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ESCOLA, ESPAÇO DE RELAÇÕES: SENTIDOS E SILÊNCIOS NO DISCURSO DA CRIANÇA.

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Academic year: 2021

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ESCOLA, ESPAÇO DE RELAÇÕES:

SENTIDOS E SILÊNCIOS NO DISCURSO DA CRIANÇA.

Yara Márcia Silva Daniele – FURB

RESUMO

Entende-se escola como uma instituição histórica, que revela na sua essência a manifestação de relacionamentos sociais e, para tanto, precisa ser reconstruída permanentemente. Não é objetiva tão pouco neutra como às vezes parece ser. Nesse sentido, não dá conta da complexidade nela existente, pois, como instituição social, vive em permanente construção e reconstrução em torno de visões pedagógicas particulares de cada cultura, criando suas próprias identidades e subjetividades. Para refletir sobre essas questões, este artigo apresenta o recorte de uma pesquisa que tem como objeto de estudo as formulações discursivas a respeito do estar na escola na voz de crianças de quartas séries do Ensino Fundamental, bem como os sentidos e os silêncios que se apresentam no emaranhado lingüístico.A escola formulada nos textos das crianças parece apontar um espaço de relações, de humanização que acontece na interação e na convivência social, o que pressupõe movimentos dialéticos de harmonia e conflito.

Palavras-chave: Escola; Espaço; Relações.

0. Introdução

As crianças são sujeitos sociais, que têm desejos, que falam, que interpretam o que lhes acontece. Para algumas crianças, estar na escola é passar de ano; para outras, estar na escola é fazer amigos, ser representante de sala, participar de festas, comer guloseimas e competir em jogos escolares. Esses são movimentos que podem indicar as posições sociais das crianças, o meio em que vivem e os valores que cultivam.

Diante dessas questões iniciais, resolveu-se realizar uma pesquisa no município de Joinville, em duas escolas públicas e uma escola particular, com crianças de quartas séries do Ensino Fundamental, com o objetivo de compreender as formulações discursivas contidas nos textos das crianças a respeito da vivência escolar e, também, compreender os efeitos de sentidos e os silenciamentos observados na materialidade lingüística. Ao todo foram 210 crianças que escreveram textos respondendo a dois comandos:

1 - Escreva sobre um momento muito feliz na escola.

2 - Escreva sobre um momento na escola que foi muito delicado e não feliz.

Para este trabalho foram escolhidos seis textos que constituíram a base empírica para a análise. Os nomes das crianças foram substituídos, por uma questão ética, e os textos foram mantidos na forma original sem correção gramatical e ortográfica.

O mirante teórico apresenta as seguintes abordagens: a primeira tentará compreender a escola no campo conceitual, por meio dos pressupostos de Henry Giroux, cujo enfoque é a pedagogia crítica.

Uma segunda abordagem será a Análise do Discurso (AD), de orientação francesa que nasceu nos anos 60, período em que a conjuntura intelectual francesa refletiu sobre os textos políticos articulando uma interdisciplinaridade

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entre a lingüística, o marxismo e a psicanálise. O representante principal dessa corrente foi Michel Pêcheux. A Análise do Discurso pensa a relação entre o lingüístico e o ideológico, evitando reduzir o discurso à análise da língua. Na AD, a ideologia é uma prática significante entre sujeito, linguagem e história.

Conta-se também, neste trabalho, com os escritos de Michel Foucault (2004) que compreendem o discurso não como a manifestação de um sujeito que pensa, que conhece, mas como um conjunto de manifestações que podem ser determinadas pela dispersão do sujeito e sua descontinuidade.

Para Foucault, a verdade é múltipla e a escola é o espaço em que saber e poder se articulam, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir de um direito reconhecido institucionalmente. Esse discurso, que passa por verdadeiro, que veicula saber (institucional), é gerador de poder.

A análise dos registros empíricos será realizada com base nos conceitos foucaultianos de que o discurso é o espaço em que saber e poder se articulam. A idéia de triangular os pressupostos epistemológicos de Giroux, Pêcheux e Foucault para tentar compreender os dizeres das crianças permite olhar a escola sob outra ótica, ou seja, numa visão social e histórica. Foucault (2004) afirma que o sujeito se constitui entre três eixos: do ser-saber, do ser-poder e do ser-si.

1 Escola: Espaço de relações

Pensar a educação é pensar em múltiplas possibilidades de aprendizagem, trazendo à tona a singularidade dos sujeitos, revelando formações discursivas socialmente construídas.

A formação discursiva não é, pois, uma totalidade em desenvolvimento, tendo seu dinamismo próprio ou sua inércia particular, carregando consigo, em um discurso não formulado, o que ela não mais diz, ainda não diz, ou que contradiz no momento: não é uma rica e difícil germinação, mas uma distribuição de lacunas, de vazios, de ausências, de limites, de recortes (FOUCAULT, 2004, p.135).

As crianças, em seus discursos, analisam a escola, os outros e a si mesmas. Suas vozes parecem apontar para alguns indicadores do sentido de escola, revelando os diversos fios que tecem o cotidiano escolar.

Na materialidade dos textos observa-se, também, uma reflexão para além das fronteiras da escola. Elas sinalizam em seus discursos e silêncios, posturas de pertença, solidariedade e honestidade.

Para efeito de análise do discurso, os registros foram divididos em sítios de significação ou nichos de sentidos. A fala das crianças sobre a escola aponta para cinco sítios de significação: discurso pedagógico, discurso do brincar, discurso da amizade, discurso da rejeição e discursos que silenciam.

O primeiro sítio de significação a ser analisado é o discurso pedagógico que sinaliza à escolarização, que pressupõe um professor institucional, possuidor de saber e que está na escola para ensinar o aluno que nada sabe. Percebe-se muitas vezes nesse discurso um movimento que vai de um autoritarismo sem precedentes a uma docilidade paternalista sem reflexão. compreender melhor esse jogo ideológico serão analisados textos que apontam para uma escola normalizadora.

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Paula - Quando aprendi a ler e a escrever, a ler porque quando você viajar e não tem nada para fazer dá para ler as placas ou ler um bom livro, e na hora do recreio dá para ir à biblioteca. A escrever porque você pode escrever histórias. Quando eu aprendi a ler e escrever foi uma alegria parecia que tudo era diferente era mais legal e divertido, era mais feliz. Parecia que cada dia ficava mais esperta por ter aprendido tudo isso que sempre usarei.

A questão da aprendizagem aparece na fala desta criança, sendo possível perceber uma certa satisfação em aprender a ler e escrever como forma de descobrir o mundo. Ela também fala de uma experiência pela qual passou e que não parece acontecer mais: “Quando aprendi a ler e escrever foi uma alegria parecia que tudo era diferente, era mais legal e divertido, era mais feliz”. Há um certo silêncio sobre o momento presente, quando diz: “era feliz”. Este discurso pode ter vários efeitos de sentidos que podem revelar a sistematização fragmentada dos conteúdos deixando de lado, muitas vezes, o prazer da leitura. No entanto, quando a criança diz que “cada dia ficava mais esperta por ter aprendido tudo isso que sempre usarei” remete a uma escola em que os conteúdos são trabalhados interligados e com significados.

Conforme Orlandi (2003, p. 264):

A fala pode ser silenciadora quanto ao que se diz. Em certas condições, se fala para não dizer certas coisas, para não se permitir que se digam coisas que causam transformações limites, ou melhor, como diria Caetano, para não se dizer (ou deixar dizer) as outras palavras. Nesse sentido, a fala é silenciadora enquanto domínio do mesmo.

O texto que agora será analisado trata dos momentos delicados e não felizes na escola:

Alice - As provas porque você fica nervosa e não consegue lembrar, e depois vê a nota então ou é legal ou é um desastre. Eu acho que essas coisas de notas não mostra nada do que o aluno aprendeu, ele pode simplesmente colar ou fazer várias outras coisas. Não mostra simplesmente nada a nota e sabe de uma coisa odeio prova.

Alice aponta em seu discurso a prática da avaliação classificatória e não como um processo de aprendizagem. Segundo Zabala (1998, p. 209), ”a filosofia da prova é a do engano, a do caçador e da caça e, portanto, não promove a cumplicidade necessária entre professor e aluno”.

Pode-se perceber no discurso de Alice a homogeneização que a escola ainda insiste em fazer com os alunos. A burocracia desenvolvida pela escola favorece, de certa forma, os equívocos das práticas avaliativas.

As palavras de Alice parecem carregadas de um silêncio que aponta para uma postura que a própria escola desenvolveu nos alunos, ou seja, que o mais importante é passar de ano e obedecer as regras da escola.

Discurso do Brincar

Juliana - Um momento feliz mesmo foi quando eu tive o meu clube aqui na escola, tem a Presidente que sou eu, e a vice que é minha melhor amiga, no nosso

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clube tem 7 pessoas, temos muitos esconderijos, e além disso passamos por muitas aventuras, como histórias, investigações,etc...

A visão adultocêntrica parece centrar os programas escolares na visão da instituição e na visão do professor. Isso pode ser percebido no discurso da criança quando ela fala dos “esconderijos” da escola onde tem aventura e investigação. Há no discurso dessa criança um fator que revela o quanto se aprende fora da sala de aula sem o controle e vigilância permanentes. Percebe-se nessa fala a escola como espaço de relação e que muitas vezes se apresenta como um único espaço de convívio social com crianças da mesma idade.

Discurso da Amizade

Melissa - Quando eu e minha amiga brigamos. Eu me arrependi de ter chamado ela de “Dona Perfeitinha” Ficamos separadas uma semana. Eu não agüentava mais. Fui até lá pedir desculpas. Eu me senti um monstro perto de todos. Mas às vezes ela me deixa nervosa.

O que chama a atenção no discurso de Melissa é o fato de ela ter chamado a amiga de “Dona Perfeitinha”. Parece que há nesse discurso um valor implícito de que ser bom aluno é pejorativo. O dizer de Melissa aponta para os conflitos que acontecem, também, entre amigos.

As falas das crianças apontam para a escola entendida como espaço de relações e de aprendizagem de vida. O silêncio sobre a aprendizagem dos conteúdos escolares parece dar espaço para um outro tipo de conteúdo que perpassa as relações humanas. As vozes que atravessam o discurso de Melissa parecem revelar um princípio de aceitação das diferenças.

Discurso da Rejeição

Gustavo - Quando eu fui perseguido por muitos alunos aqui na escola.

Quando o aluno escreve que “foi perseguido”, parece que há nessa formação discursiva uma denúncia de violência dentro da escola; quando ele diz “muitos” ele fala do ponto de vista do agredido. A palavra “perseguido” parece sinalizar uma certa ideologia entre oprimidos e opressores; há sempre uma opacidade nos discursos revelados.Tanto as palavras quanto os silêncios não são transparentes.

Orlandi (2003, p. 263) afirma que:

o silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é forma de dominação, enquanto que o silêncio proposto pelo oprimido pode ser uma forma de resistência. Por outro lado, numa visão foucaultiana, isso se espalha de múltiplas formas; as palavras e os silêncios não necessariamente apontam para uma dicotomia entre excluídos e excluidores, oprimidos e opressores. O sujeito, para Foucault, é o resultado de uma produção que se movimenta entre o saber, o poder e o cuidado de si, pois quem fala, fala de algum lugar, a partir do direito reconhecido institucionalmente.

Sentimentos de rejeição apontam alguns indícios de discriminação social, tema esse tão pertinente no mundo contemporâneo e que às vezes passa desapercebido pela escola. Os temas trazidos nesses discursos são temas da

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vida cotidiana e que, se forem camuflados na escola podem aparecer nos sintomas da indisciplina, do fracasso escolar, ou seja, do não desenvolvimento do potencial cognitivo.

Discursos que Silenciam

Jeferson - Não tive nenhum momento feliz.

É impossível deixar de pensar a respeito do sujeito, que diz não ter momentos felizes na escola. Essa fala parece refletir que a escola nem sempre é lugar de troca, de aprendizagem, de conversas e de amizades. Ao olhar aquilo que não está dito nos remete ao pensamento de Orlandi (2003, p. 263) quando afirma que “podemos afirmar que às relações de poder interessam menos calar o interlocutor do que obrigá-lo a dizer o que se quer ouvir”.

É comum nas escolas observar os alunos somente por aquilo que dizem e estes, sabendo o que os professores querem ouvir, dizem exatamente o que se espera. Dificilmente se reflete sobre respostas incompletas, o silêncio, os lapsos de memória.

2 Considerações Finais: Algumas Reflexões

O corpus empírico analisado sinaliza o quanto as ações humanas são interpeladas pela ideologia. Por um lado, o discurso pedagógico hermético e tradicional, e, por outro, um discurso que tenta romper com o já-dito para dizê-lo de forma diferente com outros efeitos de sentidos. Revelam, também, a riqueza do espaço escolar na construção do sujeito. Por meio de jogos simbólicos de palavras, a ideologia dominante atravessa esse espaço, e os efeitos de sentidos dos discursos das crianças são múltiplos, por isso, extremamente subjetivos.

Essa pesquisa permitiu um novo olhar para a escola sob a ótica da criança, podendo observar, nos seus dizeres, a complexidade e a subjetividade nela existentes. A escola, compreendida como espaço para as práticas sociais, transforma-se em arena para o desenvolvimento social das crianças.

O sentido das palavras, materializado nos textos, aponta para a construção de relacionamentos que transitam

permanentemente nos espaços escolares. As crianças falam de relacionamentos éticos, de amizade, de solidariedade,

de brincadeiras e conflitos.Seus dizeres, nem tanto pueris, parecem revelar um fio condutor para novas práticas

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Referências Bibliográficas

CHARLOT, Bernard.Relação com o saber, formação de professores e globalização: questões para a educação hoje.Porto Alegre: Artmed, 2005.

FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves; 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

________.Vigiar e punir: nascimento da prisão. Trad. Raquel Ramalhete; 27ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

GREGOLIN, Maria do Rosário; Foucault e Pêcheux na construção da análise do discurso: diálogos e duelos. São Carlos: Clara Luz, 2004.

GIROUX, Henry.A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem. Trad. Daniel Bueno-Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

ORLANDI, Eni Puccinelli; 1942. Análise de discurso: princípios e procedimentos; 5ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2003a.

__--_______. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso; 4ª ed. Campinas, SP: Pontes, 2003b.

PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Puccinelli Orlandi; 3ª ed. Campinas, SP: Ed. da Unicamp, 1997.

Referências

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