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Tradicionalmente o ensino de leitura, interpretação e produção de texto. Maria Aparecida Lino Pauliukonis / UFRJ

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Academic year: 2021

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Texto

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reFLexõeS Sobre o enSino proDutivo De

conectoreS: umA propoStA

Maria Aparecida Lino Pauliukonis / UFRJ RESUMO: Estudo reflexivo e produtivo dos conecto-res da causalidade ampla em português, com o objeti-vo de sensibilizar os alunos para a importância de seu papel sintático, semântico-argumentativo e pragmático em frases e em textos. Tal enfoque permite uma visão discursiva do emprego de conectores em português que muito pode contribuir para a melhoria do ensino da in-terpretação e da produção de textos.

PALAVRAS-CHAVE: conectores; ensino; interpreta-ção; produção textual

T

radicionalmente o ensino de leitura, interpretação e produção de texto tem enfrentado dificuldades de várias ordens; em primeiro lugar, por-que o tratamento do tema não apresenta um conteúdo programático bem definido, como existe, por exemplo, para o campo da gramática da frase, relacionado a temas ligados à sintaxe, à morfologia, à fonética ou à fonologia, e, em segundo, também pelo pouco espaço de tempo dedicado a ele pelos profes-sores, sobrecarregados pelos extensos programas, definidos para o ensino de uma metalinguagem de classificação e de reconhecimento dos elementos gramaticais.

Em função dessa sistemática de ensino, sobra muito pouco tempo ao professor para as aulas de leitura/interpretação e de produção textual. E essas, muitas vezes, resumem-se a discussões periféricas sobre o conteúdo do texto, e as aulas de redação não vão além da especificação de um tema, seguido ou não de discussão; frequentemente, o texto é usado como mero pretexto, para exer-cícios fragmentados de aplicação da gramática da frase ou do reconhecimento de seus elementos gramaticais.

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Mais recentes são as propostas acadêmicas que abordam conteúdos pro-gramáticos referentes aos constituintes textuais, como coesão e coerência tex-tuais, referenciação, progressão e implícitos textex-tuais, pressuposição, técnicas argumentativas e persuasivas etc., o que faz com que essas noções, hoje bastan-te discutidas nas universidades, bastan-tenham ainda uma aplicação muito restrita, em salas de aula do ensino fundamental e médio.

Por outro lado, a total compreensão do que constitui realmente um tex-to e quais os elementex-tos que envolvem sua composição e sua decodificação é um assunto que está sendo discutido pelos estudiosos da Linguística Textual. Pode-se até afirmar que é essa a principal preocupação dos pesquisadores do assunto no momento; e muito do que se refere ao conhecimento de todos os elementos constitutivos de um texto, os processos de sua construção, de leitura e interpretação, está sendo sistematizado por diversas teorias a respeito.

Pode-se concluir que ainda há muito caminho a ser percorrido; em cur-sos e em palestras, que temos oportunidade de ministrar a alunos e professo-res, em diferentes níveis, nota-se uma verdadeira sede, por esse tipo de discus-são e de abordagem, o que nos anima a prosseguir investigando, discutindo e propondo práticas de aplicação pedagógica, tarefa a que nos propomos em nosso projeto atual de pesquisa.

Isto posto, antes de iniciarmos com propostas de aplicação de exercícios sobre causalidade, delineados sob uma visão discursiva do texto, vamos nos ater a alguns conceitos fundamentais para o entendimento desse novo/velho objeto de estudo: o texto, a interpretação e a produção textual.

Texto: unidade de sentido interacional

Em primeiro lugar, apontamos para a dificuldade que reside na pró-priadefinição de texto, o qual não mais é entendido como um produto, formado pelo conjunto de frases adicionadas em uma ordem linear, con-cepção corrente nos primeiros estudos da Linguística de Texto, mas como instrumento adequado ao processo interativo de comunicação. O texto, vis-to como discurso, por ser uma unidade de sentido interacional, ultrapassa a noção de uma sucessão de frases com sentido e inclui os participantes, o contexto situacional e um multiprocessamento de fenômenos cognitivos e interacionais.

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Por sua vez, também o conceito de correção de texto situa-se num pata-mar diferente do padrão aceito para a correção da frase. Muitas vezes, um texto, mesmo sem erros gramaticais, apresenta problemas outros que são de ordem macro textual e não ficam circunscritos ao nível frasal. Carneiro (2002) ao se referir ao conceito de correção textual comenta que frase e texto são unidades de estruturação em níveis bem distintos, cujos critérios de boa ou má formação são bastante diferentes. Dessa forma, surge a necessidade de um outro olhar para a unidade textual tendo em vista a compreensão do processo global que envolve o texto e para se estabelecerem critérios de correção, é preciso antes levar em conta algumas das características principais do texto, que serão abor-dadas a seguir.

o texto como materialização de uma intenção comunicativa

Discute-se hoje a tradicional concepção platônica da linguagem, segun-do a qual ela é um espelho segun-do pensamento, ou de que o texto seja o reflexo ou a materialização de uma intenção pré-construída. Por sua vez, a noção de que a linguagem seja o melhor meio de traduzir um pensamento de forma direta, sem problemas, é discutível. Trava-se, na verdade, uma contínua luta entre linguagem e pensamento, uma vez que o processo de tradução do real para o linguístico-discursivo não é transparente, pois sempre se diz mais ou menos do que se pretende. Numa interpretação, levam-se em conta os implícitos textu-ais, as intenções do emissor, suas estratégias para a captação do receptor, suas dificuldades de relação com os contextos situacionais e históricos e muitos outros fatores que obstruem o processo da leitura e da interpretação.

Estamos, nesses casos, tratando também da ilusão da transparência de-notativa do signo, quando se instala então um novo conceito de referenciação e da função representativa da linguagem. Sabemos que um signo vai além de seu valor referencial. As palavras não são etiquetas colocadas sobre os objetos, mas tanto servem para descrever referentes, como para recriá-los, sugerir im-plícitos; veiculam valores sociais e revelam ainda dados sobre a identidade dos falantes e suas intenções, como lembra Charaudeau (1992). A respeito ainda dessa ilusão denotativa da linguagem, convém refletir que diante de uma de-claração como esta: “Tive dificuldade de estacionar meu BMW aí em frente”, o falante não apenas fornece uma informação ou uma mensagem (dificuldade

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em estacionar o carro), como também comunica sua boa situação econômica, seu status social e prestígio por possuir um carro dessa marca.

o texto como uma estratégia comunicativa

Quando se focalizam as funções da linguagem, além da referencial, desta-cam-se outras funções não menos importantes: a conativa, a emotiva, a fática, a poética etc. Dessa forma, os textos colocam em cena além de valores informa-tivos, valores extralinguísticos, referentes à cena textual, dados sobre a identi-dade dos falantes, de sua relação sociointerativa, estabelecidos por meio de um

contrato comunicativo que se define para cada gênero textual.

Conclui-se, portanto, que todo texto significa referencial, contextual e situacionalmente e os signos servem muito mais como instrumentos para re-tratar uma verdadeira representação (encenação) daquilo que temos a comu-nicar, do que propriamente fazer a tradução do mundo extralinguístico ou referencial. Pode-se concluir também que o texto não reflete apenas uma men-sagem, mas uma estratégia construída que vai ser utilizada como produtora de sentidos vários, que devem ser explicitados quando o texto for descodificado.

Todas essas noções precisam ser consideradas no momento da interpre-tação, ou da construção de um texto. Para ilustrar como se dá a consecução dessa ideia de estratégia, cite-se um exemplo retirado de uma crônica de Jô Soares: um garçom pergunta a um casal, sentado em um restaurante: “– O

serviço é para dois?”. A indagação recebe, numa interpretação humorística, a

seguinte resposta: “- Não, é apenas prá um, eu vou comer e ela vai ficar

olhan-do”. Nesse caso, a lógica da situação impõe o sentido mais provável: o de que

o casal esteja ali para comer, o que descarta o uso da pergunta dispensável, no contexto situacional. Note-se que o significado das estratégias é inseparável da situação comunicativa, que diz como elas devem ser interpretadas.

À luz desses conceitos, é possível uma revisão dos conteúdos da gramá-tica tradicionalmente tratados, priorizando-se um ensino produtivo de por-tuguês, que vise à leitura e à redação de diferentes textos, segundo uma visão discursivo- interativa da linguagem É o que se propõe fazer aqui, com referên-cia ao estudo dos conectores e seu papel na estruturação de frases e de textos. O termo designado – conectores – engloba tanto os conectivos da gramática tradicional como locuções adverbiais e prepositivas.

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Uma nova proposta de ensino de conectores

Travaglia, em “Uma proposta para o ensino de Gramática na Escola”

(Gra-mática e interação, 1996, p.180), afirma que um dos objetivos principais do

ensino de língua materna é desenvolver a competência comunicativa do alu-no, e, em decorrência disso, deve-se estimular um ensino reflexivo e produtivo para aquisição de novas habilidades linguísticas.

O que significa dar prioridade a um ensino produtivo de texto? Para se responder a essa questão, é preciso levar em conta uma outra concepção de linguagem, que se fundamenta em alguns conceitos-chave:

– linguagem é um instrumento, uma forma de interação social entre um emissor e um receptor; e o ensino deve priorizar o uso mais amplo desse instrumental;

– todo texto congrega um conjunto de marcas, de pistas que funcionam como instruções para o estabelecimento de sentidos previsíveis em cada interação social;

– o domínio e a compreensão das técnicas de linguagem exigem uma forma de reflexão sobre elas as quais, enfim, podem ser aprendidas e captadas sistematicamente.

Concluindo, pode-se asseverar que toda sequência linguística pode sem-pre ser vista e analisada como parte integrante de um processo textual interati-vo e o que lhe dá sua característica fundamental – a textualidade e o sentido – é o fato de ser a frase uma unidade integradora de uma unidade maior, o texto.

Procurando atingir esses propósitos, vamos apresentar um estudo refle-xivo sobre o emprego dos conectores em Português, procurando sensibilizar para a importância de seu papel sintático e semântico-argumentativo na com-posição textual.

Trataremos assim, a seguir, dos mecanismos que ligam sintática, semânti-ca e pragmatisemânti-camente os enunciados uns aos outros, estabelecendo as relações de causa e efeito, num processo denominado causalidade ampla. Veremos que, de acordo com os conectores usados, vamos obter vários efeitos de sentido, segundo o contexto e a situação previstos nas sequências textuais.

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Estudo reflexivo-produtivo de conectores

Tradicionalmente, o estudo do período composto tem se restringido, em nossas escolas, ao âmbito da classificação de orações, do reconhecimento e função do tipo de conectivos que as constituem. Paralelamente fornece-se ao aluno uma lista de conjunções coordenativas e subordinativas, divididas em subtipos: aditivas, conclusivas, temporais, causais, condicionais... Muitas vezes não é explicitado ao aluno que esses nomes de subtipos identificam re-lações que se estabelecem entre as proposições e que elas podem ser do tipo lógico-discursivas; muitas vezes, eles não reconhecem e não usam produtiva-mente em seus textos essas mesmas relações, sobretudo no âmbito da redação de texto.

Parece-nos mais pertinente, dentro dos objetivos aqui traçados, que se discutam as relações semânticas entre as proposições conectadas pelos dife-rentes tipos de elementos coesivos, o estado de coisas que representam e seu potencial argumentativo nos textos. Para tanto, tratar-se-á, a seguir, dos co-nectores responsáveis pela ideia de causalidade ampla.

Conectores do grupo da causalidade que inclui as conjunções

explicativas, causais e condicionais

Iniciaremos pelos conectores que indicam relações de causalidade em sentido bastante amplo.

Valendo-nos também de sugestões propostas em Travaglia (1996), va-mos apresentar uma série de enunciados, todos pertencentes à área semânti-ca de semânti-causa / consequência, ligados por diferentes conectores. Ao analisá-los, enfatizaremos as diferenças de sentido, que se estabelecem no uso de um ou de outro tipo de frase, no âmbito sintático-semântico. Primeiramente, serão apresentadas análises de enunciados fora do contexto, mas com um contexto possível e depois textos devidamente identificados.

Objetivo geral: Analisar os diferentes efeitos de sentido advindos do uso diferenciado dos elementos coesores em frases, para as quais se prevê uma relação dialógica.

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1 – a) Eu não concluí a tarefa porque estava doente.

b) Eu não concluí a tarefa, mas estava doente, tá?

Comentários:

Em 1 temos duas orações de tipos diferentes: em 1a, uma das orações é adverbial causal (porque estava doente) e, em 1b, uma delas é coordenada ad-versativa (mas estava doente).

Que efeitos de sentido permitem os dois usos? O sentido depende do tipo de imagem do interlocutor que se quer transmitir: em 1a, o emissor pre-tende passar uma informação nova e, nesse caso, o enunciado não apresenta nenhum pressuposto sobre o fato de o interlocutor ter ou não uma opinião formada, sobre os motivos pelos quais ele não fez a tarefa. Já em b, o falante pressupõe que o interlocutor julga que ele não a fez por vadiagem. Daí apre-sentar a causa mais como justificativa, por meio de uma oração coordenada adversativa, a qual funciona como uma oposição argumentativa a esse racio-cínio; dessa forma, o enunciador é capaz de rebater a pressuposição de seu interlocutor. Portanto, a ideia de causa apresentada em b, por meio de uma oração coordenada adversativa, implica uma intenção justificativa, que está indo contra uma suposta visão preconceituosa do interlocutor.

2 – a) A água ferve porque atinge a temperatura de 100oC.

b) Ele não está em casa porque as luzes estão apagadas, não é mesmo?

Comentários:

Em 2 temos duas orações com ideia de causa, mas enquanto em 2a, te-mos a causa como condição necessária e suficiente (a temperatura exigida para a fervura da água), em 2b, o fato de as luzes estarem apagadas não é condição suficiente para uma inferência semelhante à expressa na primeira oração. Logo 2b não é tida como uma razão, um motivo para a conclusão: “ele não está em

casa”, ou seja, nesse caso, é o falante que quer apresentar “as luzes apagadas”

como uma justificativa para sua afirmação anterior.

Daí dizer-se que 2b não expressa uma relação lógica de causa e efeito, como ocorre em 2a, mas uma relação discursiva ou argumentativa do emissor, que vem em forma de oração coordenada explicativa. As explicações relacionam-se

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não com o conteúdo da oração anterior, mas com o fato de o falante ter afirmado o que afirmou. Em outras palavras, é como se alguém dissesse: “João não está em casa” – eu afirmo isso e pretendo justificar minha asserção, citando/comentando outro fato: “as luzes estão apagadas”. Em todos esses ca-sos, tem-se um ato de fala afirmativo e uma justificativa, em forma de um outro ato de fala, estabelecendo-se uma relação dialógica, portanto.

Vamos acrescentar outros enunciados, a título de exemplificação do fe-nômeno, contrapondo os dois objetivos. Analise a diferença de sentido expres-sa pelo uso do conectivo porque nos enunciados dados a seguir:

– O animal morreu porque foi envenenado.

– Não faça tais exercícios, porque você ainda está bastante fraco. – João não está em casa porque não atende ao telefone

– Choveu porque o chão está molhado.

observação: nos dois primeiros enunciados, temos uma relação lógica

de causa e efeito e nos outros dois, imperam relações explicativas. Agora atente-se para a sequência seguinte:

3 - a) Ele estava tão doente que não fez os exercícios.

b) Ele estava muito doente, logo não fez o trabalho para a aula de hoje.

Comentários:

Em 3 o que está em jogo é a relação entre causa e efeito e entre causa e

conclusão expressas de dois modos: por meio de uma oração principal e uma

subordinada consecutiva como em 3a, e entre uma afirmativa e uma inferên-cia lógica, que é expressa por uma oração coordenada conclusiva (3b).

Em 3a, a consequência apresentada na oração consecutiva é vista como uma entre várias possíveis. Já em 3b, a coordenada conclusiva é tida como uma espécie de consequência lógica, ou uma implicação para a causa dada; ela é, portanto, a única possível e inferida nessas circunstâncias ali apresentadas.

Ainda é relevante destacar que a consequência expressa por uma oração consecutiva, como em 3a, procede da ideia de causa expressa na oração ante-rior, enfaticamente apresentada, porque está encarecida pelo uso dos

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advér-bios: tão, tanto, de tal modo (que), modelos das construções correlativas, que enfatizam a ideia exposta.

A seguir, a sequência dada retrata uma relação entre uma causa hipotéti-ca e o efeito hipotéti-causado:

4 - a) Se eu estou doente, não posso fazer os exercícios.

b) Se eu estiver doente, não poderei fazer os exercícios.

Comentários:

Em 4 temos uma relação de causa e consequência expressa por meio de uma relação de condição (causa hipotética) e uma ideia condicionada. Tanto em a quanto em b aparece uma causa virtual ou hipotética (estar doente) cuja efetivação levará a uma consequência lógica: (não fazer os exercícios).

O uso do presente em a passa-nos uma ideia de habitualidade, derivada de uma crença geral partilhada: quem está doente, não faz exercícios. Já em b, tem-se uma situação hipotética que o falante apresenta como condição para não fazer os exercícios: Se alguém estiver doente, não fará os exercícios

certamente.

É relevante notar que a voz da crença geral partilhada é marcada em a com o uso do modo indicativo, enquanto a condição em b pode ser expressa com o uso do subjuntivo. (Obs. Em registros mais distensos, todavia, o pre-sente do indicativo é usado nos dois casos, como se vê em: Se estiver doente,

não faço os exercícios; ou como no dito popular: “Não sei se vou ou se fico,(...) Se vou, eu sei que não fico e se ficar, eu não vou”).

Agora, na sequência abaixo, vejamos a relação causal expressa por dife-rentes conectores:

5 - a) Eu não fiz os exercícios, porque estava doente.

b) Como estava doente, não fiz os exercícios.

c) Já que estava doente, não fiz os exercícios.

d) Uma vez que eu estava doente, não fiz os exercícios.

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Comentários:

Os exemplos apresentados em 5 servem para demonstrar os diferentes usos dos conectores de causalidade ampla; ao aluno pode-se pedir que refli-ta sobre os sentidos derivados dos diversos usos. Pode-se norefli-tar que, em vez de simplesmente listar as conjunções, ou pedir ao aluno que as reconheça ou substitua esses conectivos, no tipo de proposta reflexiva sobre os vários conectores, reside um ótimo exercício para análise dos efeitos de sentido e a consequência de seu uso em textos contextualizados.

Vejamos em que eles diferem entre si:

Em 5a, o locutor apresenta a causa como um fato desconhecido pelo interlocutor: o fato dado: não fiz os exercícios, tem como causa: porque estava

doente, que é o fato novo, como já vimos em 1a Já em 5b, iniciando a oração

vem a subordinação causal: como estava doente..., essa estruturação indica que a causa já é conhecida pelo interlocutor. Normalmente, ao se apresentar a cau-sa conhecida em primeiro lugar, justifica-se a consequência esperada, a qual não pode ser negada ou questionada, por essa mesma razão.

Da mesma foram, em 5c e em 5d também as locuções conjuntivas visto

que, já que, uma vez que, posto que, ou as locuções adverbiais: por causa de, devido a... permitem que a causa seja apresentada como algo conhecido do

interlocutor, como algo compartilhado. Seu uso, portanto, indica que a con-sequência é algo esperado e que não há dúvidas sobre a conclusão esperada. Em 5e, com o uso do conector pois, a razão / motivo também é apre-sentada como conhecida, só que de forma consensual, notória, com o assenti-mento de todos. Por ser algo conhecido, apoiado em razões habituais, é aceito por todos. Portanto também a conclusão é admitida sem contestação, como se vê também em: Não o convidamos, pois ele detesta reuniões, não é verdade? garante-se, dessa forma, que a explicação não vá ser refutada pelo interlocutor, já que ele participa da mesma crença de todos.

observação: Esse mesmo tipo de exercícios pode ser proposto para as

relações de oposição (adversativas, concessivas, alternativas), para a relação de tempo (anterior, posterior, concomitante), para as ideias de modo e de compa-ração (orações modais, comparativas e conformativas), etc. Tais noções serão tratadas em outra ocasião.

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Conectores das relações de causa e consequência:

orações consecutivas, conclusivas e finais

O conteúdo semântico generalizado nesse grupo é a noção de resultado. Os principais conectivos (conectores) das relações sintáticas denotam:

a - Conclusão (oração coordenada conclusiva) – logo, pois, portanto, porquanto

Ex: O sinal já tocou, logo ele deve estar vindo para o pátio, aguarde-o! Você está muito bem de vida, deve, pois, ajudá-lo.

A oração conclusiva indica o resultado como uma inferência a partir do que se afirmou na outra oração, portanto ela tende a ser aceita sem contesta-ção, uma vez que se trata de uma inferência lógica, advinda de uma afirmação anterior.

b - Efeito/resultado (oração subordinada adverbial consecutiva correlativa)

Ex: Eles eram tão bons jogadores que mereciam mesmo ser campeões. Estudou tanto e com tanta vontade que passou em primeiro lugar.

Comentários

Tais construções correlativas indicam um efeito não intencional, mas decorrente da causa enfática que se instala numa das orações; desse modo, a consequência é argumentativamente esperada, pelo fato de estar enfatizada pelos advérbios tão, tanto. Observe mais exemplos: Chorou tanto que seus olhos

ficaram vermelhos. A criança gritava tão alto que acordou toda a vizinhança.

Parece que a causa dada na primeira oração – o excesso do choro ou o grito muito alto da criança – é sempre suficiente para as conclusões das subordina-das. Nesses casos, a ideia de causalidade aparece em relação com as inferências ou conclusões lógicas da segunda oração.

c - Finalidade (oração subordinada adverbial final) - Denota um efeito

visado, uma intenção do enunciador.

Ex: Trabalhou dobrado para que terminasse a obra antes do tempo. Veio aqui só para me contrariar.

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Comentários

A diferença entre a oração subordinada consecutiva e uma oração subor-dinada final assenta-se na intencionalidade enunciativa da segunda, que não está presente na primeira.

1 - Embora nas orações adverbiais consecutivas o verbo normalmente vá para o modo indicativo, pode ele assumir a forma do modo subjuntivo, com o uso de sem que e, nesses casos, o verbo da principal vem na forma negativa: “Não virá aqui sem que seu pai permita. Não sairá sem que ela deixe; Não

per-mita Deus que eu morra, sem que volte para lá (...). (versos da Canção do exílio,

Gonçalves Dias).

2 - Observe-se também a diferença de sentido entre esses exemplos:

Fa-lou de modo que a magoou; faFa-lou de modo que a magoasse. Nesses casos, está

bem nítida a intenção, a premeditação do enunciador expressa no segundo exemplo, o que não acontece no primeiro, cuja ideia de consequência aparece como implicação lógica da forma ou do modo como ele falou.

Proposta de análise de um fragmento de texto

Em reportagem da Folha de São Paulo, sobre a crise financeira e a queda no mercado de trabalho, nos Estados Unidos, publicado em 07/03/2009, encontra-mos este trecho:

“(…) a queda no mercado de trabalho é a pior desde a Grande Depressão. Eles ( os analistas) lembram que a situação tende a se agravar porque as empresas, devido à queda na demanda, já que as pessoas não podem comprar, demitem mais ainda.”

Observar a sequência de causas e efeitos que o texto apresenta:

(… ) a situação tende a se agravar porque a situação de crise levou à que-da do mercado de trabalho.

e as empresas demitem mais ainda (efeito), devido à queda da demanda de seus produtos (causa) – a queda da demanda tem como (causa) o fato de as pessoas não consumirem (efeito) porque não têm emprego (causa). Logo, o texto apresenta uma sequência interessante de causas e efeitos, como se pode ver parafraseado, a seguir:

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“sem trabalho, não há dinheiro, e, sem dinheiro, não há consumo, sem consumo as empresas não vendem e também não produzem e, por não pro-duzirem, demitem mão de obra, o que contribui ainda mais para a queda do mercado de trabalho”.

Conclusão

O tipo de reflexão aqui proposto visa descrever os efeitos de sentido do emprego dos elementos coesivos causais, nas várias situações de uso. As propostas apresentadas propiciarão aos alunos aprimorar sua capacidade de utilizar a língua em situações interativas específicas. Para desenvolver a compe-tência comunicativa dos alunos, no tocante à leitura, interpretação e produção textual, - um dos objetivos do ensino de gramática reflexiva,- é necessária a aquisição de novas habilidades linguísticas, que um enfoque mais produtivo dos elementos conectores pode ajudar a implementar. Ao lado desse ensino reflexivo e produtivo, o descritivo e o normativo também têm seu lugar, evi-dentemente, mas devem ser redimensionados, em comparação com as práticas que se têm observado nas escolas tradicionalmente.

ABSTRACT: A reflexive and productive study of connectives in Portu-guese language, with the objective of teaching pupils to recogneze the impor-tance of their syntactic, semantic, argumentative and pragmatic functions in the uses of texts. This analysis can give discursive vision of cohesion in Portu-quese language, which can contribute to increase the teaching of productions and interpretative reading of texts.

KEYWORDS: cohesion, interpretation and production of texts.

Referências

CARNEIRO, Agostinho Dias. Redação em construção. São Paulo, Moderna, 2002 CHARAUDEAU, Patrick. Grammaire du sens et de l´expression. Paris, Hachette, 1992.

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discurso: mídia, literatura e ensino. RJ, Lucerna, 2003.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no primeiro e no segundo graus. SP, Contexto, 1996.

Recebido em: 27/03/2011 Aprovado em: 20/07/2011

Referências

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