200-201) relaciona a interpretação de propriedade ao caráter genérico das construções médias, quer dizer, assume a posição de que tal propriedade é indiferente ao tempo. Para a autora, em uma sentença do tipo This book reads easily, o que se exprime é o fato de a atividade de leitura do livro geralmente ser realizada facilmente, independentemente de quem a realize. É o SN pleno This book, tema, que possui a propriedade de poder ser lido facilmente.

Ao se construir um paralelo de características, das quais certos autores lançam mão para descrever e opor médias e ergativas, expõem-se as construções em contraste, mas o que se pode notar é que pouco há de distinto entre elas1 Para uma ergativa como A louça quebrou, pode-se afirmar: a) há interpretação eventiva; b) não exige a presença de modificador; c) o tema está na posição de sujeito gramatical; d) não-genérica, é usada para descrever eventos particulares; e) usada no presente progressivo, no imperativo e possui pretérito com interpretação pontual; f) não há realização sintática de agente. Para uma construção média como A louça quebra fácil, pode-se afirmar: a) há interpretação não-eventiva; b) exige a presença de modificador; c) tema na posição de sujeito; d) é uma declaração genérica que não descreve eventos particulares no tempo; e) pelo expresso em d), é incompatível com o presente progressivo, com o imperativo e com o pretérito com interpretação pontual; f) não há realização sintática do agente.

Quanto à não realização sintática do agente, tanto para as construções médias quanto para as ergativas, considera-se que faz parte do conjunto de propriedades de estruturas médias e de estruturas ergativas a propriedade de agente implícito que, embora não na posição de sujeito da sentença, pode ser sintaticamente realizado, por exemplo, por um sintagma causativo/agentivo: A roupa secou com o vento.

Neste trabalho, não serão estudadas todas as características anteriormente relacionadas. O que se intenciona é questionar se a presença de modificador é de fato uma exigência para a formação de construções médias. Na seção seguinte, far-se-á a discussão que põe em cheque esta restrição tão fortemente sustentada pela bibliografia disponível sobre o assunto:

A modificação determina a boa formação semântica de construções médias?

2. O Valor da Modificação para a Formação Semântica de Construções Médias

Roberts (1987) destaca que há casos em que se pode formar médias em inglês sem a exigência de realização sintática do modificador. Esses casos envolvem, na formação: um

do enfático, por exemplo, um acento sobre o tema ou sobre o verbo, um modal epistêmico

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(01a) This book could sell. (01b) ?Bureaucrats BRIBE. (01c) ?CHICKENS kill. (01d) ?This bread DOES cut. (01e) This bread doesn’t cut. (01f) Any bureaucrats bribe.

Da mesma forma, Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) avaliam que a exigência de modificador é restrição para a formação de médias do francês, mas há casos, classificados pelas autoras como um subconjunto das médias, que não exigem realização sintática do modificador.

(02a) Cette racine se mange. (02b) Cette chaise se plie.

As autoras consideram que, nos dois exemplos de (02), subentende-se uma divisão binária entre coisas comestíveis e coisas não-comestíveis, entre coisas pintáveis e coisas não-pintáveis. Assim, (02a) pode ser enunciada em um contexto no qual se faça uma classificação binária entre aquelas raízes que são comestíveis e aquelas que não o são; da mesma maneira, (02b) serviria a um contexto em que se diferencie binariamente tintas que apagam daquelas que não apagam. Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) afirmam, ainda, que para o inglês a mesma análise é possível em casos como (03), nos quais se subentende uma divisão entre a classe das paredes pintáveis e a classe das não-pintáveis:

(03) Does this wall paint?

Com tantas possibilidades de se realizarem construções médias sem a presença sintática de modificador, questiona-se se realmente a modificação é condição para a gramaticalidade dessas construções. Em se tratando do Português do Brasil, é possível que construções médias sejam realizadas sem modificação: tanto com acento sobre o tema, com acento sobre o verbo, com negação, com tema quantificado negativamente, quanto com a leitura de divisão binária entre duas classes, conforme o que levam em conta, para o francês, Fellbaum & Zribi-Hertz (1989) e, para o inglês, Roberts (1987).

(04a) Esse piso LIMPA. (04b) ESSE PISO limpa. (04c) Esse piso não limpa. (04d) Nenhum piso limpa. (05a) Batata doce assa. (05b) Essa batata doce assa?

Em todos os exemplos acima, características de construções médias como a leitura de genericidade para agente implícito e a interpretação de propriedade intrínseca para o tema

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são mantidas, o que os diferenciaria de construções ergativas que não possuem nenhuma dessas características.

A ênfase sobre o verbo em (04a) sugere que o piso referenciado limpa bem, independentemente de quem o limpe; já a ênfase sobre o tema em (04b) sugere que esse piso, não outro, possui a propriedade limpa; (04c) destaca a negação da propriedade, ou melhor, a ausência de uma propriedade que costuma ser intrínseca à classe piso; (04d) é similar à anterior, com ausência de propriedade marcada na quantificação negativa do tema; (05a-b) encaixam-se na classificação binária (proposta por Fellbaum & Zribi-Hertz (1989)) entre aquelas batatas que assam e aquelas que não assam.

Desse modo, a realização sintática de modificador é exigência para a formação de um subtipo de construções médias do Português do Brasil, a saber, para a formação de médias que, por razões que têm a ver com a natureza da propriedade expressa, não se incluem nos casos de (04) e (05), como *Essa camisa veste/Essa camisa veste bem. Ainda que fosse a presença do modificador uma condição para a formação das médias, tal realização sintática é muito semelhante à configuração estrutural de suas contrapartes ergativas e não serviria para diferenciar as duas construções, já que as construções ergativas: a) também admitem modificação; b) recebem modificador em mesma posição que construções médias o recebem; c) recebem modificadores idênticos aos que construções médias recebem. Observe-se:

(06a) Essa camisa seca rápido, as demais demoram a secar. (06b) Essa camisa seca rápido, enquanto eu lavo as outras. (06c) Esse livro vendia rápido, agora fica parado no estoque.

(06d) Esse livro vendeu rápido, não tem mais nenhum exemplar no estoque.

Com a proximidade entre construções médias e ergativas, sugerida pelo comportamento semelhante de ambas com a modificação, um certo cuidado é necessário para não confundi-las. As sentenças abaixo podem parecer médias, mas são eventivas e essa é a primeira evidência em favor da ergatividade, pois elimina a interpretação de propriedade intrínseca do objeto à medida que as sentenças descrevem um evento episódico particular.

(07) Enquanto a mandioca cozinha, separe e pique os ingredientes pedidos na receita.2 (08) Enquanto o feijão cozinha, vamos continuar nossa conversa.3

(09) Há dias que já começam complicados, levantamos atrasados, o café sai fraquinho,

o leite derrama sobre o fogão, o marido com aquele humor negro e os filhos... ah!, os

filhos cobrando... cobrando... cobrando...4

Nos exemplos (07) e (08), a sentença subordinada com enquanto marca um período de tempo que serve de referência para a sentença principal e, em (09), um fato determinado, relacionado a outros, é referenciado pela ergativa. Keyser & Roeper (1984) consideram que a dificuldade encontrada pelos falantes para diferenciar médias de ergativas é resultado da maleabilidade de alguns verbos que servem a ambas as construções. Essa possivelmente seja uma das dificuldades, entretanto, há outras razões relacionadas à formação sintática, em particular à presença/ausência de modificador.

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Em alguns casos de construções médias, em que não se realiza sintaticamente o modificador, ele pode estar apagado e ser recuperado ou depreendido do contexto lingüístico que se apresenta e/ou do contexto pragmático de que se dispõe. Essa “recuperação” do modificador serve à necessidade pragmática de informatividade, já que falantes tendem a ser cooperativos e dar apenas informações relevantes. Em exemplos como os seguintes, a explicitação de um conhecimento comum (pelo menos para a cultura ocidental) só se justifica por meio de um modo, dessa maneira, o que é relevante informar não é o que o verbo expressa, mas seu conteúdo semântico associado à própria modificação implícita.

(10) Estou com pressa para sair agora, vou cozinhar o feijão quando voltar, se bem que esse feijão cozinha.

(11) Faça você as pipocas porque quando eu as faço sobram muitos grãos na panela, se bem que essa pipoca estoura.

O que (10) diz é que o feijão em questão cozinha rápido, então, é possível cozinhá-lo em pouco tempo, sem atrasos, mesmo porque feijões em geral cozinham e, comunicativamente, seria irrelevante informar essa propriedade (assim como há contextos nos quais é irrelevante informar que pessoas falam, pessoas respiram etc.). Em (11), o que se diz é que uma determinada pipoca estoura bem, até mesmo alguém que não saiba fazer pipocas com habilidade pode estourá-la. A exemplo de feijões cozinham, dizer que pipocas

estouram parece ser irrelevante comunicativamente, aliás, é bem provável que, se não

estourasse, o milho não se transformaria em pipoca e dificilmente receberia a denominação

pipoca ainda na forma de grão. O modo (implícito) como estoura o milho é que autoriza

uma construção do tipo essa pipoca estoura.

Com base no quadro que se apresenta para o Português do Brasil e no que se observou do comportamento de construções médias em outras línguas, pode-se considerar equivocada a generalização de que construções médias só ocorrem com modificador. Dizer nesses termos é colocar na agramaticalidade construções de uso corrente na língua, como

Essa pipoca estoura, Essa batata cozinha ou Esse piso escorrega.

3. Algumas Considerações

Apontada pela bibliografia acima como uma forte característica, que serviria de argumento para a distinção entre médias e ergativas, a exigência de modificador para a boa formação semântica e sintática de construções médias (ao passo que construções ergativas poderiam ocorrer com ou sem modificação) não parece se sustentar com força argumentativa. De partida, na verdade, essa já não parecia ser uma boa característica diferenciadora entre as duas construções, pois ergativas admitem modificação do mesmo tipo e em mesma posição que médias a admitem.

Além disso, são tantos os casos em que médias ocorrem sem modificação – com acento contrastivo sobre o tema, com acento contrastivo sobre o verbo, com negação, com tema quantificado negativamente, com leitura de divisão binária entre classes – que esta foi desconsiderada enquanto exigência para a boa formação semântica de construções médias neste trabalho. Casos como Feijão novo cozinha ou Aipim amarelo derrete são tão bem

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formados semântica e sintaticamente quanto Feijão novo cozinha fácil ou Aipim amarelo

derrete fácil, e ainda, parecem ter a mesma interpretação, independentemente da presença

do modificador. Isso implica dizer que, apesar de não realizada na estrutura sintática, a modificação parece estar imbricada na formação semântica que autoriza a expressão de uma propriedade intrínseca qualquer contida na construção.

Notas 1

Esse paralelo é formado a partir de Fagan (1988) e Keyser & Roeper (1984). Neste trabalho, apenas serão analisados casos do Português do Brasil sem marcador medial “se”. Para um estudo de voz média que leve em conta construções com “se” medial, consultar Camacho (2003). 2 http://panelinha.ig.com.br/receita.phtml?cod_rec=460, acesso em 21/11/2006. 3 http://www.sec.rj.gov.br/atabaquevirtual/culinaria.html, acesso em 21/11/2006. 4 http://www.riototal.com.br/coojornal/neidemaganhas.htm, acesso em 21/11/2006. Referências

CAMACHO, R. G. Em defesa da categoria da voz média no português. D.E.L.T.A. n. 19 (1), p. 91–122, 2003.

FAGAN, S. M. B. The English Middle. Linguistic Inquiry. n. 19, p.181–203, 1988.

FELLBAUM, C.; ZRIBI-HERTZ, A. La construction moyenne en français et en anglais: étude de syntaxe et de sémantique comparées. Recherches Linguistiques. n. 18, p.19– 55, 1989.

KEYSER, S. J.; ROEPER, T. On the Middle and Ergative Constructions in English.

Linguistic Inquiry. n. 15, p. 381–416, 1984.

ROBERTS, I. The representation of implicit and dethematized subjects. Dordrecht: Foris, 1987.

RODRIGUES, C. A. N. Aspectos sintáticos e semânticos das estruturas médias no

Português do Brasil: um estudo comparativo. 1998. 176 f. Dissertação (Mestrado em

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