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NASCEMOS FRÁGEIS E RECEBEMOS ORDENS PARA SERMOS FORTES

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Academic year: 2021

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Um olhar sobre

o narcisismo e a autoestima

Prefácio de A. CoimbrA de mAtos

NASCEMOS FRÁGEIS

E RECEBEMOS ORDENS

PARA SERMOS FORTES

JOÃO CARLOS MELO

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1. A NOSSA CASA

Se subirmos a um local elevado e dirigirmos o olhar para longe, até à linha do horizonte, e a seguir, à medida que vamos dando uma volta completa sobre nós próprios, seguirmos essa linha, sempre à volta até ao ponto de partida, a impressão que teremos é a de que estamos colocados mesmo no centro de uma circunferência.

Depois, se olharmos para o céu, em várias direções, desde o ponto que nos parece mais alto, mesmo acima de nós, até à linha do horizonte, teremos a impressão de que o céu é uma espécie de cúpula, ou abóbada — daí a conhecida expressão «abóbada celeste».

Não será por isso surpreendente que tivesse sido a partir dessa ima-gem que os nossos antepassados construíram a sua ideia de como era o mundo. Havia a Terra, bem firme, uma enorme superfície com montes e vales, florestas e desertos, rios e mares, e depois, a envolvê-la, o céu. Se a Terra parecia imóvel, os corpos celestes, pelo contrário, moviam--se. O Sol, por exemplo, deslocava-se durante o dia ao longo de toda a cúpula, enquanto a Lua e a imensidão de estrelas visíveis durante a noite não pareciam completamente imóveis, como uma observação atenta e diária permitia confirmar.

Se era esta a imagem que os seus sentidos lhes devolviam, se era esta a realidade que lhes era mostrada, porquê duvidar? Não faria sen-tido colocar em causa o que era evidente.

No entanto, há sempre quem queira ver mais longe. Há sempre quem procure vislumbrar para além daquilo que os olhos veem.

E o facto é que houve alguém que, passado muito tempo desde a construção dessas ideias, admitiu que, em vez de plana, a Terra poderia

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ser redonda. Não porque, do nada, lhe tivesse ocorrido a ideia, mas por-que, ao olhar para a natureza, quisesse compreendê-la melhor.

De acordo com Carl Sagan, famoso astrónomo e brilhante divul-gador científico, a primeira pessoa na história do mundo a inferir que a Terra é uma esfera foi Pitágoras, autor do célebre teorema que tomou o seu nome.

Os pitagóricos consideravam que a esfera era a forma «perfeita» pelo facto de todos os pontos da sua superfície se encontrarem à mesma distância do centro.

Essa ideia poderia funcionar como uma motivação acrescida, mas o que levou Pitágoras a defender que a Terra era esférica foi provavel-mente a analogia que fez com outros corpos celestes esféricos, como o Sol e a Lua, ou a observação da sombra redonda da Terra na Lua aquando dos eclipses lunares, ou ainda a constatação do que acontecia quando os navios partiam da ilha grega de Samos, a terra natal de Pitá-goras — quando chegavam perto da linha do horizonte e começavam a deixar de ser vistos, o que desaparecia primeiro era o casco e só depois, gradualmente, os mastros e as velas.

De qualquer forma, quem tornou a ideia pública de uma forma mais influente foi Aristóteles, mais de dois séculos depois.

No seu livro Do Céu, reafirmou que a Terra era redonda e apresen-tou a ideia de um sistema planetário em que a Terra ocupava o centro e à sua volta, em órbitas circulares, giravam Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno (os outros planetas conhecidos na altura), além do Sol e da Lua.

Ninguém ousou desafiar as ideias de Aristóteles. Fazê-lo seria pôr em causa o prestígio intocável do filósofo e, séculos mais tarde, ques-tionar a autoridade da própria Igreja Católica, que defendia e apoiava as suas ideias.

Assim, a ideia de que a Terra era redonda e todos os corpos celes-tes giravam à sua volta, ainda que sem provas científicas ou evidências claras que a sustentassem, ficou assente e, durante séculos, permaneceu inquestionável. Na verdade, assim permaneceu por mais de 1000 anos. Até que surgiu um astrónomo polaco que provocou uma revolução. O seu nome era Nicolau Copérnico e ousou afirmar que a Terra não

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ocupava o centro do Universo, mas, pelo contrário, girava à volta do Sol, como os outros planetas.

Acontece que, como vimos, Copérnico não foi o primeiro a afirmá-lo. Aristarco de Samos já o havia feito no longínquo século iii a.C., numa obra que se perdeu aquando da destruição da Biblioteca de Alexandria.

Alexandria, fundada em 331 a.C. por Alexandre, o Grande, e ca-pital do Egito durante 1000 anos, chegou a ser uma das maiores e mais importantes cidades do mundo ocidental.

Era procurada por mercadores, professores, alunos, sacerdotes egípcios, aristocratas gregos e por todas as pessoas que queriam co-nhecer ou viver numa cidade verdadeiramente cosmopolita.

Um dos seus maiores tesouros era a sua biblioteca, a mítica Biblio-teca de Alexandria, construída e financiada pelos Ptolemeus, os reis gre-gos que herdaram a parte egípcia do Império de Alexandre, o Grande.

Desde a época da sua fundação, no século iii a.C., até à sua destrui-ção, sete séculos depois, abrigou o maior património cultural e científico da Antiguidade.

No sentido de adquirir e possuir «os livros de todos os povos da Terra», os seus organizadores enviavam agentes ao estrangeiro para comprar todas as obras que pudessem e, quando isso não era possível, pediam emprestados os manuscritos, copiavam-nos e depois devolviam--nos.

Cada exemplar era cuidadosamente escrito à mão, em papiros que preenchiam as numerosas estantes que compunham uma parte da biblioteca.

Mas esta não era apenas um repositório das mais valiosas obras da Antiguidade. Os Ptolemeus também encorajaram e financiaram a investigação científica em campos do saber tão variados como a litera-tura, a medicina, a astronomia, a geografia, a filosofia, a matemática, a biologia e a engenharia. Para termos uma ideia da sua grandeza e di-versidade, é importante sabermos também que dela faziam parte dez grandes laboratórios, jardins botânicos, um jardim zoológico, salas de dissecação e um observatório.

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Só no âmbito da astronomia trabalharam figuras de relevo como Eratóstenes, Euclides, Arquimedes e Ptolomeu, sem esquecer a sua úl-tima cientista, uma mulher de rara beleza, que, numa época em que as mulheres eram ostracizadas, conseguiu distinguir-se na matemática, na física e na astronomia. O seu nome era Hipácia.

Por se ter tornado um símbolo da sabedoria e da ciência e pela estreita relação que estabelecia com o governador romano da altura, era alvo da hostilidade e do desprezo por parte de Cirilo, o arcebispo de Alexandria.

Isso não a impediu de continuar a ensinar e a publicar, mas, no ano 415, num dia em que estava a caminho do seu trabalho, foi atacada por um grupo de fanáticos, partidários do arcebispo Cirilo. Depois, de uma forma brutal, arrastaram-na, arrancaram-lhe as roupas e, com conchas de abalone, separaram-lhe a carne dos ossos. Os seus restos foram quei-mados, os seus trabalhos destruídos e o seu nome esquecido, enquanto Cirilo acabou por ser canonizado.

A glória da Biblioteca de Alexandria é agora apenas uma vaga recordação. Tudo aquilo que dela restava foi destruído logo a seguir à morte de Hipácia.

A perda foi incalculável. Em alguns casos, apenas conhecemos os aliciantes títulos das obras então destruídas, mas, na sua maioria, não conhecemos nem os títulos nem os autores. Sabemos, por exemplo, que, das 123 peças de teatro de Sófocles existentes na biblioteca, só sete sobreviveram. Uma delas é o Édipo Rei. Os mesmos números aplicam-se às obras de Ésquilo e Eurípedes, entre outros.

Do conteúdo científico desta gloriosa biblioteca não resta um único manuscrito.

De Aristarco de Samos só chegou aos nossos dias a obra Sobre os

Tamanhos e Distâncias entre o Sol e a Lua. Apesar disso, e graças ao

teste-munho de Arquimedes, podemos dar por seguro o facto de ter existido uma outra sobre a sua conceção do sistema solar. Esta não sobreviveu à destruição da Biblioteca de Alexandria, mas isso não impede que possa-mos afirmar que Aristarco foi o primeiro a defender que é o Sol, e não a Terra, o centro do sistema planetário, e que todos os planetas (incluindo a Terra) giram à volta do Sol.

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Além de afirmar que a Terra roda sobre o seu eixo uma vez por dia, ele defendeu também que ela roda à volta do Sol numa órbita que dura um ano.

Deduziu ainda, a partir da observação do tamanho da Terra sobre a Lua durante um eclipse, que o Sol era muito maior do que a Terra e que estava muito distante desta.

Em O Contador de Areia, Arquimedes escreveu: «Mas Aristarco de Samos publicou um livro que consistia em algumas hipóteses, em que as premissas conduzem ao resultado de que o Universo é muitas vezes maior do que aquilo a que agora se dá esse nome. As suas hipóteses são que as estrelas fixas e o Sol se mantêm imóveis, que a Terra gira em torno do Sol na circunferência de um círculo, com o Sol situado no meio da órbita, e que a esfera das estrelas fixas, situada aproximada-mente com o mesmo centro que o Sol, é tão grande que o círculo em que ele supõe que a Terra gira está para a distância das estrelas fixas na mesma proporção que o centro da esfera para a superfície».

Nicolau Copérnico, nascido em 1473 na Polónia, foi conhecido sobretudo como astrónomo, mas a sua formação inicial não foi essa. Depois de Estudos Gerais em Cracóvia, o jovem Nicolau viajou para Bolonha, na Itália, para estudar Direito e Medicina, como era comum entre a elite polaca da altura.

De volta ao país que o viu nascer, os seus serviços médicos foram requisitados pela realeza e pelo alto clero, mas a maior parte do seu tra-balho de médico foi ao serviço dos pobres. Também dedicou muito da sua vida ao serviço eclesiástico, mas terá sido a astronomia a atividade que abraçou com maior paixão.

Em março de 1513, comprou 800 pedras de construção e um barril de cal, construiu uma torre de observação e aí, munido de instrumentos astronómicos como quadrantes e astrolábios, dedicou-se à observação do sistema solar e das estrelas.

No ano seguinte, escreveu Comentário sobre as Teorias dos Movimentos

dos Objetos Celestes a partir da Sua Disposição, mas recusou-se a torná-lo

público, partilhando a pequena obra apenas com os amigos em quem mais confiava.

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Nesta primeira tentativa de propor uma teoria heliocêntrica (que significa «o Sol no centro»), Copérnico conclui assim a sua ideia: «Nós giramos em torno do Sol, como qualquer outro planeta».

Copérnico era perfeccionista e, por isso, sentia alguma dificuldade em publicar um trabalho sem este estar minuciosamente visto e revisto, mas a principal razão que o levou a impedir que o trabalho visse a luz do dia foi outra. Ele receava expor-se ao desprezo do povo e da Igreja e passou anos a trabalhar em privado para corrigir o seu texto e desenvolvê-lo.

O resultado acabou por ser uma obra maior, mais completa e ama-durecida. Ficou pronta em 1530, com o título Das Revoluções dos Orbes

Ce-lestes, mas Copérnico reteve-a ainda durante 13 anos. Foi até necessário

que um discípulo seu, Georg Rheticus, na altura com 25 anos, o conven-cesse a publicar a obra. Nesse sentido, colaborou na sua edição e tinha como intenção apresentar o manuscrito a um tipógrafo de Nuremberga.

Em defesa do seu modelo (que, na verdade, não era rigorosamente heliocêntrico), considerou que o Sol não estava no centro do Universo, mas próximo dele. E que a Terra completava uma rotação diária sobre o seu eixo e orbitava o Sol, completando esse movimento em um ano. A ideia foi fundamentada e estava explícita. Faltava apenas o lança-mento público. Mas, à última hora, alguns factos inesperados precipita-ram novos acontecimentos. Copérnico adoeceu, provavelmente com um acidente vascular cerebral, que provocou uma paralisia do lado direito do corpo, tendo ficado muito debilitado. Não bastando esse infortú-nio, Georg Rheticus foi forçado a deixar Nuremberga e o manuscrito ficou nas mãos do teólogo luterano Andreas Osiander, que traiu a con-fiança de Rheticus e do próprio Copérnico. Sem o consentimento nem o conhecimento destes, fez alterações ao texto, eliminou passagens im-portantes e acrescentou frases suas que deturpavam o espírito da obra. E, não assinando a introdução que redigiu, deixou a ideia de que o texto seria da autoria de Copérnico.

Diz-se que Copérnico recebeu uma cópia do livro impresso no seu leito de morte sem ter tido conhecimento das alterações levadas a cabo por Osiander.

Na opinião de Stephen Hawking, a rutura levada a cabo por Co-pérnico marcou uma das maiores mudanças de paradigma da história

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mundial, abrindo caminho para a astronomia moderna e afetando am-plamente a ciência, a filosofia e a religião.

Mesmo assim, e ainda de acordo com Hawking, as suas ideias per-maneceram em relativa obscuridade durante cerca de 100 anos, até que Galileu, Kepler e Newton as confirmaram e estabeleceram definitiva-mente a teoria heliocêntrica como cientificadefinitiva-mente correta.

Não se pense, porém, que a tarefa destes foi fácil, sobretudo no caso de Galileu.

No dia 22 de junho de 1633, quando havia já completado 70 anos, Galileu Galilei declarou: «abandono inteiramente a opinião falsa se-gundo a qual o Sol é o centro do Universo e está imóvel, e a Terra não é o centro do Universo e que se move […]».

Galileu estava ajoelhado, com a Bíblia nas mãos, lendo, perante o Tribunal da Inquisição, a confissão que o condenava a prisão perpétua.

O texto, que fora obrigado a escrever em latim pelo próprio punho e depois a assinar, dizia ainda: «Detesto e amaldiçoo os supraditos erros e heresias, e todo e qualquer erro em geral que seja contrário à Igreja Católica. E juro que, no futuro, não direi nem afirmarei verbalmente ou por escrito coisas que venham a colocar-me sob este género de suspeitas e, ao conhecer algum herético ou algum suspeito de heresia, denunciá--lo-ei a este Santo Ofício ou ao inquisidor, ou ao ordinário do lugar onde me possa encontrar».

Diz a lenda que, ao levantar-se, Galileu terá murmurado: «Eppur

si muove» («E, no entanto, move-se»).

O cientista afirmara e escrevera que Copérnico tinha razão e que a teoria heliocêntrica não era uma hipótese mas um facto. Foi esse o crime por que foi condenado.

Em 1979, o papa João Paulo II admitiu o erro da Igreja e criou uma comissão de inquérito para reabrir o processo. A comissão con-cluiu que Galileu não deveria ter sido condenado e determinou a pu-blicação de todos os documentos relevantes sobre o julgamento.

Finalmente, em 1992, 350 anos após a morte de Galileu, João Paulo II assinou o resultado do inquérito.

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Contemporâneo de Galileu, o astrónomo alemão Johannes Kepler também defendeu as ideias de Copérnico, enfrentando incompreensões, disputas e críticas, mas nunca abandonou a crença no papel de Deus na criação do Universo.

Foi ele quem demonstrou que as órbitas dos planetas em volta do Sol não eram circulares mas elípticas. E foi também ele quem enun-ciou as três leis dos movimentos planetários que ainda hoje vigoram.

Princípios Matemáticos de Filosofia Natural, geralmente conhecido como Principia, é uma obra-prima da ciência.

O seu autor, Isaac Newton, formulou os princípios da gravitação universal, as leis do movimento e da atração e as teorias da luz e da cor, entre outras realizações.

Principia, escreveu Stephen Hawking, «o primeiro livro de física

teórica, é considerado, sem dúvida, o mais importante trabalho na his-tória da ciência e o fundamento científico da moderna visão do mundo». Uma das frases mais célebres da história da ciência é de sua au-toria. Quando escreveu: «Se vi mais longe foi porque subi aos ombros de gigantes», estava a demonstrar reconhecimento e a prestar homena-gem às descobertas de Copérnico, Galileu e Kepler.

Quando a sua vida se aproximava do fim, em 1727, escreveu: «Não sei o que pareço ao mundo; aos meus próprios olhos sou ape-nas um rapaz que brinca na praia e se diverte, que de vez em quando encontra um seixo mais liso ou uma concha mais bonita que o cos-tume, enquanto o grande oceano da verdade permanece por descobrir diante de mim».

Mas, afinal, qual a real importância desta questão que diz respeito à posição e importância da Terra no Universo? Por que razões esteve ela no centro de disputas tão acesas e ataques tão ferozes ao ponto de

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terem sido queimados na fogueira seres humanos que defendiam um determinado ponto de vista e não outro?

Para um cidadão comum, preocupado sobretudo com as questões práticas do dia a dia e pouco dado a reflexões mais profundas, é indi-ferente que seja a Terra a girar em torno do Sol ou o Sol em torno da Terra. Não será isso que lhe vai dar ou retirar o sustento nem mudar o rumo da sua vida.

Mas, para os pensadores da época e para aqueles que detinham ou pretendiam conquistar algum tipo de poder social, o caso era outro. De qualquer forma, mesmo para esses, não seria determinada versão oficial que tinha o poder de mudar a realidade. Por outras pa-lavras: caso a realidade mostrasse que é o Sol que gira à volta da Terra, não seria a adoção, como versão oficial, da ideia contrária que iria mudar essa realidade. Não é uma ideia, por muito que seja defendida, que muda um facto.

Então, o que está em causa?

O poder político e religioso precisa de sentir que controla as pes-soas e os povos. Precisa que pensem de determinada maneira e não ques-tionem as ideias necessárias à sobrevivência e ao domínio desse poder.

Se os dogmas sobre os quais se erigiu o poder da Igreja Católica fos-sem postos em causa, como poderia esse poder continuar a sustentar-se? A questão, porém, não é só essa. A ideia de que a Terra era o centro do Universo desempenhava uma outra função. Na verdade, ela permitia ao homem proteger o seu amor-próprio da ferida infligida pela sua con-dição de habitante isolado num canto obscuro do Universo.

Ao longo do tempo, a ciência foi-nos mostrando onde fica si-tuada a nossa casa. Definitivamente, não é no centro do Universo.

Se nos colocássemos num local hipotético que nos permitisse uma observação privilegiada de todo o espaço à nossa volta, a visão seria esmagadora.

Imaginemos a Terra à nossa frente e depois, afastando-nos aos poucos, vejamos o que o nosso campo de visão nos poderia mostrar. À medida que o seu tamanho fosse diminuindo, veríamos aparecer o sistema solar, com todos os planetas a orbitarem o Sol. Depois, olhando mais de longe, veríamos o nosso sistema solar situado nos subúrbios da galáxia a que demos o nome de Via Láctea. E, se continuássemos na

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nossa observação dinâmica, poderíamos ver que a Via Láctea é apenas uma de entre muitas outras. Estima-se que existam 100 mil milhões de galáxias, cada uma com igual número de estrelas e de planetas. É um número assombroso, que desafia a nossa compreensão.

Neste ponto da nossa viagem imaginária, há muito que teríamos perdido de vista a Terra. Na imensidão incalculável do cosmos, onde se encontra o nosso planeta?

A resposta é-nos dada de forma eloquente por Carl Sagan: «Per-dida algures entre a imensidão e a eternidade fica a nossa minúscula casa planetária».

E, se pensarmos na data do Universo, estimada em 15 a 20 mil milhões de anos, a nossa existência não passa de uma aparição fugaz.

E antes, o que havia?

É-nos inconcebível a ideia de que, antes do início dos tempos, não havia nada. A menos que houvesse um Ser Superior que, a dada altura, tivesse criado tudo o que existe. Nesse caso, por existir antes de tudo, a mera existência desse Ser poderia apaziguar a nossa angústia.

Quando ainda não tinha filhos, o casal foi passar umas férias a Paris. Depois, já com dois filhos, viajou para o mesmo destino.

«Onde é que eu estava quando vocês vieram cá da outra vez?», perguntou o filho mais novo.

«Viemos só nós. Nenhum de vocês tinha ainda nascido.» «Está bem, mas onde é que eu estava?»

O irmão mais velho esclareceu:

«O pai ainda não tinha posto a sementinha dentro da mãe.» Por momentos, o mais novo pareceu convencido. Mas, logo a se-guir, não satisfeito, perguntou:

«Pois, mas… e onde é que eu estava antes de estar dentro da se-mentinha?»

A nossa capacidade de racionalização permite-nos aceitar o facto de não termos tido existência antes de nascermos, mas, de um ponto de vista emocional, o nosso pensamento não suporta tal ideia.

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É próprio da natureza humana atribuirmos a nós próprios a im-portância de sermos especiais. Creio que é um sentimento daí derivado que escolheu a posição central em que nos colocámos.

No entanto, é aquela mesma natureza que faz de nós seres curiosos e com necessidade de compreendermos o mundo à nossa volta. Movidos por essa curiosidade, descobrimos o quão pequeninos somos perante a imensidão do Universo. Descobrimos que, afinal, não estamos no centro nem somos o centro de tudo. E isso gera um conflito que nos angustia, porque a ideia da nossa importância não é uma mera constru-ção intelectual. É uma necessidade emocional profunda.

Referências

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