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ISSN (eletrônica) Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão SC

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Academic year: 2021

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ISSN 2317-0077 (eletrônica)

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina

Tubarão – SC

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Dados Postais/Mailing Address

Revista Cientifica Ciência em Curso

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) A/C Editores

Av. Pedra Branca, 25 – Cidade Universitária Pedra Branca CEP: 88.132-000, Palhoça, Santa Catarina, Brasil cienciaemcurso@unisul.br

Ficha Catalográfica

Revista  Científica  Ciência  em  Curso/Universidade  do  Sul  de  Santa   Catarina.  -­‐  v.  3,  n.  1  (jan./jun.  2014)  -­‐  Palhoça:  Ed.  Unisul,   2012  -­‐  

 

Semestral   ISSN  2317-­‐0077    

1.  Ciência  -­‐  Periódicos.  2.  Cultura  -­‐  Periódicos.  3.  Análise  do   discurso-­‐Periódicos.  I.  Universidade  do  Sul  de  Santa  Catarina.  

CDD  405   Elaborada  pela  Biblioteca  Universitária  da  Unisul  

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Reitor

Sebastião Salésio Herdt

Vice-Reitor

Mauri Luiz Heerdt

Chefe de Gabinete

Willian Corrêa Máximo

Secretária Geral da Unisul

Mirian Maria de Medeiros

Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Extensão

Mauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos

Valter Alves Schmitz Neto

Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional

Luciano Rodrigues Marcelino

Assessor de Promoção e Inteligência Competitiva

Ildo Silva

Assessor Jurídico

Lester Marcantonio Camargo

Diretor do Campus Universitário de Tubarão

Heitor Wensing Júnior

Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis

Hércules Nunes de Araújo

Diretor do Campus Universitário Unisul Virtual

Fabiano Ceretta

Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem

Fábio José Rauen (Coordenador)

Dilma Beatriz Rocha Juliano (Coordenadora Adjunta)

Av. José Acácio Moreira, 787

88704-900 – Tubarão - SC

Fone: (55) (48) 3621-3000 – Fax: (55) (48) 3621-3036

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Equipe Editorial/Editorial Staff Editores/Editors

Ana Carolina Cernicchiaro Giovanna G. Benedetto Flores Nádia Régia Maffi Neckel Solange Maria Leda Gallo

Secretária/Secretary

Alexandra Tagata Zatti – Bolsista Capes

Conselho editorial/Editorial board

Aldo Litaiff, Universidade do Sul de Santa Catarina

Alessandra Soares Brandão, Universidade do Sul de Santa Catarina Amanda Eloina Scherer, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Ana Josefina Ferrari, Universidade Federal do Paraná, Brasil

Andréia da Silva Daltoé, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil Antonio Carlos Santos, Universidade do Sul de Santa Catarina

Bethania Sampaio Corrêa Mariani, Universidade Federal Fluminense, Brasil Carla Barbosa Moreira, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Carla Süssenbach, Universidade do Contestado, Brasil

Carme Regina Schons, Universidade de Passo Fundo, Brasil

Cármen Lucia Hernandes Agustini, Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Carolina de Paula Machado, Universidade Federal de São Carlos, Brasil

Carolina María R. Zuccolillo, Universidade Estadual de Campinas, Brasil, Brasil Carolina Padilha Fedatto, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil, Brasil Cláudia Maria Vasconcelos N. de Souza, Fundação Educandário Santarritense, Brasil Claudia Regina Castellanos Pfeiffer, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Cristiane Dias, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Dantielli Assumpção Garcia, União das Faculdades dos Grandes Lagos, Brasil Débora Raquel Hettwer Massmann, Universidade do Vale do Sapucaí, Brasil Deisi Scunderlick Eloy de Farias, Universidade do Sul de Santa Catarina Dilma Beatriz Rocha Juliano, Universidade do Sul de Santa Catarina Ercília Ana Cazarin, Universidade Católica de Pelotas, Brasil

Fábio José Rauen, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil Fernando Vugman, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil Gilmar Luis Mazurkievicz, Universidade do Contestado, Brasil

Heloisa Juncklaus Preis Moraes, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso, Universidade Estadual de Maringá, Brasil, Brasil Jussara Bittencourt de Sá, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Luiz Carlos Martins de Souza, Universidade Federal do Amazonas, Brasil Maria Marta Furlanetto, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil Maurício Eugênio Maliska, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

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Nadja de Carvalho Lamas, Universidade da Região de Joinville – Univille, Brasil Ramayana Lira de Sousa, Universidade do Sul de Santa Catarina, Brasil

Sandro Braga, Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Silmara Cristina Dela-Silva, Universidade Federal Fluminense, Brasil Simone de Mello de Oliveira, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Suzy Lagazzi, Universidade Estadual de Campinas, Brasil

Telma Domingues da Silva, Universidade do Vale do Sapucaí, Brasil

Equipe Técnica/Technical Team

Alexandra Tagata Zatti (Revisão)

Regina Aparecida Milléo de Paula (Revisão) Ana Carolina Cernicchiaro (Tradução) Fernando Vugman (Tradução)

Fábio José Rauen (Diagramação)

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SUMÁRIO/CONTENTS

Apresentação/Presentation 9

Artigos de Pesquisa/Research Articles

“Só há causa naquilo que falha” A (des)construção da AD em três fases

"There is cause only in something that doesn't work": The DA (de)construction in three stages.

Alexandre Wagner da Rocha

Nádia Régia Maffi Neckel 11

O ambiente e o turista: uma abordagem discursiva

The environment and the tourist: a discursive approach

Telma Domingues da Silva 21

Patrimônio artístico, histórico e cultural do município de Lages: articulações entre a escola e os espaços culturais

Artistic, historical and cultural heritage of the city of Lages: linkages between schools and cultural spaces

Mercedes Maria Gevaerd

Silvia Sell Duarte Pillotto 29

Técnica e desenvolvimento: perspectivas analíticas a partir de Álvaro Vieira Pinto e Martin Heidegger

Technique and development: analytics perspectives on Álvaro Vieira Pinto and Martin Heidegger

Sandro Luiz Bazzanella José Ernesto de Fáveri

Adilson Boell 39

Ensaio/Essay

Tambor de crioula do Maranhã

The Tambor de Crioula, from Maranhão

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Resenha/Review

Michel Foucault: O trajeto da voz na Ordem do Discurso

Michel Foucault: the path of voice in The Order of Discourse

Alexandra Tagata Zatti

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CERNICCHIARO,  Ana  Carolina  et  alii.  Apresentação.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em   curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  9-­‐10,  jan./jun.  2014.  

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APRESENTAÇÃO/PRESENTATION

A Revista Científica Ciência em Curso é organizada pelas professoras do Programa Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina: Giovanna Benedetto Flores; Nádia Régia Maffi Neckel, Solange Maria Leda Gallo, e a doutoranda do programa Regina Aparecida Milléo de Paula.

A Revista Científica nasce vinculada à Revista de Divulgação Científica homônima de cunho multidisciplinar, no entanto, pretende estabelecer um diálogo teórico em Análise do Discurso e, em suas próximas edições voltar-se-á às questões do discurso, de suas distintas materialidades e de seus múltiplos pontos de abordagem teórica e metodológica.

A presente edição marca, portanto, sua fase de transição trazendo textos de pesquisadores de outras áreas do conhecimento (como a Arte e a Filosofia) e textos de analistas do discurso especificamente. Tais textos propõem um diálogo generoso e produtivo, caracterizado pelo cruzamento de ideias e de posturas intelectuais, convidando o leitor para uma interlocução crítica tão necessária ao avanço de nossas pesquisas e propostas de trabalho na área do discurso, da cultura e da mídia.

Temos, nesta edição, o artigo “Só há causa naquilo que falha” – a (des)

construção da AD em três fases no qual os pesquisadores Alexandre Wagner da Rocha

e Nádia Régia Maffi Neckel retomam as diferentes fases pela qual a Análise do Discurso passou durante sua (des) construção enquanto (des) disciplina no intuito de melhor compreendermos o modo como a AD trata seu objeto atualmente. Para tanto, estes pesquisadores, em seu artigo, tomam como ponto de partida textos de Michael Pêcheux (1983), e de colaboradores.

No texto O ambiente e o turista: uma abordagem discursiva, Telma Domingues da Silva situa a questão ecológica de uma perspectiva discursiva, explicitando isso através da análise de um enunciado “Santuários ecológicos: quantos são, onde ficam e como passar férias nos paraísos naturais brasileiros”. Enunciado este, apresentado na capa da Revista Veja de 7 de dezembro de 1994.

Os pesquisadores Sandro Luiz Bazzanella, José Ernesto de Fáveri e Adilson Boell, em seu artigo Técnica e desenvolvimento: perspectivas analíticas a partir de

Álvaro Vieira Pinto e Martin Heidegger, colocam em jogo a relação entre técnica e

desenvolvimento, entrecruzando duas matrizes filosóficas e seus respectivos posicionamentos “prometeicos” e “faústicos” diante desta relação na contemporaneidade.

Refletir a respeito do patrimônio artístico, histórico e cultural do município de Lages no planalto serrano do estado de Santa Catarina é a proposta das pesquisadoras Mercedes Maria Gevaerd e Silvia Sell Duarte Pillotto em seu artigo Patrimônio

artístico, histórico e cultural do município de Lages: articulações entre a escola e os espaços culturais. Trata-se de uma articulação entre a escola e os espaços culturais

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CERNICCHIARO,  Ana  Carolina  et  alii.  Apresentação.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em   curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  9-­‐10,  jan./jun.  2014.  

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O ensaio Tambor de Crioula do Maranhão da doutoranda Conceição de Maria dos Santos Pacheco ancora-se na Análise do Discurso francesa para apresentar uma expressão da cultura regional do estado do Maranhão, então, denominada pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial; o gesto de interpretação, desta pesquisadora, é crítico na medida em que questiona as denominações institucionalizadas.

Na última seção deste número, é apresentada a resenha da obra de Pedro de Souza: Michel Foucault: o trajeto da voz na ordem do discurso da doutoranda Alexandra Tagata Zatti orientada pela professora Dra. Nádia Régia Maffi Neckel.

Acreditamos e esperamos que a Revista cumpra sua função de instrumento de divulgação da pesquisa que se faz hoje em um dos campos dos estudos da linguagem, tanto em nossa universidade quanto em outras universidades do país. Convidamos, portanto, os leitores a dialogarem com os textos aqui apresentados.

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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“SÓ HÁ CAUSA NAQUILO QUE FALHA”

A (DES)CONSTRUÇÃO DA AD EM TRÊS FASES

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Alexandre Wagner da Rocha2 Nádia Régia Maffi Neckel3

Resumo: O presente artigo tem como propósito retomar as diferentes fases pela qual a

Análise do Discurso passou durante sua (des)construção enquanto (des)disciplina no intuito de melhor compreendermos o modo como a AD trata seu objeto atualmente. Para tanto, tomamos como ponto de partida textos de Michael Pêcheux (1983), e de colaboradores, principalmente Paul Henry (1997), buscando pontos de ancoragem em outros textos do próprio Pêcheux, bem como nos postulados de Althusser (2007) e na reconstituição teórica/histórica da AD produzida por Maldidier (2003). Presentifica-se, por meio desse artigo, a necessidade sempre premente de retornar aos textos fundadores da AD, a fim de se melhor compreender a inscrição teórica a qual nos filiamos.

Palavras-chave: Análise do Discurso. Sujeito. Ideologia. Formação Discursiva..

A Análise do Discurso (AD) de vertente francesa constrói sua teoria e dispositivos analíticos embasada em um tripé composto pela Linguística (saussuriana); pelo Materialismo Histórico (Marx/Althusser); e pela Psicanálise (lacaniana), tomando a língua enquanto materialidade do linguístico, do social, do histórico e do ideológico.

No que tange a Linguística saussuriana, a leitura da AD pensa a relação língua/fala - sujeito/sociedade, o que revela a opacidade da língua, sendo que esta não é homogênea.

O Materialismo Histórico entra na AD pelo viés althusseriano, a partir de uma releitura de Marx, desenvolvendo o conceito de ideologia e os modos como esta atua. Já a Psicanálise permite, a partir da leitura que Lacan fez de Freud, estabelecer-se relações entre a linguagem, o inconsciente e a ideologia.

Os fundamentos teóricos e metodológicos da AD, na forma que os compreendemos hoje, derivam, principalmente, dos estudos pioneiros desenvolvidos por Michel Pêcheux na França. Sendo assim, o presente artigo visa traçar um breve histórico de como Pêcheux, com a colaboração de outros autores, foi construindo, desconstruindo e interpretando as relações língua/sujeito/ideologia ao longo do tempo.

1 Este texto faz parte da dissertação de mestrado do autor: O Discurso Pedagógico no EVA - Diferentes Posições Sujeito, defendida em julho de 2013 pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da

Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL/SC.

2 Mestre em Ciências da Linguagem pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da

Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL/SC. Assistente acadêmico no setor de Capacitação e Assessoria ao Docente - CAD da UnisulVirtual - UNISUL/SC. E-mail: rocha.alexandre@unisul.br

3 Professora orientadora da referida dissertação. Doutora em Linguística pela Universidade Estadual de

Campinas – UNICAMP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL/SC e da Universidade do Contestado – UnC/SC. E-mail: nadia.neckel@unisul.br

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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A primeira fase, sob a qual versaremos nos próximos parágrafos, já apontava para várias formulações que se construiriam a partir do que Pêcheux nomeou de “maquinarias discursivas”.

Segundo Paul Henry (1997), a primeira publicação de Michael Pêcheux, “Reflexions sur la situation théorique dês sciences sociales”, ocorreu em 1966 sob o codinome Thomas Herbert. Utilizando este mesmo pseudônimo, Pêcheux publicaria, em 1968, outro texto abordando as ciências sociais, “Remarques pour une théorie générale

dês idéologies”. Em paralelo a estas publicações, Pêcheux publicou, ainda na década de

60, outros dois textos nos quais assumia a autoria, um no Bulletin Du Centre dÉtudes

ET de Recherches Psychometechniques em 1967, e outro na Psychologie Française em

1968, ambos os textos relacionados à análise do discurso.

Paul Henry coloca que, abordando temas aparentemente dispersos nas obras assinadas por Herbert/Pêcheux, mesmo ao analisarmos L´Analyse automatique du

discours (PÊCHEUX, 1969), encontraremos dificuldade em relacionar a obra dos

“dois” autores, pois enquanto Herbert abordava temas como “teorias das ideologias” e “teoria do inconsciente”, Pêcheux traria, nesta última obra citada, apenas uma nota de rodapé referindo-se a teoria psicanalítica e, aparentemente, ignorando por completo as teorias das ideologias.

Apesar das aparentes divergências entre as obras, a estratégia adotada por Pêcheux visava:

[...] abrir uma fissura teórica e científica no campo das ciências sociais, e, em particular, da psicologia social. Ele afirmava, no momento da publicação de A análise automática do

discurso, que ali se encontrava seu objetivo profissional principal. Nesta tentativa, ele

queria se apoiar sobre o que lhe parecia já ter estimulado uma reviravolta na problemática dominante das ciências sociais: o materialismo histórico tal como Louis Althusser o havia renovado a partir de sua releitura de Marx; a psicanálise, tal como a reformulou Jaques Lacan, através de seu ‘retorno a Freud’, bem como certos aspectos do grande movimento chamado, não sem ambiguidades, de estruturalismo. No fim da década de sessenta, o estruturalismo estava em seu apogeu. O denominador comum entre Althusser e Lacan tem algo a ver com o estruturalismo. O que interessava Pêcheux no estruturalismo eram os aspectos que supunham uma atitude não-reducionista no que se refere à linguagem. (HENRY, 1997, p. 14).

Paul Henry afirma que Pêcheux (sob a alcunha de Herbert) produziu em seus textos uma análise detalhada dos instrumentos científicos utilizados pelas ciências sociais, nos quais demonstrava acreditar que estas ciências encontravam-se num momento um tanto pré-científico, bem como careciam de um instrumento (científico).

Tomando por base a análise desenvolvida nas obras assinadas como Herbert, o objetivo de Pêcheux ao publicar “A Análise Automática do Discurso” seria o de produzir e oferecer este instrumento que lhes faltava.

Ao analisar as obras de Herbert/Pêcheux, Paul Henry diz ser possível identificar duas preposições fundamentais:

A primeira concerne às condições nas quais uma ciência estabelece seu objeto. A segunda, por sua vez, refere-se ao processo de ‘reprodução metódica’ deste objeto, isto é, o processo através do qual uma ciência explora, do interior, seu próprio discurso, testando sua consistência e necessidade. (HENRY, 1997, p. 16).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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Conforme afirmamos acima, o objetivo de Pêcheux ao elaborar “A Análise

Automática do Discurso” era o de fornecer um instrumento científico que auxiliasse as

ciências sociais na análise de seus objetos. No entanto, para Pêcheux, o modo de funcionamento das ciências, as quais embasavam, formulavam e reformulavam seus fundamentos e teorias dentro de si próprios, não mostrava-se um caminho “válido” para que as ciências se estabeleçam como tal, pois apenas se legitimavam dentro da própria ideologia de ciência. Para ele, “num certo sentido, toda ciência é, antes de tudo, a ciência da ideologia com a qual rompe” (HENRY, 1997, p.16). Outra característica do modo de funcionamento das ciências que preocupava Pêcheux era o da aplicação indiscriminada do método ou “reprodução metódica”, ou seja, dentro do modo de funcionamento das ciências, a partir do momento que um determinado método produz um resultado que valida uma determinada teoria, ele legitima-se como método (e a ciência como ciência). No entanto, este mesmo método é assimilado por outras ciências e passa a ser utilizado para analisar outros objetos, de diferentes teorias. Sem que estas ciências passem por uma reformulação teórico-metodológica, deslocam o método (e sentidos), produzindo contradições.

Pêcheux, ao desenvolver o método de Análise Automática do Discurso (AAD ou AD69), estava sujeito a estas mesmas contradições, apesar de seus estudos sobre os métodos científicos apontarem para o modo de funcionamento da ideologia (inclusive nas validações científicas). Em uma (auto) análise sobre o mecanismo que desenvolveu, Pêcheux (1997) relata a falha de um “método automático” (estatístico), pois o tratamento da língua nos primeiros trabalhos da AAD consideraram os textos que compunham o corpus discursivo como estando em “língua natural” (com sentidos preestabelecidos e sem erro)4.

[...] não seria o caso de colocar no início da análise linguística o que deve justamente aparecer como resultado da confrontação de objetos que derivam precisamente desta análise. Dito de outro modo, a análise linguística que a AAD almeja deve ser essencialmente de natureza morfossintática e, por esta razão, deve permitir a des-linearização especificamente linguística dos textos, ligada aos fenômenos de hierarquias, encaixes, determinações... Não seria, pois, o caso de introduzir uma “concepção de mundo” que repousasse numa semântica universal e a priori, já que isto significaria voltar a incluir no próprio funcionamento da língua os processos discursivos historicamente determinados que não podem ser colocados como co-extensivos à língua, salvo se identificar-se ideologia e língua. (PÊCHEUX, 1997, p. 172).

A fim de compreender melhor essa (des)disciplina que é a Análise do Discurso, faz-se necessário um percurso sobre alguns princípios que nortearam as noções fundadoras da Análise do Discurso. Para tanto, partiremos de conceitos como aparelhos ideológicos de estado, ideologia e sujeito em Althusser.

Ao percorrer as leituras sobre os Aparelhos Ideológicos do Estado em Althusser a partir de uma filiação teórica na AD pecheutiana, trazemos nas palavras de Maldidier a

4 “Estudando os conceitos propostos por Michel Pêcheux no Semântica e Discurso, Jean-Marie Marandin

observava, justamente, que o dispositivo da AAD69, orientando para a “deslinearização” e a constituição dos domínios semânticos, conduzia a “negligenciar” o interdiscurso.” (MALDIDIER, 2003, p. 72).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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visão que compartilhamos para a escritura deste artigo: “Se fosse necessário, nesses anos de aprendizagem, designar um nome, um pólo, eu não hesitaria: Althusser é, para Michel Pêcheux, aquele que faz brotar a fagulha teórica, o que faz nascer os projetos de longo curso” (MALDIDIER, 2003, p. 18).

Althusser, a partir da releitura que faz de Marx, afirma que a classe dominante detém o poder do Estado, sendo assim, a ideologia das classes dominantes atua (in)diretamente no Aparelho de Estado, seja por intermédio dos Aparelhos (repressivos) de Estado, seja pelos Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), sendo que ambos os conjuntos de Aparelhos visam garantir a reprodução dos meios, das forças e das relações de produção. No entanto:

Ao contrário do que ocorria nas formações sociais escravistas e servis, esta reprodução da qualificação da força de trabalho tende (trata-se de uma lei tendencial) a dar-se não mais no “local de trabalho” (a aprendizagem na própria produção), porém, cada vez mais, fora da produção, através do sistema escolar capitalista e de outras instâncias e instituições. (ALTHUSSER, 2007, p. 57).

Para o autor, os Aparelhos (repressivos) de Estado, bem como os Aparelhos Ideológicos de Estado não funcionam unicamente pela repressão ou pela ideologia. No entanto, o que os diferencia é justamente o caráter predominante de um e de outro, sendo que os Aparelhos (repressivos) de Estado funcionariam prioritariamente através da violência, enquanto os Aparelhos Ideológicos de Estado atuariam por intermédio da ideologia.

(inclusive física) e secundariamente através da ideologia. (Não existe aparelho unicamente repressivo). Exemplos: o Exército e a Polícia funcionam também através de ideologia, tanto para garantir sua própria coesão e reprodução, como para divulgar os “valores” por eles propostos. Da mesma forma, mas inversamente, devemos dizer que os Aparelhos Ideológicos do Estado funcionam primeiramente através da ideologia, e secundariamente através da repressão seja ela bastante atenuada, dissimulada, ou mesmo simbólica. (Não existe aparelho puramente ideológico). Desta forma, a Escola, as Igrejas “moldam” por métodos próprios de sanções, exclusões, seleção etc... não apenas seus funcionários mas também suas ovelhas. E assim a Família... Assim o Aparelho IE cultural (a censura, para mencionar ela) etc. (ALTHUSSER, 2007, p. 69-70).

Nesta visão, os AIE (Escola, Igreja, Família, etc.) seriam então responsáveis por garantir a submissão à ideologia dominante através do ensino (perpetuação) de seus saberes e práticas. Para tanto, faz-se necessário que todos os agentes (exploradores e explorados) estejam imbuídos desta mesma ideologia que, por sua vez, se assegura (e é assegurada) através da reprodução das práticas e das condições de produção.

A reprodução da força de trabalho evidencia, como condição sine quae non, não somente a reprodução de sua “qualificação” mas também a reprodução de sua ideologia, devendo ficar claro que não basta dizer: “não somente mas também”, pois a reprodução da qualificação da força de trabalho se assegura em e sob as formas de submissão ideológica. Com o que reconhecemos a presença de uma nova realidade: a ideologia. (ALTHUSSER, 2007, p. 59).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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Ao passo em que reconhece esta nova realidade, a ideologia, Althusser trata então de esboçar uma teoria geral sobre a mesma.

Para o autor, a ideologia está para além das ideologias particulares (moral, religiosa, jurídica etc.) e, diferentemente destas, não possui história (ela não possui um passado ou um futuro, mas se faz sempre presente - a ideologia “é”). Ela possui uma estrutura e um funcionamento que se apresentam imutáveis ao longo do tempo.

A ideologia se manifesta materialmente nas/pelas práticas, por intermédio da relação que os indivíduos estabelecem com suas condições reais de existência. No entanto, é justamente nesta relação (nas práticas) que ela atua, pois esta relação que o indivíduo estabelece com suas condições reais de existência é sempre uma relação imaginária. O que se apresenta como real (verdade) para o indivíduo produz este efeito (de verdade) devido à posição que ele assume frente a esta realidade. Por isso, na perspectiva da AD, falamos em sujeito e não em indivíduo, daí a relação ideologia/sujeito:

[...] “a ideologia existe em um aparelho ideológico material, que prescreve práticas materiais reguladas por um ritual material, práticas estas que existem nos atos materiais de um sujeito, que age conscientemente segundo sua crença”. [...] a categoria sujeito é constitutiva de toda ideologia, mas, ao mesmo tempo, e imediatamente, - acrescentemos que a categoria de sujeito não é constitutiva de toda ideologia, uma vez que toda ideologia tem por função (é o que a define) “constituir” indivíduos concretos em sujeitos. (ALTHUSSER, 2007, p. 92).

A ideologia interpela os indivíduos em sujeitos, em um processo de dupla constituição onde ambos se constituem ao mesmo tempo em que são constituídos, pois só há ideologia pelos/para os sujeitos.

Segue-se que, tanto para vocês como para mim, a categoria sujeito é uma “evidência” primeira (as evidências são sempre primeiras): está claro que vocês, como eu, somos sujeitos (livres, morais, etc.). Como todas as evidências, inclusive as que fazem com que uma palavra “designe uma coisa” ou “possua um significado” (portanto inclusive as evidências da “transparência” da linguagem), a evidência de que vocês e eu somos sujeitos – e até aí que não há problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. Este é aliás o efeito característico da ideologia – impor (sem parecer fazê-lo, uma vez que se tratam de “evidências”) as evidências como evidências, que não podemos deixar de reconhecer e diante das quais, inevitável e naturalmente, exclamamos (em voz alta, ou no “silêncio da consciência”): “é evidente! é exatamente isso! é verdade!”. (ALTHUSSER, 2007, p. 95).

É pensando neste duplo caráter constitutivo dos sujeitos e da ideologia (imbricada na língua e na história), bem como a relação entre eles dentro de suas condições de produção, que a AD buscará compreender o funcionamento do discurso.

A segunda fase da AD, a qual Pêcheux intitula como “da justaposição dos processos discursivos à tematização de seu entrelaçamento desigual” (PÊCHEUX, 1997, p. 313) modifica, principalmente, a forma de tratarmos as Formações Discursivas (FD).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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Esta noção, tomada inicialmente por empréstimo de Foucault, se formulará, a princípio, como maquinarias fechadas em si, com discursos próprios, com os quais os sujeitos se identificam “plenamente”. Ao passar da análise linear da AAD69 para a justaposição dos processos discursivos percebe-se que:

Uma FD não é um espaço estrutural fechado, pois é constitutivamente “invadida” por elementos que vêm de outro lugar (isto é, de outras FD) que se repetem nela, fornecendo-lhe suas evidências discursivas fundamentais (por exemplo sob a forma de “preconstruídos” (sic) e de “discursos transversos”). (PÊCHEUX, 1997, p. 314).

A este atravessamento discursivo por elementos externos a uma determinada FD, que falam antes em outro(s) lugar(es), Pêcheux denominou interdiscurso. No entanto:

[...] o interdiscurso não é nem a designação banal dos discursos que existiram antes nem a ideia (sic) de algo comum a todos os discursos. Em uma linguagem estritamente althusseriana, ele é, “o todo complexo a dominante das formações discursivas, intrincado no complexo das formações ideológicas”, e “submetido à lei de desigualdade-contradição-subordinação”. Em outros termos, o interdiscurso designa o espaço discursivo ideológico no qual se desdobram as formações discursivas em função de relações de dominação, subordinação, contradição. Ele esclarece o que a experiência sugere: na luta política, por exemplo, não escolhemos nosso terreno, temas, nem mesmo nossas palavras. (MALDIDIER, 2003, p. 51).

Nas palavras do próprio autor:

[...] o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui como “sujeito falante”, com a formação discursiva que o assujeita. Nesse sentido, pode-se bem dizer que o intradiscurso, enquanto “fio do discurso” do sujeito, é a rigor, um efeito do interdiscurso sobre si mesmo, uma “interioridade” inteiramente determinada como tal “do exterior”. E o caráter da forma-sujeito, com o idealismo espontâneo que ela encerra, consistirá precisamente em reverter a determinação: diremos que a forma-sujeito (pela qual o “sujeito do discurso” se identifica com a formação discursiva que o constitui) tende a absorver-esquecer o interdiscurso no intradiscurso, isto é, ela simula o interdiscurso no

intradiscurso, de modo que o interdiscurso aparece como puro “já-dito” do intra-discurso,

no qual ele se articula por “co-referência”. (PÊCHEUX, 2009, p. 154).

Este artigo, desde seu título, nos remete a outra (auto) análise sobre os trabalhos desenvolvidos pela Análise do Discurso, publicada como anexo III (1978) na obra Semântica e Discurso (1975), na qual Pêcheux nos alerta para a “presença não reconhecida do próprio adversário no interior da cidadela teórica” (2009, p. 270), não apenas no interior da língua, como já havia postulado em sua (auto) análise sobre a AAD69, mas também através das “invasões” às formações discursivas, desenvolvidas na segunda fase da AD e, por fim, na constituição do sujeito.

Ao final de Semântica e Discurso, o autor chega à seguinte formulação sobre a forma-sujeito: “A forma-sujeito do discurso, na qual coexistem, indissociavelmente, interpelação, identificação e produção de sentido, realiza o non-sens da produção do sujeito como causa de si sob a forma da evidência primeira” (PÊCHEUX, 2009, p. 271).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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Na mesma obra supracitada, o autor, procurando contornar as acusações de “eternitarismo apolítico” lançadas contra os Aparelhos Ideológicos de Estado, delineou um contraditório sujeito materialista que, através da “apropriação subjetiva da política do proletariado” seria capaz de se voltar contra causas que o determinam. E é justamente este ponto que Pêcheux retoma em sua (auto) análise.

[...] eu me apoiava em uma exterioridade radical marxista-leninista para desvendar o ponto em que o absurdo reaparece sob a evidência, determinando, assim, a possibilidade de uma espécie de pedagogia da ruptura das identificações imaginárias em que o sujeito se

encontra, logo a possibilidade de uma “interpelação às avessas” atuando na prática política

do proletariado [...]. (PÊCHEUX, 2009, p. 275).

Ao desconstruir este sujeito “fantasmagórico”, Pêcheux retoma as referências teóricas da Psicanálise, pois conclui que o modo como o sujeito foi tratado em

Semântica e Discurso, aborda um sujeito “centrado” no ego, decorrente da

“forma-sujeito” da ideologia jurídica, em que nada falha. Segundo o autor:

[...] o fato de que o non-sens do inconsciente, em que a interpelação encontra onde se agarrar, nunca é inteiramente recoberto nem obstruído pela evidência do sujeito-centro-sentido que é seu produto, porque o tempo da produção e o do produto não são sucessivos como para o mito platônico, mas estão inscritos na simultaneidade de um batimento, de uma “pulsação” pela qual o non-sens inconsciente não para (sic) de voltar no sujeito e no sentido que nele pretende se instalar. [...] os traços inconscientes do significante não são jamais “apagados” ou “esquecidos”, mas trabalham, sem se deslocar, na pulsação

sentido/non-sens do sujeito dividido. (PÊCHEUX, 2009, p. 276-277).

Considerar que o processo de interpelação está sujeito à falha é considerar que o ritual, a reprodução de práticas das ideologias dominantes, também estão sujeitos a estas falhas, rupturas, as quais podem desestabilizar e provocar transformações em sua estrutura.

Ao redefinir o modo de constituição do sujeito da AD, Pêcheux termina por desconstruir as maquinarias discursivas, incluindo o outro, no processo de formulação dos sentidos. Nessa esteira, Pêcheux teve a contribuição dos trabalhos desenvolvidos por Jaqueline Authier-Revuz (1978) os quais, colocando em evidência as rupturas enunciativas no “fio do discurso”, faziam romper um discurso outro no próprio discurso.

A questão do discurso é, a partir de então, posta sob o signo da heterogeneidade. O primado do outro sobre o mesmo se impôs, eu poderia dizer, parodiando Michel Pêcheux. O que, nos anos precedentes, procurava-se através da contradição marxista ou nas falhas da interpelação ideológica, se inscreve agora no termo “heterogeneidade”. (MALDIDIER, 2003, p. 74).

Entre os trabalhos que lançam marco sobre a problemática da heterogeneidade, Maldidier (2003) destaca ainda as análises desenvolvidas por Jean Jacques Courtine e Jean-Marie Maradin, ambas apresentadas no colóquio Materialidades Discursivas, realizado entre os dias 24 e 26 de abril de 1980 em Nanterre (França).

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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Sendo que o primeiro, ao defender sua tese sobre o discurso comunista destinado aos cristãos, produzira uma síntese entre proposições foucaultianas e a Análise do Discurso, na qual, forçando ao limite o conceito de “formação discursiva” formula a noção de “fronteira que se desloca”, interditando qualquer interpretação fixista dos sentidos. Porém, com o movimento de desconstrução das maquinarias fechadas (formações discursivas), esta noção não teria um longo futuro no desenvolvimento da AD. Contudo, Courtine, ao reler Foucault, extrapola a ideia de “campo associado” presente em Arqueologia do Saber, sugerindo em sua intervenção “[...] o tema da memória, coligada no eixo vertical à repetição, mas também ao esquecimento, ao apagamento e à denegação [...]”. (MALDIDIER, 2003, p. 76).

Pêcheux (1983), ao desenvolver sobre a relação com o outro, bem como procurando desfazer o conceito maquinarias fechadas, coloca que:

[...] é porque há outro nas sociedades e na história, correspondente a esse outro próprio do linguageiro discursivo, que aí pode haver ligação, identificação ou transparência, isto é, existência de uma relação abrindo a possibilidade de interpretar. E é porque há essa ligação que as filiações históricas podem-se organizar em memórias, e as relações sociais em redes de significantes. (PÊCHEUX, 2008, p. 54).

Jean-Marie Marandin parte dos trabalhos de Deleuze para desenvolver sua tese em torno da questão da repetição. Ao apontar para o advento do diferente, a partir do retorno do mesmo, Marandin revela o espaço da sequência como lugar do heterogêneo, de rupturas, e lança bases filosóficas sobre a necessidade de se refletir no intradiscurso, na “repetição dos termos em extensão” dentro da Análise do Discurso.

O trabalho de Marandin, assim como outros apresentados durante este colóquio, foi reagrupado sob o título “Discurso e Linguística”. Este tema, segundo Maldidier:

[...] diz bem à ancoragem fundamental na linguística da análise do discurso concebida por Michel Pêcheux. No passado, a questão da relação língua-discurso tinha sido abordada frequentemente nos termos abstratos de base e processo, de autonomia (relativa) da sintaxe etc. Só a questão das relativas, objeto privilegiado da reflexão sobre o discurso, tinha sido objeto de estudos particulares. O relacionamento do discurso e da linguística anuncia uma outra iniciativa. Trata-se agora de se interrogar, apoiando-se sobre as pesquisas linguísticas em curso, sobre a discursividade. (MALDIDIER, 2003, p. 77).

Pêcheux, ao retomar leituras de Foucault, faz romper da noção de arquivo a necessidade de mudar os rumos no que diz respeito ao tratamento do arquivo. O gesto de leitura da Análise do Discurso deveria então sair da posição de “leitura de máquina” (dentro de formações discursivas “fechadas”) para a de confronto com outros textos sócio-históricos. Como diz Maldidier, parafraseando Pêcheux: “A análise do discurso deveria sair de seu fechamento, se confrontar com outras disciplinas, ‘pôr-se à prova’” (MALDIDIER, 2003, p. 80).

Ao retomar a noção de sujeito em Só há causa naquilo que falha ou o inverno político francês: início de uma retificação (1978), Pêcheux estava dando início à terceira fase da AD, a qual veio chamar depois de A emergência de novos procedimentos da AD, através da desconstrução das maquinarias discursivas (1983). Conforme podemos

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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perceber, esta fase gerou “sobretudo muitos pontos de interrogação”, os quais levaram a AD a tomar um outro rumo, modificando principalmente a forma de lidar com as noções de língua e sujeito na relação com o discurso e com a ideologia.

Revisitando esse percurso teórico de Pêcheux, torna-se possível compreender sua formulação que nos é mais cara: “Discurso é efeito de sentidos entre interlocutores.” (1997/2009), ou ainda: “A presença-ausente de um ‘não dito’ atravessa o ‘dito’ sem fronteira assinalável” (PÊCHEUX apud MALDIDIER, 2003, p. 85). É justamente nessa postura teórica e, consequentemente, política de Pêcheux que compreendemos o Discurso não apenas como estrutura, pois se assim fosse, estruturalmente as “maquinarias discursivas” teriam dado conta da questão da interpretação. Assim, Discurso é essencialmente: Estrutura e Acontecimento. E, sendo o acontecimento o “encontro de uma memória com uma atualidade” (PÊCHEUX, 2008) o mestre ensina, por meio do seu percurso, que:

O objeto da linguística (o próprio da língua) aparece aqui atravessado por uma divisão discursiva entre dois espaços: o da manipulação de significações estabelecidas, normalizadas por uma higiene pedagógica do pensamento, e o de transformação do sentido, escapando a qualquer norma estabelecida a priori, de um trabalho do sentido sobre o sentido, tomados no relançar indefinido das interpretações. Esta fronteira entre os dois espaços é tanto mais difícil de determinar na medida em que existe toda uma zona intermediária de processos discursivos (derivando do jurídico, do administrativo e das convenções da vida cotidiana) que oscilam em torno dela. Já nesta região discursiva intermediária, as propriedades lógicas dos objetos deixam de funcionar: os objetos têm e não têm esta ou aquela propriedade, os acontecimentos têm e não têm lugar, segundo as construções discursivas nas quais se encontram inscritos os enunciados que sustentam esses objetos e acontecimentos. (PÊCHEUX, 2008, p. 52).

Desta maneira, tomar discurso como estrutura e acontecimento é conceber-se sujeito de e sujeito à interpretação; é reconhecer-se nas tomadas de posição, nos efeitos de identificação e de desidentificação. Trabalhar com a Análise do Discurso nas três, ou todas as épocas, é então, nas palavras de Pêcheux (2008, p. 57), “uma questão de ética e política: uma questão de responsabilidade”.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Trad. Walter José Evangelista, Maria Laura Viveiros de Castro. 10ª Ed. Rio de Janeiro: Graal, 2007. HENRY, Paul. Os fundamentos teóricos da análise automática do discurso de Michael Pêcheux (1969); in Por uma análise automática do discurso: uma introdução a obra de Michael Pêcheux. HAK, Tony; GADET, Françoise; Trad. Mariane B. [et al] 3ª Ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1997.

MALDIDIER, Denise. A inquietação do Discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Trad. Eni P. Orlandi. Campinas, SP: Pontes, 2003.

PÊCHEUX, M. Ler o arquivo hoje. in Gestos de leitura. ORLANDI, Eni P. (org.) [et al]. 3ª Ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 2010.

______. Semântica e Discurso. Trad. Eni Pulcinelli Orlandi. 4ª Ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009.

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ROCHA,  Alexandre  Wagner  da;  NECKEL,  Nádia  Régia  Maffi.  “Só  há  causa  naquilo  que  falha”  A  (des)construção   da  AD  em  três  fases.  Revista  Científica  Ciência  em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  11-­‐ 20,  jan./jun.  2014.   Pá gi na

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______. O discurso: estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Pulcinelli Orlandi. 5ª Ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2008.

______. A Análise do Discurso: três épocas (1983). in Por uma análise automática do discurso: uma introdução a obra de Michael Pêcheux. HAK, Tony; GADET, Françoise; Trad. Mariane B. [et al] 3ª Ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1997.

PÊCHEUX, M. FUCHS, C. A propósito da Análise Automática do Discurso: atualização e perspectivas

(1975). In: Por uma análise automática do discurso: uma introdução a obra de Michael Pêcheux. HAK,

Tony; GADET, Françoise; Trad. Mariane B. [et al]. 3 ed. Campinas, SP: Ed. Unicamp, 1997. Abstract: This article has the objective of reviewing the different phases that the Discourse

Analysis has passed during its (de) construction while (un) discipline in order to better comprehend the way the Discourse Analysis treats its object nowadays. Therefore, the starting point will be texts from Michael Pêcheux (1983) and collaborators, especially Paul Henry (1997), searching for parallels in other texts from Pêucheux himself, in Althusser's (2007) postulates and in the theoretical/historical reconstitution of Discourse Analysis produced by Maldidier (2003). This article presents the frequent necessity of returning to the former texts of Discourse Analysis, in order to better comprehend the theoretical inscription in which we are affiliated.

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SILVA,  Telma  Domingues  da.    O  ambiente  e  o  turista:  uma  abordagem  discursiva.  Revista  Científica  Ciência  

em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  21-­‐27,  jan./jun.  2014.  

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O AMBIENTE E O TURISTA:

UMA ABORDAGEM DISCURSIVA

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Telma Domingues da Silva2

Resumo: Nesse texto, situamos a questão ecológica de uma perspectiva discursiva,

explicitando isso através da análise de um enunciado - “Santuários ecológicos: quantos são, onde ficam e como passar férias nos paraísos naturais brasileiros” -, capa da Revista Veja de 7 de dezembro de 1994. Através da análise de materiais referentes ao ecoturismo (textos de instituições de governo e de ONGs), procuramos mostrar de que modo a visão simultânea da pobreza social e da riqueza natural do Brasil funcionam, em diversos temas ambientais, no sentido de produzir uma interpretação “imediata” ou “natural” para a articulação ambiente/sociedade, silenciando as diferentes interpretações, que remetem à diferentes relações entre exploração e preservação da natureza. Como dissemos, essa visão simultânea se apresenta em diversos temas ambientais, evidenciando-se, porém, no tema do ecoturismo. Ou seja, o tema do ecoturismo constitui-se num lugar privilegiado de análise para a compreensão de algo que é próprio do discurso ambiental como ele se mostra atualmente na sociedade.

Palavras-chave: Ecoturismo. Discurso ambiental. Ecologia. Discurso ecológico.

Primeiramente, iremos, nesse texto, situar a questão ecológica de uma perspectiva discursiva, explicitando isso através da análise de um enunciado - “Santuários

ecológicos: quantos são, onde ficam e como passar férias nos paraísos naturais brasileiros” -, capa da Revista Veja de 7 de dezembro de 1994. A inclusão desse

enunciado, no presente trabalho, se justifica pela consideração da representatividade da revista em termos de circulação no país, mas, também, da representatividade do enunciado como modo de inscrição da questão ambiental na sociedade.

Na segunda parte do texto, através da análise de materiais referentes ao ecoturismo (textos de instituições de governo e de ONGs), procuramos mostrar de que modo a visão simultânea da pobreza social e da riqueza natural do Brasil funcionam, em diversos temas ambientais, no sentido de produzir uma interpretação “imediata” ou “natural” para a articulação ambiente/sociedade, silenciando as diferentes interpretações, que remetem à diferentes relações entre exploração e preservação da natureza. Como dissemos, essa visão simultânea se apresenta em diversos temas ambientais, evidenciando-se, porém, no tema do ecoturismo. Ou seja, o tema do ecoturismo constitui-se num lugar privilegiado de análise para a compreensão de algo que é próprio do discurso ambiental como ele se mostra atualmente na sociedade.

1  Publicado  originalmente  em  SERRANO, C. M. T. e BRUHNS, H. T. (org.) Viagens à natureza - turismo, cultura

e ambiente. Campinas: Papirus Ed. 1997. (Coleção Turismo).  

2  Doutora  em  Linguística  pela  Universidade  Estadual  de  Campinas  -­‐  UNICAMP.  Professora  da  Universidade  do  

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SILVA,  Telma  Domingues  da.    O  ambiente  e  o  turista:  uma  abordagem  discursiva.  Revista  Científica  Ciência  

em  Curso  –  R.  cient.  ci.  em  curso,  Palhoça,  SC,  v.  3,  n.  1,  p.  21-­‐27,  jan./jun.  2014.  

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I Na perspectiva teórica da Análise de Discurso (AD), a unidade se constitui não através do sujeito, mas do discurso. Em termos de discurso, pensamos, então, no próprio gesto interpretativo do sujeito ao reconhecer esse e não aquele outro sentido para determinado nome, ao se identificar nessa e não naquela outra designação. A AD se posiciona a partir de uma crítica às evidências constitutivas do sujeito e do sentido. Para a AD, sujeito e sentido se produzem simultaneamente, nas relações entre os discursos, através das identificações produzidas por estes. Daí que, quando falamos em sujeito e em sentido, estamos falando, antes, em posição de sujeito e em efeito de sentido (Pêcheux, 1988).

E ainda: para a AD, o histórico se inscreve na materialidade da língua. Assim, no que diz respeito à designação ecologia, por exemplo, circunscrevendo, inicialmente, uma disciplina da Biologia, o seu sentido se desloca, a partir de determinado momento, passando a representar também um posicionamento político, ou vários. Podemos dizer, hoje, que falar da (do lugar da) ecologia - ao denunciar agressões ao meio ambiente, ao se mostrar consciente dos problemas ambientais globais e/ou se mostrar atuando de acordo com um postura ecológica etc. - é estar se colocando dentro do espaço de significação do político. Isto porque, da década de 60 para cá, um dizer sobre a natureza (a ecologia ou o meio ambiente) “se espalhou” de diferentes modos pela(s) sociedade(s), funcionando, porém, de um determinado modo: falar de ecologia identifica o sujeito (as instituições, as empresas...) como um sujeito político.

Ao nos referirmos, aqui, a um discurso ecológico, estaremos então nos remetendo à inscrição histórica da fala da ecologia hoje, enquanto discurso político, num sentido o mais amplo possível. De uma perspectiva discursiva, a linguagem é considerada em seu funcionamento na sociedade. E isto para dizer, com relação ao que estamos tratando neste texto, que não apenas o que se apresenta como sendo discurso político é que funciona como tal. Por exemplo quando a fala da ecologia tende para uma representação mística, religiosa, ou quando tende para uma utilização comercial, econômica. No interior daquela primeira posição enunciativa, ou seja, quando nos colocamos através de uma representação mística da questão ecológica, imaginamos estar fora do político, na medida em que a possibilidade de uma mudança do real sócio-histórico (Pêcheux, 1992) estaria em outro lugar (numa mudança espiritual do ser humano) que não na mudança das relações sociais, históricas, das relações de força presentes na sociedade.

Estaríamos, nesse sentido, negando ao político o seu poder de intervenção no real, poder que não cessa de lhe imprimir uma direção. De uma posição exterior àquela segunda, ao nos colocarmos criticamente em relação a uma utilização comercial do discurso ecológico, poderíamos dizer que esta utilização se trata de um uso “indevido” e que não representa legitimamente o discurso ecológico. Esse gesto interpretativo, no sentido de não reconhecer a utilização comercial do discurso ecológico como legítima, é um gesto político de exclusão. O que procuramos mostrar aqui, em um e outro caso, é que há um sentido político na própria negação deste.

Podemos pensar, nessas duas posições, como “extremos”, na medida em que identificariam o sujeito ou por uma “inserção completa” na sociedade tal como ela se apresenta hoje, no caso da utilização comercial, ou pela possibilidade de uma mudança na sociedade “de fora” desta, no caso da representação mística.

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SILVA,  Telma  Domingues  da.    O  ambiente  e  o  turista:  uma  abordagem  discursiva.  Revista  Científica  Ciência  

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É, nesse sentido, que tomamos o enunciado abaixo como exemplo:

“Santuários ecológicos: quantos são, onde ficam e como passar férias nos paraísos naturais brasileiros.”3

Primeiramente, consideremos aí, quanto à mídia de grande circulação no país - em que esta revista se inclui -, que o que nela se apresenta significa ser de interesse público. Na sua constituição, esse enunciado situa o leitor (o público brasileito) como aquele que tem interesse em fazer turismo por lugares onde se pode encontrar uma “natureza preservada do homem ou da sociedade”, sentido que está na expressão santuários

ecológicos. Através da construção desse referente turístico - um lugar identificado por

uma natureza livre da intervenção humana -, circunscreve-se também no enunciado um determinado sentido de ecoturismo para o público brasileiro.

Desse modo, os lugares ecoturísticos do Brasil são designados neste enunciado por uma remissão a elementos próprios ao discurso religioso - santuários ecológicos,

paraísos naturais brasileiros -, o que imprime uma determinada significação para esses

lugares e para o desejo de um turismo brasileiro. Simultaneamente, o enunciado analisado produz uma identidade entre leitor e consumidor, uma identidade entre leitura e prestação de serviço. Observa-se que o enunciado aponta para o interior da revista, que viria preencher as expectativas delineadas por ele na capa, respondendo ao quantos são, onde ficam e como passar as férias. Esse “quantos, onde e como” representa, no que diz respeito ao contexto histórico, justamente, a administração, o gerenciamento desses lugares turísticos, significando assim uma “disponibilização” comercial, em que o leitor é interpelado enquanto consumidor. E, por essa remissão simultânea ao

religioso e ao comercial, o enunciado de que tratamos é representativo da inscrição do

ecoturismo na sociedade: na contradição entre a preservação da natureza das práticas econômicas existentes e a exploração da natureza pelas práticas econômicas existentes.

O ecoturismo se inclui no chamado paradigma do desenvolvimento sustentável. No conceito de desenvolvimento sustentável, tal como ele se encontra no documento

Nosso futuro comum (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E

DESENVOLVIMENTO, 1988), que transcrevemos abaixo, não fica determinado como deve ser a apropriação/desapropriação do meio ambiente:

O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988).

O que poderia, talvez, funcionar como uma abertura, ao que parece funciona, não para que essas práticas possam ser discutidas, mas justamente para que elas não o sejam. Através do mecanismo lingüístico da adjetivação, esse paradigma representa as práticas econômicas dentro de uma determinada legalidade ambiental: o próprio desenvolvimento sustentável, a exploração racional, a agricultura sustentável, o turismo

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ecológico etc. Essa adjetivação isenta a discussão das práticas, na medida em que ela

representa uma relativização dos sentidos dessas mesmas práticas, que já estariam então “dados” pelo próprio funcionamento da sociedade. Assim, a partir do conceito de desenvolvimento sustentável, as práticas econômicas podem ser apresentadas elas mesmas como produtos acabados, dentro dessa legalidade ambiental.

Com relação a esta questão, cabem aqui algumas considerações. A possibilidade de massificação pelo discurso capitalista está justamente na possibilidade de uma singularização do sujeito. Na sua homogeneização, o capitalismo agencia e determina o sujeito em geral como consumidor específico, singular, no momento em que significa o produto como produto único, personalizado. No que diz respeito ao ecoturismo enquanto produto, este se apresenta, pois, como uma opção diferenciada do turismo tradicional, distinguindo o sujeito.

Nos trechos abaixo, extraídos de uma publicação do SEBRAE de Salvador, o ecoturismo é colocado como uma novidade no mercado e como resultante de uma adequação entre a indústria turística e um mercado consumidor já existente:

Ocorre o ‘redescobrimento’ da natureza e o turismo se ocupa da comercialização do produto ecoturístico com rapidez, buscando integrá-lo às novas formas de exploração da natureza. (SEBRAE, 1995).

A década de 90 abriga, segundo pesquisa da Brain Reserve Inc. EUA, o novo perfil do turista, um cliente voltado para a natureza, aventura, coisas diferentes, destinos exóticos, preocupado com saúde pessoal, coletiva, ambiental e ecológica, revelando um retorno a estilos de vida mais voltados à natureza. (SEBRAE, 1995).

Com relação a essa inscrição do ecoturismo na sociedade enquanto um produto, não se trata, para nós, de poder efetuar uma avaliação dela mesma. Interessa-nos trazê-la enquanto possibilidade de reflexão sobre questões que se apresentam no ambientalismo, relacionando-a, por exemplo, com o conceito de desenvolvimento sustentável. Vejamos como ele se mostra nos trechos abaixo:

O ecoturismo também é definido como uma exploração econômica e não destrutiva da natureza, tendo como objetivo gerar recursos que conservem a natureza. (SEBRAE, 1995). O ecoturismo para se manter deve ter atrativos conservados e, para isso, é necessário proteger a natureza. Essa proteção necessita de recursos, por isso o ecoturismo deve ‘criar’ ingressos para que se visite a natureza. (SEBRAE, 1995).

Nestes trechos, percebemos que o sentido de “sustentabilidade” possibilita que o turismo (enquanto uma prática econômica) apresente-se como tendo um fim em si mesmo: exploração “não destrutiva da narureza” para gerar recursos para “conservar a natureza” / “atrativos conservados” / “proteger a natureza”. Essa circularidade não é um exemplo casual, mas algo que se coloca pelo próprio conceito de desenvolvimento sustentável que, como sabemos, não é utilizado apenas para ressignificar o turismo, mas também outras práticas econômicas. E o que essa circularidade produz como efeito é o silenciamento de uma discussão que, justamente, talvez pudesse deslocar o sentido histórico dessa e das outras práticas econômicas da sociedade.

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II Em meio ao discurso ecológico, determinadas marcas lingüístico-discursivas remetem a uma interpretação sobre o que seria o modo legal de apropriação/desapropriação do meio ambiente, interpretação que distingue duas posições.

O tema da biotecnologia/biodiversidade, por exemplo, que se apresenta nas relações internacionais através do conflito Norte-Sul, é representativo deste confronto: de um lado as riquezas naturais e a pobreza da população, de outro lado a riqueza

econômica e o desenvolvimento... Ao mesmo tempo em que o Brasil - bem como o

Terceiro Mundo, de modo geral - é reconhecido pela sua riqueza em biodiversidade, será impossibilitado de uma utilização desta, na medida em que é destituído dos recursos econômicos e tecnológicos necessários para uma exploração “racional”, não-destrutiva, da bidiversidade de suas florestas. E essa exploração pode ser, como o é, identificada então às possibilidade dos laboratórios de biotecnologia.

O “falar da pobreza” funciona muitas vezes, como nesse caso, para que as formas de apropriação/desapropriação do meio ambiente se mantenham no sentido de

determinados interesses. Contrói-se a imagem de uma pobreza e de uma riqueza, para o

país ou alguma região dentro dele, imagem tal que funciona para que uma interpretação se coloque como evidente. É o que precebemos nos exemplo abaixo:

[...] é uma das regiões mais carentes do Estado de São Paulo, conforme mapa recente publicado pela Secretaria do Estado da Ação Social. (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, 1995).

Essa beleza paisagística atrai os habitantes dos grandes centros urbanos, no país e no exterior, que estão dispostos a dispender recursos para ter o privilégio de conviver com o ambiente natural. Por essas razões torna-se clara a vocação para o ecoturismo do Lagamar[...]. (FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA, 1995).

São, antes, as cifras do lado das empresas que vêem a região como uma região carente. E, nesse sentido, falar da pobreza, nesses casos, não é reconhecer um outro lugar, diferente do lugar das empresas. Ao contrário, ficar no reconhecimento da pobreza é ficar na impossibilidade de um outro sentido para o desenvolvimento:

No que concerne aos ganhos financeiros provenientes do turismo tradicional [...] o crescimento passou de US$ 18 bilhões em 1970, para 324 bilhões em 1993. (BRASIL, 1994).

Retomando a questão do conceito de desenvolvimento sustentável. Há no discurso ecológico um investimento no sentido de procurar defini-lo e precisá-lo - investimento que significaria para o conceito que este se apresenta originalmente indefinido. Se por um lado se tem, no discurso ambiental, essa definição/indefinição do conceito de desenvolvimento sustentável, por outro lado tem-se algo que acaba por ser definido no próprio funcionamento desse discurso: as comunidades tradicionais.

Referências

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