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Sumário. Texto Integral. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 1182/14.0TBALM.L1.S1

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 1182/14.0TBALM.L1.S1 Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS Sessão: 26 Novembro 2020

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA

Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA

Sumário

I - A actividade parabancária de factoring só teve em Portugal regulamentação própria com o DL nº 56/86, de 18.05, desenvolvido pelos Avisos do Banco de Portugal nº 5/86, de 18 de Abril e 4/91, de 25 de Março, a qual está agora prevista no DL nº 171/95, de 18.07.

II - Esta actividade caracteriza-se essencialmente pela aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços – artº 2º nº 1 do DL nº 171/95.

III - O contrato de factoring traduz-se, pois, num negócio jurídico que se baseia na cessão de créditos, eventualmente, futuros.

IV – Optando o autor (“factor”) por reclamar os seus créditos – decorrentes da cessão acordada - no processo de insolvência da “aderente” e tendo os

mesmos ali sido verificados e graduados como créditos comuns, o autor aceitou que o local próprio para o fazer era no processo de insolvência, com todas as consequências legais daí decorrentes.

V – Não tendo o autor, recorrente, reagido à decisão que determinou que a ré (“devedora”) procedesse ao pagamento da quantia aqui em causa à massa insolvente, e de que teve conhecimento em 01 de Fevereiro de 2011 – pagamento que viria a ocorrer em 11 de Fevereiro de 2011 -, tornou-se definitiva essa determinação, o que o impede de, em acção autónoma, vir novamente reclamar esse mesmo pagamento.

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO

BNP Paribas Factor – Instituição Financeira de Crédito, SA, intentou a presente ação declarativa, sob forma de processo comum, contra EP -Estradas de Portugal, E.P.E., (agora IP-Infraestruturas de Portugal, SA), pedindo a condenação da ré no pagamento de € 306.801,42, sendo €

181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora até 11.03.2014, a que acrescem os juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, sobre o capital em dívida, até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que se dedica à atividade de factoring, no âmbito da qual lhe foram cedidos os créditos da sociedade António Simões Rodrigues & Filhos, Lda, que veio mais tarde a ser declarada insolvente.

Entre os créditos cedidos encontravam-se créditos sobre a aqui ré mas esta, não obstante ter-lhe sido notificada a cessão, efectuou o pagamento das

quantias em dívida à massa insolvente, em lugar de o ter feito à autora, como era devido.

A ré contestou, invocando o pagamento e a prescrição dos juros de mora, bem como deduziu defesa por impugnação.

Em síntese, alegou que efetuou o pagamento dos créditos à massa insolvente, por lhe ter sido ordenado que o fizesse, em despacho proferido no processo de insolvência, o qual transitou em julgado, pelo que requer ainda, a final, a

intervenção da massa insolvente nos presentes autos.

A autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência. Em despacho proferido, foi rejeitada a intervenção da massa insolvente. Foi suspensa a instância, até que fosse encerrada a liquidação, no âmbito do referido processo de insolvência, onde o crédito do autor foi verificado e graduado, tendo entretanto sido informado que este não obteve qualquer pagamento naqueles autos.

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Por sentença de 12.03.2019, a acção foi julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

Por acórdão de 19 de Maio de 2020, foi proferido o seguinte dispositivo: “julga-se improcedente a apelação e, embora com distinta fundamentação, confirma-se a decisão proferida pelo senhor Juiz do Tribunal de 1.ª Instância”. A autora recorreu tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/05/2020, que, julgando a apelação improcedente, ainda que com fundamentação distinta, confirmou a decisão de 1.ª Instância de absolvição da ré/recorrida do pedido.

2. Através do presente recurso pretende-se obter a declaração de nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 615.º/1 d) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), e, bem assim, impugnar a referida decisão por ter ocorrido erro de interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis ao caso, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 674.º do CPC.

3. O recurso visa também, portanto, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que, julgando a revista procedente, ordene o

prosseguimento dos autos e/ou que condene a ré no pagamento à autora da soma de € 306.801,42, sendo € 181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora vencidos até à entrada da ação.

4. Aos presentes autos deu origem um contrato de factoring (n.º 04/0052/02) celebrado entre a recorrente e a sociedade “António Simões Rodrigues & Filhos, Lda” (doravante, ASR ou aderente) no dia 5 de abril de 2004. 5. A recorrida (devedora) foi atempadamente informada da celebração do contrato de factoring; da obrigatoriedade legal e contratual de passar a pagar os créditos que a ASR sobre ela detinha diretamente à recorrente; e, bem assim, que as faturas só se consideravam liquidadas se o pagamento fosse feito à autora/recorrente – cfr. ponto 6 dos factos provados.

6. Foram cedidos à recorrente os créditos oriundos das transações comerciais efectuadas entre a ASR e a recorrida, melhor identificados nas faturas juntas sob os docs. 3 a 10 com a petição inicial.

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7. A recorrida nada pagou à recorrente por conta dos créditos que a esta foram cedidos pela ASR, nem nas respetivas datas de vencimento, nem posteriormente.

8. Das facturas remetidas pela aderente ASR à recorrida constava a seguinte cláusula subrogativa: “esta factura só será considerada liquidada se o seu pagamento foi efetuado à BNP Factor, S.A., na Avenida …, …, Apartado … ..., que adquiriu este crédito”.

9. Por despacho proferido no dia 26/01/2011 e notificado à recorrida por carta datada de 28/01/2011, o tribunal ordenou que esta procedesse ao pagamento do capital em dívida à massa insolvente (doravante, apenas MI) da ASR, entretanto declarada insolvente – cfr. ponto 14 dos factos provados.

10. A recorrida pagou à MI da ASR, em 11/02/2011, o capital das facturas cujos créditos esta havia cedido à recorrente.

11. A nulidade consistente na omissão de pronúncia verifica-se, nos termos do art.º 615.º/1 d) do CPC, quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre

questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada, ainda que a título subsidiário.

12. O tribunal a quo não se pronunciou sobre questões/pretensões suscitadas pela recorrente no recurso de apelação de que lançou mão, designadamente as que constam das conclusões 43 a 47 do dito recurso.

13. A omissão não se reporta apenas a um argumento apresentado pela parte, mas a uma questão de direito suscitada e provada, relativamente à qual a recorrente não obteve decisão.

14. O tribunal a quo não explicou, em momento algum, porque razão

considera que o mero pagamento do capital devido teve o efeito de extinguir, também, a dívida de juros de mora já existente à data da sua ocorrência. 15. Como resulta das faturas juntas com a petição inicial (docs. 3 a 10), os créditos cedidos no âmbito do contrato de factoring (cujo capital foi pago à MI da ASR em 11/02/2011) já se encontravam vencidos desde 08/03/2006,

11/03/2006, 11/06/2006, 08/07/2006, 13/07/2006, 12/08/2006, 14/09/2006 e 23/09/2006.

16. Quando a recorrida efetuou o pagamento à MI da ASR estavam já vencidos juros de mora no montante de €81.324,36, que eram devidos à autora/

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recorrente; nunca foram pagos a ninguém (fosse à recorrente ou à MI da ASR); e que (juntamente com os vencidos entre 11/02/2011 e a data de entrada da ação) também foram peticionados na presente acção.

17. No recurso de apelação que deu origem à decisão recorrida, concluiu-se, ainda que a título subsidiário, que, mesmo admitindo, por mera hipótese, a teoria de que o pagamento efetuado pela recorrida à MI da ASR foi licito e liberatório, o dito efeito só poderia verificar-se, no limite, quanto à divida de capital, mas já não quanto à divida de juros de mora vencidos até àquela data (11/02/2011).

18. Tendo o tribunal a quo ignorado as conclusões 43 a 47 do recurso de apelação da recorrente, deve a nulidade decorrente da omissão de pronúncia ser julgada procedente, com as legais consequências.

19. A recorrente não discorda da matéria de facto dada como provada, discordando, contudo, da fundamentação de direito que consta da decisão recorrida.

20. Estamos perante um contrato de factoring quando “uma das partes – denominada facturizado – transfere ou se obriga a transferir ao outro contraente – o fator – a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais a curto prazo (30, 90 ou 180 dias), presentes ou futuros, resultantes da venda ou prestação de serviços, da totalidade ou de parte (indicada no contrato) dos seus clientes”.

21. Com a notificação à ré/recorrida da existência do contrato de factoring e do seu conteúdo, ficou esta, na qualidade de debitor, obrigada a proceder ao pagamento, à recorrente, de todas as quantias de que a mencionada aderente era credora.

22. A cessão de créditos implicou a transmissão da titularidade ativa da relação obrigacional, mantendo-se, no entanto, a identidade do crédito transmitido, não obstante a substituição do titular, dado tratar-se de uma sucessão singular (na posição do credor) entre vivos.

23. A autora/recorrente adquiriu, assim, o direito à prestação debitória, tornando-se - após a celebração do contrato base - a verdadeira titular dos direitos transmitidos, nos termos e para os efeitos do artigo 582.º/1 do Código Civil.

24. Por via da cedência levada a cabo no âmbito do contrato de factoring, os créditos em apreço desapareceram da esfera jurídica da aderente ASR, antes

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mesmo de esta ser declarada insolvente.

25. Dos pontos 1, 6 e 6 (repetido) dos factos provados resulta que o contrato de factoring foi celebrado em 05/04/2004 e comunicado à recorrida em 16/02/2005, tendo-se transmitido, assim, pelos menos naquelas datas, os respetivos créditos da esfera jurídico-patrimonial da aderente para a esfera patrimonial da aqui recorrente.

26. É “irrelevante o pagamento feito ao cedente, realizado em momento subsequente à notificação da cessão de créditos, tendo, por isso, o devedor, sem prejuízo do direito que lhe assiste à repetição do indevido, que pagar o respetivo crédito à factor.” – cfr. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto (disponível em www.dgsi.pt) em 14/04/1997, no proc.º n.º 9731013. 27. O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação - ao credor ou ao seu representante - a que está vinculado, sendo que a prestação feita a terceiro não extingue a obrigação – cfr. artigo 762.º/1, 769.º e 770.º do Código Civil.

28. Face ao exposto, o pagamento efetuado pela recorrida à MI da ASR não teve efeito liberatório, uma vez que é a recorrente a legítima titular dos créditos em apreço.

29. Isso mesmo resulta, aliás, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora (disponível em www.dgsi.pt) em 19/11/2015, no âmbito do processo n.º 687/12.1TBABF-F.E1.

30. Não pode merecer acolhimento qualquer das conclusões a que chegou o tribunal a quo, nomeadamente porque não se compreende o raciocionio lógico que conduziu a parte delas e as demais padecem de um vicio grosseiro:

inconsistência cronológica.

31. Em primeiro lugar, o facto de a recorrente ter reclamado créditos no processo de insolvência da aderente (ASR) e de eles aí lhe terem sido reconhecidos não a impede de exercer os seus direitos contra a devedora (aqui ré/recorrida), nem implica qualquer aceitação de que aquele era, em detrimento de qualquer outro, o local indicado para o fazer.

32. Quanto muito, poderá concluir-se que o crédito reclamado pela recorrente no processo de insolvência da aderente ASR lhe foi ali indevidamente/

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33. Todavia, é incontornável que a reclamação de créditos apresentada pela recorrente no processo de insolvência da aderente não implicou o reingresso da titularidade do crédito na esfera jurídica da primitiva credora que o cedeu (a dita aderente), antes se mantendo na esfera jurídica da recorrente.

34. A recorrente não veio reclamar o seu crédito na presente ação pelo facto de o mesmo não ter sido objeto de pagamento no processo de insolvência da ASR, até porque a presente acção deu entrada juízo no dia 12/03/2014 e o rateio do processo de insolvência da aderente ASR apenas ocorreu 5 anos depois, ou seja, em 2019 – cfr. fls. 251-v a 261.

35. A recorrente não exerceu, por via da apresentação da reclamação de

créditos no processo de insolvência da aderente ASR, o seu direito de regresso contra a massa insolvente da dita aderente, nos termos da cláusula 12.ª/3 alínea a) do contrato de factoring, tanto mais que a reclamação de créditos foi deduzida muito antes (em 19/07/2007) da liquidação dos créditos pela

devedora à aderente (ocorrida em 11/02/2011) – cfr. pontos 8 e 17 dos factos provados.

36. A recorrente não estava obrigada, na sequência do pagamento ocorrido em 11/02/2011, a exercer o seu direito de regresso, por qualquer via, contra a MI da ASR, pois que da cláusula 12.ª/3 alínea a) do contrato de factoring resulta a atribuição de uma mera faculdade à recorrente, cabendo a esta decidir,

livremente, se pretende ou não exercê-la.

37. A recorrida sabia (e não podia ignorar) que o despacho que ordenou o pagamento à MI da ASR não era conforme o Direito.

38. Era a recorrida que devia, querendo, ter reagido ao referido despacho, sob pena de ter de efetuar o mesmo pagamento duas vezes.

39. A recorrente não estava obrigada a recorrer do despacho de 26/01/2011, do qual só tomou conhecimento, de resto, por força do email enviado pela recorrida ao seu mandatário, em 01/02/2011, uma vez que não figurava como parte no apenso “A” do processo, onde foi proferido aquele despacho – cfr. ponto 15 dos factos provados.

40. A recorrente não se considerou prejudicada pela decisão que ordenou o pagamento à MI da ASR, nomeadamente porque entendia – e não tinha razões para entender de outra forma – que, independentemente daquele despacho, o seu direito de crédito sobre a recorrida se mantinha intacto, cabendo a esta (caso decidisse não recorrer) repetir a prestação, nos termos do art.º 476/2 do

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CC, sem necessidade da prova do erro desculpável, porque inexigível no caso. 41. A decisão que ordenou o pagamento do crédito de capital à MI da ASR foi proferida num incidente do processo de insolvência, o que em nada interfere com a viabilidade da presente ação.

42. Não há ao contrário do que a decisão recorrida parece querer concluir -nem pode haver caso julgado entre aquela decisão e a presente ação – cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/02/2007, proferido no processo n.º 8147/2006-7.

43. “Aliás, nunca poderia verificar-se, quer a excepção de litispendência, quer a do caso julgado entre a presente acção e aqueloutro incidente, pela singela razão de que não estamos perante “causas”, mas sim, em face de uma causa e de um incidente suscitado numa outra.” - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/02/2007, proferido no processo n.º 8147/2006-7

44. Consequentemente, pode a autora/recorrente, em ação autónoma,

peticionar os créditos que não foram pagos, em devido tempo, pela recorrida. 45. Não existiu qualquer consentimento tácito da recorrente para que a

recorrida procedesse ao pagamento das quantias reclamadas à massa insolvente da ASR.

46. Da análise dos pontos 16 e 17 dos factos provados facilmente se retira que, tendo a recorrente tomado conhecimento da decisão em 01/02/2011, quando o pagamento foi realizado (em 11/02/2011) ainda estava em curso o prazo para qualquer interessado recorrer.

47. Para que fizesse algum sentido a conclusão de que a não interposição de recurso implicou um consentimento tácito da recorrente para que a recorrida pagasse à MI da ASR, impunha-se que à data do pagamento já estivesse

esgotado o prazo para recorrer, o que não se verificava.

48. É manifesto que a recorrente não consentiu (nem expressamente nem tacitamente) o que quer que fosse, tendo a recorrida efetuado o pagamento ainda antes do termo do prazo de reação de qualquer interessado.

49. Não pode uma ordem judicial, ainda para mais contrária ao direito e nos termos em que foi proferida, ter força suficiente para deitar por terra os efeitos produzidos pelo contrato factoring.

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50. A recorrida podia e devia ter-se recusado a cumprir a ordem judicial

emanada no processo de insolvência da ASR, porque ilegal, ou, no minimo, ter dela interposto recurso.

51. Face ao exposto, a recorrente não pode conformar-se com a decisão recorrida, pois que está em contraste com o estipulado no ordenamento

jurídico português – cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no dia 19/01/2017, no âmbito do processo n.º 187/12.0TBMGD.G1.S1.

52. Não estava a recorrente obrigada, de todo, a exercer qualquer direito de regresso sobre a MI da ASR, uma vez que da cláusula 12.ª/3 alínea a) do contrato de factoring resulta a atribuição de uma mera faculdade à

recorrente, cabendo a esta decidir, livremente, se pretende ou não exercê-la. 53. Mesmo admitindo, por mera hipótese, a teoria de que o pagamento

efetuado pela recorrida à MI da ASR teve natureza liberatória, a mesma só poderia verificar-se, no limite, quanto à divida de capital, mas já não quanto à divida de juros de mora vencidos até àquela data.

54. Resulta das faturas juntas com a petição inicial que os créditos cedidos no âmbito do contrato de factoring já se encontravam vencidos desde 08/03/2006, 11/03/2006, 11/06/2006, 08/07/2006, 13/07/2006, 12/08/2006, 14/09/2006 e 23/09/2006.

55. Assim, quando a recorrida efetuou o pagamento à MI da ASR (em

11/02/2011) estavam já vencidos juros de mora no montante de € 81.324,36, que (juntamente com os vencidos entre 11/02/2011 e a data de entrada da ação) também foram aqui peticionados.

56. A recorrida não pagou qualquer valor à MI da ASR a titulo de juros de mora.

57. Isto posto, ainda que se considere que pagamento efetuado à MI da ASR é liberatório quanto à divida de capital, deverá ser ordenado o prosseguimento dos autos para apuramento da responsabilidade da recorrida pelo pagamento dos juros de mora peticionados, nomeadamente os que se venceram entre a data de vencimento dos créditos cedidos e o momento do pagamento do correspondente capital à MI da ASR.

58. De todo o exposto resulta que a decisão recorrida violou e fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 405.º, 406.º, 473.º, 476.º, 577.º, 582.º, 583.º, 762.º, 769.º, 770.º e 805.º do Código Civil.

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59. Destarte, deve ser revogada a decisão recorrida (que confirmou a

absolvição da ré/recorrida do pedido, ainda que com fundamentação distinta) e substituída por outra que, considerando que o pagamento efetuado pela recorrida à MI da ASR não foi liberatório, ordene o prosseguimento dos autos e/ou condene a ré no pagamento à autora da soma de € 306.801,42, sendo € 181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora vencidos até à data de entrada da ação, acrescida dos juros de mora vencidos desde então.

Termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida (que confirmou a absolvição da ré/recorrida do pedido) e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos e/ou condene a ré no pagamento à autora da soma de € 306.801,42, sendo € 181.183,32 de capital e € 125.618,10 de juros de mora vencidos até à data de entrada da ação, acrescida dos juros de mora vencidos desde então.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

1º - Em 05.04.2004, no exercício da respectiva actividade comercial, o autor celebrou com a sociedade António Simões Rodrigues & Filhos, Lda, um

contrato de factoring (n.° 04...02), mediante o qual esta cedeu àquele todos os créditos provenientes das suas transações comerciais (doc. 1 junto com a p.i. -fls. 18 a 24).

2º - Ficou então estabelecido que a cessão processar-se-ia mediante a entrega ao autor de propostas de cessão de créditos, acompanhadas dos

comprovativos da natureza da operação efetuada, isto é, os créditos cedidos deveriam estar titulados por documentos normalmente utilizados na prática

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comercial, como facturas ou notas de débito (cláusula 3ª do doc. 1 junto com a p.i. -fls. 25 a 26).

3º - A efectiva transferência dos mesmos concretizar-se-ia com a aceitação expressa, pelo autor, das propostas de cessão de créditos que lhe fossem apresentadas (cláusula 5ª n° 1 do doc. 1 junto com a p.i. - fls. 18 a 24).

4º - As partes concordaram ainda na existência de uma conta-corrente única para a totalidade das operações emergentes do referido contrato, mesmo que tais operações fossem de contabilização distinta, por razões de ordem prática (cláusula 6ª, n.° 1 do doc. 1 junto com a p.i. - fls. 18 a 24).

5º - Entre outros, a insolvente apresentou ao autor diversas propostas de cessão de crédito que detinha sobre a "EP - Estradas de Portugal, EPE". 6º - O autor comunicou à "EP - Estradas de Portugal, EPE", em 15.02.2005, que os pagamentos dos créditos que a "António Simões Rodrigues & Filhos, Lda" sobre ela detinha deveriam ser realizados directamente ao autor, informando-a, ainda, que as correspondentes facturas apenas seriam

consideradas liquidadas através deste procedimento (doc. 2 junto com a p.i. -fls. 25 a 26).

6º (repetido pela 2.ª vez). Aquela comunicação foi recebida pela "E.P

-Estradas de Portugal, E.P.E.", em 16.02.2005 (doc. 2 junto com a p.i. - fls. 25 a 26).

7º - Por sentença proferida em 09.03.2007 foi declarada a insolvência da

sociedade "António Simões Rodrigues & Filhos, Lda" (doc. 19 junto com a p.i. -fls. 64 a 65; e -fls. 149 a 155).

8º - Em requerimento datado de 19.07.2007, o aqui autor deduziu reclamação de créditos no processo de insolvência referido, com respeito aos créditos objecto de cessão (fls. 193 e segs., em particular 196-v a 198).

9º - Por carta datada de 31.07.2007, o Administrador de Insolvência comunicou ao aqui autor que a reclamação de créditos "não obteve

reconhecimento (...) por se considerar não se tratar de um crédito efectivo, tal como foi reclamado, não se achando fundamentação face aos documentos juntos, conforme estipula o art. 128° do CIRE" (fls. 193 e segs., em particular fls. 198-v).

10º - Em requerimento datado de 16.08.2017, o aqui autor impugnou a lista definitiva de créditos, nos termos dos n°s 1 e 2 do art. 130° do CIRE (fls. 193 e

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segs., em particular fls. 194 a 196).

11º - Em sentença proferida a 05.09.2008, no apenso C do processo de

insolvência, o crédito reclamado pelo aqui autor foi reconhecido pelo valor de € 176.037,75, e graduado como crédito comum (fls. 193 e segs., em particular fls. 200 a 216-v).

12º - Consta de requerimento dirigido pelo Administrador de Insolvência da massa insolvente de "António Simões Rodrigues & Filhos, Lda" ao processo de insolvência, na data de 20.01.2011, e que foi junto aos respetivos autos a fls. 51 a 52 dos mesmos:

“A “EP - Estradas de Portugal, S.A." confirmou a existência duma dívida no valor de 229.663,24 €.

No entanto, e porque parte dessa dívida (145.104,03 €) respeita a facturação cedida em factoring, entende aquela entidade que esta importância não é devida à massa insolvente - cfr. cópia do ofício que junta (doc. 2).

É entendimento do signatário que, por força do disposto no art. 116° do CIRE, tal pagamento deve ser efectuado à massa insolvente. Porém, apesar de o diligenciar, não obteve vencimento desta interpretação junto daquela empresa.

Nestes termos, requer a V. Exa. se digne mandar notificar a “EP - Estradas de Portugal,S.A.", GJUR - Gabinete Jurídico, para que proceda ao pagamento da importância em dívida (229.663,24 €) à Massa Insolvente de António Simões Rodrigues & Filhos, Lda., por meio de transferência bancária para o NIB 0035 0255 0023 7761 7302 9" (doc. 1-A junto com a cont. - fls. 91 a 92).

13º - No âmbito do mesmo processo, foi proferido despacho em 26.01.2011 com o seguinte teor:

“Fls. 51 - Notifique a “EP - Estradas de Portugal, S.A." para proceder ao pagamento do montante em dívida à massa insolvente (€ 229.663,24), para tanto procedendo ao depósito, no prazo de 10 dias, na conta com o NIB identificado a fls. 52." (doc. 20 junto com a p.i. - fls. 66; e fls. 149 a 155). 14º - O despacho aludido foi notificado à ré por carta datada de 28.01.2011 (doc. 1 junto com a cont. - fls. 89 a 90).

15º - E não foi notificado ao aqui autor, uma vez que este não figurava como parte

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no apenso A do processo, onde foi proferido aquele despacho (fls. 149 a 155). 16º - Em comunicação eletrónica datada de 01.02.2011, a ré deu

conhecimento ao autor do despacho aludido (docs. 2 e 3 juntos com a cont. -fls. 93 a 96).

17º - Em 11.02.2011 a ré procedeu ao pagamento ordenado naquele despacho (docs. 4 e 5 - fls. 97 a 98).

18º - No âmbito da liquidação a que se procedeu nos autos de insolvência referidos, o autor nada recebeu por conta do seu crédito, tendo o processo sido encerrado (fls. 251-v a 261).

19º A IP – INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA, sucedeu à aqui ré EP -Estradas de Portugal, E.P.E. – Aditado pela Relação a fls 300 vº.

B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, são as seguintes:

- Nulidade do acórdão; - A questão de direito. NULIDADE DO ACÓRDÃO

A autora, ora recorrente, alega que o acórdão é nulo, por omissão de

pronúncia, nos termos do artigo 615ºnº 1 alª d) do CPC e impugna a referida decisão por ter ocorrido erro de interpretação, aplicação e determinação das normas aplicáveis ao caso, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 674º do CPC.

Cumpre decidir.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:

(14)

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3…”.

Dispõe o artigo 615° n°1, alínea d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse

apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja

prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis[1] " São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração,

argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou

fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os

fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".

Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[2].

Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que

oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros. O

(15)

conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[3].

Tomadas estas considerações, diremos que a arguida nulidade é

manifestamente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais do que uma simples consideração ou argumento lateral produzido pelo

recorrente, sem qualquer interesse para a boa decisão da causa.

Foram especificados os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva do acórdão, que não são contraditórios com este, e houve pronúncia sobre todas as questões que cumprira conhecer, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia.

Para tal conclusão basta percorrer o acórdão na sua forma e substância, pelo que se indefere a pretendida nulidade.

Por outro lado, e finalmente, as questões resolvidas no acórdão recorrido que a apelante, ora recorrente, submeteu à apreciação do Tribunal da Relação, prejudicaram a decisão sobre a questão ora levantada, ou seja, as que estavam contidas nas conclusões 43ª a 47ª da apelação, em conformidade com o

disposto no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil.

A QUESTÃO DE DIREITO

A actividade parabancária de factoring só teve em Portugal regulamentação própria com o DL nº 56/86, de 18.05, desenvolvido pelos Avisos do Banco de Portugal nº 5/86, de 18 de Abril e 4/91, de 25 de Março, a qual está agora prevista no DL nº 171/95, de 18.07.

Esta actividade caracteriza-se essencialmente pela aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços – artº 2º nº 1 do DL nº 171/95.

Tem sido muito discutida a natureza do contrato de factoring que, não sendo simples, mas complexa, se aproxima, conforme a respectiva modalidade, do contrato de compra e venda de créditos, do contrato de comissão para cobrança de créditos e do contrato de mútuo.

A doutrina tem entendido que o contrato de factoring, incluindo embora elementos de todos ou de alguns dos referidos contratos, assume

(16)

individualidade e função próprias e autonomia em relação àqueles tipos contratuais, e que se configura como atípico misto, de conteúdo e causa variável, complexa e unitária, periodicamente realizável[4].

O escopo fundamental da cessão de créditos no âmbito do contrato de factoring é determinante do quadro de obrigações dele decorrentes para o “Factor” e para o “Aderente”.

O legislador português, no âmbito da disciplina das chamadas sociedades de “factoring” prevista no Decreto-Lei nº 179/95, de 18 de Julho, limitou-se, outrossim que atribuir-lhe um “nomen iuris”, a delimitar genericamente o objecto (mediante a definição de actividade de cessão financeira ou

“factoring”: cf. artº 2º, nº 1 e a estabelecer alguns aspectos mínimos de regime jurídico daquele contrato (arts 7º e 8º)[5].

A cessão de créditos é susceptível de ocorrer na vertente pro solvendo ou pro solutum, ou seja, conforme o factor não assuma ou assuma o risco de

insolvência ou incumprimento por parte do devedor.

No primeiro caso, a intervenção do “Factor” limita-se à cobrança extrajudicial dos créditos cedidos e, se ela não tiver êxito, é o “Aderente” reintegrado nos seus direitos de crédito, naturalmente com a faculdade de exigir o respectivo pagamento ao devedor.

No segundo, o “Factor” paga ao aderente o valor dos créditos cedidos ainda que não cobrados, sem prejuízo, todavia, da compensação do montante das suas comissões de factoring, de garantia e das quantias que haja adiantado ao segundo e juros, conforme os casos[6].

Dir-se-á, por um lado, de acordo com as funções dos concretos contratos de factoring celebrados pelas partes, se distingue entre a cessão financeira própria e a cessão financeira imprópria.

E, por outro, que, na cessão financeira própria, o risco do incumprimento do terceiro devedor é transferido para o “Factor” e, na segunda, não há

transferência do risco, ou porque o “Factor” só paga ao “Aderente” após a boa cobrança do crédito, ou porque, no caso de incumprimento pelo devedor, o primeiro fica com o direito de regresso contra o “Aderente”. Nessa óptica, na cessão financeira ou factoring impróprios não há, rigorosamente, cessão de créditos, mas mútuo com restituição atípica ou mandato[7].

(17)

a) uma das partes, conhecida por factor, cobra créditos da contraparte (a que podemos chamar cliente) nascidos de vendas de bens ou serviços feitos por esta; por este serviço de cobrança, o cliente paga uma quantia calculada em função do valor dos créditos que indica para cobrança;

b) o factor entrega ao cliente, mediante solicitação deste, quantias

correspondentes ao valor dos créditos a cobrar, não aguardando a data do respectivo vencimento; esta antecipação de fundos tem como contrapartida o pagamento de juros;

c) o factor, também mediante solicitação do ciente, assume o risco de os créditos a cobrar não serem pagos, assunção de risco essa que é obviamente também remunerada (ainda que essa remuneração possa não ser discriminada relativamente à do serviço de cobrança)».

O contrato de factoring traduz-se, pois, num negócio jurídico que se baseia na cessão de créditos, eventualmente, futuros, pelo que, na ausência de cláusulas contratuais e no silêncio do DL nº 171/95, são-lhe aplicáveis as regras da

cessão de créditos (arts 577º e seguintes do CC:), nomeadamente, a

desnecessidade de consentimento do devedor, salvo excepções (artº 577º nº 1); a sucessão do factor na titularidade dos créditos cedidos (artº 582º); a eficácia perante o devedor (artº 583º); oponibilidade ao factor das excepções fundadas na relação subjacente, quando ocorridas antes da notificação da cessão (artº 585º); inoponibilidade pelo devedor (cedido) das excepções atinentes ao negócio da cessão, por este ser para ele res inter alios acta (princípio da relatividade dos contratos).

Segundo o acórdão do STJ de 21.03.2019[9]:

“O contrato de factoring é celebrado pelas partes para obtenção de uma cobrança eficiente dos créditos, garantia do risco dos mesmos créditos e um financiamento pelo factor.

Na verdade, como contrapartida da transmissão dos créditos, surgem

prestações do factor, que podem ter, função de financiamento, ou seja, o factor antecipa à empresa cedente os (ou grande parte dos) valores dos créditos, assim a financiando; função administrativa de prestação de serviços, isto é, o factor administra e cobra os créditos adquiridos, assim facilitando aos

aderentes a correspondente mobilização e alívio da sobrecarga administrativa para o efeito necessária; função de assunção dos riscos de cobrança dos

(18)

insolvência do devedor, neste sentido, Calvão da Silva, ob. cit., página 430, Teles de Menezes Leitão, in, Cessão de Créditos, página 518; e Menezes Cordeiro, in, Manual de Direito Bancário, página 581.

O contrato de factoring pode ser celebrado na modalidade “sem recurso” (próprio), ou na modalidade “com recurso” ou direito de regresso (impróprio), sendo que na primeira modalidade, o factor assume o risco de insolvência ou de não cumprimento por parte do devedor, e pode exigir o respectivo

pagamento ao devedor que era do aderente (factoring pro soluto), ao passo que no factoring impróprio, o factor não assume esse risco, pois, o cedente garante a solvência dos devedores cujos créditos foram cedidos, importando um factoring pro solvendo, pelo que, terá o cliente de reembolsar o factor em caso de não pagamento pelo devedor, o que implica que no factoring

impróprio a função del credere fica excluída, neste sentido, Teles de Menezes Leitão, ob. cit., página 512; e Menezes Cordeiro, ob. cit., página 580”.

Alguns factos nucleares são aqui chamados para uma melhor compreensão da solução do caso sub judice.

Assim, provou-se que:

- O contrato de factoring foi celebrado em 05.04.2004 entre o banco autor “factor” e a sociedade António Simões Rodrigues e Filhos”, Ldª “aderente” – Facto provado nº 1.

- Por sentença proferida em 09.03.2007 foi declarada a insolvência da sociedade "António Simões Rodrigues & Filhos, Lda - Facto provado nº 7. - Em requerimento datado de 19.07.2007, o aqui autor deduziu reclamação de créditos no processo de insolvência referido, com respeito aos créditos objecto de cessão - Facto provado nº 8.

- Em requerimento datado de 16.08.2017, o aqui autor impugnou a lista definitiva de créditos, nos termos dos n°s 1 e 2 do artº 130° do CIRE - Facto provado nº 10.

- Em sentença proferida a 05.09.2008, no apenso C do processo de

insolvência, o crédito reclamado pelo aqui autor foi reconhecido pelo valor de € 176.037,75, e graduado como crédito comum - Facto provado nº 11.

(19)

- No âmbito do mesmo processo, foi proferido despacho em 26.01.2011 com o seguinte teor:

“Fls. 51 - Notifique a “EP - Estradas de Portugal, S.A." para proceder ao pagamento do montante em dívida à massa insolvente (€ 229.663,24), para tanto procedendo ao depósito, no prazo de 10 dias, na conta com o NIB identificado a fls. 52." - Facto provado nº 13º.

- O despacho aludido foi notificado à ré por carta datada de 28.01.2011- Facto provado nº 14º.

- E não foi notificado ao aqui autor, uma vez que este não figurava como parte

no apenso A do processo, onde foi proferido aquele despacho - Facto provado nº 15º.

- Em comunicação eletrónica datada de 01.02.2011, a ré deu conhecimento ao autor do despacho aludido - Facto provado nº 16º.

- Em 11.02.2011 a ré procedeu ao pagamento ordenado naquele despacho Facto provado nº 17º.

- No âmbito da liquidação a que se procedeu nos autos de insolvência referidos, o autor nada recebeu por conta do seu crédito, tendo o processo sido encerrado Facto provado nº 18º.

Ora, o autor optou por reclamar os seus créditos – decorrentes da cessão acordada - naquele processo de insolvência (8º) e os mesmos ali foram verificados e graduados como créditos comuns (11º). Assim, o autor aceitou que o local próprio para o fazer era no processo de insolvência, com todas as consequências legais daí decorrentes.

Como bem refere o acórdão recorrido, após a aqui autor ter sido notificada pela aqui ré (16º) do teor do despacho referido em 13º dos factos provados, sem que tenha reagido ao mesmo, nomeadamente pela interposição do competente recurso, como terceiro interessado que era, acabou por

tacitamente aceitar que o pagamento realizado pela ré à massa insolvente tivesse natureza liberatória – Pontos 8 a 13 e 16 dos Factos Provados. Por conseguinte, o autor deu o seu consentimento tácito para que a ré

procedesse ao pagamento das quantias aqui reclamadas à massa insolvente – (17º).

(20)

Com tal consentimento tácito, como bem observa o acórdão recorrido, em notável síntese e que não deixa margem para outros argumentos, não assiste ao autor o direito de, em acção autónoma, voltar a reclamar tal crédito junto da ré, crédito que se encontra integralmente satisfeito.

O crédito reclamado pelo autor no processo de insolvência, como consta da sentença de graduação de créditos de 05.09.2008, foi reconhecido pelo valor de € 176.037,75 e graduado como crédito comum – Vol I, fls 214 - (11º). Assim sendo, como decidiu acertadamente o acórdão recorrido, proferida que foi a sentença de graduação de créditos no âmbito do apenso da insolvência, que não foi objecto de reclamação, conforme consta da documentação junta aos autos, não pode já o autor vir, em acção autónoma, reclamar esse mesmo crédito, independentemente do facto de o mesmo ali não ter sido objecto de satisfação, por o valor para rateio se ter esgotado no pagamento dos créditos garantidos e privilegiados – Cfr Mapa do Rateio de fls 253 a 259.

Com efeito, e como bem refere a ré nos seus artigos 16º, 18º, 19º e 20º da contestação, “o pagamento efectuado pela ré à massa insolvente da ASR, em cumprimento do ordenado pelo tribunal (…) tem de ser julgado como

liberatório da dívida da ré sobre os mesmos” – 16º.

“Posição esta reforçada pela previsão, na cláusula 12ª, nº 3, alínea a), do contrato de factoring (…), do direito de regresso do factor, o aqui autor, sobre o aderente, a ASR, sendo este solidariamente responsável com o devedor, a ré, pelos créditos cedidos, sempre que o devedor liquide directamente ao

aderente os créditos cedidos ao factor” – 18º.

“Assim, entendendo o autor ter ficado prejudicado, com a ordem judicial

referida em cumprimento da qual a ré pagou os créditos cedidos directamente ao aderente, à sua massa falida, e tendo-se conformado com essa decisão judicial, deveria o autor exercer o seu direito de regresso previsto no contrato de factoring indicado e exigido antes à massa falida as quantias em causa” – 19º.

Concluindo, como no acórdão recorrido, não tendo o autor, recorrente, reagido à decisão que determinou que a ré procedesse ao pagamento da quantia aqui em causa à massa insolvente, e de que teve conhecimento em 01 de Fevereiro de 2011 – pagamento que viria a ocorrer em 11 de Fevereiro de 2011 -,

(21)

tornou-se definitiva essa determinação, o que o impede de, em acção autónoma, vir novamente reclamar esse mesmo pagamento.

Deste modo, improcedem todas as conclusões das alegações do recorrente.

SUMÁRIO

(i) - A actividade parabancária de factoring só teve em Portugal

regulamentação própria com o DL nº 56/86, de 18.05, desenvolvido pelos Avisos do Banco de Portugal nº 5/86, de 18 de Abril e 4/91, de 25 de Março, a qual está agora prevista no DL nº 171/95, de 18.07.

(ii) - Esta actividade caracteriza-se essencialmente pela aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços – artº 2º nº 1 do DL nº 171/95.

(iii) - O contrato de factoring traduz-se, pois, num negócio jurídico que se baseia na cessão de créditos, eventualmente, futuros.

(iv) – Optando o autor (“factor”) por reclamar os seus créditos – decorrentes da cessão acordada - no processo de insolvência da “aderente” e tendo os mesmos ali sido verificados e graduados como créditos comuns, o autor aceitou que o local próprio para o fazer era no processo de insolvência, com todas as consequências legais daí decorrentes.

(v) – Não tendo o autor, recorrente, reagido à decisão que determinou que a ré (“devedora”) procedesse ao pagamento da quantia aqui em causa à massa insolvente, e de que teve conhecimento em 01 de Fevereiro de 2011 – pagamento que viria a ocorrer em 11 de Fevereiro de 2011 -, tornou-se definitiva essa determinação, o que o impede de, em acção autónoma, vir novamente reclamar esse mesmo pagamento.

III - DECISÃO

Atento o exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

(22)

Lisboa, 26.11.2020

Ilídio Sacarrão Martins (Relator) Nuno Manuel Pinto Oliveira Ferreira Lopes

_________

[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 143. Cfr. Ac.STJ de 7.7.94, in BMJ n° 439, pág. 526 e de 22.6.99, in, CJ STJ II/1999, pág. 161 e da RL de 10.2.2004, in CJ I/2004, pág. 105.

[2] Ac. STJde 21.12.2005, in www.dgsi.pt/jstj.

[3] Ac. STJde 8.3.2001, in www.dgsi.jstj/pt.

[4] Mafalda Oliveira Monteiro, “ O Contrato de Factoring em Portugal”, Porto, 1996, págs 89 e 90.

[5] José Engrácia Antunes, “Direito dos Contratos Comerciais”, Almedina, 2017, pág. 521.

[6] Autora e ob cit, pág 50 e 51.

[7] Menezes Cordeiro, “Da Cessão Financeira (Factoring), Lisboa, 1994, pág 85.

[8] Notas sobre o Contrato de Factoring, Novas Perspectivas do Direito Comercial, Coimbra, 1988, pag. 144.

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