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A PALAVRA DEUS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

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A PALAVRA DEUS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

O tema de nossa reflexão e partilha é “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”. O desenvolvimento deste tema tem o objetivo de introduzir o estudo da Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini sobre a Palavra de Deus na vida e

missão da Igreja e o Subsídio Doutrinal da CNBB (5) Presbítero, Anunciador da Palavra de Deus, educador da fé e da moral da Igreja. O estudo que fazemos desses

documentos não ignora também o destaque pastoral exposto na Carta Pastoral à Arquidiocese de São Paulo Paróquia, torna-te o que tu és.

É Jesus Cristo que, na Comunidade paroquial, e nela, quer continuar a ser o anunciador e mestre da Boa Nova. A Paróquia seja a “Casa da Palavra de Deus”, onde ela ressoa constantemente, é acolhida com fé e testemunhada de muitas formas pelas obras da fé, esperança e caridade. Toda pastoral paroquial deve ser motivada, animada e impregnada pela Palavra de Deus (Carta Pastoral à Arquidiocese de São

Paulo, Paróquia, torna-te o que tu és, p. 9-10).

1. Palavra de Deus

A expressão “Palavra de Deus” indica “o fato de que Deus fala e responde às nossas perguntas” (VD 4). A revelação é livre iniciativa de Deus, graça sua e uma demonstração da grandeza de seu amor. O que ele revela não é alguma coisa alheia a Ele: Ele mesmo se revela = objeto da revelação (fato e objeto se identificam).

Ao mesmo tempo, essa revelação de si mesmo é uma verdade e uma realidade salvífica, pois ao se revelar, manifesta seu desígnio de salvação.

Este plano de salvação consiste em fazer com que a pessoa humana participe da natureza divina.

Deus se dirige ao homem num diálogo de amor. Sua transcendência se faz proximidade. Esta revelação que procede do amor de Deus persegue uma obra também de amor: Deus quer que o homem se introduza na sociedade de amor que é a Trindade.

Deus se dá a conhecer a nós como mistério de amor infinito, no qual, desde toda a eternidade, o Pai exprime a sua Palavra no Espírito Santo. Por isso o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus e é Deus, nos revela o próprio Deus no diálogo de amor entre as Pessoas divinas e convida-nos a participar nele (VD 6).

Em Cristo nos foi revelado quem é Deus; é-nos manifestado o Pai que nos criou e que nos ama como filhos; é-nos manifestado o Filho que é a palavra e que nos convida a

uma comunhão de vida com a Trindade; e o Espírito Santo que vivifica e santifica

continuamente a Igreja.

Ao mesmo tempo, em Cristo nos é revelada a verdade sobre o homem: chamado e eleito por Deus desde a criação do mundo para ser filho adotivo do Pai, foi redimido do pecado por meio do sacrifício redentor de Cristo e, assistido pela graça do Espírito Santo, caminha para a salvação eterna.

Assim, na revelação, o ponto de partida é Deus. Ele é o sujeito que revela e que faz por pura iniciativa sua. Mas, ao mesmo tempo, é o objeto da revelação, manifestando simultaneamente sua vontade salvífica.

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Podemos distinguir três aspectos na palavra:

a palavra tem conteúdo. Significa ou representa alguma coisa, nomeia um objeto, formula um pensamento, um julgamento, narra um fato.

A palavra tem uma interpelação. Dirige-se a alguém e tende a provocar uma resposta, uma reação. É um apelo, uma provocação.

A palavra é manifestação da pessoa, de sua atitude interior, de suas disposições. Em resumo: podemos definir a palavra como a ação pela qual uma pessoa se dirige a outra, exprime-se, procurando uma comunicação.

Primeiramente a palavra é encontro interpessoal. O homem fala sobre o mundo, mas não fala ao mundo. A palavra dirige-se a outra pessoa. Com os objetos o homem mantém uma relação eu-isso. A palavra, porém, se dá entre um eu e um tu. Toda palavra dirige-se a outra pessoa.

Falar é dirigir-se a alguém. A palavra é antes de tudo interpelação. Qualquer palavra é um apelo, uma procura de reação. Ela tende, por seu próprio dinamismo, a estabelecer um circuito de interpelação e de resposta, para se tornar diálogo, colóquio. Às vezes a interpelação se torna mais explícita: “Eu lhe garanto... não é isso?... não se lembra?... você não pensa assim?... é ou não é?”.

Tanto a interpelação como a reação podem tomar diversas formas: • ordem - obediência

• prece - atendimento • promessa - confiança • explicação - atenção • testemunho - fé.

Se qualquer palavra é procura de reação, deve-se ao fato de a palavra tender à

comunicação. Pode variar a finalidade da comunicação.

Pode ser simplesmente utilitária: é a linguagem prática das trocas de informações, das ordens, das mensagens, dos jornais, do rádio, da televisão, da técnica, profissional. Esse aspecto utilitário é o grau ínfimo de intenção e de expressões humanas. Nesse nível a palavra é impessoal. O eu permanece neutro.

• Em nível mais elevado, palavra não é simples informação ou instrução: torna-se

expressão, revelação da pessoa, testemunho sobre si mesma. Nós nos expressamos

na palavra na medida em que nela nos colocamos nós mesmos, na medida em que nos comunicamos com o outro, em que o visamos em si mesmo como pessoa. A palavra como expressão se torna expressão do mistério pessoal dirigindo-se ao mistério pessoal do outro. A palavra atinge este nível somente quando o homem, se

coloca na palavra para entregar o sentido profundo de seu ser. Para que a

comunicação se tornem confissão mútua, revelação, é preciso que de parte a parte haja respeito pelo outro em seu mistério pessoal, disponibilidade total, confiança mútua, amizade.

• A palavra, em sua essência mais alta, é o meio pelo qual duas interioridades se revelam mutuamente em vista de uma reciprocidade. Quando atinge esse nível, ela é

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sinal de amizade e de amor, é consequência e expressão da liberdade que se abre ao

outro e assim se doa. O falar torna-se forma de doação de pessoa a pessoa. Cada qual se abre ao outro, dando-lhe hospitalidade no que de melhor tem em si mesmo. Cada qual dá e se dá numa comunhão de amor.

• Às vezes, porém, a palavra articulada não pode exprimir tudo: é então que intervém o gesto para apoiar a palavra e torná-la mais profunda. Quando o dom da pessoa pela palavra já não basta para exprimir totalmente o ser em sua profundidade, a palavra se completa no dom da pessoa pelo comprometimento da vida: é o que se dá no amor conjugal e no apostolado. Às vezes uma série de palavras e ações culmina num gesto que de certo modo sintetiza a intenção fundamental da pessoa: o martírio, quando o sacrifício da vida vem selar a profissão da palavra.

Na revelação é o próprio Deus que se dirige ao homem, não o Deus da abstração filosófica, mas Deus vivo. Vem ser para o homem um Eu que se dirige a um Tu, numa relação interpessoal, num desígnio de comunicação, de diálogo, de participação. Essa palavra que vem do mundo transcendente da vida divina interpela o homem e convida-o à obediência da fé, em vista de uma comunhão de vida. Está prenhe da novidade inaudita da salvação oferecida à humanidade: o homem está salvo, o Reino de Deus está entre nós.

A palavra de Deus não apenas fala e informa: ela realiza o que significa, muda a situação da humanidade, dá a Vida. A palavra de Deus é uma palavra ativa, eficaz,

criadora, performativa.

Deus dirige a palavra ao homem não somente por uma intenção utilitária. A Palavra de Deus é palavra de amizade e de amor. O Verbo de Deus é um Verbo de Amor. Essa manifestação de amor tem várias formas.

Primeiramente transparece no próprio fato da palavra. Pela revelação, Deus vence de certa forma a distância infinita que separa Criador e criatura. O Altíssimo, o Transcendente torna-se próximo, o Deus conosco, o Emanuel. Esse gesto, pelo qual Deus sai de seu mistério, condescende e se torna presente ao homem, só pode significar para o homem salvação e amizade. Essa palavra radica-se, da parte de Deus, na sua vontade gratuita de estabelecer com o homem laços de amizade. Com efeito, se Deus quer se revelar, não o pode fazer senão para estabelecer com o homem laços de amizade e de amor e para associá-lo à sua própria vida. Doutra parte, se Deus quer estabelecer um relacionamento de amizade com o homem e associá-lo à sua própria vida, é porque se quer revelar. Em Deus, o fato da revelação e o fato de nossa vocação sobrenatural coincidem.

Na encarnação, a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a Palavra definitiva que Deus diz à humanidade

(VD 11).

• A intenção de amor da palavra divina torna-se mais patente pelo fato de a criatura que ele assim interpela ser uma criatura inimiga que dele se afastou. Pela amizade e pelo amor, Deus se aproxima de uma criatura que se revoltara contra ele. Ainda mais. Leva sua condescendência até ao ponto de assumir a própria condição dessa criatura. Faz-se Deus solidário com o homem até ao ponto de encarnar-se, para atingir o homem em seu próprio nível. Para se exprimir e para exprimir seu desígnio salvífico,

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Deus utiliza todos os recursos da encarnação: ação, o gesto, o comportamento e principalmente a palavra. Cristo manifesta o mistério de sua pessoa e missão em palavras humanas que o ouvido pode entender e a inteligência pode assimilar.

A intenção de amor da palavra divina manifesta-se não só no fato da revelação, mas também no próprio objeto. O objeto da comunicação divina não são apenas verdades religiosas, mas principalmente os segredos da própria vida divina. Principalmente o mistério da Trindade: é o segredo divino por excelência, o segredo

da intimidade divina, conhecido somente das Pessoas divinas. “Ninguém conhece o

Filho senão o Pai, nem ninguém conhece o Pai senão o Filho” (Mt 11,27); “ninguém conhece os segredos de Deus, senão o Espírito de Deus”(1Cor 2,11). Revelando esse segredo, Deus inicia o homem no que há de mais íntimo em si mesmo: o mistério de sua vida, o coração de sua subsistência pessoal. Deus não pode revelar assim o segredo de sua vida a não ser a alguém que lhe esteja unido pela amizade, ou a alguém a quem ele se queira unir pela amizade. Convidando-nos à mais

surpreendente amizade, a revelação da Trindade se nos apresenta como um começo

de participação na vida divina e constitui uma doação de Deus ao homem. A revelação é uma autodoação.

Deus leva até o excesso do amor essa doação que de si mesmo faz ao homem pela palavra. Cristo consuma pelo sacrifício de sua vida o dom feito por sua palavra.

Completa pela paixão a caridade que viera significar. Temos aqui a perfeição do

mistério da palavra que se doa. A palavra articulada torna-se palavra imolada. Cristo na cruz manifesta a caridade do Pai até o grito inarticulado no qual tudo se diz e atesta. A Palavra de Deus se esgota até o silêncio. A palavra de amor entregou-se inteiramente aos homens na cruz.

A missão de Jesus se cumpre no Mistério Pascal: vemo-nos colocados diante da “Palavra da cruz” (cf. 1 Cor 1, 18). O Verbo emudece, torna-se silêncio de morte, porque Se «disse» até calar, nada retendo do que nos devia comunicar (VD 12). Como mostra a cruz de Cristo, Deus fala também por meio do seu silêncio. O silêncio de Deus, a experiência da distância do Pai é etapa decisiva no caminho terreno do Filho de Deus, Palavra encarnada (VD 21).

2. Palavra de Deus: testemunho divino

Há uma relação estreita entre o testemunho da Escritura, como atestado que a Palavra de Deus dá de si mesma, e o testemunho de vida dos crentes. Um implica e conduz ao outro. O testemunho cristão comunica a Palavra atestada nas Escrituras. Por sua vez, as Escrituras explicam o testemunho que os cristãos são chamados a dar com a própria vida. Deste modo, aqueles que encontram testemunhas credíveis do Evangelho são levados a constatar a eficácia da Palavra de Deus naqueles que a acolhem (VD 97).

O texto fala do testemunho da Escritura e do testemunho de vida dos crentes. Em outras palavras, do testemunho humano e do testemunho divino.

Para esclarecer a noção de testemunho alguns teólogos estabelecem uma oposição entre

ensinamento e testemunho (ou atestação). No ensino, o ouvinte aceita a exposição do

mestre pelos argumentos cujo valor intrínseco ele pode perceber. No testemunho, pelo contrário, o ouvinte assente devido à autoridade de quem fala; ele confia na palavra de quem fala, devido a sua ciência e veracidade. Em ambos os casos o espírito humano se

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enriquece com novas verdades. A diferença essencial está no motivo que inspira o assentimento: num caso, é a evidência da demonstração; no outro, a simples autoridade

de quem fala.

Essencialmente o testemunho1 é uma palavra pela qual alguém convida outro a aceitar como verdadeiro confiando em seu convite como garantia próxima de verdade e em sua autoridade como garantia remota. Esse convite a crer, enquanto garantia de verdade, é o elemento específico do testemunho. Muitas vezes está explícito na própria maneira de falar: “eu vos digo... creiam-me... eu vi com meus próprios olhos”. O que se pede ser acreditado é a própria coisa atestada, o objeto do testemunho. A fé, resposta solicitada pelo testemunho, é um julgamento que aceita como verdadeiro o que vem atestado, apoiando-se sobre o testemunho como garantia próxima da verdade.

O testemunho é garantia próxima de verdade porque a testemunha, pelo simples fato de convidar a crer, apela para a confiança e se a dizer a verdade; compromete-se a não trair essa confiança e promete compromete-ser sincera e veraz. Para quem não viu, a palavra da testemunha deve substituir a própria experiência. O testemunho, pois, é mais uma realidade de ordem moral que de ordem intelectual. A fé no testemunho supõe assim certa demissão da razão. Demissão legítima, porém, pois tem como motivo a sanidade mental e moral da testemunha.

Devemos notar que, se a fé humana se apoia na atestação atual da testemunha e na autoridade, essa autoridade, contudo, não é de per si garantia última de verdade. Falível por natureza, precisa sempre ser acompanhada de indícios e de sinais objetivos que lhe indiquem o valor. E mesmo quando temos, por um exame atento dos títulos da testemunha, todas as garantias possíveis, jamais pode confiar de modo absoluto no testemunho humano, pois que a ciência e a fidelidade humanas são sempre precárias. Somente Deus pode dar à sua palavra uma garantia absoluta, por sua identidade eterna e absoluta consigo mesmo. A fé humana jamais pode ser uma fé de pura e simples autoridade.

Sob esse aspecto o conhecimento mediante o testemunho é inferior ao conhecimento mediante a evidência; é, porém, superior em vista dos valores que põe em jogo. A demonstração apela para a inteligência. O testemunho, reclamando uma intensidade de confiança que se mede pelos valores que se arriscam confiando nele, põe em jogo não apenas a inteligência, mas também a vontade e o amor. A possibilidade de um relacionamento entre os homens repousa, em última análise, nessa confiança reclamada pela testemunha e na promessa tácita de não trair. Temos, pois, dum lado o

compromisso moral da testemunha; doutro, a confiança que já é um início de amor, por

parte de quem aceita o testemunho.

A coerência entre a pregação e a vida pessoal do presbítero é fundamental para a boa acolhida da Palavra de Deus, porque os fiéis são sensíveis ao testemunho pessoal e buscam a coerência entre a fé a vida por parte do pregador (Presbítero, Anunciador,

78).

1A palavra testemunho tem uma carga semântica muito rica:

1.testemunha ocular: percepção e narrativa no contexto de comunicação;

2.jurídico: uma pessoa é testemunha num processo quando dá testemunho em favor de alguém; contexto de polêmica entre posições contrárias;

3.ético: interiorização de algo que se comunica. Não é mais ato de falar a respeito de algo, mas a própria ação de expressar a convicção interna (martírio).

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Quando falamos de testemunho abandonamos o universo das coisas materiais para atingir o das pessoas, abandonamos o plano das evidências para entrar no do testemunho. Ao nível da intersubjetividade, damos de cara com o mistério. As pessoas não são problemas que se deixem conter em fórmulas ou resolver em equações. As pessoas, somente podem ser conhecidas por revelação. Não temos acesso à intimidade

pessoal a não ser pelo livre testemunho das pessoas. Elas não testemunham sobre si

mesmas a não ser levadas pelo amor. O conhecimento por testemunho é pois um conhecimento de ordem inferior quando se trata de conseguir uma evidência direta e imediata de alguma coisa. Mas não é inferior quando se trata do conhecimento de realidades que são pessoas, quando o testemunho é a única maneira de entrar em união com a pessoa e participar de seu mistério.

Elemento fundamental para a vida do presbítero é a unidade entre o ser e o agir, entre o ministério e a missão (Presbítero, Anunciador, 34).

A Palavra de Deus é justamente a revelação do mistério pessoal de Deus. Deus é Ser pessoal, interioridade por excelência, cujo mistério só podemos conhecer por testemunho, isto é, por uma confidência espontânea que pede nossa aceitação pela fé. O Cristo fala, ensina, dá leis, como os outros fundadores de religião. Mas o que ele afinal ensina e comunica é o mistério de sua pessoa. Em seu conjunto, o Evangelho se nos apresenta como uma confidência de amor, na qual o Cristo, progressivamente, revela o mistério de sua pessoa, o mistério da vida das Pessoas divinas e o mistério de nossa condição de filhos. Os apóstolos são testemunhas do que o Cristo disse e fez, mas principalmente dão testemunho de sua Pessoa. Os apóstolos testemunham sua intimidade com o Cristo, o Verbo da vida, o Filho que também está em relação com o Pai e o Espírito Santo, numa comunicação de amor.

O testemunho divino é de uma espécie única, que o distingue do testemunho humano, tanto objetivamente quanto subjetivamente.

O testemunho divino não só afirma a verdade do que propõe a fé, mas também afirma a infalibilidade absoluta de seu testemunho. Quando Deus afirma algo, afirma ao mesmo tempo sua própria infalibilidade. Deus, que atesta, é por si mesmo o fundamento absoluto e último da verdade infalível de seu testemunho. É sua própria garantia. Assim a fé apoia-se no Testemunho divino incriado, fundamento último de verdade. Apoia-se inteiramente numa Palavra que traz em si mesma sua garantia.

O testemunho distingue-se ainda porque, da parte de Deus, o convite a crer se apresenta interna e externamente. “Arrependei-vos e crede na Boa-nova”. O testemunho divino, porém, não se limita a essa manifestação exterior que age mediante a linguagem e os sinais de poder. Sua dimensão mais profunda é uma ação totalmente interior. Diversamente do homem, que só dispõe da eficácia significativa e psicológica da palavra, Deus pode agir diretamente sobre a alma. A Escritura descreve essa ação interior como revelação (Mt 11,25; 16,17), como iluminação (2Cor 4,4-6; At 16,14), como unção (2Cor 1,21-22), como atração (Jo 6,44), como testemunho interior (Jo 15,37; 1Jo 5,6).

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Qualquer palavra supõe um Eu e um Tu. Implica também a intenção de ser captada por um tu. Um eu carregado com a existência de quem o profere, parte à procura de um tu. A palavra não se torna realidade senão no encontro com esse tu.

O encontro pode atingir diversos graus de profundidade. Inicialmente tende a estabelecer contato. Mas seu desígnio espontâneo é que a palavra e a resposta cheguem a ser um diálogo autêntico, reciprocidade, comunhão, comprometimento mútuo.

Esse encontro que tende a ser um diálogo no amor, encontramo-lo no plano infinitamente mais elevado da revelação e da fé.

Na revelação, dirige-se Deus ao homem, interpela-o e comunica-lhe Boa-nova da salvação. Porém, é somente na fé que existe verdadeiro e pleno encontro entre Deus e o homem. Só assim a Palavra do Deus vivo encontra no homem acolhida e reconhecimento. A fé é o primeiro e livre passo do homem em direção a Deus. Pela sua Palavra, Deus convida o homem a um relacionamento de amizade; pela fé o homem responde ao apelo de Deus. Como primeiro encontro entre Deus e o homem, a fé equivale ao sorriso de amizade no diálogo humano. Quando o homem se abre a Deus que fala, comunga com seu pensamento, deixa-se conquistar e dirigir por ele, Deus e o homem se encontram, e esse encontro se torna comunhão de vida.

Revelação e fé são, pois, essencialmente interpessoais. “O que aparece como principal e como tendo valor de fim em todo ato de fé, é a pessoa a cuja palavra se dá adesão” (S. Tomás). A fé é o encontro com o Deus pessoal em sua palavra. Evidente que ela supõe a adesão do espírito à mensagem de Deus. Pois, se Deus se manifesta como um Deus que fala, a fé deve ser assentimento ao que ele diz. Essa adesão mesma, porém, termina no encontro que culminará na visão.

Toda a história da salvação nos mostra esta ligação íntima entre a Palavra de Deus e a fé que se realiza no encontro com Cristo. De fato, com Ele a fé toma a forma de encontro com uma Pessoa à qual se confia a própria vida (VD 25).

Devem-se notar as particularidades do encontro realizado pela fé.

Primeiramente, é sempre Deus que tem a iniciativa. Sua infinita transcendência é também infinita condescendência. “Não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1Jo 4,10).

Segunda característica do encontro com a Palavra é a gravidade da opção que ela solicita. Pois a Palavra de Deus questiona o sentido de nossa existência. Não se trata de modificar apenas pormenores em nosso sistema de valores: trata-se de orientar diversamente todo nosso ser. É preciso optar por Deus ou pelo mundo, pela Palavra de Deus ou do homem. É preciso jogar tudo por tudo, inclusive a vida e a morte, o martírio violento ou o martírio humilde de toda uma vida.

É, portanto, a fé uma decisão por Deus, e toda vida deverá girar em torno dessa decisão dramática que compromete o homem até o mais íntimo de seus desejos. Tal comprometimento é um morrer para si mesmo para que Cristo viva em mim (Ef 3,17). Essa morte a si mesmo, não se pode obter pela simples contemplação intelectual da mensagem revelada: é preciso uma sedução que venha do amor. Assim a Palavra de Deus no Cristo tem um rosto e um coração de homem para seduzir o coração do homem. O que Deus nos disse, foi seu Amor (1Jo 4, 8.16). Mas, se essa palavra de Deus consegue obter o consentimento do homem, é por ser uma palavra de amor revelado e manifestado até o supremo sacrifício. A revelação como encontro não chega a ser

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acolhida, diálogo e reciprocidade a não ser por essa sedução de amor que se manifesta no Cristo e se completa pelo Espírito Santo, que transforma o indócil coração do homem fazendo-o coração de filho.

Na encarnação, a Palavra não se exprime primariamente num discurso, em conceitos ou regras; mas vemo-nos colocados diante da própria pessoa de Jesus. A sua história, única e singular, é a Palavra definitiva que Deus diz à humanidade. Daqui se compreende por que motivo, no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo (VD 11).

Última característica desse encontro é a profundidade da comunhão que ela estabelece entre Deus e o homem. Quem recebe a palavra e nela permanece, passa da condição de escravo a de filho e de amigo (Gl 4,4-6; Rm 8,15; Jo 15,15); entra em comunhão de amor com o Pai, o Filho e o Espírito. Pela fé no Cristo, o homem é iniciado nos segredos do Pai, conhecidos apenas pelo Filho, que está no seio do Pai (Jo 1,18; Mt 11,25-27) e pelo Espírito que perscruta as profundezas do Pai (1Cor 1,10). O próprio amor com que o Pai ama o Filho e com o qual o Filho ama o Pai, está de agora em diante no coração do homem: “dei-lhes a conhecer o teu nome... para que o amor com que me amaste esteja neles e eu esteja neles” (Jo 17,26). Nenhum encontro humano, por mais perfeito que seja, poderia atingir esse grau de intimidade, de comunhão, iniciado pelo encontro da fé que age pela caridade.

4. A Palavra de Deus e o Presbítero

A comunidade eclesial tem direito a esse anúncio, porque a Palavra há de ser procurada com pleno direito nos lábios dos sacerdotes. A Palavra a ser proclamada deverá, antes, ser interiorizada, por meio da escuta e da meditação, para que o sacerdote possa partilhar a verdade do Evangelho com todos. Assim, ele ensinará não a sua sabedoria, mas a do Verbo de Deus (Presbítero, Anunciador, 29).

Para concluir, reflitamos juntos algumas questões referentes à Palavra de Deus em nossa vida sacerdotal.

4.1. Na sua Palavra, Deus deseja estabelecer conosco um diálogo de amor. O seu falar é doação pessoal a nós no desejo que também nós nos entreguemos a Ele para chegar à comunhão de amor. Qual é o lugar da Palavra de Deus em meu cotidiano de pregador da Palavra? Quais são os meios que eu lanço mão para interiorizar, estudar e meditar a Palavra de Deus?

4.2. Na sua Palavra, Deus se coloca a si mesmo para se entregar a nós. Em seu ministério, o pregador se esforça também em colocar-se a si mesmo na pregação para se entregar aos seus fiéis, como o Cristo que entregou para a nossa salvação. Descreva e partilhe experiências sobre o ministério da Palavra exercido como expressão da caridade pastoral. A partilha da verdade do Evangelho é também partilha da vida assimilada à Palavra de Deus?

4.3. A Palavra de Deus é assimilada pelo pregador. Também o inverso ocorre: o pregador é assimilado pela Palavra de Deus. Assim o pregador não somente fala

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dela, mas pensa e vive dela. A própria vida o pregador se torna Palavra de Deus. “Consequentemente as suas palavras, as suas opções e atitudes devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e um testemunho do Evangelho” (VD 80). Nesse sentido, Maria é o exemplo supremo de uma vida modelada totalmente pela Palavra de Deus. “Cada cristão que crê, em certo sentido, concebe e gera em si mesmo o Verbo de Deus: se há uma só Mãe de Cristo segundo a carne, segundo a fé, Cristo é fruto de todos” (VD 28). Como a Palavra de Deus transforma meu modo de falar e de pensar? Como ela orienta minhas opções e minhas atitudes?

4.4. “A Palavra de Deus é indispensável para formar o coração de um bom pastor, ministro da Palavra” (VD 78). Na Palavra de Deus, somos colocados diante da pessoa de Jesus que nos atrai e nos seduz. Como o encontro pessoal com Cristo transforma meus desejos, meus afetos e minhas paixões?

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