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TV Ciência: Que modelos de ajuda para a eliminação da pobreza em Moçambique propõe?

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Academic year: 2021

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TV Ciência: É considerado que as forças da globalização e marginalização são responsáveis por criarem dificuldades ao desenvolvimento. Pode concretizar esta ideia?

Jessica Schafer: A globalização como uma maneira de se impor a cultura e a política do centro nas periferias, acho que pode ser uma coisa muito negativa, tanto em termos económicos como em termos culturais. Mas, por outro lado, a globalização como, por exemplo, ligar organizações de base e ajudar a população a unir-se e a lutar contra o poder global, neste caso, pode ser quase considerada como uma força positiva. Mas, eu acho, que a iniciativa deve vir de dentro e não de fora. Ao vir de fora quase sempre transforma o que lá existe e nesse caso tira o poder de controlo às pessoas.

TV Ciência: Conflitos crónicos e instabilidade política induzem determinados tipos de pobreza. Pode concretizar melhor esta ideia?

Jessica Schafer: Conflitos crónicos é um fenómeno que se vê muito neste momento em África. Conflitos ou emergências alargadas que não se resolvem. O resultado é bastante fácil de se identificar: há alguns que enriquecem e há a maior parte que empobrece. Mas as causas e as formas de resolver o assunto é uma questão muito complicada. Há alguns que dizem que a causa é a população: existe muito população, poucos recursos e isso, por si só, já gera um conflito. Há outros que dizem que não tem a ver com a população mas com a distribuição dos recursos e que, não é o facto de haver pessoas a mais, mas o facto de se distribuir mal os recursos que existem e o facto de haver injustiça e que isso, provoca o conflito. Outra explicação é a mobilização política de conflitos de base (nem vamos falar de conflitos mas de tensões). Tensões que são mobilizadas pelos políticos para seu próprio proveito. Agora determinar quais são estas causas… Também existem pessoas que tentam estabelecer ligações entre as questões económicas e o conflito. Acho que é muito difícil tirar conclusões neste caso, mas claramente há uma ligação com a pobreza e esta ligação é muito nociva para as pessoas.

TV Ciência: Que modelos de ajuda para a eliminação da pobreza em Moçambique propõe?

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Jessica Schafer: Modelos de ajuda… acho que apesar de existirem grandes dificuldades, a ajuda que chega através de instituições locais deve ser maior do que aquela que chega através de instituições não locais. Mas ao mesmo tempo, existem complicações e formas de gerir melhor ou pior este tipo de ajuda e até há pessoas que investigaram e concluíram que era melhor não ajudar do que ajudar de forma errada. Por enquanto, o que eu acho, é que o importante é ter um conhecimento profundo da realidade do país antes de garantir qualquer ajuda e ter pessoas que estejam dentro do assunto para poder responder.

TV Ciência: O conflito em Moçambique, após a independência, colocou o país em dificuldades que ainda hoje subsistem. Pode dar-nos uma visão dos principais problemas?

Jessica Schafer: O conflito em Moçambique tinha um impulso directo dos países vizinhos que, em relação ao Governo Independente, se opunham às políticas do Estado. Mas quando o conflito se começou a enraizar no país, já outras questões locais tinham entrado e transformado o conflito e, sobretudo, tinham transformado a forma como os exércitos interagiam com as populações. Nessa altura, deu-se uma divisão muito forte no país, entre os povos que apoiavam um lado e os povos que apoiavam o outro. Isto já no início dos anos 80, em que podemos falar de ‘apoio’. Claro que esta questão do ‘apoio’ era complicada, porque alguns apoiavam abertamente e outros apoiavam há força. Mas existiam conflitos locais que se ligaram a este conflito de raiz nacional e internacional. O que me parece terem sido as causas principais foram, primeiro o desenvolvimento desequilibrado do país durante a época colonial, que deixou o país com centros de desenvolvimento para onde iam os recursos e depois no resto do país (o interior) tinha de dar a população e todos os recursos para essas zonas e ficavam sem possibilidades de educação e de desenvolvimento local. Nessa altura, este conflito era quase um conflito urbano/rural, porque nas zonas urbanas existia concentração dos recursos e de possibilidades de avanço social e as zonas rurais ficaram despovoadas, sem recursos e até ‘fartas’. Mas não foi só esta questão mais política, entraram também questões ligadas à história dos próprios povos, ou seja, este líder local tinha apoiado o Governo Colonial, o outro líder não tinha dado o seu apoio. Noutro caso

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específico, um irmão teria tirado a outro irmão e começou-se a entrar em conflitos muito locais. Mas em termos gerais, seria esta questão do desequilíbrio entre o centro e a periferia.

TV Ciência: A criação de grandes unidades de território protegido para o desenvolvimento de florestas e faunas selvagens, num país pobre como Moçambique pode levar à melhoria de condições de vida das populações e ao desenvolvimento. Não considera, que pelo contrário pode também ser uma condicionante?

Jessica Schafer: Sim, certamente. Até agora os modelos de conservação que têm sido usados ou impostos, sobretudo em África, nunca beneficiaram o povo. E digo isto de uma forma quase global, não é só em Moçambique que acontece. Sempre foram os interesses dos outros que foram beneficiados pelos modelos de conservação que têm sido aplicados nestas áreas. E é uma coisa muito triste, porque são princípios filosoficamente bons. Quem é que não quer preservar o ambiente para o futuro?! Quem é que não prefere guardar este elefante ‘bonitinho’ do que matá-lo?! E quem é que não quer o desenvolvimento do povo?! São coisas que todos querem. Mas o problema é quando se traduz isto em estruturas que não são apropriadas para beneficiar o povo local. E quando se começa a pensar também, ‘comunidade’ é um conceito muito mais complicado do que se pensa. Quando nos referimos a ‘uso comunitário’. Quem é essa comunidade? Quem é que a define? Quem é que vai falar com essa comunidade? Se vamos falar do régulo, o régulo foi uma instituição que foi completamente mudada durante o século XX e agora não sabem quem tem esse direito tradicional, qual a definição do poder tradicional…é complicado não só nas situações como a de Moçambique, que sofreu depois da independência grandes mudanças, como em vários outros países porque estas instituições foram mudando muito ao longo do tempo. Portanto, assumem que este é um sistema e se o utilizarmos melhor. Mas depois vemos que existem grandes conflitos dentro deste sistema e que o régulo não distribui os lucros pela população, que não inclui as mulheres, etc, etc, e que os pobres vão continuar a ser pobres… Podemos tentar utilizar outro modelo como o das eleições democráticas. Mas como vão funcionar as eleições democráticas num ambiente destes? É muito complicado e muito

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triste, mas acho que é um modelo de conservação utilizado até agora (não é um porque são vários), mas em cada um que foi aplicado têm existido sempre problemas e quase nunca foi benéfico para o povo.

TV Ciência: E que tipo de modelo proporia?

Jessica Schafer: Nós preferimos criticar do que propor…Seriamente, acho que existem. Mas só estudante o que existe agora é que é possível propor um modelo e só vendo no local, sendo que este tem de ser um modelo para ser aplicado em todos os sítios, mas começa a ser muito complicado definir, distinguir e separar áreas de economia geral de mercado e voltar ao passado. Porque no passado, o povo usava o recurso, não gastava o recurso e conservava-o e não havia problema de destruição da fauna e da flora. Mas é impossível voltar ao passado e definir limites. Por enquanto, não vou propor um modelo, porque é preciso ir para o campo e ver o que está a acontecer e só seguindo este rumo se pode chegar a uma conclusão, caso seja possível chegar a uma conclusão. Infelizmente, não é uma conclusão inspirada, mas acho que é a única que pode haver.

TV Ciência: Em que medida a existência de conflitos em Moçambique, por um longo período de anos, alterou a fauna selvagem?

Jessica Schafer: O que se diz é que a maior parte da caça grossa foi eliminada durante a Guerra da Independência do país. Também se deram grandes desbastes durante a Guerra da Independência por parte dos dois exércitos e também por parte do exército português que caçava muito e, sobretudo, caçava com aviões e helicópteros, ou seja, através de material militar que permitia fazer disparos muitos além do normal e os guerrilheiros também caçavam dentro das áreas deles. A conclusão geral, é a de que o impacto do conflito militar foi muito negativo na fauna selvagem. Agora, há também a questão de que os animais têm pernas e sabem fugir, por isso, o desaparecimento dos animais não significa que foram todos mortos, mas coloca-se a hipótese de terem ido para outras zonas. E isso também pode ser uma pergunta: será que foram para outras zonas? Parece que já estão a voltar, por exemplo, elefantes em várias partes do país. Já há elefantes na zona onde eu trabalhava e as pessoas já se estão a queixar que estes estão a fazer

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estragos em Machana. Parece que já existe uma população elevada para fazer contactos com a população. Parece que há uma recuperação e não se sabe qual foi o impacto total desses conflitos. A ideia de que se ‘acabou’ não é totalmente verdade.

TV Ciência: A criação de parques naturais exige investimentos avultados. Como é que isso é possível em Moçambique a através de que modelos? Jessica Schafer: Neste momento têm existido muitos investimentos de fora que visam reabilitar o parque nacional do Gorongosa e do Inhaca. Se estes projectos forem levados a cabo de forma apropriada, acho que poderão reabilitar os parques. As questões maiores são: Qual será a relação entre o parque e o povo? Por exemplo, em Gorongosa, quando foi estabelecido, existiam 15 mil pessoas a viver dentro dos limites do parque. Normalmente, o objectivo do parque é que seja estabelecido numa zona onde não existem populações a viver. Há pessoas que querem ligar o turismo cultural ao turismo cinegético e pode ser que seja possível, mas (como sempre estou do lado de criticar) com o que está a ser feito, acho que é preciso haver muito cuidado para não se transformar o povo num ‘museu vivo’. Mas os investimentos que estão a vir de fora, se forem para reabilitar o parque serão muito necessários.

TV Ciência: Que políticas advoga para levar Moçambique a investir na protecção da fauna e da flora?

Jessica Schafer: O que tem sido sempre dito, sobre a razão pela qual um país pobre deve proteger o seu património natural, tem a ver com a questão de se poderá render em termos económicos, porque acham que uma nação pobre é incapaz de seguir princípios mais ‘altos’ e sacrificar a economia, acabando por seguir outros princípios. Acho que não é necessariamente verdade, porque já vimos outros países a fazerem sacrifícios com objectivos puramente económicos por causa de princípios, mas em termos da forma como normalmente se fala, investir no ambiente rende finalmente à economia nacional. Interessante é que não tem existido dificuldade em convencer os países pobres a seguir este rumo, sobretudo em África. Até no período pós-independência achava-se que as nações africanas iriam deixar de fazer conservação e ficaram muito preocupados porque pensavam que isso iria

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acontecer. Mas não aconteceu. Acabaram por seguir a conservação quase exactamente como estava estruturada durante o tempo colonial. Porquê? É uma pergunta interessante!

TV Ciência: Para a qual não há resposta?

Jessica Schafer: Não é uma coisa que tenha estudado até agora. Acho que é uma coisa que tem a ver com os interesses do Estado, como a educação que muitos líderes africanos tiveram durante o tempo colonial. Absorveram estas ideias mas também a estrutura de conservação que havia no tempo colonial e que conduzia eficazmente ao controlo da população, e qualquer Estado quer controlar a população, portanto esta foi também a ideia ligada ao desenvolvimento de aldeias - e ao aldeamento não só em Moçambique mas em muitos outros países - de como vamos controlar o povo?! Porque se as pessoas estão espalhadas é muito difícil de exercer controlo, por isso, é preciso concentrar o povo em centro e esta foi uma ideia que estava individualmente ligada com as áreas que o Estado controlava.

TV Ciência: Quem tem de pagar a defesa das espécies?

Jessica Schafer: Claro que não pode ser um país rico que destrói e um país pequeno que paga. Mas temos verificado que isto acontece muito em termos de mudança do clima. Por exemplo, os países trocam créditos de dióxido de carbono com os países pobres e é uma questão muito interessante e importante. Acho que não deve ser assim. Mas a questão de princípio é como se deve fazer a conservação?! Não é só dizer ‘eles têm de conservar’, mas saber o que é conservar e como se deve conservar, tanto nos países ricos como nos sub-desenvolvidos. Esta pergunta tem de ser colocada em primeiro lugar e tem de se tratar esta questão que é já muito complicada.

TV Ciência: Os países ricos podem enviar investigadores que façam estudos e dêem soluções pedindo aos Governos locais que os implementem e para isso são precisos meios financeiro que não dispõem. Não são estes estudos uma forma de violência sobre os países pobres? Jessica Schafer: Há um aspecto no que diz respeito a isso, o estudo tem de ser feita de forma cautelosa para não haver violência. Agora, só porque são

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pobres e há alguém que vai fazer um estudo, isso não significa, necessariamente, uma forma de violência. Por exemplo, faz-se estudos com pessoas pobres aqui e também com pessoas que não são pobres. A assistência social faz estudos, a questão é que tem de ser voluntário. Neste contexto, tem de se definir muito bem o que é ser voluntário. Não é chegar e colocar questões às pessoas, porque nessa situação pode-se pensar que se constroem muitas expectativas, sendo uma pessoa de fora que já traz uma bagagem histórica que afecta a pessoa. Por isso, sim, têm de se lidar muito bem com a questão de não provocar violência.

TV Ciência: Aqui a ideia seria: os países ricos investem na investigação, tentam compreender a causa do problema, encontrar modelos de resolução, mas depois dizem: ‘Têm aqui a conclusão, agora resolvam’. Esta não pode ser uma forma de violência sobre os países pobres?

Jessica Schafer: Sim. Agora se o estudo for feito com as pessoas e chegarmos lá com as conclusões sem perguntar o que a pessoa pensa, acho que pode ser violento. Mas a questão é de como, por exemplo, o meu país vai usar a pesquisa que fiz. Por acaso, a minha pesquisa está ligada à Universidade, mas se alguém quiser ler o meu estudo e tirar uma conclusão …porque eu não estou a dar conclusões, as perguntas que me está a fazer hoje, as minhas respostas são opiniões, não são conclusões do meu trabalho. As conclusões só tiro da informação que recolho, não estou a propor soluções ou a sugerir a forma como as coisas têm de ser feitas. Agora, o que se faz na política é usar o estudo e dizer: Nós tirámos estas conclusões e isto tem de ser feito desta forma. Esse não é um bom modelo para ajudar países. Mas se for um estudo já integrado a um projecto, também tem de tratar destas questões, tem de se fazer um estudo junto da população. Não é um estudo de fora, mas junto desta, em que a conclusão debate-se e não se impõe. Têm de se debater as conclusões.

TV Ciência: E qual é o objectivo a que se propõe com o trabalho que está a desenvolver agora?

Jessica Schafer: O objectivo é saber como foi a história de Moçambique, como é que a fauna bravia entra nesta história, quais são as interacções entre

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o mundo ‘natural’ e o mundo humano e como podemos ver esta interacção entre os dois mundos.

Referências

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