EM LITERATURA
ORAL,
POPULAR E TRADICIONALMesquitela
Lima1 - Esclarecimentos
Antes de tudo terei que referir o que quero dizer com modelo
socio-antropolgico,
sobretudo que um modelo.Definir modelo muito difcil
pois pode significar
muita coisa:aquilo
que serve ou deve servir deobjecto
deimitao
para fazer oureproduzir qualquer
coisa;
pode,
ainda, ser umcnon,
um ensaio deexplicao
da chamada estrutura,pois
vivemos num mundo de estruturas
organizadas
com asquais
construmos eapercebemos
este mesmo mundo. Nainvestigao
da dita realidade social, passamosdesta para o modelo e vice-versa. Este contnuo vai-vem nunca deve ser
interrompido.
O modelo imita erepresenta,
mas nuncaconstitui,
um elemento de controlo dainvestigao,
um instrumento de comparao
e,ainda,
pode significar
uma forma deverificao
da solidez e daprpria
vida de uma dada estrutura. EmHistria,
porexemplo,
Braudel afirma que
pode
serhipteses
deexplicao
solidamente vinculado,
segundo
a forma deequao
ou dafuno.
Da o facto de osmodelos
poderem
ser considerados como sistemas deexplicao,
variando at o infinito:
simples
oucomplexos,
fsicos ou abstractos,qualitativos
ouquantitativos,
estatsticos oudinmicos,
mecnicos ouestatsticos. O mundo do
pensamento
humano funciona com modelos.Revistada Faculdade de Cincias Sociais eHumanas, n." 10, Lisboa,Edies Colibri, 1997,
A
questo
saber que modelos utilizar entre os muitos que se nosapresentam
nos nossosquotidianos,
querdizer,
escolher entre todosos modelos
possveis
eimaginrios. Qualquer
deciso nossa sempretomada a
partir
de modelos, deciso essa que desemboca numaaco.
Modelo nada mais do que a
esquematizao
dos factos da realidadeconcreta. Por
consequncia,
pode
afirmar-se que modelo nasce dacorrelao
entre umconjunto
de fenmenos mais ou menos concretose um
tipo
deesquematizao.
Da o facto de todo o modeloimplicar
a ideia derepresentao.
Da, tambm,
o facto depodermos
afirmar que a atitude cientfica(ou
acincia),
nada mais queconstruo
demodelos que
integram
aprtica
do conhecimento e, insisto: no so arealidade,
mas arepresentao
da realidade. Naconstruo
dessesmodelos temos de ter em conta que:
a) o modelo deve
possuir
caractersticas ousemelhanas
com a realidaderepresentada;
b) deve constituir uma
simplificao
da realidade;c) ,
igualmente,
umaespcie
deidealizao
da mesma realidade.No
h,
ento, dvidas de que toda essaconstruo,
implica
umdiscurso,
pois
comunicamos com a realidade exterior por intermdiodo pensamento,
cuja
expresso
alinguagem
oulinguagens.
Por conseguinte,
apercepo
e aexplicao
no constituem seno um conjunto
de modelosprprios,
individuais que diferempelo
seu grau deabstraco
e decomplexidade.
Em suma,qualquer
modelo sempreconstitudo por uma srie de
relaes
ouconjuntos
derelaes
entrediversos factores.
Frequentemente,
tais factores so seleccionados de forma arbitrriapelo
autor do modelo e, porisso,
pode
tornar-se maisideolgico
quecientfico,
o que o cientista deve evitar a todo o custo na suaconstruo.
A
utilizao
de modelospode
serrestringida
por uma srie deproblemas
que surgem naprtica
da suaconstruo:
a) a
qualidade
do modelo. raro encontrarmos modelos quesejam
ao mesmotempo
deutilizao prtica fcil,
convincentes(embora a cincia nodevaconvencer, mas, sim
esclarecer)
e realistas;b)
osparmetros
em que se situa so de difcilapreenso
e dedifcil medida. Daa
avaliao
de um modelo ser,igualmente,
difcil;c)
a comunicabilidade domodelo,
quer dizer, alinguagem
utili zadadeve sertransparente
e no comportarudos;
a)
-simplicidade;
b)
- robustez;c)
- elasticidade esouplesse;
d)
-adaptabilidade;
e)
- totalidade - todosos aspectos
importantes
doproblema,
devem estar
representados
na suaconstruo;
f)
- facilidade deacesso: a
comunicao
entre o utilizador e omodelo dever ser a mais fcil
possvel.
Todos esses
elementos,
consideradosimportantes
eexigidos
naconstruo
demodelos,
no obstam aafirmao
que, nessaaco
demodelar,
noseja
verificado um certoparti
pri
de umaestratgia
para aexplicao
da realidade. Foi um dos motivos que me levaram autilizar
frmulas
matemticas(ou
para-matemticas)
para a tentativade
explicao
do contedo do conto que apresento para a anlise. Hquem no considere a Matemtica uma cincia, visto as suas
noes
operatrias,
serem, a bem dizer, modelos puros, semquaisquer salpi
cos deideologia
individual ou colectiva. A Matemticaqualquer
coisa de Natural. Na
realidade,
as suasfrmulas,
apesar depossurem
forma
e contedo como outrosquaisquer
modelos, a sua forma econtedo
coincidem,
estofundidas,
o que no acontece noutrasdimenses da
prtica
cientfica.Qual
a forma ou o contedo de 4?Quatro
igual
aquatro.
Aqui,
porconsequncia,
a estrutura das for mas e dos sentidos so uma e mesma coisa. No existe outra sada. Aopasso que noutras reas do conhecimento os modelos comeam por
ter uma
forma
e,embora,
com umsentido,
asrelaes
entre as duas estruturas no soanlogas
e nem h fuso. Sero biunvocas,sim,
mas no sejustapem.
Eis as razes e
fundamentaes
que me levaram aaproximar
daMatemtica.
2
-Enquadramento
contextual do contongangela
"Os Homens"Vou tentar, a
partir
desteexemplo
fazer uma leitura simblicaque me parece
interessante,
significativa,
para ilustrar ecomplementar
as minhasafirmaes
anteriores. Esteexemplo
foi colhido empleno
campo de
pesquisa
e advm da minhaexperincia
de terreno entreEsquema 1
Condutas de Criao
ObraCultural"-*Grupo r~+ Stiu
[""*
IndivdCondutas i utilizao
Forma
Significado
Sentido
Contedo
Valor
Simbolismo
Uso
Kunao
Reaces
Comportamentos
Condutas Atitudes
Objectivos
Finalidades
Analise
Compreenso
Tentativas de
explicao
Trata-se de uma anlise simblico-estrutural de um conto do
grupo tnico
Ngangela1
que tive de estudarquando empreendi
aexplorao
etnogrfica
daregio
doCuando-Cubango
daquele pas.
Podemos considerar os contos ou as lendas como obras culturaise, neste caso,
susceptveis
de seremtratadas,
do ponto de vista daEtnologia,
comoobjectos
culturais que - nunca demaisrepeti-lo
-reflectemmodelos,
esteretipos,
condutas,
atitudes,
numapalavra,
reflectem todo umconjunto
de simbolismos no seio de uma determi nada cultura. Da a razo de ter includo o esquema n 1 queexplica,
at certo ponto, a atitude doantroplogo.
Retomo e reformulo a anlise quej publiquei anteriormente no n 30 dos "Cahiers
detudes africaines", vol. VIII, 1968, 2o caderno n 257/269. Tambm publicado no meu livro
Antropologia
do Simblico ou o Simblico da Antropologia, Lisboa, Ed.Grupostnicos de Angola
(Formas deescrita)
Povos Bantos
Correnteem Correctaem Correctaem Concnicem Conectaem Conectaem
portugus portugus nsuanauva portugus portugus Lnguanativa
GrupoCongus(Lngua=kicongo) ^rupoGanguelj(Lngua=Tchinganguela IBakongo -Kikongo) (Ngangela-7chingangela)
1-Maianbes lambes Bayonba 52- Luimbes
Luimbes Naluimbi tValuimbi)
2-Bavilis Vilis Bavili 53- Gongueiros Gongueiros
Vangongele
3-Bassurdis Surdis Baaundi V*- Nhembas lihemfcas
Vanyemba
u-Baluangos Luangos Baluango 55
-Ginguelas Nganguelas VatgangeLa
S- Ualinges Unges Balixji S6- ftnbuelas rtwelas V.ifbotla
6- Bacongos Gongos Bakono 57- Ltienas Luenas Halvena (JuloenaOuBalu
7- Bauoios Uoios Baucryo SB- Luchazes Luchazes Balutchaei
B-Bassolongos Solongos BaaoLongo $9"
Bundas Rurdas Balunda
9- Baxicongos Congos Bachikongo 60
-Bacangalas Congalas Vakangala
10- Bazcmbos Zootos Biombo 61- Camaches ?tocli-s Vamochi tAlajakuando)
U- Bacanos Canos Bakano 62- Vaiauma Iaumas Vayaura
12-Bassossos Sossos Baaooo 63- Valuios Luios
Valuyo
13-ttaiacas Lacas Bayaka
1'4-Mussucos
Grupo
Sucos
Ambundo<Llngua=Qui/nbundo)
Baeuku GrupoHerero(Lngua-Tchihelelo)
( Haialo-Tahihe leio)
(Ambundu-Kutbundu) 6t- Dimbas
65- Chunbas
Ndunbas
Himbas OvandimbaQuahvnba
15-Doutos DeoboE Jindambo 66- Chavcuas Chavcuas Oxtatchyavikua
IS
-Haungos Hungos Bahungu 67- Cuanhocas Cuanhocas
OVakDanyoka
17-Calandulas Lindulas Batanchila 6B- Mucubais Cuvales Ovakuvale
lB-Negolas Ngolas Angola 69- Guendelengos Guendelengos Ovanguende leno
19-Gingas Gingas Ajinga
20-Holos Holos Akolo Grupo Hhsneca-Humb(Lngua- Olunianeca
21- Bordos
27- Bngalas
Bandos
Hbanglas KbondoImbangala FIyanyeka-Cluni/Gnyeka)
23-Quissarcas Quissamas Xiaama
70- Himj_ilas Mui las Ovanvila
2H-Libolos
2S-Hacos
Lufcolo Lubolo 71-Gambos
Hgamtos Ovangambve
72- Humbes Hurries Qvankhitnbi
26
-Songos
27-Quibalas
Songos
Quibalas Aeongotbala (Maeongo) 73- Dongoenas
7u- Hingas
Ndongoenas
Hingas OvandonguarjiOxihinga
28-Musssndes Serdes
75- Cuncuas
76- Handas da Huoa
Cuncuas
Handas dattupa OnkhuankhvaOvahanda
GrupoLundi-Qu<oco(Lnguas=Lurdaeyuiccaj 77- Handas doQuipungo Handas doOuipungo Ovahanda (Lunda-Tchokue) 78- Quipungos fjuipungos Ovatahipungu
79- Quilengues-Humbes Quilengues-Humbes Ovatohilenge-Humbi
29-Lurdas Lundas Tulunda 80- Quilcngues-Musc Ouilengues-MusoS Qvatchilenge-ttuBC
30-Quiocos Quiccos Tutckokue
31*-Cacongos Congos TukongO Grupo Amb(Lngua=TctcuanhaiM1 35
-Caiwtapas Hatapas Tmatapa {Ambo-Tchhjanyama)
36- Xinjes
Xinjes Maxinji (Tuxinji )
37- Hinungos Minunr.os Turrrnunu
BI- Cvaies
82- Cafiirvis
alo
Cafinos Ovavalcvakafima GrupoLuba(Lngua=Tchiluba) 83- CuanrkimdL, Cuanhamas UVankuanywna
Batuba-Tchiluba) 8- Cuanatos
Bb -Dombondolas
Cuamatos
Dombondolas Ooakva/nattiOvadombondola 31- Bena Mais Mais Sena Mot
32- Bena Luluas Lu luas Bena Lulua GrupoKfndongs
33- Ealubas bubas Baluba
86- Cuangaras Cuangares Vakuangali
GrupoOvimbundo(Lrigua-Unbundo! 87- Candundos
88- Cusros Cussos
Vandundo Vakuto (Mambukuso) (Oviriburdu-Vtibundu ) 89
-Vanhengos 90- Dricos
M>tengos
Diricos Ovadiliku (Vadiliku)Vanyengo 38-Amboins Mboins Varnbui
39- Pindas
(Kupida& Pudas Vapinda
**0- Seles Seles Vaatla
"1
-Sanjis Sanj15 Ovieanji POVOS NAO 6ANT0S
i)2-Bailundcs Bailurdos Vamba lundu
U3-Dantes
Dombes Vundombe 91- Cuisses Cuissis Ovakviai
<*
-placas Oulacas Vatchyaka 92
-Cuepes Cuepes Ovakucpe
"S- Huambos Huajnbos Vauambo
93-Cungues (Bochi/nanes) Cungues .'Xung
16- Bienos Vienos Vaoyie
M7-Hanhas Hanhas
Vaanya
UB- Cacondas Caccndas Vakokonda
49
-Galangues Galangues Vangalangi
Vanambo
SI-Gandas Gandas
Vanganda
O grupo tnico dos
ngangela
composto
pelas
etniasseguintes:
Lwimbi,
Lwena ouLuvale, Lutchazi,
Bunda, Ambwela,Ngonzelu,
Mbande,
Kangala,
Yauma,
Luyo,
Nyemba,
Nyengu
e Machi.Ocupa
grande
parte doquadrante
sudeste deAngola,
principalmente
asregies
daantiga
circunscrio
administrativa de Artur de Paiva,Chitembo,
Catota, Cuchi,
Menonge
e Caiundo, estendendo-se at sproximidades
do Cuito-Cuanavale(Cuando-Cubango).
Presentemente,os
Ngangela
esto divididos em dois gruposseparados pela
correntemigratria
dos tshokwe na sua "caminhada" para o Sul deAngola:
osNgangela
ocidentais e orientais. Os ocidentais foram muito influenCarta dos grupos tnicosde Angola
BAKONGO-KIKONGO NYANYEKA-OLUNYANYEKA
OVIMBUNDU-UMBUNDU
AMBUNDU-KIMBUNOU AM80-TCHIKWANYMW
LUNDA-TCHOKME
BALU8A-TCHJLUBA
NGANGELA-TCHINGANGELA
HELELO-TCHIHELELO
XINOONGA
do sul, como por
exemplo
osAmbo,
cujo
modo deproduo
baseado na
pastorcia
dogado
vacum. Dequalquer
maneira,
existem afinidades culturais entre os dois grupos
citados,
sobretudo no que diz respeito
lngua
e a outras determinadas caractersticas scio-culturais.Mancha dominante do grupotnico Ngangela
O sistema econmico tem como base a
agricultura
do milho(za
mays)
um pouco de sorgo ealguma
mandioca(manioc
utilssima),como uma actividade quase
complementar
ouacessria,
devido aodesaparecimento gradual
dasespcies
cinegticas
no seu territrio. Oscaadores
so ainda tomados como indivduos pertencentes a umestrato
superior.
Sopatri-virilocais
com um sistema de parentescoclassificatrio concebido em trs
geraes
que sealternam,
querdizer, a
primeira
igual
terceira,
em que arelao
tio/sobrinhomaterno
constitui,
a bemdizer,
a estruturaprofunda
queglobaliza
toda a sociedade. Politicamente, estoorganizados
emchefados,
cujo
chefe
depois
deentronizado,
senhor todopoderoso,
emborahaja
rgos
de refreamento dopoder
como o "conselho deseniores",
alguns
altosdignitrios
e aprpria
estrutura das cortes. A leitura dosrituais de
entronizao
remete-nos a todo um sistema mtico-histrico deste povo que se pensa e se assume como tal e como grupo autnomo. A "tomada" do
poder pelo
chefe constitui umconjunto
de simblicas em que determinadas caractersticas
(autnticos
paradigmas)
nosreenviam histria da
formao
dos estadosafricanos,
emparticular
os das Baixa doKasanji,
doZaire,
deKasanji
e do"plateau"
centralde
Angola:
distncia emrelao
velha sociedade(quer
dizer,
abolio
da ordemantiga
eintroduo
de uma nova ordemsocial),
ruptura total das solidariedades familiares
(parricdios,
fraticdios,
assassinatos
intra-famlia),
conquista
dopoder
por um acto herico(odisseia,
gesta econquista
deterritrio),
dualidade de umpoder
ao mesmo tempo sbio e brutal(violncia
e sageza, arbitrariedade ejustia).
Para
compreender
melhoralguns
simbolismos,
do conto, passo afornecer outros elementos:
- Os
Ngangela
so excelentes ferreiros emetalrgicos,
verdadei rosespecialistas
do fabrico de armas, comolanas, adagas,
machados,pontas de seta
ferro,
etc;- A
compensao
ou o"preo
de noiva" sempreexigido
quan do o casamento se efectua comalgum
"fora dalinhagem".
Neste caso o "dote" emespcie
ecompe-se
de umconjunto
de armas,panos,
tabaco,
bebidas,
aves edinheiro;
quando
se trata dealiana
matrimonial entre
primos
cruzados2(casamento
quasepreferencial),
torna-se
obrigatrio
famlia do noivo a entrega da noiva de umprato em cermica e uma enxada.
Antigamente
fazia parte do "dote"2 Devo esclarecer que
o casamento preferencial, fomentado e desejado, mas no pres
crito, o realizado entre Ego e a filha do irmo da me. A aliana matrimonial entre
um bracelete em cobre.
Aqui,
como sev,
poder-se-
aventar ahip
tese do bracelete se relacionar com a
condio
feminina e a enxadasimbolizar a
agricultura,
igualmente ligada
ao status eocupao
fundamental da
mulher;
- O sistema educativo tem como
etapa
ou faseprincipal
a iniciao
masculina e feminina. A prova deiniciao
dos rapazes maislonga
ecomplexa:
constitui uma verdadeira "escola de vida", onde osjovens
so ensinados eaprendem
tudo o quediga respeito
cultura,
sociedade,
stcnicas,
histria daetnia,
etc; os rapazes, so submetidos a um
conjunto
de provas e ritos deseparao,
de margem, deiniciao
e deintegrao.
Normalmente,
a maior parte dessesritos,
tem
lugar
nafloresta,
em stiosresguardados
de olhos de estranhos edas mulheres. Somente uma mulher - a Natchifwa - autorizada a cozinhar para os iniciandos. Esta mulher deve estar no
perodo
da menopausa e infecunda.Contudo,
-lhe interdito penetrar no recintodestinado aos rapazes. A sua cozinha situa-se fora do
acampamento--escola-iniciao;
no campo dainiciao
osprofessores
e diversosespecialistas,
em determinados momentos dosrituais,
usam mscarasfrequentemente
fabricadas noprprio
recinto.-No acto de
entronizao
dochefe,
ainsgnia
depoder
maisimportante
que se lhe coloca nopulso,
umapulseira
denominadalukanu manufacturada
antigamente
com tendeshumanos,
sendohoje
feita com tendes de um
grande antlope
- apalanka
(hippotragus
equinus)
-cuja
caa o sonho de todo ocaador,
no spela
quantidade
de carne que este animalpode
fornecer,
mas tambmpela
dificuldade em o abater. O lukanu um smbolo do
poder
dos antepassados
queoutorgaram
a ordem cultural e social existente. Emtodos os actos usado
pelo
chefepoltico,
normalmente, decano dasua
prpria linhagem.
O elefante-ndjamba
- entre osNgangela,
possui
um simbolismo bemsignificativo
e facilmente observvelquando
nos embrenhamos na suahistria,
mitologia
e folclore.Repre
senta a
fora,
opoder,
apotncia,
aserenidade,
ajustia,
a eternidade e alongevidade.
Curiosamente,
o termondjamba
tem o mesmo radicalque
mahamba,
figurinhas
de culto que simbolizam erepresentam
antepassados
notempo
e fora dotempo.
Igualmente, ndjamba signifi
ca"gmeo" cuja funo
nos mitos deorigem
do Homem bemimpor
tante.Se,
por umlado,
o Homemsurgiu
de um par degmeos
(macho
efmea)
por outro, osgmeos
no so bem vistospois
so conotados2. 1.
Transcrio
do Conto3 O texto do contoOs Homens
Os elefantes costumavam ir comer o milho no campo de um homem. Ele foi ter com outro e
pediu-lhe
uma seta, dizendo:- Vou fazer espera aos
elefantes,
que me costumam comer o milho todo!O outro homem
entregou-lhe
uma seta. Partiu com ela para os campos.Quando
chegou
l,
deitou-se escondido. A noite ouviu os ele fantes a vir. Entraram no campopelo
lado oposto. Foi indodevaga
rinho... foi... e, de repente, atirou a seta a um deles. O elefante desan dou com ela cravada. O homem voltou ao"quimbo",
e foi dizer ao dono da setaque a tinha cravado no elefante e que este a tinha levado. Odono,
friamente,
respondeu:
-Eh! que homem s tu?... Ento o elefante foi-se com a minha seta?
- Sim. Foi! - Pois d-ma
hoje...
- Vou-te
arranjar
outra...-No quero outra; a minha que eu
quero!
Ento o homemofereceu-lhe um boi.
- No
quero!
E a minha seta que euquero!
Entregou-lhe
um escravo, insistindo:- No tenho
a seta, porque o elefante a levou. Mas toma um
homem em vezdela...
Respondeu
na mesma: - No senhor! Noquero
nada,
seno somente a minha seta...O
homem,
desesperado,
disse: -Est bem!Depois
mandoupisar
farinha e foi para a floresta. Por l passoudias e noites. Em certa
altura,
viu uma manada de elefantes a passear.Seguiu-os
tambm. Olhou sempre, e, num dado momento, um delesentrou numa cova. Disse de si para
consigo:
- Vou entrar tambm! Aoentrarviu que era o
"quimbo"
dos elefantes. Uma velha chamou-o:Este conto foi publicado, pela primeira vez, na revista "Portugal em frica", n 2,
Novembro/Dezembro, 1950, pp. 343/347, pelo R. P. Pedro Schoonakkere colhidona
regio do Cuchi. Tive ocasio de verificar a presena de variantes nas regies dos
-Vem c!
Perguntou-lhe:
-
Que
que te trouxe
aqui?
Respondeu:
-Uma seta
emprestada
que atirei ao elefante.Agora
oferecimuitas coisas ao dono.
Rejeita
e diz que s quer a seta dele. Porisso,
vim procura dela, atrs dos elefantes
(talvez
a deixassemcair),
para aapanhar
e lev-la ao dono. E assim atravessei este"quimbo"...
Diz-lhe a velha:
- Est bem. Ouve c:
aquele
aoqual
tu atiraste vir com ela.Tu,
porm,
ficaaqui
em minha casa!O homem aceitou o convite. Acabou de preparar a comida,
cujo
conduto eram moscas.
Depois
diz-lhe a velha:- Come, no tenhas
nojo!
-Sim! - diz o
hspede.
E comeu. Nofim,
a velhaprope-lhe
dormir,
que, no diaseguinte,
havia de o levar casa do rei. Dormiram. No diaseguinte,
conduziu-o atjunto
do rei. Na sua presena, relatoutudo,
e terminou:-Ando procura de uma seta que atirei a um elefante! O rei
tranquiliza-o:
- Bem! A seta foi com ele. Mas olha.
..Vamos agora aos arredores
daqui!
O homem foi com ele. A
velha,
porm,
avisou-o: - Pemwava no teu arco, para,
quando
vires os animais e lhesatirares,
o arcoquebrar;
porque o animal aoqual
tu vais atirar odono do
"quimbo"!
O homem
respondeu:
-Est bem!Foram. Ele
adaptou
ao pau do arco a corda de "mwava".Depois
os outros disseram:-Tu,
que s defora,
atiraquela
malanca(
que o dono do"quimbo"
se tinha transformado emmalanca)\
Eles tinham errado de
propsito.
E,
ento, diziam-lhe: - Os da terra no acertaram; falta o de fora...E
dissimulando,
eleaponta,
estica e...zs! O arco de "mwava"quebrou.
Os outros soltamgargalhadas:
oh!... oh!... oh!... Fazempouco dele porque o arco
quebrou.
Ele faz o mesmo: ritambm,
porque a velha o tinha
prevenido.
Foram para o"quimbo"
ter com osoba. Este foi-se ao elefante
picado,
tirou-lhe a seta e entregou-a ao- esta, ou no?
-
esta mesmo!Despediu-se
dorei,
que lhe deu dois elefantes para oacompanhar
e lhe ensinar o caminho.Quando
se sentiu cansado deandar,
puse-ram-no s cavalitas e levaram-no at um campo.Aqui
perguntaram:
- E este o
campo do dono da seta?
Respondeu
que sim. Eles, ento, disseram:-Ento, vai agora tu sozinho. E ficaram a comer tudo o que
estavano campo...
Quando
chegou
ao"quimbo",
os parentes vieram saud-lo commuita
alegria, pois j
ojulgavam
morto ej
estavamesquecidos
dele.Ele pegou da seta e foi lev-la ao dono. E disse:
- C est a seta. esta a
tua, ou no? - E esta mesmo!
-respondeu
o dono.Terminou a
questo
entre eles.Depois,
passaram os anos. O dono da seta esqueceu-se do que tinha feito mas o outro nunca mais se esqueceuQuando
ele veiopedir-lhe
umapulseira
para darfilha,
entre-gou-lha.
mas,depois
a filha cresceu. E ele foi ter com opai
dela edisse-lhe: - D-me
aquela
minhapulseira,
para eu dar minha filha! Principiaram
a ver se lhatiravam,
de umlado,
do outro...puxando aqui,
puxando
dali e... nada! Apulseira
no saa. Opai
disse-lhe- Vs
amigo,
que no sai... Elerespondeu:
- D-me c...
Ofereceu-lhe tudo -
bois, homens,
etc... Aresposta foi sempre
esta:
- No senhor!
quero a minha
pulseira.
Se forpreciso,
corta a morapariga,
tira-lhe apulseira
e assim acabamos com aquesto!
Ooutro assim fez.
Pegou
nummachadinho,
ps
a mo da filha em cimade um cepo e cortou-lha. E disse:
-Agora,
aquesto
est arrumada!E a filha morreu.
2. 2. Anlise formal do texto
1. Elefantes comem o milho do campo do heri
(personagem
principal);
2. Ele
pede
uma flecha(objecto
fundamental doconto)
a umvizinho para matar os
elefantes;
3. O vizinho empresta a
flecha;
4. O heri vai ao seu cho de milho e faz uma espera aos elefan tes;
5. Estes aparecem e o heri fere um deles que se
pe
emfuga
com a flecha no corpo;6. O heri retorna aldeia e diz ao vizinho que
perdeu
a flecha,explicando
o que aconteceu;7. O vizinho
exige
a flecha e no aceita nada em troca;8. O heri procura o
objecto perdido;
9. Entra na floresta e procura os
elefantes;
10. Encontra-os e segue-os;1 1. Os elefantes entram num buraco que a sua
prpria
aldeia;
12. O nosso heri faz o mesmo;13. Tem um encontro com uma velha que o submete a uma
prova: comer uma
refeio
composta
de moscas;14. A velha
previne
o nosso heri que paraconseguir
o que querter de se submeter a mais provas e ensina-o como se defender;
15. A velha conduz o heri presena do rei da
regio
a quemconta a sua
odisseia;
16. Submetido a mais provas: de caa,
acompanhadas
dejocosi-dades;
17. Passa as provas, devido
preveno
davelha;
18. Vai de novo presena do
rei,
agoraacompanhado pelos
moradores da aldeia dos
elefantes;
19. Recebe aflecha;
20. E conduzido
pelos
elefantes;
21. Estes destroem
(comem)
o campo de milho do vizinho;22. O heri reentra na aldeia onde
j
era considerado "morto";recebido com
festejos;
23.
Entrega
a flecha aovizinho;
24. O nosso heri no esquece o diferendo mas o vizinho
sim;
25. Passa o
tempo;
26. O vizinho
pede
ao heri umapulseira
para darfilha;
27. O heri d o
objecto pedido;
28. Passa o
tempo;
30. No se consegue tirar a
jia
dopulso
da filha dovizinho;
31.0 heri no aceita nada em troca da sua
pulseira;
32^
Paraobteno
dapulseira,
exige
que o vizinho corte opulso
filha;
33. O
pai
corta opulso
filha; 34. A filha morre.2.3. Comentrios
Se olharmos bem para as
sequncias,
verifica-se que o contopode
ser dividido em duaspartes
em que o limite daprimeira
seria asequncia
n 23. Porm, a histria continua e asegunda
parte comporta
situaes
similaresprimeira.
Se afirmar que as duas partes sosimtricas, no andarei
longe
da verdade. Portanto, o contopossui
duas estruturas similares.
Vejamos quais
so os elementos maissignificativos
do conto:Situao
inicial= o heri e umvizinho,
possuindo
osegundo
uma flecha e um campo de milho intacto - no comidopelos
elefantes; o heri tem,igualmente,
o seu campo de milho mas no conseguemant-lo intacto.
Personagens
principais-
o heri e o vizinhopodem
ser conside rados osprincipais;
os secundrios so avelha,
o rei e os elefantes.Aces
e comportamentos^ elefantes que comem o milho doscampos;
pedido
e"emprstimo"
de uma seta,objecto
e instrumentoessencial de caa;
perda
doobjecto;
recusa da sua troca por outro;presso
do vizinho sobre oheri;
procura doobjecto
"perdido"
no corpo dos elefantes; entrada na floresta e numa aldeia diferente do mundo do heri; encontro com a velha, com o rei e com os habitantes da aldeia "de um outromundo";
preveno
doheri;
submisso eprovas; passagem destas mesmas provas;
obteno
doobjecto;
regres so aldeiaacompanhado
deelefantes;
destruio
do campo de milho dovizinho;
reentrega doobjecto;
ddiva depulseira pelo
heri;
pedido
de retorno da mesma;restituio impossvel;
corte dopulso;
morte da filha.Posso, ento, resumir que o contedo do conto
gira
volta de doisobjectos
-uma seta e uma
pulseira
-que so
"perdidos"
ecuja
restituio
de um - apulseira
- se tornaquase
impossvel.
Na rbitadestes dois
objectos
situam-se dois personagens com estatutos diferentes: na
primeira
parte do conto o vizinhoproprietrio
de uma setamesmo porque no
possui aquele objecto
eobrigado
aprocur-lo.
Na
segunda
parte,
asituao
inverte-se: quem no tem oobjecto
- apulseira
- ovizinho que o
"perde"
para sempre: a filha morre. Oheri recupera o seu
objecto?
2. 4. Anlise
-explicao
-interpretao
(simblicas) doAntroplogo
A
linguagem
daAntropologia
umalinguagem
simblica. Nas suas tentativas decompreenso
e deposterior explicao
vai construindo modelos
tericos,
nosquais
introduz dificuldades de forma a que os mesmos possamcorresponder
realidadeemprica.
Ummodelo no constitui a
realidade,
representa-a.,
porconseguinte,
umaconstruo
abstracta quepermite apreender
ecompreender
asprticas
e as simblicas scio-culturais. Da serrepresentao,
comodisse atrs. Os modelos nunca so definitivos visto constiturem pura e
simplesmente
ensaios deexplicao,
merashipteses
de trabalho que passam por um discurso(simblico)
com o intuito desimplifica
o
da realidaderepresentada.
(Lembre-se
do que atrs disse sobreesta
questo).
Vamos atribuir smbolos matemticos, aos personagens, s
aces
e aos comportamentos maissignificativos:
2. 5. Esclarecimentos
Para alm da
lio
de moral que da possamos extrair, o textoreflecte,
de uma maneira bemprecisa,
a sociedade no seio daqual
foirecolhido. Nele vemos
transparecer
elementos culturais fundamentais com umalgica
bemclara,
se bem que de uma formametafrico--simblica. As duas
partes
do conto,correspondem
a duas etapasimportantes
da vida da sociedade emquesto: iniciao
ealiana
matrimonial,
ouseja,
umaespcie
decondensao
do caminho percorrido
pelo
homem parapreencher
a suacondio
de homem.Vou
analisar,
emprimeiro
lugar,
aprimeira
parte,
partindo
doprincpio
de que o conto umobjecto
cultural quepertence
ao mundodo
concebido,
cujas
estruturas eorganizao
ireiigualmente projectar
no mundo daprtica
social,
ouseja
o mundo do vivido.Parece-me que os simbolismos so evidentes. Neste conto
vejo
ainiciao
dosjovens
e todos os mecanismos sociais que dizemrespei
to
instituio
dos ritos de passagem - a mukanda
1.s PARTE DO CONTO
A _ Heri
XA
=Campo
de Milho de AB = Vizinho
XB
= idem de BO = seta Y =elefantes
Assim,
esquematizando,
teremos:l.A +
XA
B +XB
+ 0 B>A2.
XA
destrudo por Y3. BdOaA
4. A
perde
O 5. O levado por Y 6. A-O7. B exige'tv O
8. A procura O mundo deProvas, A regressaY, intermedirios+O
9. Y conduz A + O
10. Y destri
XB
.-. B-XB
11. A entrega O a B
12. A= B
Se no
princpio
B > A, no fim do esquema, considero que B = Apor motivos que
esclareo
mais adiante.2.? PARTE
O,
= pulseiraXB
= filha de BXA
= filha de A1. A +
O,
2. B pede
O,
a A3. A d
O,
a B4.
O,
considerado perdido ou5
XB
considerado perdido ou = B-XB
6. A
exige
O,
para dar aXA
57. O =
restituio impossvel
8. B corta o pulso
XE
=> casamento (?)9.
XB
morre => casa-se .-. sai de casadopai
10.
BdXBaA
11. A =A +XB
no sistema educativo nos povos do grupo tnico
Ngangela:
umaprimeira
gerao superior
(ou
mesmo o tiomaterno?) representada
pelo
vizinho; ojovem
(ou o sobrinhouterino?)
prestes a ser iniciado;a flecha simbolizando a
globalidade
dos ritos deiniciao
(a setasmbolo do
caador);
o local dainiciao
fora da aldeia(sempre
nafloresta)
onde se desenrolam todas as cerimniasrespectivas,
ummundo
"separado",
um mundodiferente,
significado
no contopela
aldeia dos elefantes e onde tambm habitam os
"intermedirios",
detentores ao mesmo tempo da
sabedoria,
datradio
e dopoder.
Tais"intermedirios",
so osprofessores,
os educadores sociais que ensi nam aos iniciados todos ossegredos
da vida. Esses "intermedirios" so osrepresentantes
dosantepassados sagrados
ou sacralizantes queensinam
pela
boca dos seniores do grupo:grandes caadores,
adivinhos, mdicos, chefes
polticos, guerreiros
e outros. As provas a quese submete o heri do conto traduzem os ritos e toda a sorte de
"judia
rias" de ordem
fsica, intelectual,
jocosidades,
humilhaes,
etc. quesofrem os nefitos na sociedade concreta. A
penetrao
nafloresta,
onde o heri
"passa
noites edias",
a sua entrada no buraco para chegar aldeia dos
elefantes,
asprovaes
por que passa, retraam ocaminho que todo o
jovem
deve percorrer para ser considerado adulto eintegrado
na sociedade. O "rei" do contocorresponde
ao chefe daaldeia,
personagemimportante
no cerimonial deiniciao
masculina:ele quem ordena o comeo dos ritos e quem nomeia os iniciandos;
assiste,
oupreside,
igualmente,
maiorparte
do cerimonial.No facto inicial
(os
elefantes comem o milho do campo do heri e o vizinho nada aceita em troca da sua setaperdida) lobrigo
a"presso
social" que os homens maduros-os seniores - exercem sobre os
jovens
para osobrigar
aos ritos de passagem. O heri devesubmeter-se
iniciao pois
tal a vontade dosantepassados
queassim
exprimem
a ordem social e culturaloutorgada
e instituda poleies
prprios.
E so osantepassados (aqui
simbolizadospelos
elefantes),
ao comer o milho da lavra doheri,
que o levam a tomar ainiciativa de ir
pedir
a flecha que, como afirmei anteriormente, simboliza a caa e todo o ciclo da
iniciao.
O texto do conto claro: ovizinho nada aceita em troca, quer a sua seta a todo o preo. Noutros
termos, o heri deve submeter-se s provas iniciticas porque assim a
tradio
odetermina,
conquanto,
tambm possa ser dito que opedido
de
emprstimo significa
odesejo
de ser iniciado e a prova de que oheri um no-iniciado para quem as artes
cinegticas
ainda tmsegredos
- ele somente feriuvizinho,
depois
dos elefantes terem comido o milho da lavradeste,
estes dois actos
(que
podem
traduzir umaigualdade
de status entre osdois
homens)
provam formalmente que o heri se transforma num homemadulto,
doravanteigual
ao vizinho. A"destruio"
do campode milho deste ltimo
pode
ter uma outrainterpretao
que no exclui aprimeira:
em todos os ritos deiniciao
de taissociedades,
os iniciados, sempre
acompanhados pelos
seus mestres e conduzidos pormascarados
(na
sociedade concreta, estes constituemrepresentaes
deantepassados),
antes de darem entrada naaldeia,
onde so recebi dos comfestejos,
destroem todos osobjectos
que usaram durante ociclo: roupas, certas ferramentas,
utenslios,
mscaras secundriasfabricadas no
acampamento,
etc. que, na suagrande
parte, foram confeccionados por homens maduros e
pelos
nefitos.Todas ou quase todas as fases de
iniciao
esto inscritas noconto de uma maneira clara mas simblica. O
heri,
antes da sua par tida da aldeia e antes de penetrar nafloresta,
na senda doselefantes,
"mandoupisar
farinha". Parece-me que estaaco
constitui uma nti da aluso srefeies
rituais comidaspelos
iniciandos antes de darem entrada no local secreto dos ritos de passagem. Apenetrao
na flo resta, onde"passa
dias e noites" e noburaco,
ondedesaparecem
oselefantes,
corresponde
transferncia, passagem dos nefitos de ummundo a outro
mundo,
a outro espao, ou passagem da aldeia aolocal da
mukanda,
conduzidos por homens utilizando mscaras especficas. Neste
"espao
diferente",
penetrado pelo
heri, os ritos sucedem-se e os intermedirios(os
seniores)
exercem a suafuno
deeducadores e transmitem aos iniciandos os seus conhecimentos e
impem-lhes
provas. No texto uma "velha" que prepara para o herium prato
cujo
conduto so moscas e que deve comer sem refilar.Como anteriormente
referi,
na sociedade concreta, quem cozinha paraos iniciandos uma velha no
perodo
da menopausa.Nalguns
ritos do mesmo ciclo deiniciao,
a velhaacompanha
o decano da aldeia e omascarado
principal.
No texto, a velha"previne"
o heri das ciladas.Durante todo o ciclo cada nefito
possui
o seu protector oupadrinho
que o
acompanha
por todo o lado e o vai introduzindo nossegredos
da vida.Geralmente,
estes protectores pertencem ao mesmo matricl queo iniciando. As provas de coragem na caa, de astcia, as
jocosidades
e as
humilhaes
pelas quais
osjovens
devem passar,obrigatoriamen
te, esto tambm inscritas no texto. As tcnicas de caa grossa,nomeadamente aos
grandes
antlopes,
so ensinadas eaprendidas
e coragem por parte do
caador.
As"judiarias"
so correntes entre osnefitos,
participantes
e protectores do ciclo da mukanda.Como
explicar
o ferimento doelefante,
se representa um antepassado sagrado
ou sacralizante? Ser que taisantepassados
sejam
susceptveis
de seratingidos
por umsimples
mortal? No esqueamosque a
ablao
doprepcio
(operao
sacramental dociclo)
dosjovens
um actoimposto pelos antepassados
(que
praticaram
a circuncisopela primeira
vez);
aquando
do corte, o sangue que corre, deve cairsobre um bocado de termiteira que
servir,
posteriormente,
para confeccionar uma
figurinha
de cultohamba,
protectora do ciclo4. Geral mente, talfigura
representa
umantepassado
ilustre.No texto, o
heri,
tendosuportado
estoicamente todas as provas,conduzido
pelos
elefantes:"Despediu-se
do rei que lhe deu dois elefantes para o
acompanhar
e ensinar o caminho.Quando
se sentiu cansado de
andar,
puseram-no s cavalitas e levaram-no at umcampo".
Na sociedade concreta, quer
dizer,
naprtica
socialefectiva,
no fimdo ciclo, so os mascarados que conduzem os iniciados s suas
aldeias,
montados no dorso dos seuspadrinhos
ouprotectores.
,
ento, a festa que d
lugar
aexploses
dealegria, danas,
cantares ebebidas,
pois
os familiaresj
os consideravam "mortos"5. "Renascidos" ou "ressuscitados"
(durante
o ciclo "morrem"simbolicamente)
tomam outro nome. O texto do conto claro:
"...pois
j
ojulgavam
morto e
j
estavamesquecidos
dele".A
seguir
vem arestituio
da seta. Se possointerpretar
este facto(alis
comoj
ofiz)
como sendo a vontade do heri em se tornar umadulto
(
o seudestino),
seria tentado a traduzir arestituio
como amudana
de nomepelo
iniciado no fim do ciclo: o heri nasce de novo ou renasce, inteiramentedisposto
a uma nova vida no seio da sua sociedade - ter outrasresponsabilidades,
direitos e deveres. Emapoio
destainterpretao
pergunto:
nestetipo
de sociedade em que acaa constitui uma actividade de
prestgio
para o homem adulto, querepresentar
uma seta?Seguramente
ser a caa, ocaador,
o animal emuitos outros elementos em
relao
com as tcnicas e actividadescinegticas!
Sercaador
ser homem e para ser homempreciso
seriniciado e passar
pela
circunciso. toda a histria do nosso heri.Recordo o radical da palavra ndjamba. C. minha obra Fonctions sociologiques des
figurinesde culte..., Luanda, UCA, 1971.
As mes s sabem se o seu filho faleceu no fim do ciclo, visto estarem interditas de
penetrarem no recinto durante a circunciso. Durante cerca de trs meses nada sabem
A
aliana
matrimonial ou o casamento o tema central dasegunda
parte
do conto. O smbolo mais ntido,
evidentemente,
apulseira
que, entre tais povos,representa
no s um doobjecto
essencial aos contratos de casamento mas tambm um
objecto propcio
fecundidade. Em toda a
regio, designa-se pulseira pelo
termotchijingu,
vocbulo com o mesmo radical dosseguintes: salujinga
-umafigurinha
de cultohamba,
esprito
protector que assegura afecundidade das mulheres
(,
frequentemente,
uma serpente enroladasobre si
prpria,
modelada emargila
ouesculpida
emmadeira);
jinga
ou
tchisola,
outrafigurinha
usada como amuleto por mulheres quedesejam
terfilhos;
trs minsculas estatuetas,representando
umhomem, uma mulher e uma
criana
ou o mascaradotchikunza,
desig
nadas tambm
pelo
termojinga,
propcias
fecundidade.Nesta parte do texto, os simbolismos imbricam-se. Se a
pulseira
constitui um
objecto
material fundamental para acelebrao
do casamento, o matrimnio emsi,
parece-me,figura, igualmente,
no contedo do textopelo
corte dopulso
epela
morte da filha do vizi nho: umafilha, casando-se,
"morre" para opai.
Para alm de se afastar do lar paterno
(tais
povos sopatri-virilocais)
deixa de ser um elementoprodutor
para o seu grupo paterno, sai da suaprpria
linha gem para entrar na do marido, embora no perca a sua "nacionalidade"
linhageira,
mas continua areproduzir
para o grupo domstico doseu
prprio pai:
so povos matrilineares. Esta seria umaprimeira
leituraqual
sepodia
objectar
que o texto mencionaexpressamente
amorte e no o casamento da
filha,
mas no esqueamos que estamosno domnio ou no reino da metfora: a
linguagem
do conto simblica e o seu artista no se expressa num
cdigo vulgar,
corrente. Numasegunda
leitura,
pode
dizer-se que oheri,
ao emprestar semhesitao
a
pulseira,
- acompensao
ou lobolo - aceita,implicitamente,
a filhado vizinho para esposa.
Exigir, depois
dealgum
tempo a mesmapul
seira,
tal como o seu adversrio haviaantigamente
reclamado a seta,pode,
no ssignificar
anegao
do contrato de matrimnio, mastambm a
aplicao
da lei deTalio,
muito corrente nas sociedadesdeste
tipo.
At sepodia,
inclusivamente,
acrescentar que ovizinho,
nada aceitando em troca da sua
flecha,
estaria a constranger o nossoheri
iniciao
(ritual
obrigatrio)
que, comoj
tive ocasio deafirmar,
implica
uma "morte" e "renascimento" simblicos. Assim, demaneira
simblica,
oheri,
que reivindica a suapulseira,
sabeperfei
tamente que a suaexigncia pode
provocar a morte da filha do viziverdadeiro
responsvel
opai,
devido suaintransigncia
anteriorquanto
seta. Contudo, uma terceira leiturainterpretativa
possvel:
o reclamar apulseira
sem a filhapoder
traduzir uma recusa de alian a de matrimnioprojectada
ou mesmo a ruptura da unio,visto,
como parece, o vizinho ser o dono da
flecha,
pai
dajovem
e aindapelo
facto de pertencer a umagerao
superior
do heri. Sepode
mos ver, no vizinho, no somente um eventual sogro mas tambm o
tio materno do heri
(o
texto mudo a esterespeito),
a filhadaquele
ser a
prima
cruzada matrilateral que constitui entre taissociedades,
a esposa"preferida".
Maspode
perguntar-se: o heripretende
noseguir
a regra datradio
no se casando com a suaprima-cruzada
para contrair matrimnio com outra mulher? Se, sim, muito
provvel
que este conto tambm traduza um conflito degeraes
e arecusa, por parte dos
jovens,
de determinadas regras tradicionais, que tm sofrido influncias doimpacte
da cultura ocidental. A brevidade destasegunda
parte parece indicar uma certahesitao pelo
criador do conto.Todavia,
parece-me que apreocupao
de casamento por partedo nosso heri est inscrita no texto que diz claramente: "O dono da seta esqueceu-se do que tinha
feito,
mas o outro nunca mais seesqueceu..."
Esta passagempode explicar
oemprstimo
dapulseira
aovizinho que
julgo
teraqui
umafuno
de tio materno, irmo da me. que esteemprstimo
nada mais do que o modelo scio-cultural emaco.
Por outraspalavras:
representa no um verdadeiroemprstimo,
mas aexigncia
doobjecto
tradicional,
obrigatrio
que sela o contratode
aliana
matrimonial no caso de casamentospreferenciais.
Aparece
no texto, embora defugida,
a referncia a uma outrafilha
-a do heri: "D-me
aquela
minhapulseira,
para eu dar minhafilha!"
Vingana
ouruptura
daaliana
matrimonial como referi anteriormente,
o texto evasivo: no menciona se o heri recupera apulseira.
Na vidaprtica
o lobolo fica quase sempre comoproprieda
de dafamlia materna da esposa.
Contudo, ainda,
pelo
facto doaparecimento (espordico)
da filha doheri,
terei de teceralgumas
consideraes
que me parecemperti
nentes. Comoj
escrevi,
nestas sociedades o casamentopreferido
(no
prescrito)
edesejado
o queEgo
realiza com a suaprima,
filhado irmo da me. A unio entre
Ego
e a filha da irm dopai,
sendoigualmente
prima
cruzada,
nointerdita,
mas considerada no-boae, por
isso,
no fomentadapelos
seniores do grupo que,geralmente,
sistema de
atitudes,
no interior do sistema deparentesco
dosNgange
la,
aproximar-se-ia
das denominadas estruturas elementares(em
termos de
Lvi-Strauss).
Como o casamento, nestassociedades,
nopassa de uma
aliana
entre dois grupos, a regra seria(numa
primeira
gerao):
"dou em casamento a minha filha ao filho da minha irm erecebo uma
compensao (simblica
na maioria doscasos);
entretan to, como tenho tambm umfilho,
este vai casar com a filha da minha irm". Constituiria assim umasimples
troca demulheres,
neste caso,troca restrita. Na
prtica
isto no acontece, no s porque no existe aprescribilidade
da unio com asobrinha,
filha do irmo da me, mas tambm porque o matrimnio com a filha da irm dopai,
embora noproibido,
considerado no-bom, comoj
referi. Trata-se, ento, de um esquema que se encaixa nas ditas "estruturascomplexas"
ouseja,
a regraseguida aproxima-se
da trocageneralizada.
Porm,
emrelao
a este ltimotipo
dealiana,
o estudo dasgenealogias,
diz-me que tal regra scumprida
numaprimeira gerao
(ou
mesmosegunda),
quer dizerquando
os"partenaires"
soprimos
cruzados directos ousemi--directos;
quando
o no so, ouseja,
quando
soclassificatrios,
verifiquei
que aparece um certo relaxe ou liberdade perante a regra. Para fornecer somente umexemplo:
considerado corrente o casamentocom a filha do filho da irm do
pai
deEgo
ou mesmo com a filha dafilha do filho da irm do
pai
deEgo
(o
filho da irm funcionariaaqui
como o nosso
heri).
Seprojectarmos
este modelo na"prtica"
dotexto parece-me que uma quarta leitura no seria de
desprezar, pois
justificaria
opedido
de retorno dapulseira
por parte do heri. Estasimboliza a
compensao
"simblica"exigida
para estes casos de unies entreprimos
cruzados reais ou classificatrios.Porm,
apesar de todas as leituraspossveis apresentadas,
estou convencido de que,no texto, a
exigncia
dapulseira
por parte do heri constitui uma metfora quepode
revestir dois aspectos: ou representa a unioEgo/sobrinha
matrilateral(este
casamento = morte "simblica" dafilha)
ou ento, a indissolubilidade ou mesmo a dificuldade da separao
ou divrcio que, nestes povos, um processo "burocrtico" muitomoroso
(que
implica
arestituio
da"compensao-dote",
elementoequilibrador
do sistema decirculao
dasmulheres).
Em termos estruturais
pode
mesmo afirmar-se que indissolubilidade = morte. A exigncia
dapulseira
tambm sejustifica pela
razo de que, naprtica,
osobrinho uterino tem direito a
alguns
bens do tiopelo
facto de, frequentemente, ser esse mesmo tio quem "come" o dote
"pago" pelo
No
conjunto
do texto, assituaes
deoposio-tenso
entre ovizinho e o heri parecem as da
prtica
do tio materno/sobrinho uterino
(nestas
sociedades o tio pater e nogenitor)
mastransparecem
igualmente
os conflitos entre a 2a e 3ageraes.
Agrande
preocupao
o casamento e apoliginia
a regra. Porm, so os indivduos da2a
gerao
- os seniores-que,
frequentemente, monopolizam
ecapi
talizam as mulheres, dado o seu
poder
econmico. Da os conflitos e as tenses que surgem.Assim,
pode,
neste momento,compreender-se
melhor a razo por que no esquema
explicativo
da Ia parte do conto,aparece B > A. Mesmo que se considere essa
interpretao
um poucoextensiva,
existe um outro argumento que vemrefor-la:
o vizinhopode
ser tomado como umcaador
ou umferreiro,
indivduos considerados situados num estrato
superior
das sociedades emquesto.
A moral inscreve-se nas duas partes do texto: os elefantes comemo milho da lavra do heri para o
obrigar
a submeter-se s provas deiniciao;
mas tambm comem o milho e destroem a do vizinho. Estas duasaces
tm umseguimento:
o corte dopulso.
Assim A torna-semaior que B: a
situao
inicial inverte-se. Para l de umailustrao
daaplicao
escrupulosa
da lei deTalio,
a inverso dassituaes
(B
>A e A >
B),
o conto contm em si e descreve o conflito dasgeraes:
a vida nopra,
osjovens
substituem os velhos.2. 6.
Justificao
da anliseNos
captulos
anteriores tentei uma anlise dotipo
simblico--estrutural do texto. Como
procedi?
Tomei-o como umobjecto
cultural que reflecte
condutas, atitudes,
esteretipos
da scio-cultura ondefoi colhido.
Decompu-lo
e tentei isolar neleaquilo
que chamo unidades irredutveis. Constru um
conjunto
de modelosexplicativos
comestas unidades e fui
empregando
umalinguagem
especfica
(sempre
simblica),
tendochegado
a determinadas concluses. O conto estdividido em duas
partes,
dois blocos simtricos, relacionados: oprimeiro
umaespcie
decontinuao
dosegundo
e at admito queeste ltimo
seja
uma"transformao"
doprimeiro
(reflecte
a Iaparte).
Porque conheo,
at certoponto,
a sociedade concreta,real,
pode
dizer-se que quase intu o que o texto traduz: a
iniciao
dosjovens
(osistema
educativo)
e o casamento(a
natureza e os conflitos no seio dosistema de
alianas
matrimoniais).
Em anlises deste
tipo,
temos de ter em conta que os modeloscriados
podem
ser bons e atpreciosos
mas, como disse, dado ofuncionaria o smbolo ou o
simblico).
Porm a atitude cientfica nointui somente. Vai mais
alm,
pois,
normalmente,
aintuio
semprevalorativa. Por
conseguinte,
h s um caminho aseguir
(visto,
emAntropologia,
ser quaseimpossvel experimentar
outestar):
introduzirdificuldades no ou nos modelos que se
arquitectaram
de forma a verificar se
correspondem
ou noprtica
social ou cultural. Se representam e/ou se
simplificam
defacto,
a realidade.Assim,
depois
de ter recortado a realidade concebida - o conto -fuiprojectando
as unidades do texto naprtica
da sociedade concreta- realidade vivida
-que ainda no
decompus.
Pelo esquema, aseguir
apresentado,
ficar-se- com uma melhorimagem
daquilo
que venhoafirmando:
CONTO SOCIEDADE CONCRETA
Prtica social
Realidade vivida
DUAS ESTRUTURAS DUAS ESTRUTURAS
Para testar ou mesmo para verificar as
interpretaes
anteriormente
apresentadas,
vou, aseguir, decompor
a realidade concreta tal comoprocedi
para a realidade inserta noobjecto
cultural - o conto.Vou,
de uma formasinttica,
realizar as mesmasoperaes
ouseja,
fazer a
decomposio
do ciclo dainiciao
e certasprticas
relacionadas com o sistema de
alianas
matrimoniais da scio-cultura ngangela.
O ciclo - mukanda
ou ndanda
-compe-se
de umconjunto
deritos de
separao,
de margem e deintegrao:
a)
osjovens
destinados circunciso einiciao
soseparados
das suas