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A FOTOGRAFIA ABSTRATA DE JOSÉ OITICICA FILHO NO SUPLEMENTO DOMINICAL DO JORNAL DO BRASIL: ANÁLISE DE UMA FONTE DE PESQUISA

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A FOTOGRAFIA ABSTRATA DE JOSÉ OITICICA FILHO NO

SUPLEMENTO DOMINICAL DO JORNAL DO BRASIL:

ANÁLISE DE UMA FONTE DE PESQUISA

Carolina Martins Etcheverry1

etchev@gmail.com

Resumo

Este trabalho versa sobre a reportagem do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil a respeito das fotografias – intituladas recriações – do fotógrafo José Oiticica Filho, nos anos 1950. Analisamos e problematizamos a reportagem, a fim de entender de que modo o fotógrafo pensava sobre a fotografia, bem como o modo como suas fotografias foram recebidas no Brasil. Dentro do contexto de desenvolvimentismo nacional, no plano político e econômico, e de crescente tendência ao abstracionismo, nas artes visuais, a reportagem é uma importante fonte para o entendimento do processo de criação das fotografias de Oiticica Filho.

Palavras-chave: Fotografia: Concretismo; Artes Visuais.

Abstract

This paper discusses the report in the Suplemento Dominical do Jornal do Brasil (SDJB) about the photographs – entitled recriações – of the important photographer José Oiticica Filho, created in the 1950s. We evaluated the report in order to understand how the photographer thought about photography as well as how his photographs were received in Brazil. Within the context of national political and economical developmentalism, and of increasing tendency to abstraction in the visual arts, the report is an important source for understanding Oiticica Filho’s process of creating photographs.

Keywords: Photography; Concretism; Visual Arts.

Iniciei minha pesquisa de doutorado há três anos, tendo como objeto de pesquisa as fotografias abstratas2 de José Oiticica Filho (1906-1964) e de Geraldo de Barros (1923-1998). Tais fotografias foram criadas principalmente durante a década de 1950, marcadas pela arte abstrata que brotava no ambiente artístico da época. Durante a pesquisa, encontrei a reportagem ’Recriação’ – ou a fotografia concreta, na página de Artes Plásticas do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, dedicada à fotografia de José Oiticica Filho. Esta se tornou uma importante fonte para que eu pudesse entender não apenas o processo criativo do artista, mas também a recepção e a circulação de suas fotografias.

Assim, este artigo procura apresentar sucintamente a figura de José Oiticica Filho, a partir da que é possível entender sua fotografia, especialmente a abstrata, interessante a

1

Doutoranda em História, PPGH/PUCRS. Bolsista CNPq. 2

O termo fotografia abstrata mostra-se sobremaneira problemático. Um dos objetivos da minha pesquisa é trazer subsídios teóricos para o entendimento deste tipo de fotografia, que, apesar de ser um índice da emanação de luz gravada em um suporte fotossensível, não é facilmente identificada pelo observador mais atento.

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essa pesquisa. Com isso, passo a apresentar e problematizar a reportagem do SDJB, composta de um texto introdutório, uma entrevista e um artigo escrito pelo próprio fotógrafo, além das fotografias em estudo.

O CONTEXTO DAS ARTES NA DÉCADA DE 1950: UMA VISÃO ESQUEMÁTICA SUCINTA

Para entendermos a fotografia de Oiticica Filho é preciso entender também o contexto das artes visuais na década de 1950. Apesar de a fotografia já ter experimentado com formas abstratas anteriormente3, ainda que não no Brasil, foi nesta década, de atividade artística abstrata intensa, que a fotografia brasileira abraça a abstração e, de um modo mais geral, a experimentação.

As artes visuais brasileiras, no período anterior aos anos 1950, estavam voltadas principalmente para uma arte figurativa que procurava enaltecer o país, buscando forjar assim uma identidade nacional. Na medida em que o contexto nacional4 foi se alterando, também as artes plásticas começaram a buscar novos caminhos. Com a ideia de desenvolvimento nacional, a partir do fortalecimento da indústria, foi-se percebendo que o Brasil ainda era um país dependente, não apenas economicamente, mas também culturalmente. Começa-se a pensar em formas de sair do atraso cultural existente, e uma das formas encontradas pelas artes visuais foi voltar-se para a abstração, forma de arte de vanguarda na Europa e nos Estados Unidos do período. Assim, também se fazia frente à arte voltada para a criação de uma identidade nacional baseada em aspectos unicamente brasileiros, bem como voltada para aspectos sociais. Buscava-se uma arte internacional.

Maria de Fátima Morethy Couto (2004) sintetiza do seguinte modo o período do pós-guerra no Brasil:

Após a guerra, o país, que havia participado timidamente do conflito mundial, conhece um período de forte crescimento econômico e de modernização industrial. O fim do Estado Novo, simultâneo ao restabelecimento da paz na Europa, contribuirá igualmente para a criação de um clima de otimismo generalizado. Esse processo, que se intensificará durante o governo Juscelino Kubitschek (1956-1960), foi acompanhado de um movimento de abertura às trocas internacionais. A emergência de uma nova elite econômica, urbana e industrial, que se queria cosmopolita, foi decisiva para a transformação da vida cultural das grandes metrópoles brasileiras (COUTO, 2004, p. 46).

Com isto, a autora lembra a criação dos principais museus de arte da cidade de São Paulo, bem como do Rio de Janeiro – Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP),

3

Refiro-me, especificamente, às práticas de Man Ray, Moholy-Nagy, Alvin Langdon Coburn, entre outros. 4

As alterações do contexto nacionais aos quais me refiro envolvem a Revolução de 1930, seguida dos governos Vargas, Dutra e, principalmente, Kubistchek. Seria muito longo me deter nesse assunto agora, mas é importante termos em mente que, a partir da Revolução de 30, o país começou a passar por uma série de mudanças políticas, econômicas, sociais e culturais que contribuíram para novos modos de sociabilidade e de visualidade.

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Museu de Arte de São Paulo (Masp) e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) –, bem como outras iniciativas artísticas, tais como o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), a TV Tupi e a criação da Escola Superior de Propaganda e do Instituto de Arte Contemporânea (COUTO, 2004). Estes dois últimos foram, durante a década de 1950, os principais centros de formação dos publicitários e dos designers brasileiros. Havia, ainda segundo Couto, uma necessidade de redefinição do papel social do artista brasileiro, e este papel estaria ligado ao processo de industrialização voltado à modernização do país.

JOSÉ OITICICA FILHO: FOTÓGRAFO

José Oiticica Filho, formado em Engenharia na Universidade do Brasil5, começou a fotografar de modo puramente utilitário: queria registrar as lepidópteras, borboletas que estudava no Museu Nacional. Estudou, então, técnicas fotográficas, entre elas, a microfotografia. A partir deste interesse inicial, associou-se ao Photo Club Brasileiro, no qual contribuiu com fotografias para exposições e nas discussões internas. Participou, como membro do ambiente fotoclubista, de inúmeras exposições tanto no Brasil quanto no exterior, sendo ganhador de inúmeros prêmios. Terminou sua carreira criando fotografias abstratas bastante instigantes, nas quais subverte a tríade tomada-revelação-ampliação, ao criar o objeto a ser fotografado e manipular o processo de revelação e cópia em laboratório.

Paulo Herkenhoff (1983) identifica algumas fases em sua produção fotográfica, buscando, assim, caracterizar didaticamente cada um dos momentos de pesquisa fotográfica de Oiticica Filho. Assim, o fotógrafo teria passado pelas seguintes fases: utilitária, fotoclubista, abstrata e construtiva. O autor adverte para o fato de que “algumas dessas linhas se identificaram ou tiveram um desenvolvimento simultâneo e paralelo” (HERKENHOFF, 1983, p. 11). Ou seja, não há linearidade na sua obra fotográfica.

Estas fases causam certa divergência entre os autores que estudaram a trajetória do artista, principalmente pelo fato de que, quando se estabelecem diferentes fases, tende-se a pensar em um progresso, no qual uma fase suplanta a outra em qualidade e importância. No entanto, não é possível pensar assim a respeito das pesquisas fotográficas de José Oiticica Filho, justamente pelo fato de o fotógrafo ver seu trabalho como uma “pesquisa visual” (OITICICA FILHO, 1958, p. 3). E, como em toda pesquisa, tudo é sempre aproveitado, não sendo nada deixado de fora. Annateresa Fabris (1998), por exemplo, afirma que, em determinado sentido, Oiticica Filho nunca deixou de ser um fotógrafo pictorialista, característica ligada à fase pictorialista. Segundo a autora,

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Se, de fato, luz e superfície são questões fundamentais para o Oiticica pós-pictorialista, o que não se pode deixar de levar em conta (...) é que sua visão de fotografia continua a ser informada pelos postulados da estética que ia abandonando. (...) Oiticica supervaloriza o papel da técnica, detectando o nascimento da fotografia no trabalho de laboratório, “quando se graduam os cinzas, as luzes, o corte” (FABRIS, 1998, p. 71-74).

Do mesmo modo, Maria Teresa Bandeira de Mello (1998) questiona-se a respeito das diferentes fases de Oiticica Filho, colocando que o pictorialismo não o teria abandonado: “É curioso observar que, mesmo depois de se libertar dos cânones fotoclubistas e de se entregar a experimentações modernizadoras, ainda podem ser encontradas em suas obras semelhanças com a concepção de fotografia pictorialista” (MELLO, 1998, p. 120).

O que parece contribuir para que possamos entender o artista e suas diferentes fases é justamente apontado por Mello (1998) na citação anterior: a relação entre fotoclubismo, pictorialismo e a experiência moderna. O movimento pictorialista, entendido como uma forma de aproximar a fotografia das artes visuais, se desenvolveu na maior parte dos casos em agremiações fotográficas, a partir do início dos anos 1890. Tinha como mote a diferenciação entre os fotógrafos industriais, que utilizavam a técnica fotográfica com fins comerciais, e os fotógrafos que, ao contrário, eram desejosos de ver a fotografia alcançar o mesmo patamar das artes visuais.

Os fotógrafos voltados ao pictorialismo faziam uso de variadas técnicas, algumas em laboratório e outras não, para obtenção dos resultados plásticos desejados, assim como Oiticica Filho fazia uso do extensivo trabalho em laboratório – como veremos a seguir, em sua entrevista – para a obtenção dos resultados visuais almejados. O pictorialismo pode ser visto, talvez, como a raiz da experimentação moderna que viria a acontecer na fotografia, ao longo do século XX. Nesse sentido – o da manipulação da fotografia para a obtenção de determinados resultados, geralmente vinculados a padrões artísticos – Oiticica Filho nunca se desvinculou da tendência pictorialista, apesar de ter se afastado do ambiente fotoclubista voltado a esta vertente, aproximando-se do Foto Cine Clube Bandeirante, voltado à experiência moderna na fotografia6.

É interessante também pensar as fotografias de José Oiticica Filho do ponto de vista do próprio fotógrafo. A reportagem analisada a seguir ajuda-nos nesse objetivo, mostrando uma das quatro séries de fotografias a que se dedicou. Segundo classificação do fotógrafo, suas imagens são divididas entre os seguintes grupos: Formas, Derivações (dentro das quais está presente a série Ouropretense) e Recriações. Tais séries tratam da relação entre o fotógrafo e o processo de criação da fotografia. Segundo Antonio Fatorelli (2000), “essas três séries distinguem-se objetivamente pela natureza da participação do fotógrafo no processo de criação” (FATORELLI, 2000, p. 153).

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O SDJB: IMPORTÂNCIA DA FONTE ESTUDADA

O Suplemento Dominical do Jornal do Brasil circulou entre 3 de junho de 1956 e dezembro de 1961. A seção de artes plásticas (também havia a de literatura, cinema, música, teatro, dança e filosofia) estava a cargo de Oliveira Bastos e de Ferreira Gullar, passando a circular em outubro de 1956, com artigo inaugural sobre a I Exposição de Arte Concreta (VARELA, 2007, p. 11). A ligação com os movimentos artísticos de vanguarda era inegável.

O SDJB, bem como todo o Jornal do Brasil, estava passando por mudanças gráficas, feitas principalmente por Amilcar de Castro. A consolidação de tais mudanças, segundo Bastos (2008) foi no ano de 1960. A primeira diagramação de Amilcar de Castro no SDJB foi em março de 1959 (VARELA, 2007). A principal modificação na diagramação apresentada por ele foi a eliminação parcial dos classificados (o jornal era quase todo de classificados), dispondo-os em um formato em L, ao redor das principais notícias. Elizabeth Catoia Varela (2007, p. 6) afirma que “O SDJB se diferencia dos outros jornais, pois permite-nos fruir artisticamente a sua diagramação. A página é trabalhada como um todo, a sua imagem é construída e estruturada. Ela é pensada para existir enquanto unidade”.

É notável o fato de o SDJB ser um dos grandes divulgadores da arte de vanguarda do século XX, formando um público capaz de absorver as novidades artísticas no Brasil. Assim, dava-se ênfase à abstração, principalmente à vertente informal que daria origem ao Neoconcretismo (VARELA, 2007). No entanto, o suplemento também contribuiu para a divulgação da abstração geométrica, mais em voga na cidade de São Paulo.

A REPORTAGEM

A reportagem, em página simples, é uma referência importante no estudo da fotografia de José Oiticica Filho. Ela marca, de certa forma, a importância deste fotógrafo no meio artístico, visto que ele aparece em um espaço dedicado às artes plásticas. Podemos inferir, a partir disso, que o diálogo fotografia-artes visuais foi aberto devido à sua ligação com o Concretismo.

A reportagem possui três partes distintas, mas interligadas: uma apresentação geral, sob o título de “Recriação” – ou a fotografia concreta; uma entrevista, intitulada Oiticica:

“fotografia se faz no Laboratório”; e um texto escrito pelo próprio fotógrafo, explicando seu

processo criativo: A recriação fotográfica. Juntas, elas permitem entender como o fotógrafo foi interpretado por seus pares, bem como suas ideias sobre a fotografia e seu processo de criação. Partimos agora para a análise das três partes da reportagem.

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“Recriação” – ou a fotografia concreta

A leitura da apresentação da reportagem sobre a fotografia de José Oiticica Filho, escrita por Ferreira Gullar, é uma fonte importante para entendermos um pouco a recepção da sua fotografia, notadamente a série “Recriação”. As palavras renovação, pesquisa,

experiência e invenção sintetizam o trabalho de Oiticica Filho que, segundo Gullar, é um

artista7.

O crítico inicia sua apresentação situando o leitor em relação ao fotógrafo: respeitado nos círculos fotográficos no mundo inteiro, ganhou inúmeros prêmios por suas imagens, além de figurar em importantes listas dos melhores fotógrafos do mundo8. Entretanto, ao iniciar suas pesquisas fotográficas que resultam na série “recriações”, Oiticica Filho perde este lugar no mundo dos fotoclubes. Gullar coloca que “por se renovar, por pesquisar novas dimensões expressivas para a fotografia, foi praticamente banido dos salões onde até bem pouco a maioria lhe tirava o chapéu” (GULLAR, 1958, p. 3). Suas fotografias não são mais consideradas fotografia pelos membros dos fotoclubes tradicionais, “não se enquadram mais dentro dos padrões usuais – e por isso não merecem ser expostos” (GULLAR, 1958, p. 3). Mas são justamente os padrões usuais que Oiticica FIlho procura questionar, ao mostrar que a fotografia pode ser muito mais do que apenas uma reprodução bem feita do real.

A ênfase de Ferreira Gullar está justamente na pesquisa em busca da renovação da prática fotográfica a que Oiticica Filho se volta em determinado período de sua carreira. A partir de um processo de experimentação, o fotógrafo consegue os resultados fotográficos que podemos ver ilustrando a reportagem. Depois de descrever o processo criativo do fotógrafo9, Gullar conclui que

Trata-se de uma exploração “concreta” da forma, que se vai desdobrando de si mesma pelas combinações de seus elementos, controlada pelas qualidades visuais que a conformam, e onde o artista intervém para escolher dentro das combinações que a própria forma – por assim dizer, em expansão ... – oferece. (GULLAR, 1958, p. 3).

Gullar (1958, p. 3) prossegue em sua apresentação enfatizando o interesse no trabalho de Oiticica Filho, ainda que os dois tenham divergências quanto à fotografia figurativa, conforme veremos na entrevista. Segundo o crítico, o fotógrafo dá “uma função nova e fecunda aos processos fotográficos”, e esse caráter de novidade é o que faz com que sua fotografia seja importante, pois ela contribui para a expansão do campo fotográfico (FERNANDES JÚNIOR, 2006).

7

Vale lembrar a existência, na época, da polêmica sobre a fotografia ser ou não arte.

8 Ferreira Gullar cita o American Annual of Photography e a Fedération Internationale d’Art Photographique. 9 “JOF parte de determinada composição desenhada por ele mesmo e, pela combinação de positivos e negativos dessa composição inicial, desenvolve novas formas e relações latentes nela” (GULLAR, 1958, p. 3).

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A busca por um “novo vocabulário visual”, segundo Gullar, “não pode permanecer submetida à comodidade das convenções acadêmicas ou a um emprego que, embora legítimo, deixa de lado grande parte de suas possibilidades criativas” (GULLAR, 1958, p. 3). Ou seja, a fotografia criada por Oiticica Filho ultrapassa as convenções acadêmicas determinadas para este meio, fornecendo ao observador uma fotografia muito mais instigante do que o mero registro documental do real.

Ferreira Gullar conclui a apresentação da fotografia de José Oiticica Filho enfatizando a descoberta de uma “expressão nova com os meios fotográficos”, que, segundo ele, deveria servir de inspiração para que jovens fotógrafos experimentassem e inventassem mais com a fotografia. Assim, o crítico traça o percurso do artista, da consagração à “subversão”, através da experimentação e invenção na fotografia, que teriam proporcionado “novas possibilidades criativas” e um “novo vocabulário visual”, bem como a possibilidade de existência de uma “expressão nova com meios fotográficos”. A importância da novidade no trabalho de José Oiticica Filho, que traz um sopro de ar fresco no campo da fotografia, é o foco da apresentação de Gullar.

A recriação fotográfica

José Oiticica Filho escreveu para a seção de Artes Plásticas do SDJB um artigo explicando seu processo criativo, bem como os casos com os quais depara ao fazer uma “pesquisa visual”. O texto inicia explicando o processo fotográfico clássico, para, então, apresentar a especificidade da pesquisa do autor:

Ao tirar uma fotografia e revelá-la, fico com um negativo da coisa fotografada. Esse negativo é transparente. Posso copiar o negativo obtido por contato ou por ampliação, em papel fotográfico ou em filme transparente. No primeiro caso obtenho uma cópia positiva, não transparente, conhecida por todos. No segundo caso obtenho um positivo transparente (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).

O positivo transparente é a parte experimental do trabalho de Oiticica Filho. A primeira parte é bastante tradicional: a imagem é gravada pela câmera em um negativo, que pode ser copiado por contato ou ampliação, geralmente em papel fotográfico, obtendo uma cópia positiva normal. No entanto, Oiticica Filho também faz ampliações em filme transparente, obtendo, assim, um positivo transparente.

Sobre o positivo transparente, devemos tecer alguns comentários, visto não ser uma prática fotográfica ordinariamente praticada. Em conversa com um fotógrafo paranaense, João Urban, foi sugerido que o filme transparente usado por Oiticica Filho seja um filme

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gráfico10. Tal filme, ao ser revelado com revelador comum, gera imagens altamente contrastadas, como as que o fotógrafo apresenta.

Oiticica Filho prossegue em sua explicação:

Copiando o positivo assim obtido tenho outro negativo, deste posso obter outro positivo e assim por diante. Posso portanto ter da coisa original fotografada vários negativos e positivos transparentes tantos quantos me forem necessários para a realização da pesquisa visual em mira (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).

Ou seja, é da combinação de negativos e positivos que Oiticica Filho obtém sua fotografia. Ele adiciona ainda o fato de que “o negativo obtido tem potencialmente a propriedade de me dar inúmeras imagens. Dependente agora do artista pesquisador o resultado final a atingir” (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).

Mas a pesquisa visual empreendida pelo fotógrafo vai além, fazendo com que identifique dois casos a serem considerados. Ele faz uma distinção entre a “coisa fotografada” ser ou não ser criação sua. No caso de o objeto fotografado não ser obra sua, acontece de a combinação de positivos e negativos transparentes ser o que ele chama de “derivações fotográficas”. Explica: “claro que obtenho novas imagens, novas criações, mas partindo de algo que não foi minha criação. Tenho várias derivações que me deram interessantes resultados pictóricos” (OITICICA FILHO, 1958, p. 3). A série Ouropretense é um exemplo de derivação fotográfica, a partir dos muros da cidade de Ouro Preto.

Já no segundo caso, em que o objeto fotografado é criação de Oiticica Filho, sendo em geral uma composição em preto e branco, a combinação de positivos e negativos transparentes chama-se recriação. Ele afirma:

A recriação fotográfica é, a meu ver, um método interessantíssimo para estudos e pesquisas em artes visuais, sob um ponto de vista geral, e não apenas fotográfico. Com os exemplos que ilustram a presente reportagem é fácil ver até que ponto um negativo fotográfico contém em si, em estado potencial, um mundo de novas combinações, de novos problemas, não apenas visuais, mas estético visuais (OITICICA FILHO, 1958, p. 3).

É interessante perceber que José Oiticica Filho pensava além da fotografia em si, buscando abarcar questões estéticas de valor. O resultado de sua pesquisa visual deveria ser algo de valor visual, deveria ser a proposição de um problema visual a ser resolvido, tanto pelo fotógrafo quanto pelo observador.

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A entrevista – síntese da reportagem

A entrevista, intitulada Oiticica – “a fotografia se faz no laboratório” pode ser entendida como uma síntese das duas partes da reportagem, na qual crítico e fotógrafo conversam sobre as fotografias. A primeira questão tratada pelos dois é se as recriações são, de fato, fotografias. A resposta de Oiticica Filho é peremptória: “Por que não? Desde que apresento o resultado como uma cópia fotográfica é fotografia” (OITICICA FILHO, GULLAR, 1958, p. 3).

A polêmica da entrevista gira em torno da fotografia dita documental, da qual o entrevistado não é nem um pouco partidário. Segundo ele, confunde-se arte fotográfica com reportagem fotográfica, na qual não há, ainda de acordo com ele, nenhuma expressão pessoal do autor. Esse seria o caso, por exemplo, das fotografias de Cartier-Bresson: “o que há de belo ou dramático (se é que há) é do próprio fato e não do fotógrafo. Na minha opinião isso não é arte fotográfica” (OITICICA FILHO, 1958, p. 3). A captura de cenas fortuitas não era considerada arte fotográfica por ele, talvez porque ele próprio estivesse empenhado em fazer com que suas fotografias experimentais fossem vistas como tal. No entanto, essa opinião forte sobre fotografias de ampla aceitação pelo público gerou muitas polêmicas.

Finda esta parte mais polêmica, Gullar e Oiticica Filho passam a discorrer sobre a fotografia ser ou não um trabalho principalmente de laboratório. Contrariando as práticas fotográficas correntes (e inclusive as atuais), o entrevistado defende que

o papel da máquina fotográfica ainda é bem menos importante que o que vem depois. Se o fotógrafo bate a chapa, revela e manda copiar, ele entrega ao copiador a fase mais importante do trabalho de criação fotográfica. Quanta coisa se pode fazer ao copiar uma foto. É nessa hora, quando se graduam os cinzas, as luzes, o corte, que a fotografia bem dizer nasce. Mas os fotógrafos neo-realistas batem as fotos e mandam copiar. É até um crime uma pessoa assinar como sua uma foto que outro copiou. (OITICICA FILHO, GULLAR, 1958, p. 3).

Por fim, Oiticica Filho analisa suas recriações, sob o ponto de vista da crítica, que não as considera fotografias. Gullar aponta para o fato de que o fotógrafo como que elimina o que a fotografia tem de específico, no caso, os meio-tons, e isso faz com que as pessoas vejam na sua foto mais um desenho do que uma fotografia. Oiticica Filho rebate essa possibilidade do seguinte modo:

Há quem não considere como foto minhas recriações, porque não uso nelas cinzas, próprios da fotografia tal como é entendida pela maioria. Acham que é desenho, porque as formas se imprimem em preto e branco. Ora, trata-se de um raciocínio equivocado. Minhas recriações são fotografias porque nascem de um processo fotográfico legítimo como qualquer outro. Se não uso cinzas é porque o que me interessa é a forma e a dinâmica do plano, o que só se pode conseguir pela impressão, sem meias luzes, do preto sobre o branco. Não tenho culpa de que, por usar o preto-e-branco, confundam minhas

recriações com desenho que, em geral, é em preto-e-branco também (OITICICA FILHO, GULLAR,

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Assim, podemos perceber como o fotógrafo pensava não só a respeito de suas

recriações, mas também a respeito da própria prática fotográfica como um todo. Polêmico,

José Oiticica Filho tem opiniões fortes a respeito da arte fotográfica, que deveria ser voltada à criação e não à reprodução.

À GUISA DE CONCLUSÃO – A CONTRIBUIÇÃO DA PÁGINA DE ARTES PLÁSTICAS DO SDJB AO ESTUDO DA HISTÓRIA DA FOTOGRAFIA BRASILEIRA

Sabemos já que o estudo sobre o SDJB proporciona aos pesquisadores grandes subsídios para o estudo da história do design brasileiro, bem como das artes visuais, notadamente do Concretismo. No entanto, é preciso considerar também sua contribuição para o estudo da história da fotografia brasileira. O fato de José Oiticica Filho ter ganhado destaque com essa reportagem em um jornal de grande circulação mostra a aceitação – ainda que tímida – que a fotografia começou a ter no período. Saindo do espaço específico dos fotoclubes, a fotografia ganhou visibilidade de um público maior, que passa a encará-la como uma forma legítima de arte, ou pelo menos com potencial para tal11.

Oiticica Filho contribuiu em muito para o crescimento da “arte fotográfica” brasileira, abrindo caminho, com suas experimentações, para que outros fotógrafos e artistas também buscassem inovações no campo da fotografia. Até hoje, José Oiticica Filho, Geraldo de Barros e outros fotógrafos dos anos 1950 servem de referência para jovens artistas.

REFERÊNCIAS

COSTA, Helouise; SILVA, Renato Rodrigues. A fotografia moderna no Brasil. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

______. Da fotografia como arte à arte como fotografia: a experiência do Museu de Arte Contemporânea da USP na década de 1970. Anais do Museu Paulista. São Paulo. N. Sér. v. 16, n. 2, p. 131-173, jul.-dez 2008.

COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional. Campinas: Editora da UNICAMP, 2004.

FABRIS, Annateresa. A fotografia além da fotografia: José Oiticica Filho (1947-1995). In:

Imagens, Campinas, n. 8, maio-ago. 1998.

FATTORELI, Antonio. José Oiticica Filho e o avatar da fotografia brasileira. Lugar Comum, (UFRJ), Rio de Janeiro, v. 11, p. 141-158, 2000.

11

Note-se que não estamos aqui falando sobre a institucionalização da fotografia nos espaços expositivos. Existem bons estudos sobre esse assunto. Ver COSTA (2008) e CAMERA.

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FERNANDES JÚNIOR, Rubens. Processos de criação na fotografia: apontamentos para o entendimento dos vetores e das variáveis da produção fotográfica. In: FACOM, n. 16, 2. semestre de 2006.

GULLAR, Ferreira. “Recriação” – ou a fotografia concreta. In: Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, 24 ago. 1958, p. 3.

HERKENHOFF, Paulo. A trajetória: da fotografia acadêmica ao projeto construtivo. In: José

Oiticica Filho: a ruptura da fotografia nos anos 50. Catálogo. Funarte/Núcleo de Fotografia,

1983.

MELLO, Maria Teresa Bandeira de. Arte e fotografia: o movimento pictorialista no Brasil. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1998.

OITICICA FILHO, José. A recriação fotográfica. In: Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, 24 ago.1958, p. 3.

OITICICA FILHO, José; GULLAR, Ferreira. Oiticica: “fotografia se faz no Laboratório”. In:

Jornal do Brasil, Suplemento Dominical, 24 ago. 1958, p. 3.

VARELA, Elizabeth Catoia. SDJB – veículo ideológico e objeto artístico do movimento neoconcreto. In: Arte e Espaço: ambientações híbridas. (Museu Nacional de Belas Artes), 2007. Anais do XIV Encontro do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da

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