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- nº 01 Ano I dezembro de Páginas 44 a 54. A NECESSIDADE DO ESTADO ABSOLUTO EM THOMAS HOBBES

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A NECESSIDADE DO ESTADO ABSOLUTO EM THOMAS HOBBES

Eleandro Moi1

O presente trabalho busca mostrar, segundo a teoria política de Thomas Hobbes, como o pensador procura demonstrar a necessidade da instituição do Estado civil. Em toda a sua teoria buscou legitimar o Estado absolutista.

Hobbes apresenta o estado natural com o objetivo de fundamentar o Estado civil. Segundo Hobbes, o estado natural é um estado no qual todos os homens encontram-se numa condição de igualdade, tanto de capacidades como de esperanças e de direitos. Dessas igualdades e de que o homem, em tal estado, é regido pelas paixões e pelos instintos, resulta que eles se encontram, na ausência de um poder soberano, numa condição de guerra de todos contra todos, em que o homem é lobo do próprio homem. O objetivo de Hobbes ao apresentar tal estado era admoestar aqueles que não viviam em Estados soberanos, para que aceitassem uma total submissão ao detentor do poder, tendo assim segurança e uma vida mais sossegada, saindo daquela condição de intranqüilidade e constante medo da morte violenta, presentes no estado de natureza. A melhor maneira de garantir a paz é conceder o poder a um só homem. É melhor ter a liberdade limitada por um soberano que voltar ao estado natural de guerra.

A divisão do trabalho se dará da seguinte forma: no primeiro capítulo será apresentado o estado natural, condição em que o homem se apresenta antes da instituição do Estado e o desejo de sair de tal condição. A segunda parte trata do Estado civil, da sua finalidade, como foi instituído, qual o papel do soberano e dos súditos dentro de tal Estado e qual é a relação entre o detentor do poder e seus súditos.

1. O ESTADO NATURAL

A primeira condição que Hobbes atribui ao homem no estado natural é a igualdade de capacidades, tanto no que se refere às potencialidades corporais quanto às faculdades do espírito. Dessa igualdade de capacidades deriva a igualdade de esperança que cada homem tem de atingir seus objetivos.

“No estado natural, quando separados, somente indivíduos, todos os homens são iguais e livres e têm um direto igual a todas as coisas.” (Wollmann, 1993, p. 43).

E dessas igualdades surge a discórdia (luta) entre os homens que vivem no estado natural, pois todos possuem necessidades a satisfazer, e da busca dessa satisfação, para a qual não há um poder que dite

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regras que delimitem o que é e o que não é permitido fazer e, portanto, cada um pode buscar essa satisfação da forma que melhor lhe aprouver, surge a luta entre os indivíduos.

“Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos.” (Hobbes, 1983, p. 74).

Assim sendo, os homens, quando não há um poder central, absoluto, que dite as leis e os mantenha em respeito, não sentem prazer da companhia uns dos outros. Há uma constante discórdia entre os indivíduos, à qual Hobbes atribui as seguintes causas principais: a competição, com vista ao lucro, ou seja, o desejo de dominar e possuir o maior número de coisas leva os homens, no estado natural, a atacarem os outros; a desconfiança, buscando segurança, isto é, o desejo de defesa própria, e mais, de viver bem, leva os homens a desconfiarem uns dos outros; e a glória, visando a reputação.

Essa discórdia é conseqüência de que o homem, no estado natural, é regido pelas paixões e busca a preservação da vida e, além disso, da vida boa, e para isso tem o direito de fazer o que quiser. Esse direito é o direito de natureza, que

“... é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da forma mais variada que desejar, para preservar-se a si mesmo, ou seja, sua vida, e, conseqüentemente, de fazer tudo aquilo que seu julgamento e razão lhe indicarem necessário para esse fim.” (Wollmann, 1993, p. 78-79).

Portanto, dentro de um estado em que se apresenta a igualdade de capacidades, de esperanças, de direitos, onde a liberdade dos indivíduos não encontra nenhuma barreira e os homens podem utilizá-la da maneira que desejarem para preservar suas vidas, e os homens, por natureza são regidos pelas paixões, buscando lucro, segurança e reputação, se encontra uma constante disposição para a luta real de todos contra todos. Essa condição em que os indivíduos no estado natural se apresentam, Hobbes define como condição de guerra.

“Neste estado de insatisfação, onde o homem não se contenta só com a sua conservação, vivendo constantemente desconfiado do outro, pois há uma tendência de todos aspirando ao poder, obrigando-se a dominar os demais, apoderando-obrigando-se dos obrigando-seus bens, vive-obrigando-se a condição natural da humanidade descrita por Hobbes.” (Wollmann, 1993, p. 39).

Dentro dessa condição de guerra, há um eterno medo e perigo da morte violenta. Não há lugar para a indústria, cultivo da terra..., pois o indivíduo que plantou uma terra, por exemplo, pode, a qualquer momento, ser atacado, desapropriado de sua plantação e até morto, sem um poder que lhe garanta direitos estabelecidos por um pacto ou que puna os invasores ou homicidas. Por isso, a vida do homem, em tais condições, é solitária, pobre, ruim, bestial e curta.

Predomina, no estado natural, um egoísmo individualista. O homem, por natureza, não tende para o outro, é um ser anti-social, desconfiado, que busca constantemente destruir o outro, tentando elevar-se. O

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homem não se contenta com a própria conservação, mas aspira também apoderar-se dos bens materiais e dominar os demais. Por isso, nesse estado, todos vivem numa total insegurança.

“Portanto, tudo aquilo que é válido em um tempo de guerra em que todos são inimigos de todos, o mesmo é válido, também, para o tempo em que os homens vivem nesta iminente situação de guerra, período em que os homens vivem sem outra segurança, senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e invenção.” (Wollmann, 1993, p. 34).

Não há, também, dentro de tal estado, uma noção de justiça e injustiça, de bem ou de mal, pois não há um poder comum, com leis estabelecidas, e onde não há leis não há critérios que definam o que é justo ou injusto, bem ou mal. A noção de bem e de mal, dentro do estado de natureza, é relativa, pois cada um tem a liberdade de fazer o que quiser, buscando o seu próprio bem. Nesta condição de guerra, a força e a fraude são duas virtudes cardeais. Disto decorre que “a justiça e a injustiça não fazem parte das faculdades do corpo ou do espírito” (Hobbes, 1983, p. 77) do homem individualmente, mas são virtudes dos homens em sociedade.

No estado de natureza também não há propriedade privada, não há distinção entre o meu e o teu, pois, nesse estado todo homem tem

“um direito que a natureza deu a cada um que vive fora da sociedade sobre todas as coisas. Direito a todas as coisas, significa que quando as leis civis ainda não introduziram um critério de distinções entre o meu e o teu, que só é possível no Estado civil, todo homem tem direito de se apropriar de tudo o que cai em seu poder.” (Wollmann, 1993, p. 39).

Assim, pertence a um homem tudo aquilo que, por sua força ou astúcia, ele for capaz de conseguir e enquanto puder conservá-lo em sua posse.

A situação até agora descrita, referente ao estado de natureza, mostra que o homem, em tais condições, encontra-se em um estado de guerra, de conflitos, de insegurança. E assim, como são as paixões que levam o homem ao estado de guerra, são elas que o impulsionam a sair dessa condição miserável e desagradável. É por medo da morte violenta e pelo desejo de segurança, necessária para uma vida mais cômoda, que o homem vai em busca da paz.

“As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo.”(Hobbes, 1983, p. 77).

Ninguém se sente tranqüilo tendo que viver no confronto, na insegurança, na anarquia. O fim último de todo homem é a autoconservação e a segurança, para ter uma vida mais satisfatória e, para isso, é necessário sair daquela condição de guerra, de conflitos, presentes no estado de natureza. Por isso é

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necessário instituir o Estado civil, com um poder capaz de obrigar os homens a cumprirem os pactos e garantir segurança aos indivíduos que dele fazem parte.

2. O ESTADO CIVIL

Todos os homens, para ter paz e segurança, desejam sair da condição de guerra presente no estado de natureza. A razão oferece as leis da natureza (justiça, eqüidade, modéstia..., enfim, que se faça aos outros o que se quer para si), mas os homens facilmente as substituem pelas paixões naturais. Para que seja possível e garantida essa paz e segurança, portanto, é necessário que se institua um Estado artificial com poder comum, dotado de espada, com autoridade para obrigar cada um a cumprir seus pactos. Esse estado é o Estado civil.

Vemos, dessa maneira, que o Estado é fruto da razão humana. Os homens, no estado natural, apresentam um desejo de sair da condição de medo e insegurança. Para isso, a razão vem ao encontro dos desejos de paz e segurança e oferece aos homens as leis naturais. No entanto, as leis sugeridas pela razão são, não raramente, substituídas pelas paixões naturais. Os indivíduos concordam, então, que é necessário instituir um Estado com poder comum capaz de obrigar os homens a cumprirem seus pactos, e assim, as leis naturais, com legitimação jurídica e poder do Estado, tornam-se leis civis e a vida passa a ser regida por leis sugeridas pela razão.

“Para Hobbes, o estado natural do homem era um estado de guerra de todos contra todos(...). Os homens vêem-se, então, obrigados a firmar um pacto social pelo qual abdicam da liberdade em favor da própria sobrevivência, e delegam, irrevogavelmente, ao Estado o direito de governá-los ou de ser-lhes o patrão absoluto. O Estado é, assim, a fonte da moral, do direito e da religião. Estabelece-se, em conseqüência, a paz;” (Lara, 1988, p. 48).

O Estado, segundo Hobbes, é instaurado pela livre vontade dos homens. Por medo da morte violenta e para ter segurança, os homens, voluntariamente, celebram entre si um pacto de cada um para com todos os outros, escolhendo um homem (soberano), que não participa do pacto, mas está acima dele, e transferem a este o direito de governar-se a si mesmos, assim como consideram como suas todas as atitudes por ele tomadas.

Pelo pacto, os indivíduos concordam em escolher um soberano ou um corpo soberano com plena autoridade sobre os súditos e, segundo Hobbes, é a única maneira de instituir um poder capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo aos súditos tal segurança que possam viver satisfeitos mediante seu próprio trabalho.

Segundo Hobbes, o pacto se dá entre cada homem para com todos os outros, transferindo seus direitos a um representante (soberano), e é como se cada um dissesse aos outros:

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“Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações.”(Hobbes, 1983, p. 105).

Nota-se assim, que o soberano não participa do pacto, mas está acima dele. O pacto é celebrado entre os súditos, que transferem o seu direito de governar-se a esse homem ou assembléia de homens. E somente nesse estado artificial, gerado por um pacto entre os homens, que os indivíduos saem daquela condição de guerra, de constante discórdia. Segundo a teoria hobbesiana, ao contrário das formigas e abelhas, cujo acordo é natural, conforme nos descreve Russel, os homens devem fazer um pacto, criando o Estado.

“Hobbes examina a questão segundo a qual os homens não podem cooperar como as formigas e as abelhas. As abelhas, que vivem na mesma colméia, diz ele, não competem, não têm desejo de honrarias, não usam a razão para criticar o governo. Seu acordo é natural, mas o dos homens só pode ser artificial, mediante convênio. O convênio deve conferir poder a um homem ou a uma assembléia, já que, de outro modo não poderia ser cumprido. Os convênios sem a espada não passam de palavras. (...) é um convênio feito pelos cidadãos entre si para obedecer o poder governante escolhido pela maioria. Depois que elegeram termina o poder político dos cidadãos.” (Russel, 1977, p. 73).

Portanto, conforme Hobbes, o Estado civil pode ser definido como a grande multidão unida numa só pessoa (soberano), formando o grande “Leviatã” . É assim que os indivíduos, no Estado, conferem ao soberano extrema autoridade sobre eles, podendo este usar de qualquer poder ou força para garantir a paz dentro do Estado e defesa contra os inimigos estrangeiros.

2.1. O soberano no Estado Hobbesiano

O soberano, segundo Hobbes, surge com o contrato feito entre os súditos, que aceitam restringir sua liberdade e transferi-la a uma pessoa ou assembléia, em troca de paz e segurança. Hobbes assim define o soberano:

“Uma pessoa de cujos atos uma grande multidão, mediante pactos recíprocos uns com os outros, foi instituída por cada um como autora, de modo a ela poder usar a força e os recursos de todos, da maneira que considerar conveniente, para assegurar a paz e a defesa comum.” (Hobbes, 1983, p. 106).

E essa pessoa, representante de todo o povo, tem poderes ilimitados para buscar assegurar a paz e a defesa comum. Todos os restantes, aos quais são impostas restrições pelo Estado, são súditos. E são estes súditos, povo reunido, que conferem todo o poder a este homem, representante de suas vontades.

Entre a monarquia absoluta e o governo por meio de uma assembléia, Hobbes prefere o primeiro, apresentando, para tal preferência, várias razões, das quais a principal é a que, se a assembléia, em determinada ocasião se achar dividida, o resultado pode ser a guerra civil. “A monarquia absoluta é, pois, a

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única forma de governo que, apesar de seus inconvenientes, pode assegurar a paz social e impedir a volta à pior das condições da vida: o estado de guerra permanente." (Franca, 1978, p. 165).

Conforme Hobbes, para que o Estado soberano, constantemente ameaçado pelos instintos egoístas, presentes na natureza humana, consiga se manter, necessita de um poder forte, capaz de reprimir esses instintos e conservar o Estado civil. Esse poder só pode ser encontrado em um tirano único, despótico, dotado de espada, que, por pior que seja, é melhor que a anarquia.

Quanto ao direito de sucessão, a decisão cabe somente ao soberano, pois o direito político dos súditos acaba com a escolha do soberano, sendo a este transferido tal direito. Se assim não fosse, após a morte do soberano, os homens poderiam readquirir seus direitos naturais e voltar à condição de guerra. Portanto, para a conservação da paz entre os homens, devem-se tomar medidas, assim como foram tomadas para criar o Estado, para que haja uma eternidade artificial. “Não existe qualquer forma perfeita de governo em que a decisão da sucessão não se encontre nas mãos do próprio soberano.” (Hobbes, 1983, p. 119).

Aos atos do soberano, também, não podem ser aplicadas as noções de justos ou injustos, pois quando os súditos transferiram a ele o poder de fazer qualquer coisa para buscar paz e segurança, aceitando como seus todos os atos do soberano, qualquer atitude tomada por esse homem é como se fosse tomada pelos súditos. Por exemplo, se um súdito for castigado ou morto pelo soberano, mesmo que não seja um infrator, será o autor de seu próprio castigo, dado que por instituição é o autor de tudo quanto seu soberano fizer. Portanto, ninguém pode acusar o soberano de ser injusto.

As noções de justiça e injustiça só são aplicáveis aos súditos, os quais participam do pacto. Estes cometem injustiça quando descumprem um pacto, agindo contra a finalidade do Estado. O soberano é o princípio de justiça e injustiça. A ele não cabe ser julgado se uma ação sua foi justa ou injusta, mas julgar os súditos para defender a conservação do Estado e a finalidade para a qual foi criado (paz e segurança). Compete ao poder soberano o direito de recompensar ou punir qualquer súdito, de acordo com a lei preestabelecida.

Legitimamente, o soberano também não pode ser deposto e nem morto, pois foram os próprios súditos que, pelo pacto, transferiram a ele seus direitos, assumindo assim como seus todos os atos do soberano. Se alguns súditos tomassem qualquer atitude de punição ao soberano, estariam castigando a outros por seus atos.

2.2.1. Da propriedade

Compete ao detentor do poder delimitar a propriedade de cada um. Onde não há Estado, é de cada um o que for capaz de conseguir pela própria força e astúcia e enquanto for capaz de manter. No Estado civil, o direito de distribuição da propriedade pertence ao soberano.

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“...pertence à soberania todo o poder de prescrever as regras através das quais todo homem pode saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por qualquer de seus concidadãos: é a isto que os homens chamam propriedade.” (Hobbes, 1983, p. 110).

A propriedade é criada pelo governo e as leis da propriedade tem de sujeitar-se inteiramente ao soberano. Compete ao Estado determinar de que maneira devem fazer-se entre os súditos todas as espécies de contrato (de compra, troca, empréstimo, arrendamento). Para que os contratos existam é necessário um poder capaz de forçar os homens a cumprirem sua palavra. Onde não há Estado não é possível falar propriamente em justiça ou injustiça, propriedade, etc.

2.1.2. Das leis civis

Com o surgimento do Estado surgem também leis civis, estabelecidas pelo soberano, que são regras que definem o que é justo ou injusto, e obrigam, pela força da lei (espada), o cumprimento de tais regras.

O soberano, único legislador, dita a lei a todos os súditos, obrigando-os, pela espada, a cumprirem-nas, com a finalidade de manter a paz e segurança no Estado. O soberano, quando julgar necessário para o fim pelo qual foi criado o Estado, punir algum súdito, pode fazê-lo sem ser submetido a nenhum critério de justiça ou injustiça, pois ele está acima do pacto e a ele cabe determinar o critério pelo qual alguma atitude é justa ou injusta.

“O direto de punir lhe advém não de qualquer conceito de justiça, mas porque conserva a liberdade que todos os homens tinham no estado de natureza, quando nenhum homem podia ser censurado por infligir uma injúria a outro.”(Russel, 1977, p.76-77).

“A espada é uma necessidade, ou seja, é o poder de impor respeito a todos. Vemos também nesse ponto que a vontade social não satisfaz, ou seja, não basta instituir a sociedade, se não se oferece uma vontade estatal para por ordem e assegurar os compromissos sociais.” (Wollmann, 1993, p. 73).

A finalidade das leis civis é a de manter a paz através de restrições, impedindo os indivíduos de viverem conforme a sua liberdade natural, ilimitada, a qual permite que, a qualquer momento, uns causem danos a outros. O soberano, que está acima das leis, deve, com autoridade, ordenar as leis para que sejam cumpridas pelos súditos. Também cabe ao Estado decidir a doutrina que seu povo deve seguir. Determinar impostos e comandar as milícias, com vista à paz e a segurança.

E para a garantia do cumprimento dessas leis é necessário o Estado com poder comum, pois

“Os contratos como tais não são mais que palavras, podendo ser violados. Esta violação acontece de fato enquanto o Estado não os garantir criando a singularidade do direito, em virtude de ameaças penais. Porque, segundo Hobbes, as paixões dos homens são geralmente mais fortes que a razão.”(Wollmann, 1993, p. 73).

O Estado obriga , por seu poder soberano, o cumprimento das leis civis, que servem para dirigir as ações dos homens, com a finalidade de garantir a paz e a segurança. Assim, para evitar que os homens voltem ao estado natural, é necessário um Estado civil com poder soberano capaz de obrigar os homens a cumprirem seus pactos.

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2.2. Os súditos no Estado Hobbesiano

Segundo Hobbes, os súditos são aquelas pessoas que celebram, por um ato voluntário, um pacto a partir do desejo de sair daquela condição que se encontram no estado de natureza, com a finalidade de poder cuidar, com segurança, de sua própria conservação e de ter uma vida pacífica e mais satisfatória. É impossível, antes da instituição do Estado civil, a vida com tais condições de paz e segurança.

As condições encontradas no estado natural não trazem tranqüilidade a ninguém, por isso, os homens, por uma necessidade gerada pelo desejo de paz e segurança e por medo da morte violenta, instituíram o Estado, com poder comum. Este poder comum, soberano, serve para obrigar os homens a cumprirem aquelas leis sugeridas pela razão, que, na condição natural, são facilmente substituídas pelos instintos egoístas presentes na natureza humana, e dentro do Estado civil, tornam-se leis civis, sendo os súditos, pela força da espada, obrigados a respeitá-las. Só assim é possível a paz e segurança aos homens.

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-los das invasões dos estrangeiros e das injúrias dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda sua força e poder a um homem, ou a uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. (...) Isto é mais do que consentimento, ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada num pacto de cada homem com todos os homens, de modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. (Hobbes, 1983, p.105)

A partir desse momento (formação do Estado), há uma restrição na liberdade dos indivíduos, que se põem abaixo de um soberano e transferem a ele seus direitos. Aos súditos cabe acatar todas as decisões do soberano, pois a ele, no momento do pacto foi transferida uma liberdade ilimitada, quando os súditos aceitam como suas todas as ações do soberano.

“Por instituição, todo súdito é autor de tudo quanto seu soberano fizer. Portanto, se o que tenta depor seu soberano for morto ou castigado por ele, será autor de seu próprio castigo. Nenhum súdito pode acusar seu soberano de estar fazendo injustiça, de praticar injúria.” (Wollmann, 1993, p. 74).

Não é direito dos súditos julgar se algum ato do soberano é justo ou injusto, pois só pode ser justo ou injusto aquilo que está sob um pacto ou uma lei, e, como vimos anteriormente, o soberano não participa do pacto, está acima dele e não está submetido a nenhuma lei, mas ele é a própria lei. As noções de justiça e

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injustiça são somente aplicáveis aos súditos. Justiça consiste na observação da lei, cumprimento do pacto, e injustiça equivale a um ato contrário ao que a lei manda.

Aos súditos resta cumprir a lei, sob pena de punição para os que não a cumprirem, para que se realize o fim para o qual foi criado o Estado: a paz e a segurança. O soberano é o poder comum ao qual os súditos podem apelar para terem garantidos seus direitos através do cumprimento dos pactos. Os súditos não têm a liberdade de depor seu soberano e escolher outro ou voltar ao estado natural, uma vez instaurado o Estado civil. Assim sendo, se alguém dentro do Estado recusar-se a se submeter sob o poder do soberano, pode ser, legitimamente, morto por qualquer um.

2.2.1. Da liberdade dos súditos

No Estado Hobbesiano, em que os súditos estão totalmente submissos a um soberano, sua liberdade é muito restrita. Liberdade, em sentido pleno, é a ausência de impedimentos, de oposições. Conforme esse significado,

“...homem livre é aquele que, naquelas coisas que graças a sua força e engenho é capaz de fazer, não é impedido de fazer o que tem vontade de fazer.” (Hobbes, 1983, p. 129).

Esta liberdade, no entanto, só é possível no estado natural. Mas para defesa da própria vida e para ter paz, o homem abre mão da liberdade incondicional, criando livremente o Estado e submetendo-se a um poder soberano. Junto com o Estado criam-se também as leis civis. Esses contratos são possíveis pela conciliação da liberdade com a necessidade. O Estado limita a liberdade natural, e é dentro desse Estado que se encontra a liberdade dos súditos.

“Com o surgimento do Estado, os homens só podem fazer o que a razão de cada um sugerir nas espécies de ações não previstas pelas leis. isto diante da certeza de que nenhum Estado consegue estabelecer regras suficientes para regular todas as ações e palavras dos homens. O primeiro indício do uso da liberdade acontece nas próprias leis. Em todos os atos, não previstos na lei, o homem tem a liberdade de fazer o que a razão de cada um sugerir, como o mais favorável para o seu interesse.” (Wollmann, 1993,p. 85-86)

Há, no entanto, segundo Hobbes, alguns casos em que os súditos podem, sem cometer injustiça, desobedecer ao soberano. Para isso, é preciso examinar quais os direitos que os súditos transferem no momento da criação do Estado. Há algumas liberdades que os súditos não transferem pelo pacto. Um caso é o direito de auto-defesa.

“...os pactos no sentido de cada um abster-se de defender seu próprio corpo são nulos. (...) Ninguém fica obrigado pelas próprias palavras a matar-se a si mesmo ou a outrem. Por conseqüência, que a obrigação que às vezes se pode ter por ordem do soberano, de executar missão perigosa ou desonrosa (...) quando nossa recusa de obedecer prejudica o fim em vista do qual foi criada a

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soberania, não há liberdade de recusas; mas, caso contrário, há essa liberdade.” (Hobbes, 1983, p. 133).

Também, quando mais de um indivíduo (culpados ou não) estiverem com suas vidas ameaçadas, é legítimo que se unam a fim de defender suas vidas, podendo se utilizar, para isso, de tudo aquilo que for necessário.

“Entende-se que a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los. Porque o direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum.” (Hobbes, 1983, p. 135).

Quanto às outras liberdades dos súditos elas estão naquelas coisas que, ao regular suas ações, o soberano permitiu, tal como a liberdade de comprar e vender, da forma de vida, da profissão e da educação dos filhos. Ao Estado (poder soberano) compete delimitar aos súditos o que é ou não permitido fazer.“É através do Estado que o homem pode viver sua liberdade e sua segurança. A monstruosidade do Estado é uma necessidade para que os homens vivam socialmente.”(Wollmann, 1993, p.66).

Portanto, pertence somente ao soberano o direto de limitar aos súditos a sua liberdade. E é necessário esse poder comum com autoridade de ditar o que é e não permitido aos súditos para que esses não voltem a possuir liberdade sem restrições, retornando ao estado natural e, por conseguinte, à condição de guerra. Tendo posse desses poderes de limitar a liberdade dos súditos, o soberano encarrega-se de buscar a paz e a segurança, garantindo a conservação do Estado e a finalidade para a qual foi criado.

CONCLUSÃO

A condição de natureza apresentada por Thomas Hobbes mostra um homem totalmente regido pelas paixões. No estado natural, os homens apresentam-se numa condição de igualdade de capacidades, de esperança de atingir seus fins e de direito de agir do modo que lhe convier para seu próprio bem. Nessas condições de igualdade, os homens vivem numa constante discórdia, causadas pela ambição do lucro e pelos desejos de segurança e de glória. Disso decorre que os homens, em tal estado, vivem numa condição de guerra de todos contra todos, não luta real, mas disposição para tal.

Dentro do estado natural não são aplicáveis as noções de justiça e injustiça, pois não há critérios que definam o que é e o que não é justo. Também não há propriedade, só é de alguém aquilo do qual, por sua própria força e astúcia, conseguir se apoderar e enquanto puder manter sob seu poder. Em tais condições, em que se apresenta uma liberdade ilimitada dos indivíduos, não há, no entanto, nem paz nem segurança e o homem deseja sair dessa condição, submetendo-se, para isso, a um poder soberano que limita suas liberdades e dá regras do que pode ou não fazer. Tal poder é o Estado.

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O Estado civil, com poder comum, soberano, dotado de espada e de leis civis, capaz de obrigar os súditos a cumprirem tais leis, sob pena de punição para aqueles que as descumprirem, é necessário para que os homens vivam socialmente. Dentro de tal Estado, o qual foi formado por um ato voluntário dos indivíduos, a partir de uma necessidade causada pelos desejos de paz e segurança, há um soberano, ao qual foram transferidas as liberdades dos súditos. Este soberano é dotado de liberdade ilimitada, ditador das leis, organizador da propriedade e detentor do poder de julgar tudo o que é ou não justo dentro do Estado, com a finalidade de estabelecer a paz e manter a segurança dentro da nação. Os súditos devem total obediência ao soberano e têm sua liberdade restrita, no entanto, é preferível viver no Estado civil do que voltar à condição natural, em que não há paz nem segurança e paira uma constante desconfiança e medo da morte violenta.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FRANCA, Leonel. Noções de História da Filosofia. 22ª ed. Rio de Janeiro : Agir, 1978, p. 165-166.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Col. Os Pensadores. Trad.: João Paulo Monteiro e Maria Beatriz Nizza da Silva. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983, p.74-136.

LARA, Tiago Adão. Caminhos da Razão no Ocidente: A Filosofia Ocidental do Renascimento aos nossos dias. 5ª ed. Petrópolis : Vozes, 1993, vol. 3, p. 47-48.

RUSSEL, Bertrand. História da Filosofia Ocidental. 3ª ed. São Paulo : Companhia Editora Nacional, 1977, vol.3, p.68-80.

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