Augusto
Casimiro
yMAVERA
DE DEUS
EDIÇÃO DA
-RENASCENÇA PORTUGUESA» PORTO
DO
AUTOR
Paraa Vida, 1906.
A
Victória doHomem,
1910.A
Tentação do Mar, 1911.O
Elogio da Primavera, 1912 (Fora do Mercado).A
Evocaçãoda Vida, 1912.A
Primeira Nau, 1912.À
Catalunha, 1914.Augusto
Casimiro
PRIMAVERA
DE
DEUS
EDIÇÃODA
«RENASCENÇA PORTUGUESA>
A
minha Mulhere á minhaMãe..
PRIMAVERA
DE
DEUS
pRIMEIRA
vezque
os olhosmeus
rezararri,Abranjendo o
horizonte, o céu,o
espaço,E em
meu
olhar extáticopassaram
As
coisas,num
fraterno, unjido abraço;Primeiro verso traduzindo a
minha
Anciã
indomávelde
Beleza e côr,E
primeiraemoção,
aque
adivinha.Em
tudo quanto
existe, igualAmor
;Primeira eterna hora admirável
Em
que
eu sentimeu
coração vibrandoCom
as coisas,num
ritmo inefável,10 Primaverade Deus
Primeira vez
que
os braçosmeus
cingiramUm
tronco viridente,ou
aemoção
De
que
meus
olhos tristes se cobriram,Como
abraçasseo
próprio coração;
E
a vez primeiraem
que na minha
fronte,Na
minha alma
simples, repoisou,—
Como
oração denévoa
sobreum
monte,A
consciênciaclarado que
sou;Primeiro dia iniciado e puro,
—
Todas
as almasteem
alvoradas—
Em
que
senti as coisas,de
mãos
dadas,Caminharem
comigo
parao
Futuro;
Primeira vez
em
que
um
sentir profundo,N'um
delírio sagrado, adivinhouUm
invisível, transcendentemundo,
—
E
o silêncio e os mistérios escutou;
. . .Alm.a-fraterna
que
me
dissetudo
E
me
ensinou a olhar e a perceberA
emoção
deslumbrada,o
sentirmudo
De
rochaou
tronco,ou de
alvoradacu
sêrPrimaverade Deus 11
Primeira vez
em
que
caíde
giolhos,—
Postas as mãos, a luzdo
solno
olhar—
'
Bebendo
a luz divina pelos olhos, Sentindo a sede espiritualde amar;
Primeira vez
em
que
choreide
encanto,Primeira elevação religiosa
Da
minha
alma, enternecida, anciosa,A
pressentirem
mim
o
herói,o
santo;
Quando,
vivendoem mim
profunda
a vida,Em
minh'alma vestidade
esplendor, Senti a própriaalma
renascida,A
aleluia, a anunciaçãodo
Amor
;
Primeira vez
em
que na minha
Arte,Nos meus
versos,—
Amor,
—
eu te senti,—
Foium
passoque
dei a procurar-te,—
Primeiro passona
ascenção p'ra ti !. ..
Como
alguém que
subisse agrande
alturaE
aospoucos
fosse p'ra tocar os céus.. .—
Que
as almassobem
pela formosura,12 PrimaveradeDeus
—
Deslumbramentos, emoção, bondada,
Foram
degraus nesta ascençãode
Amor,
E
as lagrimas—
que
toda a claridade,—
Toda
a Vitória éganha
pelaDôr.
. .Há
quanto
tempo
estava à tua espera?Que
saudosaemoção
de
uma
outra vida.Me
ensinava a esperar a Primavera, Sentindo aPrimavera
em
mim
florida?Olha, irmãsinha:
—
como
a flor existeNa
semente
que
sonha, a germinar,E
a alegria maiornum
olhar triste,—
Porque
ser triste éum
modo
de
chorar;Como
o
som
no
cristal, anciosamente. Esperaque o
libertem, e o granitoSonha
a libertaçãoem
luz ardente,Na
instantânea visãodum
infinito;
—
Assim
Amor,
—
a tuaformosura
Desde o
Principio viveem
minha
vida,E em
ti floresce aminha
vida pura.Em
perfeição eharmonia
unjida. . .Primaverade Deus 13
Assim
já noutras vidas pressentimos Esta Vida-Maiorque
hoje vivemos, Já nesteAmor
outras paizagens vimos,E
outras dores puríssimas sofremos . . .Já nos beijamos
em
crepúsc'Iosde
oiro,Nos
confundimos
num
etéreo abraço!
—
Fomos
jóias,—
Amor
—
,de
igual tesoiro,—
Fomos
luz e visãono
mesmo
espaço!
Fomos
seivanum
tronco aureoladoEm
luzde
névoa,em
bênção de
arrebol,E
o
nossoAmor
andou
transfigurado.Em
beijosde
oiro,em
luz fecunda,em
sol!
Tudo
palpitaem
nós,tudo
rodeiaO
nossoAmor,
—
tudo esteAmor
nos diz!—
E
se quero cinjir a própria ideia,—
Nem
eucompreendo
como
sou feliz!JOCOND;
PSSA
que
deve ser silenciosaComo
um
perfume
embriag-ante e raro,Doce
—
como
a tristeza vagarosa,Alegre
—
como
o
azuldo
ceu mais claro.. .Essa
que
é todaAmor,
sendo
incerteza,Toda
luz e mistério e graça e alma,—
Forma
florida evaga de
Beleza,—
Num
sorriso divino—
e triste e calma. . .Essa
que
eu adivinho e, vaga, ondeia,Pela
minha emoção, na minha
ideia,No
meu
Amor,
na
minha
Arte eem mim
;
Talvez seja
—
quem
sabe ?—
a
reflectida, Infinitasaudade
d'outraVida
Mais
perfeitado
que
esta e d'onde euvim
II
E
talvez seja asombra
iluminada Pelomeu
sonho
e pelomeu
Amor
...
—
Ou
apenas desejo,um
sonho ou nada
—
—
Nada
—
que
é tudo, e desespero eDôr
...
Mas
porque
a sinto e aquero
?—
porque
a vejoConstantemente
em
mim,
risonha, amig^a.Sorrindo eternamente
ao
meu
desejo Triste esaudoso d'uma
posse antiga?Em
que
vidas passadas nosamamos.
Se
em
seus olhos saudososrecordamos
O
amor,o
encanto,o
abraçoque passou?
Porque
a tenho euem mim
como
a Beleza,Escrava e
dona
em
uma
torre preza.Que me
liberta aalma
e a escravisou?LAGOS
AO
LUAR
COB
o luar argênteo os lagosquedos
Sonham como
os alventes nenúfares,E, á hora dos fantasmas e dos
medos,
Erguem-se
doces, musicaes cantares.Sob
o
luar argênteo, á flordos
lagos.Andam
corpos perfeitos,numa
ronda,Corpos que
envolve,em
lânguidos afagos,Da
lua cheia a argêntea, a claraonda
.. .Corpos de
ondina.. .Os
troncosdebruçados
Tremem
na
agua, espiritualisados.Suaves
como
um
som
que
semorreu
. . .—
Meu
coração éum
lago assim sonhando,Sob
a cariciade
um
luar mais brando,Sob
a purezadum
mais claro ceu...
DA
VIDA GLORIOSA...
K
TUVEM
que
sobe eao
Sol se tonalizaNuma
orquestralde
inesperadas cores,Chama
distante envoltaem
resplendoresQue
irrompe e se ergue, eem
luzse diviniza;Emoção
creadora e deslumbrada,Enternecidos êxtases
de
Artista,—
Lábiosque
beijam, piedosa vistaEm
que
aVida
é rezada e é beijada;Gestos
dominadores
triunfando,Vastos silêncios, fundos,
ecoando
Uma
longinqua, indefinida voz,—
Tudo
o
que
vive esonha
e luta e canta,—
Tudo
no
Amor
palpita e se levanta,—
Em
resplendor e gloria,—
sobre nós!QUANDO
AS FLORES
VOLTAM...
D
RUMAS
ao
longe Sementeiras feitas.. .Névoa
sobre os pinhaes,de
mãos
erguidasE
as sementeiras falamde
colheitas,Nas
terras, a sonhar,germinam
vidas. . .Olho
apaisagem
com
meus
olhos vagos,Ondeantes de névoa
...E
rezo, e scismoErgue-se a
alma
em
cândidos afagosComo
névoas á beiradum
abismo.Olho
esonho
—
no
meu
deslumbramento
Extasiado.. .
E
perco-me, sentindo.Numa
ascenção p'ra Deus,meu
sentimentoEm
oraçãode névoa ao
ceu subindo.. .20 Primaverade Deus
Em
mim mesmo
renasceo
antigo culto.Em
minh'alma,na
doce
claridade, Passao
inefável, piedoso vulto,De
uma
oculta e distante divindade...
E
em
mim,
sobre apaisagem
reflectidaEm
meu
Amor,
num
comovido
abraço, SintoDeus
na
emoção
da minha
vidaE
aminha
vida enfloratodo
o espaço.
Minha
alma
sonha, ondeiana
paisagem,E
silencio eperfume
e névoa, assimComo
tudo
o que
eu sinto épura
imagem
Do
meu
perfeitoAmor
rezandoem
mim.
Sinto a piedosa, a intima
bondade
Das
coisasao
redor,numa
ascenção,E
o
coraçãoda
Terra é claridadeA
iluminarde
Amor
meu
coração.. .II
Nesta piedade
que
me
exalta e éPiedade
nas coisas, luz nos céus,E
Beleza eAmor,
visão e fé,E
comoção
e pranto,—
eu sintoDeus
!.. .Ergue-se
em
minha alma
revelandoNum
momento
de
assombro
a sua essência,E
deslumbra
ecomove,
dilatandoA
alma além
das trevasda
aparência.. .Eu
sintoDeus
em
mim,
sentindo aalma
Harmoniosa
e intimade
tudo
...
—
Erguem-se
cantos sobre a Terra calma,—
Extáticode
Amor
sonha o
céumudo
. .22 Primavera deDeus
Sinto
Deus
e sorrio.. .Em
meu
sorrirEntreabre a
alma
as pétalasdo
pranto,E
na
visãode
Amor
do
meu
sentirTudo
é divino eamoroso
e santo.. .Destas alturas
onde o
ceu é pertoE
a nossaalma
quasi tocao
ceu.. .Viste a
paisagem
como
um
livro abertoPorque
a divina graça a ti desceu !E
a tua vozde
prece, enternecida.Que
tem
silênciospVa
dizermelhor
A
Beleza indiziveí desta Vida,E
os sagrados mistérios desteAmor
;
Tua
voz piedosa,em
oração,Disse o
que
teu sentir melhor sentia,E
os olhosda
tuacomoção
Viram
melhor que
a tua vista via . . .Porisso,
Amor,
a tuaAlma
agora,Torna
mais claroo
meu
olhar e, assim.Numa
visão diáfanade
aurora,III
o
caminho do
Amor
!Que
bom
caminho
!A
que
alturassupremas
nos eleva,Que
bom
olharno
olhardo
mais ceguinho,Que
dilúviosde
luzna
maior treva1Sentir
o
Ceu
levando-te nos braços,E
as lagrimas nos olhos, e a ternuraDa
tuaAlma
a florir nossos abraços,E
o
meu
pranto a florirem
formosura
! .Meu
Amor
emeu
Deus
!—
Visão perfeitaDo
nossoAmor
em
Corpo
florescida!—
Alma
livreda forma que
a sugeita,24 Primavera deDeus
Se
olho os teus olhos fico-mescismando
.E
o
meu
scismar énévoa que
se exalaDa
tuaAlma,
em
teu olhar rezando,E
a sorrir e a rezarna
tua fala. . .Névoa
que
mostraDeus
eque deslumbra
Meu
sêr divino escravoda
aparência,Doce
luzde
ternura ede
penumbra,
E
de
Amor,
de
visão e transcendência . . .Es
bela,meu
Amor,
porque
te vejoCom
meus
Íntimos olhos deslumbrados.Não com
meus
olhos cegosde
desejo,A' ilusão e aparência
acostumados!
Es
bela,meu Amor!
Tua
Beleza Vejo-a sentindo tuaAlma,
assimComo
sinto perfeita a Natureza Animizada,emocionada
em
mim
! . . .Como
pólenvoando
sobreramos
Numa
cegueira,procurando
a flor.Assim
nós,meu
Amor,
nos procurámos,PrimaveradeDeus 25
Quero-te
como
o
Soladora
ás flores,E
amadrugada
ao
Sol, e a noiteao
dia,Como
a alegria triste querás dores,E
o
prantoque
sorri quer á alegria! . . .—
Quero-te,meu
Amor,
porque
teamava
Bem
antesdo
momento
em
que
te vi,Por
esteAmor
que
em
mim
se levantavaDesde o
princípio,em
oração, p'ra ti! . . .Amo-te,
meu
Amor,
como
a luzama
O
seioimenso
e rútilo dos ceusl—
Amo-te
como
aAlma,
a névoa, achama,
E
a luz eo
Bem
eo
Amor
seamam em
Deus!
MEU
LAR
I
Á
fora o vento,em
galopadas loucas,Passa,
num
desespero, a sibilar . . .—
E, juntinhos os três, calam-se as bocasPVa
a tuaAlma
nospoder
falar . . .E
assim ficámos a sorrir,—
mãesinha
. . . (—
O
vento grita pela noite além—
)
E
a tuaAlma, abençoando
a minha, Vejo-a sorrirno
olharde minha
Mãe
. . .No
meu
lartudo
está á tua espera.—
Não
te demores, irmãsinha,quando
Tudo
em
nós canta aVida
eaPrimavera
!
Vem,
meu
Amor,
—
atende esta ternura,—
—
Esta fonte puríssimacantando
—
E
junto á fonte,—
Amor
—
tanta secura! . .NOITE
ALTA
17
SCUTO
no
silencio...Vou
boiando
. ..
•^
No
seuprofundo
seio...E
aosmeus
ouvidosChega
o arfar misterioso ebrando
De
infinitos, translúcidos ruídos . . .E
escuto . . .Á
florda
noite espessa efunda
Abrem-se
largas, silenciosasondas
Dum
fantásticomar
que
a noite inunda,Em
espiraesde
sonho,em
vagas rondas . . .Sinto perto de
mim
a tuaVida
E
a tuaAlma
luminosa, erguidaAo
ceu,na
luz celeste das visões . . .E
a
mesma
sedetemos
. . .E
assim vamos,Através
do
silencioem
que sonhamos.
No
silencio escutando os corações . . .FLOR DE
MISTÉRIO
(Mariade Castro)
pvIVINA
florda Arvore da
Vida,^"^
O
Amor
inunda
as almasde perfume
—
Primaverade
noite amanhecida,—
Alvorecerde
piedosolume
...
Alto sonhar
da Árvore que
elevaA
nebulosacopa
aos altos céus,A
clarearde
Amor
a espessa treva.Abrindo o
nosso olhar á luz deDeus
.. .Arvor'
de
Dôr, astral,erguendo
osramos
Em
alturasque
anévoa
nos esconde,E
enraizada... (...Em
vão
interrogamosA
alma, a noite,o
Universo...)—
aonde
?Póde-se lá
saber? Falam
profetas,30 Primavera deDeus
E,
no
silencio extático, os poetasPerdem
o
olharprofundo
no
mistério.. .De
noite, aalma
escuta, atenta á beiraDe
si própria,do
abismo
. ..Dentro de
agua
Palpitam as estrellas á maneira
De
olhos piedosos,húmidos de
magua
.. .E
ouve-se a voz longínqua...—
Sem
cansaçoOs
longesde
agua
cantam,embalando
...
—
E
ala-se a alma,em
sonho, pelo espaço,—
Ouve-se
alguém, dentrode
nós, rezando.. .Á
beirada alma o
espirito é ceguinho,E
pequeno de
mais...—
Pôde
lá vêr!...
—
Vêr
aalma
é rezar devagarinho,—
Postas as mãos,—
chorarsem
o
saber.. .Aza
de
vôo, sonho, amor, candura,E
devoção
e enternecida prece,Voam
pr'aDeus
...—
Somente
aformosura
Ficana alma
eem
lagrimas floresce...
E
o
espirito é cego...E
não
escutaO
que dizem
as lagrimas... E,em
vão,A
beirada Alma,
com
fervor perscrutaO
largo oceano, a vasta imensidão.. .Primavera de Deus 31
Pode-se
lá saber ?.. .—
As
vezes,quando,
Abraçadinho
amim,
sintoque
choras,E
osmeus
olhos nos teusvêem,
chorando, Esplendoresde
lagrimas,—
auroras;Quando
te tenho sobreo
meu
regaçoE
tume
chamas, a sorrir:—
«Mãesinha»
—
,
Ou
quando,
brandamente,
num
abraço,A
tuaalma de
Amor
se abraça áminha
;
Quando
tu,meu
Amor,
devagarinhoBeijas
meus
olhos e a cantarme
embalas,E
no
silencioem
flordo
teu carinhoEu
oiço musicaes, divinas falas;
Quando,
meu
Santo
Amor, quando
me
dizes,Com
devoção
—
e choras—
versos teus,—
Somos
tamanhos,somos
tam
felizes—
Em
nosso amor,que
nos sentimosDeus
!
Porque
seráque
um
beijo nosdeslumbra
E
nos deixa quietinhos, a escutar,—
A
vêr clarões suavesna penumbra,
Adivinhando
um
íntimo luar ?...
Porque
seráque
tume
abraças tanto,E
me
acarinhascomo
a tuaMã^,
E
tens os olhoshúmidos
de pranto,—
Se
te julgas felizcomo
ninguém
?.. .32 Primaverade Deus
Porque
choras e dizesque o
UniversoE
pequeno
demais p'ra tantoAmor,
—
Se
turesumes tudo
num
só verso,—
Se
um
beijo teu é a imensidadeem
flor—
Póde-se lá saber ?. . .Eu
seique
existoOCEANO-AMOR
(Mariade Castro)
A^EU
Amor:
—
Eu
estava á tua espera . . .Eras tu,
meu
Amor,
—
quem
eusonhava
Quando,
sósinha e triste, preguntavaA
mim
própria e aDeus
pVa
que
nascera . . .Eras tu
o
meu
sonho
. . .Ah,
quem
me
deraPoder
dizer, contarcomo
teamava,
E
aminha alma
em
flôr te adivinhava,—
O
meu
Amor,
meu
Solde
Primavera! . . .—
Podes
vir . . .Podes
virque
eunão
receioGuardar-te
em
minha alma
eno
meu
seio,Lançar-me ao
vasto,ao
infinitoMar
!. . .. . . Creio
em
ti!—
Creioem
Deus
porque
teadoro
—
Vem,
meu
Amor,
que
as lagrimasque
eu choro—
São
um
modo
diversode
cantarSONETO
(Mariade Castro)A
H
!não
ser euo
arque
respirasses,*^
A
luzque o
teu olharanima
e exalta,E
não
sero
tesoiroem
que
encontrassesToda
a Beleza e gloriaque
me
falta! . ..Não
ser euo
teu sangue, a tua vidaHarmoniosa
e clara palpitando.Tanto
em
time
perdendo
eabandonando
Que
todaem
ti ficasse absorvida! . . .Não
ser eu a serena melodiaQue
florescena
calma,na
alegriaDa
tua sede virginalde amar!
. . .Ah
!não
termaisque
um
desesperomudo,
No
desesperode
te dizer tudo,De
me
dartoda, toda,sem
me
poder
dar!
VERSOS
PARA MINHA
MAE
/^UÇO-A
chorar. ..E
escrevo...E
estes versos,^^^
Como
sobem
as lagrimas sentidas,Sobem
ao
meu
espirito, dispersos,Como
nuvens
de
magua
doloridas...
E
tanto aquele choroem mim
suspende
O
seumanto
de
névoas e demagua.
Que
da minh'alma
aos olhosmeus
ascendeAquela dôr de
Mãe
refeitaem
água
.. .Sofreu
por
mim
. ..Dormi
no
seu regaço. .Nas penumbras
piedosas,ao
Sol Posto,Se
eu erguia osmeus
olhos parao
espaçoCaía-me o
seu pranto sobreo
rosto.. .36 Primavera de Deus
Andei sempre
ao seu peito aconchegado,Aprendi
a sentir-lheo
coração,E
aquel' bater dorido, soluçado,Ensinou-me
a sofrercom
devoção.Por
maus
caminhos
todos eriçadosDe
tojos, pedregulhos ede
abrolhos,Passámos
a sorrir, extasiados,Sentindo só as lagrimas nos olhos.
Minha
Mãe
1.. .Sustentou-me
de
carinho,Ensinou-me
a chorar,deu-me
a venturaDe
me
julgar felizconchegadinho
No
seudoce
regaçode amargura
!
Minha
Mãe
!.. .Fonte doce onde
eu bebiEsta
bondosa
e intima humildade,—
Claro solde
ternuraem
que
aprendi—
A
amar
e a ser humildecom
bondade
Foi ela
quem
teceu por suasmãos
A
minha alma
ingénua epequenina
.. .—
E
eu jáchamava
aos pobresmeus
irmãos,PrimaveradeDeus 37
Levou-me
passo a passo pela vida,No
seu regaçoou
pela suamão,
Por
uma
encosta toda florescidaNa
amargura do
nosso coração.. .Como
névoa
florindotodo
o
espaçoSe
levanta e lá vaipor
sobreo
vai',Minh'alma
ergueuo
vôo
do
seu regaço,—
Pequenina
e sedentade
ideal. . .E
eu fui crescendoem
corpo ealma
assimComo
um
arbusto cresceem
corpo e fiôr,E
foi-seerguendo o
Amor
dentrode mim.
Como
avisãode
Deus
dentrodo
Amor
!.Por
ti minh'alma sonha,adormecida
No
regaçodo Amor.
—
Por
ti presintoA
eterna voz esfíngicada
Vida
Em
mim,
como
num
denso
labirinto.. .Por
ti deliro e vejo, por ti clamo.Em
meu
delirio, as vozes de profeta,—
Por
teu ventrefecundo
vivo eamo,
—
E
por
teu sofrimento souPoeta
.. .Por
ti abrimeus
olhos á luzpura
E
aprendi a rezar, ena amargura
Do
teu pranto avisteio
maiorBem.
Não
me
perdes, Mãesinha.Eu
amo
nelaO
que
ameus
olhos te tornoutam
bela,—
Não
me
perdes,não
chores,minha
Mãe
Dize as palavras doces revelando
O
teuAmor
de
Mãe
aomeu
Amor,
Diz'
como
o
amas, dize-m'o chorando,E
a sorrir, a embalar a tua dôr...
Somos
juntosde
ti.. .No
meu
olharO
olhar deia reza-te, Mãesinha, Fala-me dela e dize, a soluçar,A
tua vozque
chora e acarinha. ..
Tu
não
me
perdesnão
! ...Vê
este pranto.Olha
asminhas
mãos
postas,Mãe,
—
e agoraDeixa-me
assim ficarno
teu regaço.. .Deixa abraçar-te. Vá,
não
chores tanto.. .Que
éalma
delaque na minha
chora,Que
é Ela,minha Mãe, que
em
ti abraço!.. .A
CANÇÃO DA
NOITINHA
pvEIXA-TE
estar assim . . . Fala devagarinho,^
Olha
osmeus
olhos,meu
Amor
!
Reza
a oração idealdo
teu carinho,O'
meu
Amor,
assim . . . Fala devagarinho.Como
um
perfume de alma
em
flor . . .Deixa-me
as tuas mãos...Quero-as
assim, nasminhas,Como
dois liriosde
pureza alvorescente . . .Mãos
de
caricias,mãos
de
beijos,mãos
purinhas,Geladas
mãos
reaesdum
coração ardente!
Canta-me
aquela vozque
se diz junto aos berços Visõesdo
ceu,sonhos de
Deus, beijos dispersos,42 PrimaveradeDeus
E
abraça-me, assim . . . naquele geiioEnvolvente,divino,
que
asmães têm
. .Aconchega-me
bem
sobreo
teu peito,Meu
Amor,
minha
Mãe!
O
silencio lávem
do
Orienteda
Alma
Como
um
vôo
depomba,
a pairar, a descer . .O'
mãos
de Santa acarinhando aminha
alma,O*
vozde
mãe
juntodum
filho aadormecer
. .Deixa-te estar assim . . .
Não
fales,não?
PareceVamos
a flutuarnum
celeste esplendor . . .Olha,
em
frentede
nós;um
anjoque
se esqueceA
contemplar-nos, extasiado!—
o nossoAmor!
Deixa-te estar assim . . .
Em
que
mundo
vivemos
?
E
estas azas,Amor,
quem
foique
no-lasdeu
?E
estes olhos, se játam
claramentevemos?
E
estaVida Maior
se a outra jámorreu?
LAGRIMAS
I
KTO
maisprofundo de
mim mesmo
existeUm
lonjinquooceano
transcendente,Que
ao
soldo
Amor,
em
névoa,de
repente.Se
transfigura e exalta eme
põe
triste.E
porque
aformosura
só consisteNo Amor
erguendo
aalma
ingenuamente,—
Névoa
deAmor
que
aos olhosmeus
subiste,—
Nunca
cesseo
teuvôo
eternamente . . .Névoa
de
luzprofunda
ao
céu erguida.Névoa
de
Deus
iluminando a Vida,—
Ei-laem
meus
olhos roxosde
chorar . . .E quem
me
dera amim
poder
sentir-teContinuamente,
—
óAlma,
e possuir-teII
Meu
Amor:
—
se eu podesse dizerbem,
—
Talcomo
sintoem mim
—
, devagarinho,Toda
a ternura,todo
omeu
carinho.Em
palavras suavíssimasde
Mãe;
Ah!
meu
Amor,
se conseguissealguém
Cantar o
luminoso,o
idealcaminho
Que
vão
seguindo as almasde
mansinho,Extasiadas, pelos céus além;.
Se,
—
mergulhando
os olhosno profundo
Oceano
da Alma,
em
Deus,—
ao
Mundo
Pudéssemos
contarquanto
avistámos.Talvez,
ó
meu
Amor,
com
singeleza,Eu
pudesse dizer toda a BelezaDas
lágrimasde
Amor
que
ambos
chorámos
BERÇO
DO
AMOR
'yODO
o
Amor,
toda a febrede
Beleza,Que
nosirmana
e exalta e nosdomina.
Toda
a serena e cândida pureza DestaVida
infinita e pequenina;Toda
aamargura doce de
tristeza,E
estamagua
deAmor
que
nos ensinaO
caminho de
Deus, e agrandeza
Duma
Ventura
altissima e divina;Toda
esta inquieta e ávida ternura,—
Nossa profunda
e alta formosura,—
Tanta,
tamanha,
que
nos faz sofrer;E
esta visãodo
ceuem
que ando
imerso,—
Tudo
quer sero pequenino
berço—
Em
que
eu te possa.Amor,
adormecer
. .TENTAÇÃO
DO MAR
^UE
o
teu abraço maternal, estreito,Fremente de
carinho,ó minha Mãe,
Seja
o
meu
berço postono
teu peitoPara que
euadormeça
edurma
bem
...
Q
E
que
os teus braços postos nesse geitoQue
só asMães
e asBem-amadas
teem,Prendam
a sio
aventureiro afeitoÁs
perturbantes tentaçõesdo Além
...
Que
o
teu olharresuma
em
piedadeA
divina visãoda
imensidade,—
Alto-marde
Mistério a desvendar.. .—
Cinje-mebem
ao
peito,com
ternura.. .Que
as tentadoras vozesda Aventura
Chamam
por
mim
das vastidõesdo
Mar!
AMOR
DE
DEUS
A
NTES,ó
meu
Amor,
—
pelos céus fora,**
Junto ás fontesda
Vida,vagueava
O
espiritode
Deus
. . .E
em
branca aurora.Em
comoção
eAmor
se concentrava. . .E
erao
Amor
o
espíritovogando
No
seiodo
mistério,—
claridadePromissora e divina,
fecundando
O
silencio irrealda
imensidade.Era a
extasiada vistaque resume
A
visão absoluta, a visão pura. E,sem
ser vida ainda, era perfume,48 Primavera deDeus
A
imensidademuda
e recolhidaNo
seu silencio extático e fecundo,Sentia já pulsar
em
si a Vida,Sentia
em
si o latejardum
mundo.
No
amor,em
Deus,no
abraçoimenso
epuro
Em
que
o
Amor
os espaços abranjia, Já existiao
tempo
eo
Futuro,E
a vida imensa e rútila existia .. .Alma
infinita e só,alma
fremente.Errante e claro espírito
de
Deus,Era
a anciã fecundaque
pressenteAs
floraçõesque
ham
de
estrelar os céusO
Universo eraamor
—
,o amor: oceano
A
transbordarna
imensidade escura,Aonde
o
cosmos, a Terra,o
sêrhumano.
Apenas
eram
a visão futura.O
Universo eraAmor
—
.E
era desejoQue
jáo
Amor
alvoreciao
espaço,E
resumia osmundos
jánum
beijo,Primavera de Deus 49
E
assim a imensidade jánão
eraAmor
somente,—
mas
amor-florido,Inquieto pressentir
de
primavera,Amor
de
Mãe
desperto e pressentido.E
á flor dos céus,no
abismo, á luzde
aurora,Piedoso olhar
do
Amor
amanhecente,Ondeava
na
luz, pelos céus fora,O
verbo creador,suavemente
. . .Depois
o
Amor,
céguinhode
sentir-seEm
simesmo,
céguinho e deslumbrado,Quiz
a si próprio,com
amor, cinjir-se,Quiz
abraçaro
Amor,
ser abraçado.E
o desejo elevou-seao
paroxismo,Em
crispações,em
êxtases, loucura, Ilimitando e reduzindoo
abismo.Em
fogo,em
luz,em
beijosem
ternura.—
Ah
que
visão longinquaem
mim
se exaltaEm
meus
Íntimos olhos piedosos,Como
um
facho de luzprofunda
e alta50 Primavera deDeus
Era
a anciã indomáveldo
desejo,Num
desespero, delirante, louca,O
Amor
que
quer divinisar-seem
beijoE
que
vai p'ra beijar enão
tem
boca!Que
não
tem
lábiosque
resumam
tudo.Todo
o infinitoque
esseAmor
traduz,Que
luta e sofre,num
combate
mudo,
E
se desfazem
lagrimasde
luz . . .—
Ser tanto amor,—
Amor
—
, enão
ter braçosPara
cinjir a vastidãodos
céus,Para
abraçar os longesdos
espaços.Para
Deus
abraçarao
próprioDeus!
. . .Ser
tantoAmor
e pela imensidadeA
vaguear,como
um
espétro vão,—
E
não
poder,da
própria claridade, Fazer brotaro
Amor num
coração! . . .Nem
a tristezadum
olharsaudoso
A
recordar a luzque
seperdeu
. . .Ah!
nem
aDôr
dum
anjo doloroso,Dum
exilado a recordaro
ceuPrimavera deDeus 51
Nem
a loucura maternal, varrida,De
amargurada
Mãe
a recordarQue
o
filhomorto que
lhedeu
a vidaO
traz nos braços parao
embalar! . . .Nem
aamargura
imensadum
perfeito,Dum
carinhosoamor
abandonado,
A
aconchegar, sósinho, sobreo
peito,O
seu próprio sofrerbem
abraçado
. . .Nem
a tristeza sepulcralduns
braços Abertos, largos, francos, a abraçar,Que tombam
tristes, a sonhar abraços,Emquanto
os olhos ficam a chorar . . .E
nos olhosdo Amor,
de maravilha.Cintilavam as lagrimas ...
E
os céusFecundava-os
a Dôr, adoce
filhaAmorosa
e altissimade
Deus.Iam
tombando
as lagrimasno
espaço.Iam brotando
os soesna
escuridão.Num
germinalde mundos, no
regaço52 Primavera deDeus
Névoa
de
prantoem
olhos macerados,Luz de
visãosuprema
e piedosa,Ondeava
nos longes encantadosNo
extasiadoondear de
nebulosa . . .E
os desesperosda
emoção
que
elevaAs
lagrimas aos olhos, rutilavam,Enceguecendo
ealumiando
a treva,Nas
pupilas dosSoes
que deslumbravam
. . .E
o
caminho
das lágrimas, jornadaInfinita nos céus
da
alma,—
agoraEra
órbita imensa e abraçada,O
caminho
dos soes, pelos céus fora . ..—
Meu
Amor,
meu
Amor!
—
beija-me a boca!Que
nosconsuma
o
fogo, eque o
meu
ser,No
incendiado altarda
tua boca.Seja
um
momento
a imensidade a arder !Cinje-me a ti
um
desvairado abraço,Num
abraçode
morte, a delirar,Como
outrorao
Amor,
cingindoo
espaço,Primaverade Deus 53
Dêmo-nos,
meu
Amor,
como
se fosseO
doido incêndio desta vidaem
flor,Todo
o
Universo,numa
doida posse,A
consumir-senum
divinoAmor!
voz DAS
LAGRIMAS
(Maria deCastro)QUE
belossam
os olhos marejados,—
O
meu
Amor
—
de
lagrimas! ... PareceQue
sobre os nossos olhos extasiadosToda
a Beleza e toda a graça desce.. .Que
numa
lagrima somente,—
abraçoInfinito e divino,
—
os altos céus,A
nossaalma
e a vastidãodo
espaço.Se
beijam,fundem,
—
realizamDeus
.. .Deixa correr as lagrimas...
Só
vêem
Aquelas almas lúcidas
que teem
Os
olhos claros, doces,de
chorar...
Almas
de
Amor,
sem. vozque
diga tudo,Deslumbradas de
ceu,num
gestomudo,
Choram
...
E
o
pranto éum
modo
de falar...
PIEDADE
A
VIDA
éuma
aparênciaque
vagueia*^
Entre visões ideaisde
divindade,Sonho
de
Amor
medindo
a imensidade,Anciã de
Deus
ilimitando a Ideia...O
perfume
da Vida
é—
piedade,E
a piedade—
Deus,que
nela ondeia.. .E
vede
a terra, sob a lua cheia,—
Piedosa catedralde
Claridade.. .E
vede
aAlma,
como
em
si resume,—
Flor perfeitada
Vida,—
o
seu perfume,—
Seio origemde
Deus,—
todoo
esplendorVede
asmãos
postas,com
unção, rezando,Vede
osmeus
olhos, aminha Alma,
quando
Penso no
meu
Amor
.. .SONETO
N
TUM
momento
de
assombro
em
que
choramos,—
Assombro
feitode
emoção
e encanto,E
silencio eAmor,
—
nóscontemplamos
Um
aspétode
Deus
no
nosso pranto.. .E
tantoem
Deus
os olhos repoisamos,—
íntimos olhos—
num
delirio santo,E
na
sua visão nosdeslumbramos,
—
Que
nos sentimosDeus
sentindo-o tanto!. ..
Tornou-se
em
nós divina a própria vida.. .—
Azas de
Amor,
na
sede enternecida,Foram,
num
vôo
iluminar os céus...
E
agora,um
beijo enfloratodo o
espaço,E
adoçura
harmoniosa
dum
abraço,Cingindo
a Vida, abraçao
próprioDeus!
SONETO
/^OMO
as palavrasandam
tão pertinho^^
Do
meu
sentir,Amor, do
nossoamar
!
Palavras
que
sedizem
tão baixinhoQue
as almas, só, aspodem
escutar. ..
Sobe-me
aalma
aos olhos, para olharEsta
branda paisagem
.. .De
caminho,Emquanto
o
pranto sobe,de
mansinho,—
Sinto-a nos lábios,ponho-me
a rezar.. .E
vê tu,minha
vida, estadoçura
.. .Como
as palavrasdizem
bem
ternuraE
os olhosdizem
lagrimas,unção
! .. .«
Minha
irmãsinha,meu
Amor
perfeito...»—
Não
cabeo
coração dentrodo
peito,Não
cabeo
nossoAmor num
coração!..VELANDO
.. .JUNTO
dela, velando...E
sonho, e afagoImagens, sonhos, versos,
comovido
...
Vejo-a dormir...
O
meu
olhar éum
lagoEm
que
um
lirio alvorece reflectido...
Vejo-a dormire
sonho
...Só
de
vê-laMeu
olhar seperfuma
eem
minha
vistaHa
todoum
ceude
Amor
a estremecê-la,E
adevoção
anciosadum
Artista . . .—
Nuvem
poisada, alvente, sobre a neveDas
montanhas
do
ceu,—
ósono
leve,Hálito
de
jasmim, lirio, luar. . .Respiração
de
flor, doçura, prece . . .—
O
rouxinóis, calai! Fonte,adormece
!. . .LAR
QUANDO
te tenhoao
meu
coloComo
ás creançeis pequenas,E
te animo, te consoloDe
doces, maternas penas;Quando
teembalo cantando
Como
fosse tua mãe,—
Sorris,num
sorrisobrando
—
Que
só as creançastêm
.. .E
cingindo-tebem
entreMeus
braços,num
sonho, eu vejoO
fructo santodum
beijoQue
floresceno
teu ventre. .62 Primavera deDeus
Que
linda a curva suaveDas
ondas mansas do
Mar!..
—
Cálixde
flor, colode
ave,—
Oração
a Deus, altar.. .Ò
curvas cheiasde
graça,E
alma!Curvas
em
flor!. . .—
Ondas
. . .Sobre
aagua
passaO
espiritodo
Senhor. . .Senhor
Deus, fonte deVida
E
arte!. . .Magia
eternaQue
faz a terra floridaE
torna aMulher
materna!Quando
em
meus
braços te arroloEu
fico a olhar-te, a sorrir. . .E
julgo terao
meu
coloO
meu
filhinho a dormir. . .VERSOS
DA
MINHA
VENTURA
Para
meu
filhoJUNTO
da
suaMãesinha
Mesmo
agoraadormeceu.
Ele émeu
e ela éminha.
. .—
Tenho
na
terrao
meu
ceu!E
étam
perfeitinho, tantoSol el' fez nascer
em
mim,
Que
me
pareceum
encantoTer
jáum
filhinho assim. . .Tam
lindo que, sóde
vê-lo,Me
dizem, sorrindo, os mais:«Tam
pequenino
etam
belo,64 PrimaveradeDeus
Ponho-me
a olhá-lo e adivinhoA
curva desconhecida,O
mist'riosocaminho
Desta
pequenina
Vida.Ha
de
ser justo.A
BelezaHa
de-o encantar, dominar. Nele toda a Natureza Bela e castaha de
cantar.Que
toda a forçada
terraToda
a Belezado
Ceu,—
Todo
oAmor
que
aVida
encerraCantaram
num
beijomeu!
Ha
de ser poeta. . .Ser poeta
E
sentir aVida
todaEm
nossa Vida, alta e inquieta.De
joelhos á nossa roda.. .E
trazerno
olhar,—
Solnado
—
Um
grande
Amor,
e sentirNa
alma,um
ceutodo
estrelado,Primaverade Deus 65
E
é erguernum
sobresalto,—
Novo
e eternoPrometeu
—
Luz
de Beleza,bem
alto,Desta vida para o ceu!
E
moldar na
argila a asa P'ra cingiro
firmamento
. ..
E
trazer aalma
rasaDe
luz, sofrendoo
tormento
De
ver,na
escura tristeza,Vidas
que
em
vão
seconsomem.
—
Ser poeta é ser a Beleza,Deus, o ceu, livres
no
Homem!
Que
os seus olhosonde
agoraEu
adivinhouma
luz.Sejam
um
nascerde
aurora,Mais
belosque
osde
Jesus...
Que
a dôr os torne piedosos.—
Ha
um
sofrerque
só exalta.—
Chorar
é vermos, anciosos.Uma
luzque
aos outros falta.66 PrimaveradeDeus
Deus
lhe dê tanta venturaComo
aque
me
deu
.. . E, assim,Cresça ele
em
formosuraComo
esta anciedadeem
mim.
Que
estaalma
alvorecidaQue
o
meu
amor
vai tecendo,Seja,
no
Oceano
da
Vida,Onda
de
Amor
bemdizendo.
Ê
o seu corpobem
amado,
Pequenino, lirial,
—
Um
sacrário iluminadoEm
sede inquietade
ideal.O
meu
filho!Deus
o façaTam
belocomo
feliz,E
lhe dê a santa graçaDum
S. Franciscode
Assis. . .Asas da minha
ventura.Minha
alma,ó
ceu aberto!—
Subi atamanha
alturaPrimavera de Deus 67
Fonte
de
Amor
alto erguida,Agua
de
luz a nascerNos
castos flancosda
Vida,—
Versos,—
cessaide
correr!—
Alma
—
toma
as asas tuas, Sobe,em
pranto, aos olhosmeus!
—
Já nosmeus
olhos flutuasE
ésnévoa do
mar
de
Deus
.. .—
Lagrimas,—
correi á tôa!O
mar, senunca
secasses!. . .—
Ai
que
cariciatam
boa!—
Quem
me
beija, assim, as faces?CANÇÃO
TTENHO
duas
mães na
terra.Dois regaços
pVa
sonhar,Ambas
sam
minha
ventura,Ambas
me
sabem
am.ar. ..
Uma
trouxe-me nos braços,Deu-me
aahna
e a creação,Á
outradou
eu abraçosFilhos
do
meu
coração. . .Tenho
duas
Mães
na
terra,Uma
á Vida, á luzme
deu.Dei á outra
o
corpo e alma,70 Primaverade Deus
Uma
tem
cabelos brancos,A
outra a Belezaem
flor,Uma
éAvó,
outraMãe,
Ambas
por
graçado
Amor.
Tenho
duas
Mães
na
terra. . .Talvez três,
contando
bem,
—
Porque
aMãe
do
meu
Amor
E
também
aminha
Mãe
. ..
Tenho
uma
Mãe,
tenho duas,Tenho
três,que
maisquero
eu?
Tenho
um
filho e souamado.
COMO
os tivesse aambos
no
regaço,A
chorar de ventura escrevo agora. .E
o
meu
Amor
éum
piedoso abraçoUm
diluviode
luz pelos céus fora!. . .Canta
em meu
coração oimenso
espaço,Nasceu
em mim
uma
divina aurora,E
este infinitoAmor
que
eunão
abraçoE
não
cinjo,—
esteAmor
—
soluça, chora!,O
meu
filho,meu
Deus!Ah!
que
tortura Sentir aalma
anciosa de infinitoA
transbordar, opressade
ventura!.. .O
minha
Arte inútil, incompleta.. .—
Quanto
mais dizum
desvairado grito,Eo
Amor,
o
Amor,
ah!que
maior poeta!/^
meu
orgulho louco, esta cegueira^'^
Que
me
deslumbra,—
senão
seidizê-lo,—
E
um
incêndio deAmor!
A
terra inteiraE
pequena
demais para contê-lo . . .A
luz deDeus
cinjiu aminha
fronte,Floriu
meu
coraçãocomo
um
jardim!
—
Minha
alma
éum
céusem
horizonte,Eu
tragoum
rnarsem
praias dentroem mim
!
Quasi
perdi a voz para cantar-te,O
esforço,ó
Victoria!A
minha
artePôz
asmãos
e rezou,olhando
o céu . . .Reza no
meu
Amor
todo
o Universo1E
extasiado eusonho ao
pédo
berçoEm
que, a sorrir,meu
filhoadormeceu
!
SENHORA
DO
CREPÚSCULO
ERNURAS
de
crepúsculo veladas,Piedoso
tombar da
noitequando,
No
silencio ena Sombra,
extasiadas,As
coisassonham,
vagas, recordando.
Manso
florirde
estrelas docemente,Olhar de
justoque
se extinguevendo
A
luz deDeus
alemdo
aparente,—
Liriona
escuridão transparecendo. .Estremecer
de
pálpebras suavesSobre
a graçadum
rosto virginal. Folhastombando,
musicaes e graves,Nuvens
subindoem
vôo
triunfal..76 PrimaveradeDeus
Doçura de
mãos
postas, arde
prece,Bater
de
asas, murmúrios, gestos lentosTam
amor
etam
alma
que
pareceSerem
os nossospróprios sentimentos...
Vago
fundir das coisasno
regaço Inefávelda
Sombra, de
mansinho,—
Beijodo
ceu á terra, etéreo abraçoDe
dois corpos astraes, devagarinho..
Silencio iniciador,visão
de
encanto,Que
as lagrimas revelam se o sentirSobe
em
palavras divinaesde
prantoE
as almas secontemplam
a sorrir.. .Brando
fluirdo
espirito profundo, Inefável, á flor das coisas calmas,Entrevisão ideal
dum
outromundo,
Silencioso alvorecer das almas.. .
Intérmino
murmúrio,
voz distante.Misteriosa voz
apenumbrada,
—
—
Vem um
rebanho
pela estrada adeante,Primavera de Deus 77
Neste concerto irreal
que
anda
tentandoNossa alma
á aventurado
mistério,Das
alturasdo
ceu,num
vôo
etéreo,As
pálpebrasda
noitevão
tombando
. ..
Entre a visão dos long-es incendiados,
Em
oiro vivo,o
poente arde e deslumbra,E
os seus mil olhos fulvos, desvairados,Brilham
na
vasta facede
penumbra
.. .E
tu falas baixinho;como
falaEste silencio a
murmurar
doçura
.. .—
Toda
a piedadeque
o crepusc'lo exala—
Já a sentiraem
tua formosura!.. .Olha
os choupos.Amor,
olha a clarezaDesta agua, a brilhar
como
um
tesoiro!
E,
ao
fundo, ao long-e, a rútila belezaDa
agua
beijandoo
ceunum
beijode
oiro!Vê
aalameda
extática, sombria,O
olharda
agua
em
oiro,caminhando
! ..
E
ao
fundo,ao
longe, a vívida agoniaDo
claro ceuem
chamas
delirando!78 Primaverade Deus
—
ígneo portaldo
ceu,ao
longe, aofundo
!Silenciosa e trágica viagem!
Jornada de
mistério eAmor
áimagem
Das
almas á procurado
outromundo!
...
Olha
aalameda
extática e silente! Vão'se os olhos e a alma,em
tentação,No
encantoda
agua, e fica a genteA
estremecerde
assombro
ecomoção!
Deixa os teus olhos
vaguear
no
encantoNo
extranho encantomudo
que
noscerca,Pr'a
que o
mistério nos possua tantoQue
este sentirde
forma
vã se perca...Perde
os teusolhos,meu
Amor,
na
extranha Visãoque
em
nossaalma
se alevanta.Largo romper de
Sol,onda
tamanha
Primavera de Deus 79
E
palavrasque
aboca
desconhece,Duma
divinaedade
hoje esquecida EstaHora
as dirá.Comnosco
éDeus!
Não
fales...O
silencioéamelhor
prece.. .Resam
em
nós oAmor,
oMundo,
a Vida,Somos
atardemorta,e oAmor
eoscéus!...1911.
o
ELOGIO
DA
INFÂNCIA
r^ALAR
da
Infância...Eu
devia Trazêr-vos entre esplendores,Em
vez destes versos—
flores—
,
Lírios
em
vêz de poesia...Devia pedir ao Sol
A
graça divina...Ao
luarA
doçura...E
ao rouxinolA
ternurado
cantar...E
ao
ceu azul.—
, se pudera,Ao
céu, a etérea pureza,A
alegria á Primavera,E
áVida
eterna a beleza...84 Primavera deDeus
Perfume
ás flores... FragrânciaAs
rosas... Depois... e assim,Diria,
em
louvorda
Infância,Tudo
quanto
eu sintoem
mim..E
osmeus
versos, ao 'screvê-los. Teria, junto aomeu
peito,Sentados
nosmeus
joelhos.Os
meus
filhos...De
tal geitoQue
a ternura dosmeus
versosFosse a intima ternura
De
mil encantos diversos,—
Toda
a m.inha formosura!
Falar
da
infância!Nem
flores ao Sol abrindo.Ondas
cantando
no
Mar, Estrelasno
ceu florindo.Primavera de Deus 85
Ah!
nem
toda a claridadeQue
o
Sol espalha nos céusNem
talvez toda abondade
Que
sorrino
olhar de Deus..Bem
poderiam
dizerA
alegria cristalina,Toda
a pureza divinaDo
vossomodo
de ser!Vós
sois a aurorada
Vida,—
A
Vida
feita creança,E
engrinaldada, florida,De
inocência e de esperança....
Como
um
regato contente,Pranto
da
terra, a cantar.Ainda
pertoda
nascenteSem
pensar sequerno
Mar...Ou
como
a flor convencidaDe
que
aVida
seresume
—
Para
belezada
Vida,—
Em
côr,em
som,em
perfume!.86 PrimaveradeDeus
(Nas madrug-adas brilhantes
Quem
pensa láno
Solpôr?)
Vos
sois a vidaem
descantes,A
Vida cantando
em
flor!...Ai,
não
acordes,ó
mágua,
—
Vá,
não
despertes,ó
dôr...—
Se
os olhos se arrasamde
água
E
um
prantosem
amargor!
E
a vidade
toda a genteSomente
devia serA
alegria transparente.Pura
edoce
de viver!...E
cada alma
devia.Em
claridade e esperança.Guardar
esta melodia,Sêr
uma
eterna creança!...Falar
da
Infância...O
Poeta
Mal
balbucia, a cantar...—
Tomba
inerte,ó
asa inquieta,Primavera de Deus 87