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Objectivo: Timor. Portugal, Timor e a guerra no Pacífico ( ) Filipe Ramires

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3 de Setembro de 1939, perante a guerra que acabava de ser declarada na Europa, o governo de Salazar lançou um comunicado afirmando que lamentava a evolução dos acontecimentos num teatro de guerra «longínquo» e que, apesar da sua aliança secu-lar com a Grã-Bretanha, Portugal não se sentia obrigado a abandonar a sua posição neu-tral. Seria de esperar que Portugal, assim como todas as suas possessões ultramarinas, fossem respeitados pelos blocos beligerantes; porém, em poucos anos, a mais remota das suas colónias, Timor, acabaria por não escapar às devastações da guerra mundial. Na sua obra clássica, Clausewitz dizia que para existir a paz é necessário um equilíbrio de forças (militares e diplomáticas), e que uma vez rompido esse equilíbrio um Estado não tem como escapar às hostilidades. Os eventos militares no Pacífico iriam mostrar a validade da máxima clausewitziana à elite governante do Estado Novo. De 17 de Dezem-bro de 1941 a 23 de SetemDezem-bro de 1945, a ilha de Timor foi dominada por dois blocos beli-gerantes alheios àquele território. Em nenhuma ocasião, durante esse período, regressou à soberania portuguesa.

Com este artigo pretende-se uma resumida aproximação aos aspectos militares e das relações internacionais que envolveram o caso de Timor. Numa primeira fase procura-remos interpretar a inevitabilidade das invasões do território, as justificações dos beli-gerantes e o modo como tais operações influenciaram o desenrolar da guerra. Em segundo lugar tentaremos enquadrar o caso de Timor no âmbito da II Guerra Mundial, especialmente no teatro de operações do Pacífico. E, por fim, examinaremos a

envol-vente diplomática da questão e como isso acabou por conduzir ao acordo dos Açores1.

TIMOR ÀS PORTAS DA GUERRA

O progressivo expansionismo japonês pelo Extremo Oriente ao longo dos anos 30 levou a que os Aliados e os Estados Unidos tomassem medidas a fim de obstruir os avanços nipónicos. Uma política de embargos e de sanções impostas ao Império do Japão levou à hostilização do mesmo e à adopção de uma política agressiva de conquistar os pontos

P O L Í T I C A E X T E R N A P O R T U G U E S A

Objectivo: Timor

Portugal, Timor e a guerra no Pacífico

(1941-1945)

Filipe Ramires

A paz é mantida pelo equilíbrio de forças, e continuará apenas enquanto esse equilíbrio existir, e nem um momento mais.

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onde se encontravam os materiais essenciais à sobrevivência do Japão (petróleo, borra-cha, minérios, entre outros). Antes mesmo do início das hostilidades com o Japão, e com a Holanda subjugada pela Alemanha desde a Primavera de 1940, os Aliados já se haviam apercebido da precária situação estratégica a leste de Java. Sendo Portugal, a potência administrante de Timor Oriental, previsivelmente incapaz de se defender de uma agres-são nipónica, cedo os Aliados fizeram saber do seu interesse em defender a ilha. Em finais de 1940, o governo de Churchill decide fazer uma primeira abordagem ao assunto junto do Governo português. Coube ao embaixador britânico em Lisboa, Sir Ronald Campbell, procurar averiguar a posição do Estado Novo sobre a matéria. Oliveira Sala-zar optou por uma posição defensiva, embora admitindo aceitar a ajuda da Grã-Bretanha se tal fosse considerado necessário. Os Aliados ficaram com a ideia de que poderiam actuar com alguma margem de manobra pois acreditam que eventuais negociações com Portugal decorreriam com celeridade. As pressões da Austrália e da Holanda vão porém reforçar o sentido de urgência do Governo britânico, admitindo-se mesmo que a situa-ção pudesse ter de ser resolvida sem o consentimento de Lisboa. A tomada de Timor pelos japoneses era considerada como uma séria ameaça para a Austrália e para as Índias Orientais Holandesas e os respectivos governos não estavam dispostos a retardar a adop-ção de medidas urgentes em nome da sensibilidade diplomática portuguesa.

A NECESSIDADE ESTRATÉGICA DOS ALIADOS

A 7 de Dezembro de 1941 estalou a guerra no Pacífico. O Japão avançou com a totalidade da sua máquina de guerra contra o Havai, Filipinas, Hong-Kong e Malásia. As derrotas aliadas sucederam-se e a perspectiva de uma derrocada geral pareceu muito real. O bloco aliado enfrentava uma guerra global contra o Eixo em várias frentes e encontrava-se maioritariamente desprevenido ou estrategicamente desestabilizado no Extremo Oriente. A blitzkrieg nipónica derrubou num curto intervalo de tempo várias possessões aliadas estando cada vez mais a aproximar-se dos territórios holandeses e, inevitavelmente, de Timor. As negociações com Portugal sobre a defesa de Timor tornaram-se urgentes, mas as conversações diplomáticas revelam-se demasiado lentas e problemáticas, pois Portu-gal queria que a defesa conjunta do território só fosse feita em caso de ataque directo ao mesmo. Os Aliados, conscientes da incapacidade de impedir a ocupação de Timor a par-tir do momento em que uma força japonesa significativa desembarcasse no território e tendo em conta as derrotas já sofridas noutros territórios no Pacífico, começam pro-gressivamente a afastar a hipótese de ter o aval do Estado Novo para actuar livremente. Os esforços do embaixador Armindo Monteiro em Londres junto do Foreign Office reve-lam-se infrutíferos pois, aparentemente, os Aliados já estavam a mover os seus próprios meios e a manter Portugal afastado do assunto. Sem o conhecimento de Lisboa os Alia-dos ultimavam os planos para uma ocupação preventiva do território. Apesar de receo-sos das consequências que tal acto pudesse trazer nas relações com Portugal, o tempo esgotava-se e o Estado Novo não estava a colaborar da maneira esperada. A Austrália e a

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Holanda exerciam grandes pressões para que o assunto fosse resolvido com ou sem a colaboração portuguesa, e a Grã-Bretanha, receosa de alienar o regime de Salazar, pro-curava encontrar uma solução intermédia que a pressão dos acontecimentos ia mos-trando ser cada vez mais difícil de alcançar.

A 15 de Dezembro de 1941 o pânico instala-se definitivamente no Alto-Comando Aliado. Um suposto submarino japonês havia sido avistado ao largo de Timor. Era de esperar uma invasão iminente por parte dos japoneses, facto que não se iria concretizar nos pró-ximos dois meses e para o qual as forças nipónicas não estavam ainda preparadas. A opção pela ocupação preventiva é imperativa pois a única hipótese de defender o terri-tório é ter lá forças presentes. Os esforços

diplomáticos envidados pelos Aliados para chamar Portugal à razão falham pois Sala-zar mantém a sua posição inicial. Armindo Monteiro tinha de certa forma previsto o desenrolar dos acontecimentos pois

aper-cebera-se de como as pressões australianas estavam a modificar a atitude do Foreign Office a seu favor. De um dos altos funcionários do Foreign Office, Sir Orme Sergeant, ouvira o comentário: «I am afraid action has already been taken». No fundo, isto queria dizer que estava a ser tomada uma decisão unilateral por parte dos Aliados em relação a Timor, à revelia de Lisboa.

A OCUPAÇÃO ALIADA E O INTERLÚDIO DAS INVASÕES

Apesar da misteriosa aparição de um submarino japonês nas águas em redor de Timor as forças aliadas presentes na região já haviam recebido ordens para proceder com uma ocu-pação in loco da parte portuguesa de Timor, fosse qual fosse a posição do Governo portu-guês e do governador de Timor. No dia 14 de Dezembro, véspera do avistamento do submarino, as forças australianas estacionadas no Timor holandês receberam ordens do Quartel-General de Melbourne a fim de fazerem desembarcar a Sparrow Force em Díli. O cônsul britânico em Timor, David Ross, fora instruído para reunir com o governador Ferreira de Carvalho no dia 17 de Dezembro de manhã a fim de solicitar uma última vez que aceitasse a entrada das forças aliadas no território sem levantar qualquer oposição. Pouco tempo depois juntam-se à reunião os tenentes-coronéis W. E. C. Detiger (forças holande-sas em Timor) e W. W. Leggatt (forças australianas) que vêem na vanguarda da Sparrow

Force um meio de reforçar a necessidade estratégica dos Aliados junto de Ferreira de

Carva-lho. O governador de Timor afirma que não eram essas as instruções que tinha recebido de Lisboa pelo que solicita que lhe fosse concedido algum tempo a fim de comunicar com a metrópole e reunir com os seus oficiais. O primeiro pedido é indeferido pelos Aliados dada a urgência do assunto, mas consentem que seja efectuada a reunião com o seu staff. Porém, pelas nove e quarenta e cinco dessa manhã é recebido um telegrama de Lisboa que instrói o governador a resistir a qualquer operação levada a cabo no território. Contudo, em

A 15 DE DEZEMBRO DE 1941 O PÂNICO INSTALA-SE DEFINITIVAMENTE NO ALTO-COMANDO ALIADO. UM SUPOSTO SUBMARINO JAPONÊS HAVIA SIDO

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reunião com os seus oficiais e dada a superioridade numérica das forças aliadas, Ferreira de Carvalho entende que não se deve oferecer resistência ao desembarque. Solicita, porém, aos oficiais aliados que o desembarque não seja feito directamente em Díli pois por proto-colo teria que resistir a tal, mesmo que a título simbólico. Ferreira de Carvalho aproveita a reunião para apresentar o seu protesto contra tais procedimentos e comunica a Lisboa que perante tal ultimato e tal situação não podia levar a cabo as instruções ordenadas.

Pelas treze horas do dia 17 de Dezembro de 1941 a força australiano-holandesa composta por 380 homens da 2/2 Independent Company e por 1200 homens do Exército Holandês das Índias Orientais, apoiados pelo cruzador-blindado holandês Sourabaya, por mais um navio de transporte e por três aviões Hudson australianos, procederam ao desembarque numa praia a duas milhas e meia a leste de Díli, sem qualquer resistência. A liderar a força estavam o major australiano A. Spence e o tenente-coronel holandês Van Straten. De imediato tomaram o aeródromo e a estação de rádio avançando em simultâneo para Díli. Perante tal situação, Ferreira de Carvalho ordenou que fossem içadas bandeiras nacionais em todos os edifícios públicos e que fosse ordenada a não-colaboração por parte da população aos ocupantes tendo em vista a manutenção de uma postura neutral. Em Londres, Armindo Monteiro já estava informado da situação pelo que exprime a Salazar o seu receio de que tais acções pudessem originar represálias alemãs contra a Península Ibérica, no Atlântico Norte e no Norte de África. Não deixa porém de salientar que os britânicos continuam a pretender que seja efectuada com urgência uma confe-rência a fim de se negociar a situação da defesa da ilha. Salazar encontra-se com Ronald Campbell e exige explicações por parte do embaixador britânico acerca da responsabili-dade do acto. Campbell afirma que desconhece as razões que conduziram à realização das acções e sugere que se interrogasse o Foreign Office sobre o assunto, sugestão que Salazar acata. O Presidente do Conselho afirma ainda que suspeitava muito do envolvi-mento dos holandeses e dos australianos no caso e que, por enquanto, quaisquer

nego-ciações seriam adiadas indefinidamente2.

No próprio dia, com o objectivo de avisar o Japão do sucedido, Salazar instrói a Legação portuguesa em Tóquio para que fosse comunicado ao Governo japonês que as operações aliadas em Timor haviam sido realizadas sem o consentimento de Portugal e que, como

tal, não punham em causa a sua postura neutral3.

Entretanto, em Londres, Armindo Monteiro apresenta os protestos de Portugal contra os actos das forças aliadas em Timor. A resposta no Foreign Office é de indignação pois tendo em conta a aliança secular existente entre ambos os países, e o facto de que a Grã--Bretanha se encontrava «numa luta de vida ou de morte contra os seus inimigos», espe-rava alguma colaboração por parte de Lisboa. A suposta presença de forças japonesas na área e os compromissos da Aliança começavam a tomar a forma de desculpas ideais para justificar a operação4.

No dia 19 de Dezembro, perante os factos consumados, Oliveira Salazar expôs à Assem-bleia Nacional e ao país a situação de Timor, denunciando imediatamente os

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procedi-mentos das forças aliadas no território português. Comentou as conversações de 4 de Novembro entre membros do Foreign Office e representantes do Governo português acerca da situação estratégica no Pacífico e da defesa de Timor. Demonstrou a insistên-cia por parte dos Aliados em oferecerem forças para a protecção do território em ques-tão e as condições que Portugal impusera para tal colaboração. Finalizando, disse que o desembarque de tais forças acontecera sem autorização do Governo português que, indignado, entendera agora enviar reforços para a ilha a fim de assegurar a sua defesa adequada e exigir a saída das forças aliadas5.

Voltando a Timor, no próprio dia do desembarque os holandeses procederam de ime-diato ao aprisionamento de cidadãos de países do Eixo que habitavam na ilha; iniciaram trabalhos de fortificação das praias e construção de redutos de artilharia e controlo de estradas e de comunicações. Os australianos, por seu lado, especializados em activida-des de guerrilha, procederam imediatamente ao reconhecimento do terreno monta-nhoso em redor de Díli, facto que lhes ia ser bastante benéfico após o desembarque japonês. As forças militares portuguesas no território foram retiradas na sua grande

maioria de Díli para Aileu a fim de evitar potenciais confrontos com as forças aliadas6.

Ao longo do mês de Dezembro iriam continuar a chegar reforços australianos e holan-deses ao território. Estariam aproximadamente colocados naquele território português

perto de dois mil combatentes da Sparrow Force7.

Armindo Monteiro, em constante contacto com os ingleses, sugere a Salazar que seja revista a situação da aliança com a Grã-Bretanha sobre a situação em Timor, ou seja, havia que ter em conta uma possível substituição das forças aliadas por forças portu-guesas mas seria necessário saber antecipadamente a posição dos japoneses perante tal facto pois um eventual arrastamento da situação poderia levá-los a uma acção hostil8. Havia que obter garantias credíveis por

parte dos Aliados em como retirariam do território e em como continuariam a res-peitar a neutralidade e a integridade do

império português9. Salazar pretendia

resolver a situação enviando de facto um corpo expedicionário para Timor e no dia

20 de Dezembro começam a ser ultimados os preparativos nesse sentido. O corpo expe-dicionário iria partir de Moçambique e seria composto basicamente por uma companhia de Caçadores indígena, uma companhia de Engenharia e uma bateria de artilharia de campanha. Seriam transportados no transporte João Belo, que seria escoltado pelo aviso

Gonçalves Zarco.

Entretanto, a 21 de Dezembro, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão recebe um representante da Legação portuguesa em Tóquio. Foi demonstrada com-preensão por parte dos japoneses e foi dito que o respeito pela neutralidade portuguesa seria mantido. Contudo, esperavam que Portugal conseguisse solucionar a questão com

SALAZAR PRETENDIA RESOLVER A SITUAÇÃO ENVIANDO DE FACTO UM CORPO EXPEDICIONÁRIO PARA TIMOR E NO DIA 20 DE DEZEMBRO COMEÇAM A SER ULTIMADOS OS PREPARATIVOS

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brevidade pois caso contrário o Japão poderia ter de intervir10. Essa ameaça velada é reforçada dias depois num memorando que exprimia a posição oficial do Japão e no qual se salientava que caso persistisse a situação de se manterem presentes em Timor forças

aliadas, era de esperar que a Marinha Imperial Japonesa fosse forçada a tomar medidas11.

Salazar fica ao corrente da posição japonesa e com Armindo Monteiro procura o cami-nho mais viável para evitar a desestabilização do território. Ficara sublinhado no comu-nicado japonês que uma retaliação por parte dos nipónicos não estava posta de parte pelo que Salazar entende que não só se devem enviar reforços portugueses para a ilha mas também não dar completo fundamento a uma retirada total das forças aliadas no território. Por outras palavras, tentar levar a cabo o plano de defesa original no qual as forças portuguesas, em caso de ataque, poderiam solicitar a colaboração das forças alia-das na zona12.

Os atrasos no envio do corpo expedicionário português e o avanço imparável do Japão pelas Ilhas Orientais Holandesas vão todavia comprometer o desfecho idealizado por Salazar para a crise. A 26 de Janeiro é comunicado às facções beligerantes a largada do corpo expedicionário de Lourenço Marques, estando prevista a sua eventual chegada a

Timor entre 20 e 21 de Fevereiro13. Nesse mesmo dia a parte holandesa da ilha é atacada

pela primeira vez pelos japoneses, ocorrendo um ataque aéreo a Koepang – facto que levava à conclusão de que algo estaria para acontecer em breve no território sob sobera-nia portuguesa14.

O SOL NASCENTE EM TIMOR

No dia 19 de Fevereiro de 1942, o ministro do Japão em Lisboa, Chiba Shin Ichi, foi rece-bido no Ministério dos Negócios Estrangeiros a fim de entregar um comunicado oficial do seu Governo no qual dizia que, face às operações das forças aliadas no Timor portu-guês e devido à necessidade da expansão japonesa para sul, as forças imperiais viam-se na obrigação de expulsar o seu inimigo daquele território. O ataque não seria feito con-tra Portugal e a neucon-tralidade deste país seria respeitada se este entendesse mantê-la. As forças japonesas retirariam logo que atingidos os objectivos de legítima defesa. Contra Macau nenhuma represália teria lugar. Compreendiam os esforços do Governo portu-guês em resolver a questão mas esta havia-se arrastado e, para satisfazer as necessidades da guerra, a invasão tornara-se inevitável15. A situação repetia-se, mais uma vez, em mol-des bastante semelhantes aos da ocupação preventiva dos Aliados.

Na noite do dia 19 a força japonesa chegou ao largo de Timor e dividiu-se em duas partes, seguindo a maior para atacar a parte holandesa da ilha. Por volta da meia-noite de 19 para 20, após simbólica luta contra as defesas costeiras aliadas em Díli, os japoneses procede-ram ao desembarque na capital do território. Perto de um milhar de homens desembarca-ram naquele momento conquistando o aeródromo de Díli após sustentar algumas baixas

em combate com os australianos, avançando de imediato para a cidade16. Face à rapidez do

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que Ferreira de Carvalho ainda pensava ser possível uma junção de esforços para repelir o invasor. Isso acabou por não acontecer e as poucas forças portuguesas existentes em Díli

reuniram-se, prudentemente, ao grosso da companhia de Caçadores em Aileu17.

Salazar toma conhecimento dos factos através de um telegrama de Ferreira de Carvalho e da reunião com o ministro Chiba. De imediato instrói a delegação portuguesa em Tóquio para que seja lavrado um protesto junto das autoridades japonesas. Contudo, agora era essencial saber quais as possíveis atitudes que os japoneses poderiam ter com

a chegada iminente do CEPa Díli18. As esperanças portuguesas em resolver a questão de

Timor com o envio do CEPcomeçam a esmorecer pois a guerra é total naquela região e

dificilmente iria conseguir-se passagem segura dos navios para a ilha e mesmo chegado ao local o embate com as forças japonesas já estacionadas na ilha seria inevitável19.

Dadas tais circunstâncias é ordenado ao CEPque regresse a Lourenço Marques, o que

sucede apenas a 6 de Maio de 194220.

As operações militares entre os aliados presentes na ilha e os invasores japoneses iriam continuar até 10 de Fevereiro de 1943 data na qual evacuaram a ilha os últimos comba-tentes australianos. Entre a invasão japonesa e a evacuação aliada ocorreram várias recon-tros militares sendo os japoneses periodicamente surpreendidos pelas forças australianas em situações de emboscada. Desprovidos de mantimentos, os Aliados conseguem adqui-rir material para construir um aparelho de rádio suficientemente potente para contactar

Darwin a fim de solicitar apoio. Ficaria conhecido pelo «winnie, the war winner»21e com

ele iriam adquirir mantimentos, reforços e a capacidade de comunicar com Darwin e prestar informações importantes sobre a composição das forças japonesas na ilha. Os japoneses, por seu lado, vendo os seus esforços serem malogrados tiveram que mobilizar perto de 10 mil homens para Timor a fim de combater a ameaça da guerrilha aliada e ape-nas com a superioridade numérica e usando tácticas de levantamentos de população,

como as «colunas negras»22, e de circunscrição dos redutos aliados, é que conseguiram

pôr fim às actividades inimigas no terreno. Em Timor, durante esta campanha, perto de dois mil japoneses perderiam a vida contra a perda de aproximadamente 40 australianos. Por seu turno, o povo timorense e a população portuguesa europeia sofreriam os efeitos das «colunas negras» e das represálias das forças ocupantes.

TIMOR E A CAMPANHA DO PACÍFICO

Desde as ilhas Aleutas, passando por praticamente toda a latitude do oceano Pacífico, até às ilhas Salomão e daí longitudinalmente até à Birmânia, os japoneses construíram uma extensa linha de bases a fim de impedir os contra-ataques dos Aliados. Timor, a cerca de 500 milhas da costa norte da Austrália, e em conjunto com a Papua-Nova Guiné e as Salomão, tornou-se o território fronteiriço daquela parte do império do Japão. Por con-seguinte era necessária a presença de uma guarnição numerosa na ilha e a fortificação da mesma. As actividades de guerrilha aliada em Timor, e a falta de informação militar acerca das intenções dos aliados, colocaram o Alto-Comando japonês numa situação de

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grande ansiedade face à possibilidade de um futuro contra-ataque aliado em Timor, levando-o a mobilizar cerca de 30 mil homens para Timor, Amboino e para a parte oeste da Papua-Nova Guiné, numa altura em que os Aliados davam os primeiros passos para

as suas contra-ofensivas23.

Ao mesmo tempo que decorriam as opera-ções de reconquista dos Aliados, de 1943 a 1945, o flanco sul do império do Japão, composto pela Malásia, Bornéu e pelo vasto arquipélago das Índias Orientais Holandesas e ilhas em redor (incluindo Timor), ficou praticamente ileso às ofensi-vas aliadas e assim ficaria até terminada a guerra. Por conseguinte, a concentração de tantos meios militares nestes pontos, devido essencialmente às exigências da ocupação militar japonesa e aos receios do seu Alto-Comando, levou a que não fossem mobiliza-dos para os pontos fulcrais da guerra no Pacífico os mesmos meios que poderiam, de alguma forma, ter alterado o decurso da guerra ou pelo menos ter atrasado por alguns meses a vitória dos Aliados no Pacífico. Timor, com a sua guarnição exagerada de 15 mil--20 mil efectivos, consumia demasiados meios passivamente que, em qualquer outro dos pontos estratégicos, poderiam ter sido usados mais activamente. De certa forma, a imobilização destes meios em Timor iria contribuir eventualmente para a derrota mais rápida do Japão. Os erros estratégicos dos japoneses, o sentido de oportunidade geográ-fica e a supremacia material dos Aliados consolidariam a vitória total das Nações Unidas no Pacífico a 2 de Setembro de 1945.

A LUTA DIPLOMÁTICA PARA A RECONQUISTA DO TERRITÓRIO

A 21 de Maio de 1942, apesar de se viverem intensos combates em Timor, o Governo aus-traliano emitiu um comunicado a afirmar que já não existiam naquele território português forças aliadas a combater. Salazar, privado de um conhecimento exacto dos factos, enten-deu que o processo de retorno de Timor à soberania portuguesa poderia estar para breve. A ausência de forças aliadas em Timor não deixava quaisquer pretextos para a manuten-ção das forças japonesas no local, pelo que seria de esperar que estas retirassem do terri-tório. Contudo, era de esperar que os japoneses não honrassem tal compromisso. Os Aliados reforçam esta teoria ao saberem da proposta de Salazar pois consideram inviável

o projecto sabendo à partida que não seria cumprido pelos japoneses24. Os australianos,

muito reticentes em relação ao assunto, declinam a proposta com o apoio do Dominions Office em Londres e do Governo holandês, pois o projecto implicava que as forças japo-nesas retirassem para o Timor holandês e a rendição das forças aliadas no terreno, ou a sua evacuação – o que a longo prazo seria problemático pois era incerto se os japoneses voltariam ou não a atacar o território português. Incrivelmente, os japoneses tomaram

também eles conhecimento da proposta de Salazar e igualmente a rejeitam25.

AS ACTIVIDADES DE GUERRILHA ALIADA EM TIMOR, E A FALTA DE INFORMAÇÃO MILITAR ACERCA DAS INTENÇÕES DOS ALIADOS, COLOCARAM O ALTO--COMANDO JAPONÊS NUMA SITUAÇÃO DE GRANDE ANSIEDADE FACE À POSSIBILIDADE DE UM FUTURO CONTRA-ATAQUE ALIADO EM TIMOR.

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Salazar começa a ficar sem opções para solucionar o assunto. Os Aliados são informa-dos por Campbell de que o desespero se instalara no seio do Governo português e que medidas drásticas relativas ao Japão e ao envolvimento de Portugal no conflito poderiam estar para breve. Era ponderado um corte nas relações luso-japonesas e uma eventual

declaração de guerra ao Japão por parte de Portugal. Contudo, no FOencara-se tal acção

vantajosa para o teatro de operações do Pacífico mas com sérias implicações na Europa, pois certamente haveria retaliações por parte da Alemanha. No entanto, os Joint Chiefs

of Staff pareciam estar mais confiantes do que o FOe procuravam assegurar que se

Por-tugal entrasse na guerra fosse ao lado dos Aliados26.

Ao longo de 1943 o Governo português vai tomando conhecimento da real situação em Timor através das informações reportadas pelo cônsul Laborinho, em Sydney27. Tais informações incluíam a desistência dos japoneses em usar Timor como base de ataques contra a Austrália, mas estando os japoneses em posse do território o cônsul considerava essencial não abandonar de todo as negociações com Tóquio a fim de garantir a liberta-ção da parte portuguesa da ilha. Se tais negociações falhassem, então seria de procurar uma aproximação aos Aliados. Salazar demonstra-se disponível para proceder a uma ope-ração conjunta com os Aliados para a reconquista da ilha. Os altos-comandos aliados agradecem mas continuam sem perder de vistas eventuais retaliações na Europa e até

mesmo em Macau. No FOentende-se que seria melhor deixar o assunto desvanecer-se

pois os riscos de tal operação poderiam ser maiores do que o esperado, para além de que a disponibilidade apresentada por Salazar poderia ser bastante vacilante. A única vanta-gem que o arrastar de Portugal para a guerra na Europa poderia trazer seria o pretexto de

os Aliados poderem a partir de então tomar para si as ilhas portuguesas no Atlântico28.

O interesse dos Aliados nos arquipélagos atlânticos acabou por ser o caminho para a «libertação» de Timor, mas nos inícios de Junho de 1943 isso ainda não estava em cima da mesa. Apenas a 16 de Junho o Governo britânico entrega às autoridades portuguesas uma nota com o fim de obter facilidades e bases no arquipélago dos Açores, ao abrigo da aliança secular entre os dois países.

Eram dadas como garantias a retirada das forças das ilhas assim que cessassem as hostilidades e a manutenção da integri-dade do império português pela Grã-Bre-tanha e pela África do Sul. Salazar aprecia a proposta e apresenta-se disposto a um

potencial envolvimento a tal nível desde que fosse elaborado um plano para a libertação de Timor, no qual Portugal teria de participar, e o reconhecimento da soberania imperial portuguesa pela Austrália. Churchill é informado por Eden da posição de Salazar e, tendo em vista os precedentes das relações luso-australianas no assunto, entende que se deve solicitar aos australianos tal reconhecimento. Entretanto, também os Estados

Uni-dos apresentam o seu aval pela garantia da soberania portuguesa29. A 5 de Julho os

aus-O INTERESSE Daus-OS ALIADaus-OS Naus-OS ARQUIPÉLAGaus-OS ATLÂNTICOS ACABOU POR SER O CAMINHO PARA A «LIBERTAÇÃO» DE TIMOR, MAS NOS INÍCIOS DE

JUNHO DE 1943 ISSO AINDA NÃO ESTAVA EM CIMA DA MESA.

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tralianos associam-se à cedência de garantias afirmando que o faziam tendo em conta as

negociações sobre os Açores. O FOestuda as várias propostas australianas e em

Setem-bro faz chegar a Salazar a resposta final – a Austrália associa-se às garantias pedidas por Salazar mas manifesta o seu interesse em celebrar um acordo comercial com Portugal em Timor30.

A 1 de Dezembro de 1943 Salazar recebe George Kennan a fim de discutir a questão dos Açores. O encarregado de Negócios norte-americano explicita que a melhor maneira de Portugal contribuir para a libertação de Timor passava pela cedência de uma segunda base aos Aliados nos seus territórios, nomeadamente nos Açores. Uma eventual liberta-ção militar de Timor começava porém a ser afastada dadas as prioridades estratégicas dos Aliados. De facto, Salazar não estava muito convicto na opção militar pelo que

encara o acordo dos Açores como sendo o mais viável31.

As negociações com os Aliados prosseguem e a 7 de Julho de 1944 Salazar recebe os embaixadores britânico e norte-americano. Foi apresentada ainda uma opção militar mas Salazar pretendia esgotar todos os esforços diplomáticos com o Japão pois a situa-ção em Macau tinha de ser levada em conta. Contudo, tais esforços seriam em vão pois o Japão, em retirada da maioria das possessões conquistadas previamente, não parecia

disposto a abdicar de Timor o que realmente não faria até ao fim da guerra32.

A 28 de Novembro é entregue a Salazar pelo embaixador norte-americano Norweb a aprovação dos Estados Unidos na colaboração de Portugal para a libertação de Timor. A opção mais viável seria realmente a da construção e uso de bases aéreas nos Açores. Salazar aprova a proposta e um acordo seria firmado entre os dois governos.

Os esforços diplomáticos junto do Japão prosseguem mas começam a declinar progres-sivamente com a evolução da guerra a favor dos Aliados. Salazar reúne-se com o minis-tro do Japão em Lisboa a 5 de Dezembro de 1944. Pela primeira vez, o Governo japonês acedia em abandonar o território português mas, devido à expansão aliada pelas Filipi-nas e por vários outros pontos do Pacífico, tais procedimentos não eram no momento possíveis. A eventual libertação de Timor iria depender do desenrolar dos próximos eventos. Salazar apercebe-se de que o Japão vive num clima de enorme incerteza, o que atrasa a tomada de decisões33.

A 1 de Setembro de 1945, já com a capitulação de Tóquio iminente depois da deflagração das primeiras bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui, largou finalmente de

Lou-renço Marques o CEPcom o intuito de reocupar Timor. Os japoneses render-se-iam no

dia 5 e a 23 do mesmo mês, as autoridades portuguesas, juntamente com uma pequena comitiva australiana, encerraram os procedimentos.

CONCLUSÕES

O caso de Timor foi, possivelmente, o ponto mais delicado da neutralidade portuguesa durante a guerra. Foi o único território do império directamente envolvido no conflito. Não se tratou apenas de uma mera ocupação preventiva aliada ou da invasão nipónica de

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uma colónia portuguesa. Para Portugal, a indignidade de ver a sua soberania territorial violada pôs em causa toda a sua integridade imperial e metropolitana. Uma eventual alte-ração da política neutral a favor do Japão ou dos Aliados podia ter trazido, a curto prazo, a inimizade dos outros países beligerantes. Do ponto de vista oposto, uma aproximação ao Eixo, neste caso ao Japão, poderia ter levado a uma ocupação imediata dos Açores pelos Aliados, se não mesmo uma declaração de guerra pelos mesmos.

A aliança luso-britânica também teve a sua relevância, pelo menos no início da guerra no Pacífico. A precária situação da defesa militar do Timor português era praticamente um «convite» à sua ocupação por qualquer um dos beligerantes. Em nenhuma altura, durante o conflito, os portugueses possuíram forças capazes de defender a ilha. As próprias forças militares portuguesas eram no geral

bas-tante fracas perante um tipo de conflito que exigia tanto quantidade como qualidade de meios. Portugal jamais poderia ter tido a capacidade de se defender a si próprio e ao seu império sozinho. Os britânicos, benefi-ciando do tradicional ascendente político e estratégico que possuíam em relação a Lis-boa, e da manifesta falta de meios das

auto-ridades portuguesas para assegurarem uma defesa eficaz dos seus territórios, optaram por autorizar a operação preventiva de australianos e holandeses. Do ponto de vista polí-tico-jurídico, a aliança justificava de certo modo a acção britânica. Portugal, se de facto era parceiro da Inglaterra, deveria ser seu aliado contra o Eixo ou, pelo menos, contribuir para a defesa dos interesses vitais da sua aliada. Para os Aliados, em finais de 1941, todas as frentes pareciam trazer derrotas sucessivas, especialmente no Pacífico. Terá sido esse o motivo que os levou a agir in loco? Certamente que, junto com a necessidade estratégica urgente no início da guerra no Pacífico, a pressão exercida pela Austrália e pela Holanda, a insegurança portuguesa em abrir uma excepção ao seu estatuto neutral num teatro extra-europeu, a má interpretação dos acordos de defesa, conduziram a essa acção. O certo é que o valor estratégico-militar de Timor para os Aliados era incalculável espe-cialmente como último reduto de defesa da Austrália e como um ponto fulcral para a manutenção do flanco oriental das Índias Holandesas. Era imperativo para os Aliados adquirirem uma vitória estratégica imediata perante os êxitos fulminantes dos japoneses. Contudo, Timor, juntamente com as Índias Orientais Holandesas e praticamente todas as possessões aliadas no Sudeste Asiático, seria perdido pelos Aliados tal como estes o receavam. A falta de organização e de cooperação das forças aliadas no início da campa-nha do Pacífico frustrou a defesa eficaz dos seus territórios. Tornou-se bastante difícil, nomeadamente para os britânicos, mobilizarem meios para aquela região do globo pelo facto de que estavam, em conjunto com muitos dos outros países aliados, a combater uma guerra à escala global e onde o inimigo parecia conseguir manter-se sempre um passo à

A PRECÁRIA SITUAÇÃO DA DEFESA MILITAR DO TIMOR PORTUGUÊS ERA PRATICAMENTE UM «CONVITE» À SUA OCUPAÇÃO POR QUALQUER UM DOS BELIGERANTES. EM NENHUMA ALTURA, DURANTE O CONFLITO, OS PORTUGUESES POSSUÍRAM FORÇAS CAPAZES DE DEFENDER A ILHA.

(12)

frente. Durante os seis meses iniciais da guerra no Pacífico o Japão iria conquistar muito para além daquilo que havia desejado e, surpreendentemente, de uma maneira mais fácil do que os seus estados-maiores haviam antecipado.

Por outro lado, a visão estratégica portuguesa dedicava-se maioritariamente ao Atlântico e às colónias africanas. Assim, Timor e Macau eram relíquias de um outrora grande império asiático e que, em tempo de paz, acabavam por ter uma relevância questionável para a administração metropolitana (não obstante o significado «simbólico» de que estavam investidos pela retórica imperial do regime). Apenas em vésperas da guerra, e em iminên-cia de ataque, é que tais territórios se tornaram prioritários para os decisores políticos em Lisboa: a sua perda poderia abrir um precedente perigoso para a soberania portuguesa no seu todo. A questão, no geral, nem envolvia só o caso de Timor e o cerco de Macau: a dado momento esteve em jogo toda a integridade territorial e soberana do império. A partir do momento em que a guerra está, a longo prazo, ganha pelos Aliados, o império ultramarino encontra-se ameaçado pela vaga de movimentos independentistas estimulada pelas con-vulsões do conflito, especialmente na Ásia. Por seu lado, o governo do Estado Novo, pelas suas afinidades ideológicas com as potências derrotadas, vê a sua estabilidade interna posta em causa no fim das hostilidades. O acordo dos Açores, na medida em que assina-lava uma reaproximação estratégica ao bloco vencedor, funcionou quase como um seguro de vida para Salazar – o que, até 1944-1945, exigiu o sacrifício temporário de Timor. Relativamente aos japoneses, as dúvidas serão sempre muitas. Poucas fontes sobrevive-ram à guerra e dessas certamente que ínfimas serão as que justificarão as acções do Sol Nascente. Tal como os Aliados, os japoneses também faltaram à sua palavra, pelo menos no que respeita a Timor. No entanto, uma vez estabelecida aí presença militar aliada o pretexto para o assalto nipónico estava obtido. No que diz respeito à neutralidade portu-guesa, os japoneses, ao longo da campanha do Pacífico, respeitaram pelo menos a inte-gridade de Macau. Ocupar esta cidade teria sido certamente uma operação bastante fácil para os nipónicos e o facto de o não terem feito simboliza de certa forma respeito pela neutralidade portuguesa. Porém, este argumento é discutível já que os objectivos da Grande Ordem Imperial japonesa visavam a expulsão de todo o tipo de estrangeiros do Extremo Oriente e, de facto, os portugueses não eram excepção. Em Timor foram muito relevantes os casos do incitamento japonês a acções de indígenas contra os europeus. Timor para os japoneses era aquilo que os Aliados receavam que pudesse vir a tornar-se, ou seja, um dos pontos de partida para a conquista final de Java; a protecção do flanco este das Índias Orientais e uma eventual base avançada para o ataque à Austrália.

No contexto da Campanha do Pacífico, pode concluir-se que o caso de Timor teve a sua pequena influência na sorte da guerra. De facto, Timor tinha a sua importância estraté-gica para os dois lados beligerantes mas nenhum deles soube aproveitá-lo dentro dos parâmetros inicialmente definidos. Para os Aliados, Timor era o fim da linha de defesa da Austrália e de Java mas acabaram por não conseguir defender a ilha e Java foi ocupada pouco tempo depois de Timor. Os japoneses conseguiram parte dos seus objectivos

(13)

estratégicos, pois, de facto, conquistaram a ilha e ocuparam as restantes da cadeia das Sonda, avançando posteriormente à ocupação da Papua-Nova Guiné e das ilhas Salo-mão. Timor converteu-se praticamente na fronteira entre o Império do Sol Nascente e os Aliados. Contudo, tornou-se um empecilho para os japoneses a curto prazo. A guerrilha aliada na ilha, com pouquíssimos efectivos, conseguiu forçar a «imobilização» de perto de 32 mil soldados japoneses. Entre a segunda metade de 1942 e inícios de 1943, esses efectivos japoneses teriam sido muito necessários em outros locais, nomeadamente nas batalhas por Guadalcanal e em toda a campanha das ilhas Salomão, pontos de viragem fulcrais na Guerra do Pacífico. Até ao final da guerra, em Setembro de 1945, os japone-ses acreditaram sempre que poderia estar iminente um desembarque aliado em Timor apesar das estratégias adoptadas pela coligação não visarem a reconquista de Timor como um objectivo primário. O avanço dos Aliados pelo Pacífico visava essencialmente «cortar» o Império do Japão em dois, ou seja, avançar em força pelos arquipélagos do Pacífico Central até às Filipinas, desenvolvendo em simultâneo campanhas de atrito na Papua-Nova Guiné e nas Aleutas a fim de desgastar os meios de defesa japoneses, até chegarem a levar a guerra ao próprio solo nacional japonês. Timor, como já foi dito ante-riormente, não figurava proeminentemente nestes planos dos Aliados. Uma eventual reocupação da ilha poderia ter-se tornado demasiado custosa e demorada para os Alia-dos, tal como Guadalcanal o foi (a título de exemplo). Deixar os japoneses incertos acerca do destino de Timor durante a guerra terá sido, de certa forma, o melhor contri-buto dos Aliados para reduzir o envolvimento da ilha na guerra, para a sua libertação após o conflito, para evitar o envolvimento directo de Portugal nas hostilidades e para garantir uma vitória mais rápida contra o Japão.

Porém, em Portugal, a situação não era vista de maneira idêntica à dos estrategas alia-dos. Era ponto de honra para o Governo português a libertação de Timor, praticamente a qualquer custo. Salazar chega mesmo a ponderar uma reconquista militar da ilha, o que certamente iria envolver a entrada de Portugal na guerra. O desinteresse aliado nessa operação, pelas razões já referidas, foi determinante. De facto, Portugal não poderia ter procedido a tal operação sem a ajuda dos Aliados. Para além disso, Salazar teve cons-ciência das dificuldades que se poderiam apresentar a Portugal e especialmente a Timor caso se procedesse à execução de tal plano. A própria operação de «salvamento» de iní-cios de 1942 foi por si só um risco demasiado grande, levada a cabo pela ainda super-confiança portuguesa de que nada poderia pôr em causa a sua soberania e a sua neutralidade. De facto, pode mesmo afirmar-se que a expedição de 1942 esteve em sério risco de ser aniquilada já que em Março desse ano os japoneses detinham praticamente o domínio dos mares em redor da Indonésia e não olhavam a piedade para afundarem quaisquer navios que não fossem da sua nacionalidade. A mera presença de dois navios neutrais numa zona tão perigosa, ainda mais com uma missão indesejável para os japo-neses, não iria fazer a diferença e certamente traria muito mais do que um simples inci-dente diplomático entre os dois países.

(14)

Por conseguinte, Portugal passou a ter que se adaptar às exigências de uma guerra pro-longada entre dois poderosos blocos beligerantes. Em vez de tentar ditar as regras, tal como havia feito antes da ocupação da ilha, o Governo português teve que acabar por se resignar à perda de Timor durante o conflito e aceitar, em troca da presença militar anglo-americana nos Açores, a sua «libertação» no pós-guerra.

N O T A S

1

Para uma maior compreensão do tema abordado neste artigo recomenda-se, para além das referências citadas nas notas, as seguintes obras: BRETES, Maria da Graça –

Timor entre Invasores, 1941-1945. Lisboa:

Horizonte, 1989; LIMA, Fernando – Timor: da

Guerra do Pacífico à Desanexação. Macau:

Instituto de Macau, 2002; TELO, António José – Portugal na Segunda Guerra. Lisboa: Pers-pectivas & Realidades, 1987 e Portugal na

Segunda Guerra: 1941-1945. Lisboa: Vega,

1991, e ainda WILMOTT, H. P. – Empires in the

Balance: Japanese and Allied Pacific Strate-gies to April 1942. Annapolis (Maryland):

Naval Institute Press, 1982. 2

O facto é que tais negociações nunca iriam tomar lugar neste contexto pois Singa-pura, local escolhido para a conferência, seria ocupada pouco tempo depois pelos japoneses e o desenrolar dos eventos iria afastar os Aliados do assunto.

3

Telegrama n.º 68 de 17 de Dezembro de 1941 de Oliveira Salazar para a delegação de Portugal em Tóquio, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta. 4

Ofício n.º 708 de 18 de Dezembro de 1941 de Armindo Monteiro para Oliveira Salazar, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta.

5

Ministério dos Negócios Estrangeiros (doravante citado como MNE), Dez Anos de

Política Externa: 1936-1947 – A Nação Portu-guesa e a Segunda Guerra Mundial. Instituto

Nacional da Casa da Moeda, Lisboa, 1974, vol. X, doc. n.º 2854.

6

Telegrama de 19 de Dezembro de 1941 do governador de Timor para o Ministério das Colónias, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta. 7

Telegrama de 24 de Dezembro de 1941 do governador de Timor para o Ministério das Colónias, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta. 8

Carta de 19 de Dezembro de 1941 de Armindo Monteiro para Oliveira Salazar, citado por AAVV– Armindo Monteiro e Oliveira

Salazar – Correspondência Política 1926-1945.

Lisboa: Estampa, 1996, pp. 229-237. 9

Telegrama n.º 420 de 19 de Dezembro de 1941 de Armindo Monteiro para Oliveira Salazar, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta. 10

Telegrama n.º 78 de 21 de Dezembro de 1941 da delegação portuguesa em Tóquio para Oliveira Salazar, AOS-CLB-T1 – 2.ª Pasta.

11

Memorando de 23 de Dezembro de 1941 da Legação do Japão em Lisboa para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, AHD --MNE PR-34.27, «O Caso de Timor», maço 1, pasta 2.

12

Telegrama n.º 372 de 24 de Dezembro de 1941 do MNEpara a Embaixada de Portugal em Londres, AHD-MNEPR-34.27, «O Caso de Timor», maço 1, pasta 2.

13

Telegrama n.º 5 de 26 de Janeiro de 1942 do MNEpara a Legação de Portugal em Roma, AHD-MNE PR-34.27, «O Caso de Timor», maço 1, pasta 2.

14

Telegramas Secretos n.os14 e 18 de 6 de Fevereiro de 1942 do governador de Timor para o ministro das Colónias, AOS-CLB-T1 – 3.ª Pasta.

15

Apontamento de Teixeira de Sampaio de 19 de Fevereiro de 1942, AOS-CLB-T1 – 3.ª Pasta.

16

CALLINAN, Bernard J. – Independent

Company 2/2 and 2/4 Australian Independent Companies in Portuguese Timor, 1941-1943.

Londres: William Heinemann, 1953, p. 42. 17

Telegramas Secretos n.os30 e 31 de 20 de Fevereiro de 1942 do governador de Timor para o ministro das Colónias, AOS --CLB-T2 – 1.ª Pasta.

18

Telegrama n.º 20 de 19 de Fevereiro de 1942 do MNEpara a Legação de Portugal em Tóquio, AHD-MNE PR-34.27, «O Caso de Timor», maço 1, pasta 2.

19

Telegrama n.º 339 de 20 de Fevereiro de 1942 da Embaixada de Inglaterra em Portu-gal para o Foreign Office, FO 371/31731 F1705, citado por MOTTA, Carlos Teixeira – O

Caso de Timor na II Guerra Mundial – Docu-mentos Britânicos. Lisboa: Instituto

Diplo-mático, MNE, p. 115. 20

Telegrama n.º 339 de 20 de Fevereiro de 1942 da Embaixada de Inglaterra em Portu-gal para o Foreign Office, FO 371/31731 F1705, citado por MOTTA, Carlos Teixeira – O

Caso de Timor na II Guerra Mundial, pp.

120--121. 21

ROCHA, Carlos Vieira – Timor: A

Ocupa-ção Japonesa durante a Segunda Guerra Mun-dial. Lisboa: Sociedade Histórica da

Independência de Portugal, 1994, p. 62. 22

As colunas negras eram basicamente elementos da população local, especial-mente do Timor holandês, que eram instiga-dos a lutar contra os «opressores europeus» pelos japoneses.

23

CALLINAN, Bernard J. – Independent

Company, p. XXIX.

24

Memorando de 18 de Junho de 1942 do Governo da Austrália para o Foreign Office, FO 371/31734 F4519, citado por MOTTA, Car-los Teixeira – O Caso de Timor na II Guerra

Mundial, p. 125.

25

Telegrama n.º 252 de 29 de Junho de 1942 da Embaixada de Portugal em Londres para o MNE, citado por MOTTA, Carlos Tei-xeira – O Caso de Timor na II Guerra Mundial, p. 125.

26

Telegrama de 25 de Janeiro de 1943 da Embaixada de Inglaterra em Portugal para o Foreign Office, FO371/34641 E568, citado por MOTTA, Carlos Teixeira – O Caso de Timor

na II Guerra Mundial, pp. 128-129.

27

MNE, Dez Anos de Política Externa:

1936--1947 – A Nação Portuguesa e a Segunda Guerra Mundial. Lisboa: Instituto Nacional da

Casa da Moeda, 1980, vol. XI, doc. n.º 183. 28

Memorando de Março de 1943 do Foreign Office, FO371/34699 C3281, citado por MOTTA, Carlos Teixeira – O Caso de Timor

na II Guerra Mundial, p. 132.

29

Comunicado de Setembro de 1943 da Embaixada de Inglaterra em Portugal para o Governo português, FO 371/34662 C8L74 citado por MOTTA, Carlos Teixeira – O Caso

de Timor na II Guerra Mundial, p. 136.

30

Ibidem.

31

MNE, Dez Anos de Política Externa:

1936--1947 – A Nação Portuguesa e a Segunda Guerra Mundial, vol. XI, «Apontamento de Oliveira Salazar de 1 de Dezembro de 1943». 32

Ibidem, vol. XI, doc. n.º 275.

33

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