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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO CARLOS ALBERTO SEVERO GARCIA JUNIOR O DESEJO NA MASCULINIDADE: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE

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CENTRO UNIVERSITÁRIO FRANCISCANO

CARLOS ALBERTO SEVERO GARCIA JUNIOR

O DESEJO NA MASCULINIDADE: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE

Santa Maria - RS 2006

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CARLOS ALBERTO SEVERO GARCIA JUNIOR

O DESEJO NA MASCULINIDADE: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE

Trabalho Final de Graduação Trabalho para a Obtenção do Título de Psicólogo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA Área de Ciências da Saúde Curso de Graduação em Psicologia

Orientador: Prof°. Ms. Marcos Pippi de Medeiros

Santa Maria - RS 2006

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FOLHA DE APROVAÇÃO

CARLOS ALBERTO SEVERO GARCIA JUNIOR Autor

Marcos Pippi de Medeiros Orientador

O DESEJO NA MASCULINIDADE: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA NA CONTEMPORANEIDADE

Trabalho Final de Graduação

Trabalho para Obtenção do Título de Psicólogo

Centro Universitário Franciscano Área de Ciências da Saúde Curso de Graduação em Psicologia

COMISSÃO EXAMINADORA:

____________________________________________

Profª. Ms. Mariana Balieiro Mussoi (UNIFRA)

___________________________________________ Profª. Ms. César Augusto Nunes Bridi Filho (ULBRA)

___________________________________________ Profª. Ms. Marcos Pippi de Medeiros – Orientador (UNIFRA)

Santa Maria - RS 2006

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Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos Poema de sete faces, Carlos Drummond de Andrade (2003).

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RESUMO

O presente trabalho investiga a constituição do desejo na masculinidade, através da teoria psicanalítica acerca do desenvolvimento subjetivo contemporâneo. Diante disso, relaciona o complexo de Édipo com a masculinidade, além de verificar a importância da função paterna nesta inscrição psíquica. Logo, tem a importância no andamento referente ao desejo. A idéia de desenvolver um estudo voltado para a masculinidade possibilita refletir a respeito de sua alteridade no contorno social, familiar e individual ao longo dos tempos. Com base nesta proposição, a opção metodológica configura-se a partir de uma pesquisa bibliográfica, pois tem a finalidade de procurar conhecer e analisar os aportes científicos e culturais sobre o tema, bem como a qualidade da exploração teórica. Dessa forma, através do mito edípico e da função paterna, a masculinidade alcança um espaço distinto na contemporaneidade, podendo elaborar e desenvolver sua subjetividade. Afinal, o desejo representa uma ânsia pelo retorno da experiência emocional ligada às figuras parentais, ou seja, reside sobre um amor insustentável e um caminho de angústias para as conjunturas da indicação masculina.

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ABSTRACT

This work aimed to investigate the constitution of maleness desire, from the point of view of the psychoanalysis theory based on the contemporary subjectivity development. From that, it relates the Oedipus complex with maleness, and also aimed to verify the father value in this psychological process. It has great importance on the process which refers to desire. The idea to develop a study addressed to manliness allows to reflect about its possibilities of psychological change in the social, familiar, and individual manner through the years. Based on this proposal, the chosen method is based on a bibliographic research, since its purpose is to gather knowledge and analyze the scientific and cultural support on the subject, as well as the quality of the theory exploration. In this approach, through the Oedipus myth and the father role, manliness reaches a distinctive space in the contemporary, been able to elaborate and develop its subjectivity. The desire represents an urge for the return to the emotional experience associated with parents figures, in other words, relies on deprived love and a anguish path to the maleness conjectures.

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SÚMARIO

INTRODUÇÃO... 08

1 O COMPLEXO DE ÉDIPO E SEU REFLEXO NA VIDA INFANTIL... 11

2 A FUNÇÃO PATERNA: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA.... 15

3 A MASCULINIDADE EM CRISE... 21 4 O DESEJO MASCULINO... 24 METODOLOGIA... 32 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 34 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 40 OBRAS CONSULTADAS... 43

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INTRODUÇÃO

O ser humano é movido por desejos. O desejo pode ser um sentimento em constante transformação, aflorando a todo o momento, sofrendo alterações sucessivas e sujeitando-se a mudanças por variadas razões. Na busca da satisfação dos desejos, os sentidos corporais são relevantes não só para a identificação como para o processo de transformação dos desejos. Além dos sentidos corporais, cabe destacar que o simples fato de viver certamente impulsiona o desejo. O corpo está sujeito a receber estímulos externos e internos, que somados às experiências imaginariamente vivenciadas, dão forma aos desejos. Assim, o corpo serve como receptor de sensações. E tanto para homens como para mulheres “desejar algo” faz transcender o próprio corpo, pois o desejante direciona-se à origem subjetiva de suas aspirações. O desejo revela um aspecto subjetivo e a exploração subjetiva refere-se a uma interpretação singular e indireta. Enfim, o esclarecimento da expressão “subjetividade” contribui enormemente para o campo de pesquisa da Psicologia.

Os seres humanos, caracterizados como homens e mulheres, apresentam distinções em suas constituições subjetivas. Em primeiro lugar, a qualidade de ser homem ou mulher refere-se a um estado biológico, determinado por uma diferença de sexo. Por outro lado, a masculinidade e a feminilidade referem-se à conjuntura psicológica, definida como gênero. Neste sentido, explorar questões de sexo contraria as questões de gênero. Acima de tudo, sexual, aqui, não se refere diretamente a sexo, pois este serve tão somente para diferenciar machos e fêmeas quanto aos seus órgãos genitais. Sexual refere-se ao gênero, ou seja, a características substantivas que demarcam os sexos. Convém salientar isso, pois o estudo da sexualidade é um campo de infinitas discussões, já que o conjunto biológico não reduz o campo psicológico de exploração.

O aparecimento de reflexões ligadas às diferenças sexuais aprimora as investigações psíquicas, ou seja, os fenômenos subjetivos relativos aos sujeitos. Aliado a isso, a identificação sexual considera o sujeito dentro da possibilidade de sustentar e “escolher” sua

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própria masculinidade ou feminilidade. Desse modo, tanto os homens quanto as mulheres podem encontrar aspectos masculinos e femininos em suas vidas. De maneira geral, a “ordem sexual” perpassa diretamente o desenvolvimento dos sujeitos e seus desejos.

A contemporaneidade, tendo em vista as constantes transformações da sociedade, apresenta distintas configurações no âmbito social, econômico e cultural. Isso intensifica também as mudanças no campo subjetivo da sexualidade. As transformações constantes no âmbito social acarretaram sentidos diferentes para masculino e feminino. Exemplo disso são as transformações culturais ao longo do tempo na vida dos sujeitos. A cultura contemporânea propõe diversas interrogações. As mulheres deixaram de lado o limite dos afazeres domésticos e inseriram progressivamente suas insígnias no espaço público. Conseqüentemente, elas foram vestindo novas aspirações e assumindo lugares de prestígio. A partir disso, o homem encontra-se em um ambiente transformado pela ocupação das mulheres e tem a marca de seus emblemas alterados. Assim, o homem “macho” perde sua referência. E, estando na condição de sujeito desejante, pode produzir uma combinação variável de suas associações masculinas.

De acordo com a história, gradualmente, o declínio comprovado da tradição patriarcal e o deslocamento do elemento viril produziram significativas vibrações que, em resposta, repercutiram sobre a masculinidade. As progressivas conquistas femininas no eixo social, político e econômico proporcionaram modificações na representação da imagem paterna apoiadas historicamente pelos atributos naturais das antigas constituições familiares. Dessa forma, manifestar sentimentos, valorizar o amor, os relacionamentos, cuidar da aparência etc. são algumas alterações enfrentadas pelo “novo homem” nas cidades. Assim, qual é e onde está o desejo na masculinidade em meio às mudanças da contemporaneidade?

Na segunda metade do século XX, o desejo adquiriu, pela referência da Psicanálise, novas significações. O sujeito desejante estaria sempre implicado por um desejo socialmente inconfessável. Esse elemento, então, excita a contínua procura por algo que está sempre encoberto por um véu. A permanente inquietação decorrente do desejo (agradável ou aflitivo) pode reverberar na insuficiência de cada sujeito. Dessa forma, as produções subjetivas do sujeito contemporâneo apontam para um temor de identidade frente ao flanco da masculinidade.

Na masculinidade, as dificuldades em expressar anseios ocupam um lugar temeroso na cultura contemporânea. Nesse sentido, a encruzilhada na posição masculina estende-se sobre seus desejos e marca uma nova representação em seu desenvolvimento. O desejo na masculinidade denota hoje um embaraço. Através de uma construção implicada na negação da

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feminilidade, o sujeito masculino “se vestiu” de uma aparência e uma dimensão em constante afirmação. De que maneira os homens encaram essa recente inscrição?

Neste estudo, tem-se o propósito de buscar uma reflexão crítica, por meio da teoria psicanalítica, acerca da constituição do desejo na masculinidade. De forma específica, pretende-se investigar o complexo de Édipo e sua relação com a masculinidade; além de verificar a importância da função paterna na inscrição psíquica da masculinidade. E, por fim, deseja-se delinear a construção do conceito de desejo dentro da teoria psicanalítica, incluindo a representação de termos próprios da concepção lacaniana.

Outrossim, focalizam-se neste estudo alguns aspectos relativos à questão da masculinidade em relação ao mito edípico, bem como à constituição da função paterna, uma vez que estes desdobramentos podem atrelar uma leitura dos aspectos que circulam em torno do mapeamento na masculinidade. A partir dessas considerações, tem-se o intuito de abordar esses elementos que estão presentes no cotidiano e no desempenho da posição do masculino. Sabe-se que, na psicanálise, o desejo na masculinidade abrange um campo de pesquisa complexo, capaz de desvendar os emaranhamentos da identidade masculina. Assim, a idéia de desenvolver um estudo voltado para a masculinidade possibilita uma reflexão a respeito de sua alteridade no âmbito social, familiar e individual ao longo dos tempos.

Portanto, produzir uma pesquisa visando analisar conceitos e variáveis que possam discutir analiticamente o delineamento da masculinidade a partir da contribuição edípica e paterna na contemporaneidade traz a possibilidade de aprofundar e aprimorar um importante debate. Para além disso, justifica-se compreender como são produzidas as transformações do modelo patriarcal que provoca modificações no universo da masculinidade na contemporaneidade.

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1 O COMPLEXO DE ÉDIPO E SEU REFLEXO NA VIDA INFANTIL

E, tateando o caminho à sua frente com o bastão, irá para uma terra estrangeira. De um só golpe, ele se descobrirá ao mesmo tempo pai e irmão dos filhos que os cercavam, esposo e filho da mulher do qual nasceu, rival incestuoso e assassino do próprio pai! (Sófocles, Édipo Rei, p. 33)

A lenda do Rei Édipo, de Sófocles, traduz um tema estrutural da proposta da psicanálise. No drama referido, a partir da teorização freudiana, o protagonista Édipo percorre um caminho trágico. Fadado a executar a morte de seu próprio pai e, ainda, amar a própria mãe, Édipo, não suportando o horror de seus atos, cega, então, os próprios olhos. A peça possibilita uma representação metafórica da conflitiva que acompanha a todos os sujeitos e o impacto sofrido por estes. Por isso, Freud interpreta, através da mitologia grega, que os meninos sentem inconscientemente um desejo pela mãe e vontade de livrar-se do pai, bem como as meninas sentem o desejo de eliminar a mãe e tornarem-se a amante do pai.

Segundo Freud, o complexo de Édipo é uma expressão de dois desejos recalcados – desejo de incesto e desejo de matar o pai – ambos contidos nos dois tabus próprios do totemismo. Estes classicamente são conhecidos nas leituras psicanalíticas pelo interdito do incesto e pelo interdito de matar o pai-totem. Freqüentemente, ambas as questões entrelaçam-se no arranjo da subjetividade psíquica. Existe também uma universalidade dentro da perspectiva do complexo edipiano, uma vez que é uma tradução psíquica dos dois grandes mitos fundadores da sociedade humana (ROUDINESCO, 2003).

A experiência individual de cada sujeito percorrida pelo Complexo de Édipo estabelece um fenômeno que se torna determinante e remonta a um acordo com o programa da disposição das fases pré-ordenadas do desenvolvimento infantil. Isto se refere ao que Freud propôs com os cinco estágios psicossexuais, quais sejam, oral, anal, fálico, latência e genital. Todos os estágios apresentam uma idade específica e características próprias. E ainda, oferecem à criança duas possibilidades de satisfação: uma ativa e outra passiva, ou seja, em

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virtude da possibilidade de colocar-se no lugar de seu pai ou assumir o lugar da mãe. (FREUD, 1924a).

No entendimento de Jacques Lacan (1956-57), o complexo de Édipo circunscreve-se junto ao “Nome-do-Pai” e possui uma referência puramente simbólica. Este envolve uma forte ligação com a função paterna, uma vez que instaura a função fálica e toda sua dinâmica atrelada ao Complexo de Castração. Pode-se dizer que a castração, na condição simbólica, pode ser vista como um ponto de suma importância na construção da vida psíquica de um sujeito. Conforme o percurso da castração, são muitas as possibilidades do sujeito assumir posições psíquicas evidenciando elementos para o estabelecimento estrutural da identidade masculina.

Convém lembrar que a inserção da castração direciona-se sob a constituição infantil, pois, assim, a criança não teria mais acesso ao corpo da mãe – o interdito. Contudo, de acordo com Chemama (1995), o sujeito precisa simbolizar a falta na mãe, ou seja, reconhecer que não existe no Outro1, segurança à qual ele próprio possa se vincular. Deste modo, os “presságios” do sujeito estão relacionados e estabelecidos dentro do modo como foi o processo de castração, isto é, o percurso do Édipo.

O Complexo de Édipo apresenta-se pré-enunciado pelo “Estádio de Espelho”. Conforme indica a teoria psicanalítica lacaniana, pode-se considerar o Estádio de Espelho como uma “experiência de identificação” que permite à criança reconhecer a imagem total do seu corpo. Situa-se entre os seis e os dezoito meses de idade, período caracterizado pela imaturidade do sistema nervoso. Com isto, a história da formação do “Eu” (Moi) acentua através de um recorte uma breve definição de que “o estádio do espelho é um drama cujo impulso interno precipita-se da insuficiência para a antecipação” (Lacan, 1998, p.100). Isto é, sanciona a existência da criança a partir de um delineamento desvinculado do corpo da mãe.

O Estádio do Espelho, para Lacan (1998), ocorre em três tempos: no primeiro, a criança percebe sua existência refletida no outro, ou seja, ela capta estímulos mundanos e os transpassa para seus gestos; no segundo tempo, a criança desmistifica a sua existência do outro real, para daí visualizar uma imagem, apenas; e finalmente, no terceiro tempo, a criança “re-conhece” antecipadamente a totalidade de seu próprio corpo, conseguindo um reconhecimento pelo registro imaginário. Assim, a imagem do corpo é estruturante para a identidade do sujeito, pois através dela realiza a identificação primordial.

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Lugar onde a psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito, não obstante o determina (CHEMAMA, 1995).

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Em suma, conforme Lacan (1998), quando um sujeito nasce, procura entender o que ele é. Acaba por se espelhar nos outros e essa é uma imagem “falsa”, pois ele só vê uma cópia dos outros, e não o "eu". Desse modo, o indivíduo acaba por perder esse "eu", que é inato e não socialmente constituído. Em seguida, a individualidade é produzida por uma forma “vazia” e impossível de se conhecer. Logo, o significante germina outros significantes. A partir das falas do sujeito, vários significantes se manifestam, porém acabam por não atingir nenhum significado, na medida em que a estrutura (o eu) é inatingível.

A partir dessa exposição, pode-se adentrar nos três tempos do Complexo de Édipo. Segundo Lacan (1957-58), a representação edípica ocorre quando a criança já consegue “observar-se” como registrada em um corpo próprio, apesar da sua intimidade com a mãe. No primeiro momento do Édipo, a criança apresenta-se como objeto que falta na mãe, ou seja, a criança está unida ao desejo desta. O que falta na mãe é o falo2 (phallus), e a criança está

atrelada à problemática fálica que remete a “ser ou não ser o falo” materno. Esta relação, portanto, não é estanque, podendo oscilar em seus trâmites e, por vez, o comparecimento do pai ainda não é introduzido.

No segundo momento do Édipo, o pai adentra no jogo fusional entre mãe/filho e funda uma nova relação triangular. Deste modo, desloca a triangulação mãe-criança-falo para estabelecer um papel de interditor, ou seja, priva a mãe de seu objeto, representado pela criança. O pai toma um lugar com a mãe e não permite que “reste mãe” para a criança. A falta ocorre no nível real, e o objeto é simbólico. A criança, então, vive neste momento do Édipo uma forma de interdição e frustração. Ou seja, este mesmo pai interdita a satisfação do impulso e frustra a criança da mãe (LACAN, 1957-58).

No instante em que o pai estabelece-se na relação da criança e da mãe como rival, funda o momento da castração, o que, no jogo imaginário, como dito anteriormente, remete a uma lei paterna. A criança chega ao momento crucial em que vetoriza a significação do desejo da mãe com relação ao que até então supunha ser seu objeto. Neste sentido, a criança percebe a mãe regida pelo pai privador e reconhece sua lei. Portanto, a criança não seria o significado do desejo da mãe (falo), uma vez que o pai supostamente tem o objeto de desejo da mãe (LACAN, 1957-58).

O terceiro momento do Édipo é denominado como o “declínio do Complexo de Édipo”, segundo Lacan. Neste, o pai passa a impor um atributo fálico, provando, assim, que tem o falo. A partir disso, a marca da simbolização da lei reflete-se na criança de forma a

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aceitar não mais ser o falo para, então, tentar ter o falo e, por vez, acabar identificando-se com o pai. Disso resulta a representação da função paterna. Conseqüentemente, a mãe não possui o falo, mas pode desejar naquele que tem, então procura o falo. Este está junto ao pai, que tem prioridade para com a mãe e, dessa forma, assegura a dialética do ter sobre o ser. E disso resulta o processo da metáfora paterna, onde:

o Nome-do-Pai é uma designação endereçada ao reconhecimento de uma função simbólica, circunscrita no lugar de onde se exerce a lei. Esta designação é que é o produto de uma metáfora (DOR, 1989, p. 92).

No encontro com a simbolização da lei é confrontada a questão da castração, através do atrelamento do “ter”. Neste momento, a criança internaliza a lei e instaura o lugar para o pai simbólico. Assim, a criança não só deve aceitar “não ser” como “não ter” o falo. Logo, com a mãe percebe que deseja a criança onde é suposto estar. Posteriormente, a criança se torna sujeito para, enfim, tê-lo (DOR, 1989).

Neste sentido, o complexo de Édipo metaforiza a conflitiva entre pai e filho pelo amor de uma mesma mulher. O pai, cumprindo sua função, efetua a incisão na fantasia incestuosa do filho, portanto, limita simbolicamente o alcance do desejo deste de ter a mãe. Isto produz outro efeito, o Complexo de Castração, cujo registro delimita a possibilidade de se perder o falo. Lacan (1956-57, p.208) considera que,

no caso do menino, a função do Édipo parece muito mais claramente destinada a permitir a identificação do sujeito com o seu próprio sexo, que se produz, em suma, na relação ideal, imaginária, com o pai. Mas não é este o verdadeiro objetivo do Édipo, que é a justa situação do sujeito com referência à função do pai, isto é, que ele próprio aceda um dia a essa posição tão problemática e paradoxal de ser um pai. Ora, este acesso apresenta inversamente uma montanha de dificuldades.

A castração está atrelada à incidência, à intervenção do pai real. Conforme Diatkine (1999), o próprio Lacan hesita quanto às significações do caráter real ou simbólico que a mãe tem do falo pela representação do filho. Primeiramente, real não quer dizer a mesma coisa que realidade. Lacan define o real como “aquilo que não cessa de não se escrever” e, portanto, consiste na contingência. Por isso, este conceito repleto de acepções torna-se de difícil captação ao mesmo tempo em que possui uma enorme importância na teoria lacaniana.

Retornando à questão edípica, a angústia de castração lança um infinito aspecto sobre a vida psíquica do sujeito, pois faz um apontamento frente à chance da perda do objeto desejado. Por isso, a sensação, na vida adulta, de incompletude e de falta acompanha

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constantemente cada sujeito. Isso proporciona ao sujeito um amor pelo pai, sobre o qual assentará sua identificação primordial, constitutiva do próprio sujeito (LACAN, 1956-57). Dessa forma, a masculinidade reflete-se junto a esta identificação.

O medo da castração torna-se normatizante, uma vez que coíbe o incesto. Entretanto, ele prende o sujeito em uma posição de obediência ao pai, testemunhando que o Édipo não foi ultrapassado. Contrariamente, a ascensão da castração é o que possibilita a “falta que cria o desejo”, portanto, um desejo desmembrado ao ideal paterno (CHEMAMA, 1995).

Dessa forma, pode-se dizer que a “a angústia é correlativa do momento em que o sujeito está suspenso entre um tempo onde ele será alguma coisa na qual jamais se poderá reencontrar” (Lacan, 1956-57, p.231). A angústia prevalece paralelamente na vida cotidiana de cada sujeito decorrente da ameaça inconsciente de castração.

Acrescenta-se a isso a trama entre complexo de Édipo e “Função Paterna”. Em psicanálise, a função paterna marca a entrada da lei na relação entre a criança e a mãe (KEHL, 2003) e ao interdito da relação incestuosa (que não se confunde com as responsabilidades, legais e morais, do genitor). Dessa forma, é preciso explicar como o complexo de Édipo interliga-se com a função paterna, o que se tentará fazer no item a seguir.

2 A FUNÇÃO PATERNA: UMA INTERPRETAÇÃO PSICANALÍTICA

Querido pai, tu me perguntaste recentemente por que afirmo ter medo de ti. Eu não soube, como de costume, o que te responder, em parte justamente pelo medo que tenho de ti, em parte por que existem tantos detalhes na justificativa desse medo, que eu não poderia reuni-los no ato de falar de modo mais ou menos coerente (KAFKA, Carta ao Pai, p. 17)

Em Totem e Tabu, Freud (1913) comenta que o homem emprega o termo “pai”,

conforme a lei tribal, para todos os outros homens com quem sua mãe poderia ter se relacionado, inclusive seu verdadeiro genitor sendo o animal totêmico a representação da figura do pai. Dessa forma, existem duas principais “ordenanças” do totemismo, já citadas anteriormente. As duas proibições de tabu em seu cerne constituem não matar o totem e não ter relações sexuais com a mãe.

Os tabus apresentados estão diretamente interligados aos dois desejos primários das crianças e abrange, portanto, a base para a constituição das psiconeuroses infantis. Por isso, a psicanálise analisa o animal totêmico como um substituto do pai. Entretanto, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança representa uma ocasião festiva. Com isso, sua morte, conseqüentemente, é lamentada. O mito totêmico sobre o pai da horda primeva é um

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ponto de muito valor na obra psicanalítica, pois vincula subjetivamente uma configuração ambivalente entre “desejo” e “proibição” na constituição do sujeito (FREUD, 1913).

A saúde mental dos seres humanos mostra a importância e a influência do complexo de Édipo na relação emocional da criança com seus pais.

Nosso assombro se reduz quando compreendemos ser o complexo de Édipo o correlativo psíquico de dois fatos biológicos fundamentais: o longo período de dependência da criança humana e a maneira notável pela qual sua vida sexual atinge um primeiro clímax do terceiro ao quinto ano de vida,e depois, passado um período de inibição, reinicia-se na puberdade. E aqui se fez a descoberta de que uma terceira parte extremamente séria da atividade intelectual humana, a parte criadora das grandes instituições da religião, do direito, da ética e de todas as formas de vida cívica, tem como seu objetivo fundamental capacitar o indivíduo a dominar seu complexo de Édipo e desviar-lhe a libido de suas ligações infantis para as ligações sociais que são enfim desejadas(FREUD, 1924b, p.233).

A contradição apresentada por Freud em Totem e Tabu, entre sexualidade e civilização, é peça-chave para a consideração acerca do risco que a sexualidade provoca no homem, uma vez que expressa coletivamente uma organização defensiva. Ou seja, o temor encontra-se na expressão da sexualidade. Por isso, “se há interdição ao gozo, é porque este seria mortal” (MILLOT, 1987, p. 68).

Neste mesmo texto, a relação entre tabu e totemismo permeia-se pela interdição do incesto. Logo, Freud questiona-se por que o homem se proíbe de seu desejo mais profundo e antigo: o desejo inconsciente de possuir a mãe. Em síntese, como aponta Millot (1987), a tese parte para mais longe. Primeiramente, a hipótese darwiniana de que a humanidade primitiva teria vivido em hordas dominadas pelo macho mais velho, restringindo os jovens machos das mulheres, lança uma cogitação freudiana sobre os primórdios da organização social.

O ponto de partida refere-se à rebelião dos irmãos da horda contra a tirania do pai. Assim, o assassinato seria a resolução. Em seguida, através da “refeição” totêmica, com intuito de armazenar a força (identificação) do pai, a coibição efetivada pelo pai “desaparece”. Com o risco da rivalidade entre os homens da horda, um substituto (pai morto) possibilita um pacto entre irmãos. Isto acarreta, para cada um, renunciar ao seu desejo de onipotência. Assim, a condição de pai real e tirano transforma-se em um representante de Lei (referente a uma condição simbólica, por isso lei com “L” maiúsculo). Com isso, todos os irmãos são iguais e aceitam cada um o direito à vida por abdicar de seus desejos primevos (MILLOT, 1987).

Kehl (2000), no livro “Função Fraterna”, comenta que a experiência de encontrar limites e ordenar as conseqüências dos atos com a agregação do outro consente a

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simbolização da lei, podendo, então, separar a função paterna da autoridade do pai real. É, portanto, função do pai produzir sustentação ao processo simbólico de resolução edípica. Porém, a existência de sujeitos desejantes pode estar em perigo, pois os envolvimentos cotidianos corroem o poder patriarcal no âmbito social. Por isso, a função fraterna inventa a suplência à função paterna. Em seguida, a formação da fratria assume um lugar significativo na construção familiar do homem, pois oferece condição para o poder do “pai” tornar-se abstrato e possibilita assumir uma função simbólica da Lei propriamente dita.

A representação da lembrança recalcada do crime paterno surge através das instituições sociais como uma dívida original, possibilitando a cada ser humano aceitar as renúncias feitas pelos irmãos. Dessa forma, a passagem pelo complexo de Édipo representa uma repetição do “código” familiar no qual a criança está inserida. Portanto, o retorno do material recalcado percorre uma transgeracionalidade oferecida pelo cenário original da ordem primeva (MILLOT, 1987).

Dessa maneira, o mito totêmico ilustra simbolicamente o valor pago pela humanidade para sua constituição e representação social. Para tanto, “tal aquisição exige um sacrifício: o do gozo e o da onipotência simbolizada pelo falo, como indica o complexo de castração” (MILLOT, 1987, p.77). A sutileza existente entre o gozo do sujeito e o seu acesso a ele ocorre por um empecilho natural: o próprio prazer limita o seu alcance. Por isso, a marca da proibição do gozo implica um “sacrifício” que ocupa o desígnio de um símbolo: o falo. O gozo3, em termos lacanianos, representa a conseqüência sobre a perspectiva da ordem simbólica, a propósito do preenchimento pelo lugar do desejo.

Na teoria lacaniana, o falo possui a idéia de significante do desejo. Evidentemente, a questão dos órgãos genitais masculinos não possui ligação com a palavra falo, pois este não remete exclusivamente ao órgão genital. Assim, dentro da experiência da castração, o falo é primordial para o desenvolvimento da sexualidade humana. No que corresponde ao gozo, o falo não representa este significante, mas baliza o seu acesso. Por isso, a expressão “gozo fálico”. Percorre toda a extensão da construção da subjetividade humana e evidencia um grande enredamento. Logo, o falo “baliza o trajeto do desejo” (NASIO, 1993, p. 31).

Dentro da interpretação lacaniana sobre as leituras freudianas, o pai primordial é o pai anterior ao interdito do incesto, sendo também, anterior ao surgimento da Lei, da ordem das estruturas da aliança e do parentesco, enfim, anterior ao aparecimento da cultura. “O pai é de

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Diferentes relações com a satisfação de um sujeito desejante e falante pode esperar e experimentar, no uso de um objeto desejado (CHEMAMA, 1995).

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fato o genitor. Mas, antes que saibamos de fonte segura, o nome do pai cria a função do pai” (LACAN, 2005, p. 47).

Lacan (1957-58), no seminário 5: As formações do inconsciente, propõe, através da “Metáfora Paterna”, a possibilidade da função paterna na inscrição na vida de cada sujeito. A história da psicanálise privilegia o complexo de Édipo como um elemento vital na revelação do inconsciente. Isto porque a existência dos desejos infantis ligados à mãe proporciona um recalcamento. Os desejos primordiais, apesar de reprimidos, jamais são “esquecidos”, dando uma tonalidade para a articulação sempre presente na proposta psicanalítica a propósito do Édipo.

Conforme, Roudinesco (2003, p. 54),

ao violar as leis da diferença das gerações, Édipo transgredira então o próprio princípio da diferença, enquanto paradigma da lei simbólica humana que obriga que o um e o múltiplo sejam separados a fim de que as diferenças necessárias ao gênero humano não sejam eliminadas.

Ainda, Lacan (1957-58) convoca o leitor a questionar se existe neurose sem Édipo. Neste sentido, sua proposta apresenta-se de forma clara, quando expõe que a neurose é inseparável na construção edípica. E, de certa forma, está ligada a uma fuga diante do desejo do pai, tendo o sujeito a possibilidade de substituir por sua demanda4.

A função paterna necessita de uma apresentação sobre a complexidade de elementos que a constituem. A contribuição de Lacan referente à diferença da masculinidade e feminilidade dá-se em de três registros diferenciados: simbólico, imaginário e real. O “nó borromeu”, como é chamada esta topologia, provoca diferenciações na importância de cada registro, tendo cada um de seus sentidos interligado ao todo. No entanto, um registro não tem maior valor que o outro (BETTS, 2005). Nesse sentido, os registros têm a intenção de ajudar a compreensão de aspectos subjetivos dentre a dimensão psíquica.

O pai simbólico remete ao Nome-do-Pai, portanto, o interdito proferido. Pode-se ajuizar que Freud vê o pai morto como aquele que funda a lei do interdito, proporcionando a culpa nos filhos. O significante do Nome-do-Pai possibilita, então, a castração. Por sua vez, limita e ordena o desejo do sujeito. No entanto, a intervenção feita no complexo de Édipo é efetivada pela castração simbólica, que se caracteriza por uma perda simbólica de um objeto imaginário. O fato de a mãe reconhecer a autoridade paterna, por sua palavra, reserva a função paterna simbólica na promoção da Lei (CHEMAMA, 1995).

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Forma comum de expressão de um desejo, quando se quer obter alguma coisa de alguém, a partir da qual o desejo se distingue da necessidade (CHEMAMA, 1995).

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O momento fundante da Lei ocorre no instante em que a restrição de matar o animal totêmico é transformada no tabu do incesto. Com isso, o pai simbólico funda a Lei e sustenta um lugar impossível. Através do interdito e da privação, o pai adquire uma demarcação, podendo surgir na representação de morto para ganhar uma nova forma. Assim, investido pelo registro do imaginário, a transformação de homem para pai ocorre neste processo (TAVARES, 1996).

Desse modo, o Nome-do-Pai representa para a criança um emblema da normatização simbólica e do representante da ordem social. Por isso, o aspecto da lei é, a priori5,

mandatário da sociedade e suas ordens, de forma que seu arranjo configura a sua função de unir um desejo à lei (SANTUÁRIO 2004).

Além disso, a nomeação do pai possibilita à criança nomear o objeto de seu desejo. Porém, a maneira como ocorre pertence a uma simbolização metafórica, pois se torna uma designação inconsciente. Isto é, o pai imaginário impõe a castração, sendo o privador da mãe. A identificação da criança com este pai é fálica e estritamente imaginária. Dessa forma, pela mediação do pai imaginário, é possível o pai real ser investido como pai simbólico (DOR, 1989 e 1991).

A castração simbólica, conforme Millot (1987), direciona-se a um rompimento com a separação de seu objeto de gozo - a mãe - pela inscrição inconsciente da proibição do incesto. Isso implica abandonar o “sonho de harmonia” e encarar as falhas presentes. Tendo perdido o seu objeto de prazer, a criança percebe que todo objeto de desejo constitui um lugar de perda – o pai torna-se a encarnação do nome desta perda.

O pai real permite que a criança tenha acesso, em particular, a uma posição viril para uma disposição sexual. O sujeito pode manifestar sua sexualidade ao agüentar o interdito, uma vez que a mãe, ao ser “possuída” pelo pai, proporciona à criança a proibição. Em outras palavras, a criança percebe a dinâmica na qual está inserida (CHEMAMA, 1995).

Dor (1991) comenta que o homem está em dívida com o pai. O arrependimento e a culpa acompanhados pelo luto possibilitam um lugar único ao pai morto, pois fundam simbolicamente o homem que possuía todas as mulheres da horda e possibilita a representação deste como um deus (Totem). Assim, a consolidação ocorre a partir da ascensão simbólica que possui a força da Lei.

Na modernidade, o singular passa a interessar a todos, uma vez que se apresenta um deslocamento da função paterna da autoridade. A existência humana acontece no seio de

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grupos e de organizações relativamente estáveis, enquanto se mantêm entre a presença do pai – representado por alguma figura de autoridade – os laços fraternos – encarnados em alguma forma de solidariedade (KEHL, 2000).

O declínio da função paterna adquire espaço através da ordem provocada pelo gozo estabelecido no “outro anônimo”. Esta forma representa o modelo de sociedade estabelecido na atualidade: o consumo. Kehl (2000) relaciona o lugar do pai como uma “alegoria congelada” comparada à constituição paterna da noção ocidental, ou seja, não possui vigor para a manutenção do lugar da Lei. Por isso, o anonimato relacionado ao lugar paterno. Porém, a transitoriedade da dinâmica familiar na sociedade contemporânea revela suas “marcas” no cotidiano, sendo possível ao tempo e ao espaço uma maior rotatividade. Logo, a narrativa da temporalidade sobre a dimensão circular das origens da trajetória paterna e também sobre a ficção do pai transmite a posição aos sujeitos desejantes.

Na segunda metade do século XX, a família “hierárquica” deu início a uma nova configuração de modelo familiar, antes organizado em torno do poder patriarcal, tendo a distribuição do poder uma forma mais igualitária entre o homem e a mulher, e gradualmente entre os pais e os filhos. Assim, a família consente uma significativa transformação - de uma sólida instituição para um agrupamento circunstancial e precário - tendo em sua base leis de afetos e de impulsos sexuais (KEHL, 2003).

Nas famílias contemporâneas, segundo Kehl (2003), o “pátrio” progressivamente passa a ser espalhado entre vários adultos. Com isso, na constituição do sujeito, o pai de família moderno possui uma rivalidade inconsciente entre os filhos ao buscar fazer da transmissão do nome uma identidade. Ainda, filhos das famílias nucleares convivem na condição de uma disputa permanente pelo lugar de identificação com o pai centralizador.

Enfim, talvez seja apropriado, neste momento, segundo Rickes (2005), denominar a função paterna como a transmissão de uma origem perdida. Isto é, a trajetória de fatos e ficções na vida de cada um implica uma procura daquilo que não cessa de surgir, por isso a sensação de impossibilidade, sobretudo no desdobramento da procura pela gênese infantil, pois nisso inscrevem-se os “rastros” da trama ficcional do percurso edipiano. Por isso, a função garante um lugar a um feitor.

A partir disto, questiona-se se o emblema da masculinidade apresenta-se desgastado e torna-se necessário saber quais são as diretrizes do masculino numa família desvinculada de um modelo patriarcal. Ou seja, quando a cabeceira da mesa deixa de ter apenas um dono e troca o velho formato quadrado para torna-se arredondada.

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3 A MASCULINIDADE EM CRISE

Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria Que o mundo masculino tudo me daria Do que eu quisesse ter Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara É a porção melhor que trago em mim agora É o que me faz viver Superhomem, a Canção. Gilberto Gil

A discussão sobre a diferença e a igualdade nas relações de gênero, nas mudanças da contemporaneidade, conflui-se no impacto da conjuntura masculina. Inicialmente, o termo “gênero”, segundo Araújo (2005), indica indivíduos com sexualidades diferentes (masculino/feminino) e constituídos a partir de relações sociais que valorizam as diferenças entre si. Historicamente, a masculinidade está intimamente relacionada com a feminilidade, por isso observar a força do feminismo torna-se tão importante para analisar a “crise” da masculinidade.

O projeto feminista - igualdade na diferença - pode contribuir nas mudanças nas relações de gênero, pois homens e mulheres foram capazes de libertarem-se de estereótipos e de estabelecer novas formas de relacionar-se e comportar-se. A conquista das mulheres possibilita uma autonomia, independência e liberdade para não seguirem um “imperativo determinante”. Conseqüentemente, resulta na necessária reconstrução do masculino. Com isto, a relação masculino/feminino apresenta diferentes desejos e tensões (ARAÚJO, 2005).

A crise da masculinidade surge como resultado de condições históricas decorrentes das alterações sociais, econômicas e culturais iniciadas no século XVII. Conforme Araújo (2005), o capitalismo, com sua evolução, abranda o patriarcado. O declínio gradual da função paterna proporciona à mulher ocupar espaço nas esferas públicas, para atender à demanda do mercado e da família. Logo, o homem encontra dificuldade de manter seu papel de provedor. Em seguida, defronta-se com questões que interferem diretamente em suas vidas. Por exemplo, o método contraceptivo, a necessidade de dividir afazeres e as responsabilidades nas relações domésticas são características contemporâneas diferentes as encontradas no passado.

Dessa forma, o que pode ser analisado a partir da masculinidade em crise? Em primeiro lugar, Freud (1905), através do texto Três Ensaios sobre a Sexualidade, introduz conceitos básicos para a sustentação da psicanálise ao longo de sua história. A afortunada percepção de que a existência de necessidades sexuais no homem se expressa através de suas

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pulsões sexuais é de suma importância. Na infância, as disposições masculinas e femininas adquirem distintos “contornos”. A exemplo disso, as inibições sexuais (vergonha, compaixão, nojo, etc.) das meninas apresentam-se menos resistentes do que nos meninos. No entanto, afirma Freud, a monção auto-erótica (libido6) das zonas erógenas do corpo apresenta-se similar em ambos os sexos, sobretudo decorrente da argumentação da libido como sendo regular e normativamente com natureza masculina, independentemente de isto acontecer no homem ou na mulher.

A construção teórica psicanalítica tentar dar conta de uma série de questões referentes à sexualidade humana. Neste sentido, Freud começa, incipientemente, a falar em distinção por gênero. No texto Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos, Freud (1925), refere-se à situação do complexo de Édipo nos meninos. Primeiramente, a identificação afável com o pai caracteriza o primeiro “estádio”. Decorrente do desejo do menino ocupar o lugar da mãe (objeto de amor paterno) acaba estabelecendo uma posição passiva. No entanto, também configura, posteriormente, uma rivalidade com o pai, passando a desejar o objeto de seu amor - a mãe, assim, formando uma conflitiva pela mãe com o pai, constituindo uma postura ativa. Deste modo, a orientação dupla está de acordo com uma constituição bissexual.

A psicanálise ilustra os obstáculos à sustentação da diferença sexual que, a princípio, se inscrevem nas fantasias infantis e ganham novos registros a cada experiência de castração, sem poupar homens nem mulheres. Dessa forma, Freud (1925) esclarece que o complexo de castração pode inibir e limitar a masculinidade bem como incentivar a feminilidade. Mas, afinal, a que se refere o masculino?

Os elementos que cruzam em torno do complexo de Édipo e da ameaça de castração, em Freud, são os balizadores do movimento do sujeito masculino. O sujeito interposto pelas exigências sociais faz de sua leitura singular a coletividade de seus deveres, ou seja, espera cumprir um ideal impossível, uma vez que a assimetria entre singular e coletivo possibilita visualizar a coletividade incapaz de resolver a situação de cada homem. Ademais, o “pai morto” deixou um destino incerto para sua prole, afirma Pedó (2005). Acrescenta ainda a necessidade de limitar a angústia, buscando apoio na linguagem, pois como afirma Lacan, agüentar a “viagem” e o reencontro da identidade no testemunho do Outro não é tarefa fácil.

Através da paternidade apóiam-se os desdobramentos que a “investidura” da castração pode ter. Quanto a isso, Lacan refere dois pontos essenciais para a afetividade da função

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Energia psíquica das pulsões sexuais, que encontra seu regime em termos de desejo, de aspirações amorosas, que, para Freud, explica a presença e a manifestação do sexual na vida psíquica (CHEMAMA, 1995).

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paterna: para acontecer como pai, é essencial que o sujeito aceite, por suporte da atribuição, ser o detentor desse objeto que demarca ao mesmo tempo o seu lugar de potência e a falta materna. Esta escolha lhe impõe uma atribuição que não é senão imaginária, assim, pode inscrever a diferença sexual no inconsciente como uma significação que restaura a diferença anatômica (RAMOS, 2005).

Em Um tipo especial de escolha de objeto feita pelos homens, Freud (1910) diz que a

criança cresce no ambiente familiar e consegue perceber o fato de a mãe “pertencer” ao pai. Os sentimentos de ternura pela mãe representam conseqüências para as escolhas objetais. A criança escuta dos pais que deve sua vida à deles, em seguida, internaliza o desejo de retribuir a oferenda e procura recompensá-los. O menino cria a fantasia para mostrar sua gratidão de ter um filho igual a ele próprio com sua mãe. Dessa forma, seu desejo inscreve a identificação completa com o pai. Portanto, as pulsões, desafios e afabilidade deparam-se no contentamento e desejo de ser o próprio pai.

A idealização com o pai é natural, uma vez que se apresenta na vida do sujeito desde a tenra infância. Porém, a “amplitude” que esta idealização alcança na vida futura de cada sujeito determina as características de personalidade, ainda que inconscientemente o sujeito percorra o caminho que seu pai já percorreu. Este movimento torna-se inato e delimita o projeto de desenvolvimento de cada sujeito. Por vez, comportamentos inconscientes são vinculados a repetições transgeracionais. Porém, em determinadas situações, pode o sujeito defrontar-se com o risco de deparar-se com uma lacuna, e então ficar aprisionado em uma experiência para a qual não está preparado, com fatores significantes que lhe permitam responder às exigências externas. Por isso, “repete-se algo do desejo, não elaborado, presente como não-dito no discurso parental” (ROSA, 2001, p. 128).

A rivalidade e a hostilidade tecem a relação do menino com o pai, mas, concomitantemente, o amor estabelece a essência da posição masculina. Na obra freudiana, esta afirmativa conserva-se fundamental e possibilita as construções teóricas sobre a masculinidade. Conforme Pinho (2004), o menino contrai uma dívida com o pai por ter recebido o falo. Paradoxalmente, a herança permite um “logradouro” duplo. Primeiro, aceita abrir mão da mãe e procurar em outras direções diferentes mulheres, para também estabelecer um arranjo feminino diante do pai, pois tem uma relação de amor com este. Assim sendo, no conjunto da dívida e no recalcamento de sua situação passiva, funda-se a inscrição psíquica da masculinidade.

A respeito disso, Kehl (1996) comenta que a posição dos homens na atualidade expõe particularidades que assumem efeitos sobre o discurso social contemporâneo. Os homens

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enfrentam a recente “interpenetração” dos condados sociais subvertidos pelas mulheres, com isso colocam em questão a própria identidade masculina. Então, a mulher, conquistando propriedades masculinas na vida cotidiana, lança para o homem a feminização – a antiga ameaça – experimentada como perda. O homem, que um dia já foi filho, torna-se um projeto do inconsciente materno, já que, na ânsia de procurar alívio pela falta do objeto fálico, a mãe ajusta a imagem ideal buscada.

Os homens e as mulheres apresentam diferenças anatômicas (biológicas), no entanto seus laços sociais são estabelecidos por suas diferenças subjetivas. O gênero determina-se em função dessa diferença na significação sexual do corpo na sociedade. Logo, o homem freudiano necessita dominar sua sexualidade selvagem, herdada do pai da horda, e, portanto, abdicar da poligamia, conseqüentemente, do incesto e do estupro. Dessa forma, precisa aceitar o declínio de seu antigo poder para, então, tornar-se civilizado e atender a mulher (ROUDINESCO, 2003).

Independentemente do sexo, o masculino e o feminino apresentam formas definidas de acordo com as especificações particulares de cada um “residir” seu corpo. Ambos posicionam de maneiras distintas seus objetos de prazer, isto é, encobrem e adornam o seu gozo. Enquanto na mulher a preocupação não está com o outro, pois ela esconde de si mesma, propiciando o elemento misterioso no feminino, no homem, a possibilidade está em esconder-se aos olhos do outro e, conesconder-seqüentemente, dissimular e mascarar esconder-seus gestos torna-esconder-se um flagrante. Assim, a mulher oferece o mistério e o homem desfaz o enigma e abafa as perguntas (NASIO, 1993).

4 O DESEJO MASCULINO

Mas tanto faz, já me esqueci de te esquecer porque o teu desejo é meu melhor prazer e o meu destino é querer sempre mais a minha estrada corre pro seu mar Bem Que Se Quis. Marisa Monte.

Fontenelle (2004), no texto “Algumas questões sobre a masculinidade hoje”, consegue em um pequeno espaço remeter a uma discussão ampla e prudente. Pergunta: O que é o pai hoje? O que é o homem hoje? Trata-se de dois significantes diferentes e justamente nesta diferença torna-se possível observar as mudanças providas pelos deslocamentos das funções e

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configurações de ambos ao longo dos séculos. Afirma a autora que “na atualidade, as funções de um homem não ganham nenhuma clareza em sua definição” (p. 22).

Analisar a constituição masculina, atualmente, possibilita visualizar as dificuldades de o homem significar seu desejo. Isto porque nem sua virilidade está totalmente garantida, ainda que o elemento viril esteja imaginariamente presente. Dessa forma, o homem está buscando utilizar-se de modas sedutoras, colocando-se em exposição, equivalendo a um objeto de desejo no ambiente social e o risco pode ser a sua transformação em um objeto de desejo. Por sua vez, o desejo na masculinidade, onde se encontra? (FONTENELLE, 2004).

A fantasia de atingir um objeto impossível constantemente está para ser alcançada. Desde a perspectiva de Freud, as aspirações sempre estiveram presentes e jamais realizadas no ser humano. A felicidade absoluta, revestida de diversas imagens, dentre elas o prazer absoluto, derivado do incesto, estabelece algumas premissas. Esses anseios ganharam o nome de “desejo” na psicanálise. Assim, o “corpo psíquico” como suas zona erógena torna-se receptáculo das pulsões libidinais (NASIO, 1993).

A psicanálise, ao longo do século XX, expõe o inconsciente a uma íntima relação sobre a sexualidade humana e revela seu “comando” sobre o dígito da linguagem. Em virtude disto, os desejos inconscientes enunciam a sua revelação através da linguagem, logo, esta elucidação de Lacan refere-se ao inconsciente estruturado como linguagem. Surge a linguagem como um artifício interminável, uma vez que, revelando-se pelo inconsciente, possibilita dentro da experiência humana trazer à tona um elemento de essencial entonação: o Desejo (NOGUEIRA, 1999).

Santuário (2004) comenta que o fenômeno da linguagem, na teorização lacaniana, estende-se para as relações do sujeito no meio social, na medida em que a linguagem tem capacidade de humanizar tudo o que é do homem. Portanto, a concepção da linguagem como uma rede intersubjetiva possibilita a percepção e a totalidade para atuar sobre o sujeito.

Um sujeito (criança) no mundo apresenta-se como causa de desejo de algo (satisfação, prazer, imortalidade, etc.) relacionado à compleição dos pais. Desta maneira, a criança resulta do desejo parental. Pelos mais variados motivos, estes continuam a operar na criança após seu nascimento e isto, em grande parte, torna-se o advento responsável para constituir o sujeito dentro da linguagem. Assim, o desejo e a linguagem estão permeados e inconcebíveis ambos pela presença de cada um (FINK, 1998).

“O desejo está condenado a jamais ser satisfeito. Ele não se efetiva, ele jamais pode se tornar algo de real para o sujeito” (SANTUÁRIO, 2004, p. 90). Isto ocorre pela concepção de uma cadeia significante dirigida pela linguagem a um acesso infinito sobre representantes

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objetais. Neste sentido, o sujeito desejante não cessa de ansiar por algo capaz de significar a busca interminável de ultrapassar os limites do prazer. O movimento liga-se à perda de algo – a relação primitiva com a mãe – o que causa um sofrimento que carece ser satisfeito.

O desejo a que se refere Dor (1989) representa a via da metonímia. Ou seja, o desejo versa em mencionar o desejo do todo através de um desejo da parte. Com o benefício da Metáfora Paterna, a criança consegue afastar seu assujeitamento da mãe. Em seguida, adquire um status de sujeito desejante. Por conseqüência, o desejo de falar, através de sua demanda, recorre a um representativo da linguagem, logo, dando aos objetos de desejo a qualidade de objetos metonímicos.

Inicialmente, para maior clareza no percurso de delimitação do conceito de desejo na teoria psicanalítica, torna-se necessário demonstrar a sua construção. Para Chemama (1995), “o desejo seria a falta inscrita na palavra e efeito da marca do significante sobre o ser falante” (p. 42). Então, se o desejo seria a falta inscrita na palavra, sua representação seria pelo desejo do Outro, como aponta Lacan? O Outro (com o maiúsculo), na inscrição lingüística, carrega nos sujeitos a sua origem externa e interna. Portanto, a discussão pode partir desta questão.

Lacan procurou evidenciar uma terminologia que distinguisse outro e Outro. Afirma que o Outro se refere à presença de um terceiro, isto é, do inconsciente. Ao longo de suas teorizações, assegurará o Outro como aquilo de que se trata na função da fala. Logo, o inconsciente torna-se o discurso do Outro, no qual o sujeito recebe, sob a forma invertida que equivale à promessa, sua própria mensagem esquecida. Dessa forma, a linguagem não é o instrumento, mas a condição de produção de qualquer forma de comunicação (ROUDINESCO E PLON, 1998).

Nesse sentido, o Outro transcorre sobre o desejo pelo que ele fala (CHEMAMA, 1995). Ou seja, no percurso da palavra (linguagem), ocorre uma aproximação de sentidos que o Outro é capaz de provocar. Por isso, o desejo tem o ordenado de um elemento que escapa. Contudo, a intenção de explorar este elemento, ao longo do tempo, tem a iniciativa de melhor apresentar o circunferência que envolve o desejo na masculinidade.

Lacan (1960), em “Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano”, propõe uma construção conceitual destas duas instâncias através de uma escrita densa e emblemática. O essencial encontra-se na maneira como a influência hegeliana assopra sua percepção. Primeiramente, a subversão a qual Lacan se refere à principal ferramenta psíquica do sujeito: o Outro.

O homem depara-se com sua morada no Outro. Além da imagem que o sujeito banca, seu lugar representa o lugar de ausência onde está. Santuário (2004) pondera sobre a

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construção lacaniana atribuída ao Outro. Este lugar que é o Outro permeia seu campo perante a linguagem, como já salientado anteriormente. O Outro enquanto lugar liga-se à palavra. A mensagem enviada para o sujeito emite-se pelo Outro. Indiferentemente, o sujeito pode falar com o outro semelhante ou consigo mesmo, o interessante é sua fala demandar ao Outro para que este o escute e considere. Dessa forma, o sujeito consegue, através do Outro, dizer o que fazer e o que desejar.

Então, afirma Lacan (1960) que o sujeito consegue sua constituição a partir da mensagem obtida pelo Outro. Dessa forma, partindo da idéia de que o Outro é o lugar da ordem significante (de algo), a enunciação de autoridade pela concepção do Édipo garante o desejo do homem só adquirindo forma pelo desejo do Outro. Retomando questões anteriores, convém salientar algumas reflexões importantes. Freud propõe a seguinte questão: que é um pai? Em seguida responde: é o pai morto. Lacan configura este pai através do Nome-do-pai, como já citado anteriormente. A autoridade da Lei remete a um representante original, levando, assim, o sujeito a sustentar o lugar do Outro.

O grande Outro está diretamente ligado com a função paterna. A disseminação do grande Outro não está nem no pai nem na mãe – apresenta-se na ordem da função paterna – de forma que seu direcionamento pode contrair uma diversidade de representações. Jerusalinsky (2000) consegue esclarecer, em seu texto “O desejo paterno”, que o pai apresenta-se para além de um sintoma, ou seja, em uma versão imaginária que obtém um olhar desejante concedido a um objeto que falta.

Rickes (2005) consegue esclarecer mais ainda sobre o papel do Outro. Sustenta, através da paternidade, a condição para o sujeito de que a promessa da potência fálica pode garantir um lugar para o próprio desenvolvimento, inscrito pelo “significante que falta no Outro”, ou seja, pela possibilidade provocada pela falta de completude.

Ao falar de Lei no sentido psíquico, a possibilidade ou impossibilidade de sua impressão biológica ou física não a torna arbitrária. Sob outro ângulo, observa-se a restrição da Lei, ou seja, a impossibilidade lógica de um ser falante não encontrar a diferença com indivíduos da espécie. Assim, ocorre a imposição da palavra para aquilo que não pode ser dito. Em outras palavras, isso significa impor o significante ao padecimento, à morte, à sexualidade e ao gozo. Por conseqüência, a impossibilidade de o sujeito sustentar o seu arranjo desejante esbarra onde a Lei não opera (TAVARES, 1996).

Por isso, Dor (1991) esclarece que o desígnio inaugural, instituído pelo Nome-do-Pai, viabiliza a significar, pela linguagem, o sujeito desejante. Com o advento deste pai simbólico, atesta o registro da castração pela criança, reconhecendo que a mãe procura e deseja o falo.

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Este, pertencente ao pai, convoca na criança a tradução da perda simbólica deste objeto que é imaginário.

Fink (1998) descreve que a constituição do real acontece antes da aquisição da linguagem, por isso “não existe”, logo consiste naquilo que ainda não foi simbolizado. Deste modo, o real “neutralizado” pelo simbólico inventa a “realidade” e esta pode ser entendida e nomeada pela linguagem. À medida que o real incorpora-se no discurso do sujeito, adquire uma existência.

O homem seria a posteriori7 a formação do simbólico. A partir do conjunto de símbolos em que o sujeito vem ao mundo, vincula-se ao lugar que possui. Pode-se entender que o que é dito pelo sujeito, no instante em que é dito, adquire um efeito a priori do imaginário, para a fundação da realidade. “Entretanto, o real não é instaurado pelo dito do sujeito. O dito do sujeito só faz percorrer o caminho interno da ordem do simbólico” (SANTUÁRIO, 2004, p. 80).

A eficácia do simbólico ocorre através do encontro da função materna e paterna, pois o sujeito arranja seu inconsciente pelo discurso profanado decorrente do percurso do Édipo. Este momento humaniza a congregação de seu “tônus”. Logo, a dimensão da palavra integra pelo campo simbólico o desejo do sujeito. Por conseguinte, a criança que nasce pela linguagem atribui em seu desejo uma direção ao empirismo dos objetos via registro imaginário (SANTUÁRIO, 2004).

Prosseguindo na discussão sobre o desejo na masculinidade, deve-se considerar que

o desejo se esboça na margem em que a demanda se rasga da necessidade: essa margem é a que a demanda, cujo apelo não pode ser incondicional senão em relação ao Outro, abre sob a forma da possível falha que a necessidade pode aí introduzir, por não haver satisfação universal (o que é chamado de angústia) (LACAN, 1998, p. 828).

Em outras palavras, a necessidade se desfaz na medida em que uma demanda se origina, pois a impossibilidade surge a partir do desejo. Esse capricho, o qual Lacan (1998) institui, proporciona uma separação dessas três instâncias da constituição psíquica do sujeito – desejo, demanda e necessidade. Além disso, existe uma dissociação entre ambos, uma vez que o desejo não apresenta um objeto real do mundo externo capaz de satisfazê-lo, apenas na instância psíquica.

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Dimensão da temporalidade e da causalidade específica da vida psíquica, que consiste no fato de que as impressões ou os traços amnésicos só podem adquirir todo o sentido e toda a eficácia em um tempo posterior ao de sua primeira inscrição. (CHEMAMA, 1995).

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O desejo encontra saída através da vazão das palavras, desta forma, desdobra-se em uma demanda. Porém, ao perpetrar uma demanda, o desejo se envolve na cadeia significante do discurso. Deste modo, “de um objeto a outro, o desejo remete sempre a uma seqüência indefinida de substitutos” (DOR, 1989, p. 94). Assim, o desejo conserva sempre uma insatisfação, pois possui necessidade em se fazer linguagem.

Millot (1987), no que refere à linguagem, afirma que o registro do desejo estabelece-se em contraposição à necessidade, visto só ser capaz de apoiar-se na não-satisfação. Com a palavra fundada no desejo, seu cerne está conectado à proibição, ou seja, à Lei.

Dentro do campo lacaniano, a linguagem das fantasias inconscientes constituiu uma articulação entre significantes que remetem às relações simbólicas, ou seja, aos arranjos sexuais e sociais, bem como ao modo de gozar, ultrapassando o prazer. Contudo, a psicanálise necessitou desvendar as diferenciações entre o Desejo e o Gozo (NOGUEIRA, 1999).

Na perspectiva lacaniana, uma nova proposta de lidar com o desejo e o gozo na vida contemporânea complementa a percepção das relações sexuais. Apesar de o desejo ser causado pelo Outro, não é capaz de satisfazê-lo, porque se deseja anular a falta (NOGUEIRA, 1999).

A fim de uma compreensão da terminologia, pode-se, ainda, comentar que o símbolo - objeto a - é hábil a causar o desejo. Para uma formalização desse lugar e superação do impasse proporcionado pelo gozo, incapaz de simbolizar, o símbolo a refere-se à letra da palavra “outro” em francês (autre). Conforme aponta Nasio (1993), o objeto a expressa uma ausência, ou seja, uma impossibilidade. Para Lacan, objeto causa de desejo.

Em contrapartida, o gozo joga-se para o exagero sem limites. Torna o corpo excluído da cadeia da linguagem. Nesse sentido, a linguagem apresenta-se como pacificadora e estabilizadora da excitação do corpo ocasionada pelo gozo. Com isso, o desejo move a cadeia de significantes, distanciando corpo e gozo. Assim, o limite ao gozo seria o desejo direcionado para a demanda em analogia ao Outro (NOGUEIRA, 1999).

No seminário 20, intitulado de Mais, ainda, Lacan (1985) provoca algumas reflexões sobre o gozo. Pergunta o autor: “O que é o gozo?”. E responde: “O gozo é aquilo que não serve para nada” (p. 11). Exibe assim, o gozo, como mandatário do supereu. Dessa forma, o gozo sexual é caracterizado pela impossibilidade de fundar uma relação sexual.

Convém ressaltar a importância do conceito de gozo na teoria psicanalítica de Lacan. Na medida em que Lacan formula este referente, constrói a idéia da inexistência da relação sexual. Nasio (1993), antes de mais nada, recomenda desvincular a palavra “gozo” da imagem de “orgasmo”. “Numa palavra, o gozo é, no inconsciente e na teoria, um lugar vazio de

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significante” (p. 29). Isto porque o gozo representa uma energia do inconsciente, constantemente ativado pelo desejo.

Através do gozo, três estados podem ser caracterizados: o gozo fálico, o mais-gozar e o gozo do Outro. Inicialmente, o gozo fálico remeteria a uma descarga parcial de energia psíquica. Em contrapartida, o mais-gozar seria a permanência desta retida no sistema psíquico. E, por fim, o gozo do Outro corresponderia à descarga total, sem limites (NASIO, 1993).

Pela demonstração do discurso analítico, o homem provido pelo órgão dito fálico tem como obstáculo, justamente, o gozo fálico, pois, segundo Lacan, ao tentar gozar do corpo da mulher, o homem gozaria apenas de um gozo do órgão. Por isso, a relação da castração coloca o gozo do Outro como uma obra infinita. Procedente da castração - o herdeiro supereu - coloca à disposição uma interminável relação de significantes (LACAN, 1985).

O homem, pressionado pela angústia de ter que conservar seu órgão sexual como um objeto fálico, torna-se muito mais apavorado e mais ameaçado do que a mulher. Isto decorre de um conjunto de atributos ideais encarnados na figura da mulher e livra o homem de arriscar sua masculinidade com uma posição masoquista e entregar-se sem limites ao seu prazer, mantendo uma intimidação de lugar feminilizado e, por ora, de perder sua virilidade (KEHL, 1996).

Ao discutir a diferença sexual, Lacan, no seminário Mais, ainda, alega que homem e mulher se balizam entre si em relação a um significante de diferença: entre função fálica do gozo para o homem e o gozo suplementar feminino. Nesta situação, o Outro passa, também, a ser entendido como o lugar onde se inscreve a diferença irredutível para cada sujeito. Assim, o Outro não se confunde, pois, com o outro ⎯ já que o campo deste último é o da legítima dualidade nos termos que usualmente a psicologia lhe confere. Na teoria, trata-se de pensar a alteridade com base na noção de alienação à imagem especular ⎯ o outro ⎯ e de designá-lo como um si-mesmo. Ou, então, como uma representação do eu marcada pela prevalência da relação dual com a imagem do semelhante (ROUDINESCO E PLON, 1998).

O gozo sempre será sexual, não no sentido genital. O destino mítico consumado pelo trajeto incestuoso pode ser experimentado pelo Outro através do gozo, sob o formato de prazer sexual absoluto. Logo, o Outro é representado por algum artifício mítico (Deus, a mãe, etc...). Assim, quando a criança reconhece o gozo do Outro pela condição mítica, a devassidão da relação sexual incestuosa se desfaz (NASIO, 1993). Então, a castração possibilita o interdito do ato incestuoso, como bem sabido. Com isso, a relação sexual é impossível e não existe, como afirma Lacan.

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A sexualidade masculina notifica à mulher, na posição feminina, a vontade de atribuí-la como objeto de desejo. Logo, conforme Kehl (1996), suportar o próprio desejo pode ser buscar a satisfação. Contudo, investiga-se: “afinal, o querem os homens?”. Por conseguinte, homens e mulheres são basicamente uma coisa só, categoricamente separados por uma pequena diferença, negociada através da moeda imaginária e de muito apreço chamada de amor.

Contudo, a expressão da masculinidade pode subjetivar-se a partir de uma presença pressuposta, mas que deve ser revelada. De acordo com Fink (1998, p.77),

o homem não somente deseja o que o Outro deseja, mas deseja da mesma forma; em outras palavras, seu desejo é estruturado exatamente como o do Outro. O homem aprende a desejar como um outro, como se ele fosse alguma outra pessoa.

Os homens permanecem a querer o que sempre quiseram: encontrar em uma mulher toda a disposição amorosa, quase sacrificial e passiva possível, bem como uma capacidade de afirmar o próprio desejo e lutar por ele. Convencionou-se chamar de feminilidade esta posição imposta à mulher, aliada a uma coragem titulada de viril. A virilidade entende-se como uma invenção das mulheres a que os homens se esforçam para corresponder. No entanto, a idéia de encontrar em uma mulher a feminilidade torna-se uma projeção do desejo masculino, pois as mulheres aprendem a encarnar – como farsa – a ilusão masculina (KEHL, 1996).

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METODOLOGIA

O estudo presente neste trabalho final de graduação caracteriza-se como sendo uma pesquisa do tipo bibliográfico. A partir de uma revisão bibliográfica, o desígnio é compreender como a composição do desejo apresenta-se na masculinidade. Com base nesta proposição, optou-se por fazer uma pesquisa nestes parâmetros em função do tema estar direcionado sobre a constituição masculinidade na contemporaneidade, privilegiando um curso atrelado a dúvidas acerca de uma interpretação psicanalítica sobre a configuração da masculinidade, a partir de seu desejo, sobre as reflexões atuais.

A pesquisa bibliográfica é um modelo de apresentação arbitrário. Seu desenvolvimento acontece baseado em material bibliográfico já elaborado, tendo sua composição em livros e artigos científicos. O benefício deste tipo de pesquisa volta-se para a qualidade, pois evita reproduzir fontes secundárias que possam apresentar dados ou processos equivocados, tendendo a produzir incoerências ou contradições (GIL, 2002).

A exploração do tema da masculinidade possibilita uma reserva no levantamento bibliográfico que dificulta a procura de fontes sobre o assunto. O interesse de examinar as variações da configuração masculina e sua reverberação é um encontro do desejo de indagar as generalizações. Conforme Gil (2002), mesmo em áreas de conhecimento já exploradas, o interesse do pesquisador pode partir do objetivo de determinar com maior especificidade assuntos que acontecem, bem como a extensão destes.

Dessa forma, a pesquisa se delimita sobre uma gama de produções bibliográficas capazes de colaborar com um estofo de conhecimentos acerca da literatura psicanalítica. Por isso, cabe reforçar que o referencial teórico proposto neste projeto sobre a masculinidade convoca a leitura de autores clássicos da psicanálise, sendo eles, principalmente, Freud e Lacan, além de comentadores atuais.

Cervo e Bervian (1996) consideram a pesquisa bibliográfica como um instrumento capaz de elucidar problemas através de referenciais teóricos, com a finalidade de procurar

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conhecer e analisar os aportes científicos e culturais sobre o tema levantado. A possibilidade de colocar o pesquisador em contato com o que já foi escrito assume uma importante determinação na investigação do assunto.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim amamos o próprio desejo, e não o desejado (NIETZSCHE, 2005, p.72)

A masculinidade é uma descoberta. Está sujeita a um processo de experiências entrelaçadas de dúvidas e de questionamentos. As indagações subjetivas deste tema elaboram a pesquisa psicológica e enriquecem o método analítico. Por isso, a investigação norteadora desta pesquisa vinculou-se ao desejo no masculino. Neste sentido, a introdução de uma reconstrução sistemática de conceitos e diretrizes do pensamento psicanalítico uniu-se ao campo social e cultural.

Primeiramente, a saber, qualquer sujeito é “fruto” de um desejo. Com base no conhecimento da procriação, o desejo é o começo para qualquer nascimento de vida na natureza humana. Em suma, isto não é nenhuma novidade. No entanto, as particularidades investidas na dimensão do desejo na masculinidade remetem a sexualidade psíquica para além da conjuntura de ser homem, já que se trata do resultado de sua atitude peculiar e singular.

Basicamente, a composição da masculinidade constitui-se através do difuso percurso parental. Os traços e configurações assumem formas na medida em que o desenvolvimento infantil é composto de envolvimento dos pais. Inicialmente, a mãe possui uma responsabilidade muito grande designada nas satisfações primárias de seu bebê e na acomodação de suas necessidades. Em seguida, o pai apresenta-se para registrar os recursos “itinerários” que serão úteis na manutenção da vida de seu bebê. Por isso, a ligação entre pai e mãe na vida do bebê assume uma importância distinta em sua base fisiológica, bem como fornece características psicológicas para o investimento na criança gerada. Pode-se, então, referir que o olhar da mãe “funda” o sujeito e o do pai “de-limita”. Convém salientar que esta descrição torna-se fundamental para esclarecer a gênese da formação do ser humano.

Mesmo que um sujeito tenha nascido com órgãos genitais masculinos (pênis), a garantia da masculinidade não está totalmente assegurada. Não se nasce homem, torna-se homem! Portanto, sexo e gênero apresentam características antagônicas na constituição da

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