Tribunal da Relação do Porto Processo nº 0414675
Relator: FERREIRA DA COSTA Sessão: 22 Novembro 2004 Número: RP200411220414675 Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
ACIDENTE DE TRABALHO DIREITOS INDISPONÍVEIS
DESPACHO HOMOLOGAÇÃO
Sumário
As partes podem acordar numa pensão por acidente de trabalho e prestação suplementar superiores ao legalmente fixado, pelo que não sofre de qualquer invalidade o despacho homologatório de um acordo nas referidas condições.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, em que figuram, como sinistrado B... e como entidades responsáveis a hoje denominada Companhia de Seguros, X... e C..., tendo sido designada data para julgamento, as partes conciliaram-se, tendo o acordo sido lavrado em acta e homologado por douto despacho.
Porém, não se conformando com os termos da conciliação efectuada, veio o Ministério Público, através da Ex.mª Sr.ª Procuradora da República, na sua veste de parte acessória, agravar do referido despacho homologatório, cuja revogação pede e formula a final as seguintes conclusões:
1. Conforme resulta dos autos, o sinistrado B... sofreu em 27/06/1998 um acidente de trabalho tendo-lhe sido dada alta curado em 6/12/1999, com uma incapacidade total para todo e qualquer trabalho, necessitando do auxílio de terceira pessoa.
2. O sinistrado à data do acidente ganhava mensalmente € 498,80, o que
perfaz o salário anual de € 6.983,20, sendo que a sua entidade patronal - a ré C... - tinha transferido a responsabilidade infortunística relativa a si para a ré Companhia de Seguros X..., apenas pelo salário mensal de € 349,16 (anual de € 4.888,24).
3. O sinistrado tem uma filha, a D..., nascida em 11/5/1986.
4. O sinistrado em 23/01/1997 tinha sofrido um acidente de trabalho de que lhe resultou uma IPP de 10%, em resultado do qual lhe foi fixada uma pensão, que foi objecto de remição facultativa, tendo o sinistrado recebido o capital de remição no montante de 868.850$00 (€ 4.333,81).
5. No dia 13/05/2004, o autor e as rés, todos devidamente representados por advogado, fizeram um acordo cujos termos são os seguintes:
a) O autor reconhece que o salário por si auferido à data do acidente era de
€498,80 x 14 meses (100.000$00 x 14), sendo da responsabilidade da ré seguradora € 349,16 (70.000$00) e da ré C... € 149,64 (30.000$00).
b) Face à incapacidade fixada e à quota-parte da sua responsabilidade, a Companhia de Seguros X... compromete-se a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 3.715,53, a liquidar em duodécimos mensais, sendo acrescida em Dezembro de cada ano de um valor igual ao que nesse mês for devido, pensão com inicio em 07/12/1999, a qual a partir de 1 de Janeiro de 2000 foi actualizada para € 3.838,14, em 1 de Janeiro de 2001 para €
3.972,48, em 1 de Janeiro de 2002 para € 4.111,51, em 1 de Janeiro de 2003 para € 4.193,74 e em 1 de Janeiro de 2004 para € 4.298,59.
c) A seguradora compromete-se igualmente a assegurar as despesas do internamento hospitalar do autor na respectiva proporção.
d) A seguradora compromete-se, ainda, liquidar no prazo de 30 dias o montante de € 2.211,07 a título de diferenças de indemnização por I.T.A.
e) Compromete-se, ainda, a seguradora, a pagar ao autor logo que se verifique a sua saída do estabelecimento hospitalar a prestação suplementar de auxílio a 3.ª pessoa, que desde 1 de Janeiro de 2004 se cifra em € 1.074,65, a liquidar em duodécimos mensais, sendo acrescido em Dezembro de cada ano de uma prestação de valor igual ao que nesse mês for devida.
f) Face à desvalorização funcional e à quota-parte da sua responsabilidade, a ré C... compromete-se a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de
€1.340,77, a liquidar em duodécimos mensais, sendo acrescida em Dezembro de cada ano de um valor igual ao que nesse mês for devido, com inicio em 07/12/1999, a qual a partir de 1 de Janeiro de 2000 foi actualizada para € 1.385,02, em 1 de Janeiro de 2001 para € 1.433,49, em 1 de Janeiro de 2002 para € 1.483,66, em 1 de Janeiro de 2003 para € 1.513,34 e em 1 de Janeiro de 2004 para € 1.551,17.
g) A ré C... compromete-se, ainda, a liquidar no prazo de 60 dias o
montante de € 2.130,45, a titulo de diferenças de indemnização por I.T.A.
h) A C... compromete-se, igualmente, a assegurar as despesas do internamento hospitalar do autor na proporção da sua responsabilidade.
i) Compromete-se, ainda, a ré C..., a pagar ao autor logo que se verifique a sua saída do estabelecimento hospitalar a prestação suplementar de auxílio de 3.ª pessoa que desde 1 de Janeiro de 2004 se cifra em € 387,79, a liquidar em duodécimos mensais sendo acrescido em Dezembro de cada ano de uma prestação de valor igual ao que nesse mês for devida.
j) Ambas as rés se comprometem a pagar ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Viana do Castelo, no prazo de 60 dias a quantia de
€8.401,92, na respectiva proporção (70% para a seguradora e 30% para a ré C...).
I) O autor aceitou, que nos valores a receber da Companhia de Seguros X... seja deduzido:
- € 4.333,81, correspondente ao capital de remição que recebeu no processo de acidente de trabalho n.° .../97 e os montantes que recebeu a titulo de pensão provisória, no âmbito dos presentes autos.
6. Os presentes autos, foram instaurados em 16/12/99 e respeitam a um acidente de trabalho ocorrido antes de 01/01/2000, pelo que lhe é aplicável o Código de Processo de Trabalho aprovado pelo DL n.º 272-A/81 de, 30/09, a Lei n.º 2127 de 03/08/65 e o Decreto n.º 360/71, de 21/08, ex vi do disposto no Art.º 3.º do DL n.º 480/99, de 09/11 e Art.º 41.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.
7. Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, nos termos previstos na LAT (base I) e que nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho consiste numa pensão anual e vitalícia correspondente a 80% da retribuição base acrescida de 10% por cada familiar em situação equiparada à que legalmente confere direito a abono de família, até ao limite de 100% da retribuição e, ainda acrescida de 25% a titulo de prestação suplementar para auxilio de terceira pessoa - Base XVI, alínea a) e XVIII, ambas da Lei n.º 2127, e será calculada com base na retribuição auferida no dia do acidente,
entendendo-se por retribuição tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade - BASE XXIII da Lei n.º 2127.
8. Está assente por acordo que o autor auferia a retribuição anual de € 6.983,2 e, portanto, é com base nessa retribuição que se tem de proceder ao calculo da pensão anual, levando em conta, todavia, na dedução a efectuar nos termos do Art.º 50.º do Decreto n.º 360/71, de 21/08, o salário mínimo nacional à data da alta e que era 61.300$00 (DL n.º 44/99, de 16 de Fevereiro).
9. Ora, a pensão do sinistrado terá de ser fixada de acordo com o disposto na Base XVI, alínea a) e Base XVIII, ambas da Lei n.º 2127, segundo esta fórmula:
salário x 14 – smn x 80% + smn = r. base x 80% + 10% = pensão x 25%
(subsidio para terceira pessoa).
E, tendo em atenção o salário anual de € 6.983,2 (€ 498,80 x 14 meses) -
€3.669,16 (smn x 12) x 80% + € 3.669,16 (smn x 12) = igual a retribuição base x 80% +1 0% = € 5.561,94 (pensão anual) x 25% = a € 1.390,49 de prestação suplementar), temos que a pensão do sinistrado, sem a prestação suplementar é de € 5.561,94, a partir de 07-12-1999, que deverá ser
actualizada no ano de 2000, para € 5.745,48, no ano de 2001 para € 5946,58, no ano de 2002 para € 6.154,71, no ano de 2003 para €6277,80 e no ano de 2004 para € 6437,75.
10. E, a pensão suplementar é, no ano de 1999 de € 1.390,49, devendo ser actualizada no ano de 2000 para € 1.436,37; no ano de 2001 para € 1.486,64;
no ano de 2002 para € 1.538,68; no ano de 2003 para € 1.569,45 e no ano de 2004 para €1.608,69.
11. Quanto à repartição de responsabilidades, que é na proporção de 70%
para a seguradora e 30% para a entidade empregadora, caberá à seguradora o pagamento :
Ano de 1999 - € 3.893,36 + € 973,34;
Ano de 2000 - € 4.021,84 + € 1.005,6;
Ano de 2001- € 4.162,60 + € 1040,65;
Ano de 2002 - € 4.308,29 + € 1077,08;
Ano de 2003 - € 4.394,46 + € 1098,62;
Ano de 2004 - € 4.504,32 + € 1126,08.
12. Caberá à entidade patronal o pagamento:
Ano de 1999 - € 1.668,58 + € 417,15;
Ano de 2000 - € 1.723,64 + € 430,91 Ano de 2001 - € 1.783,97 + € 445,99;
Ano de 2002 - € 1.846,41 + € 461,60;
Ano de 2003 - € 1.883,34 + € 470,84;
Ano de 2004 - € 1.930,42 + € 482,61.
13. Ao fixar valor inferior ao indicado por nós, o M.m° Juiz violou o disposto nas Bases XVI, XVIII e XL, todas da Lei n.º 2127, de 03/08/65.
14. O autor, na sequência de um acidente de trabalho anterior ao apreciado nestes autos, recebeu um capital de remição que lhe foi entregue neste Tribunal no dia 08-07-1997, no montante de € 4.333,81 (868.850$00).
Responsável pelo pagamento de tal quantia foi a ré Companhia de Seguros X...
15. Tal quantia, não pode ser objecto de dedução nestes autos, por a tal se
oporem as Bases XL e XLI da Lei 2127 e o disposto no Art.º 853.º, n.º 1 alínea b) do Código Civil.
16. No âmbito dos processos de acidentes de trabalho os acordos estão
sempre condicionados pela imperatividade das regras substantivas aplicáveis nesta matéria e dos elementos fornecidos pelo processo e no caso presente as cláusulas do acordo violam frontalmente essas normas e assim sendo é ilegal e, portanto, o acordo nunca poderia ser homologado como foi.
17. Pelo exposto deve a douta sentença homologatória de que se recorre, ser revogada na parte referente ao valor da pensão do sinistrado, na qual se inclui a prestação suplementar para auxílio de terceira pessoa, a qual é inferior à que ele efectivamente tem direito por aplicação de normas imperativas - Bases XVI, XVIII, ambas da Lei n.º 2127 e Art.º 50.º do Decreto n.º 360/71, que
assim foram violadas, e na parte em que permitiu que o sinistrado renunciasse ao capital de remição que lhe foi pago por acidente de trabalho ocorrido em 1997, que nada tem a ver com o acidente destes autos, por violar as Bases XL e XLI, ambas da Lei n.º 2127, e o Art.º 853.º do Código Civil.
Ambas as co-RR. apresentaram alegação, pretendendo a manutenção do
acordado, embora entendam que o montante da prestação suplementar devida pela necessidade permanente de terceira pessoa careça de ser corrigida.
Foi recebido o recurso e correram os vistos legais.
Cumpre decidir.
Factos considerados provados resultantes, quer da especificação, quer de documentos autênticos:
a) No dia 27 de Junho de 1998, cerca das 7h10m o autor quando se dirigia de veículo automóvel para as instalações da C..., a fim de iniciar a sua
actividade de motorista sob as ordens desta firma, sita na freguesia de ..., Viana do Castelo e quando se encontrava a meia dúzia de metros de transpor o portão que dá acesso às suas instalações, foi abalroado por outro veículo
automóvel.
b) Como consequência directa e necessária do acidente o autor padeceu de ITA de 27/06/98 a 06/12/99.
c) Foi considerado clinicamente curado em 06/12/99.
d) A título de indemnização pelo período de ITA o autor recebeu da ré Companhia de Seguros X... 873.925$00.
e) O autor nasceu no dia 15 de Outubro de 1958.
f) Por contrato de seguro, na modalidade de folhas de férias, titulado pela apólice n.º 20..., a C... havia transferido para a co-ré Companhia de Seguros X... a responsabilidade civil decorrente de acidentes de trabalho
que pudessem advir ao autor, pelo salário de 70.000$00 x 14.
g) A ré C... entregava ao autor todos os meses 6.000$00 em senhas de gasolina.
h) O autor é beneficiário do C.R.S.S. sob o n.º 11... tendo recebido a título de subsídio de doença 1.684.433$00 correspondente ao período de 27/06/98 a 18/05/2001.
i) Em 17/04/2001 condenou-se a Companhia de Seguros X... a pagar ao sinistrado a pensão provisória de 744.896$00 a liquidar em duodécimos mensais e a ré C... a pagar a pensão provisória de 46.080$00, pensões com inicio em 17/12/99.
j) D... nascida a 11/05/86 é filha do autor B...
k) No dia 2004-05-13 as partes conciliaram-se nos seguintes termos:
I - O autor reconhece que o salário por si auferido à data do acidente era de
€498,80 x 14 meses (100.000$00 x 14), sendo da responsabilidade da seguradora €349,16 (70.000$00) e da ré C... € 149,64 (30.000$00).
II - Face à incapacidade fixada e à quota-parte da sua responsabilidade, a Companhia de Seguros X... compromete-se a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de € 3.715,53, a liquidar em duodécimos mensais, sendo acrescida em Dezembro de cada ano de um valor igual ao que nesse mês for devido, pensão com início em 07/12/1999, a qual a partir de 1 de Janeiro de 2000 foi actualizada para € 3.838,14, em 1 de Janeiro de 2001 para €
3.972,48, em 1 de Janeiro de 2002 para € 4.111.51, em 1 de Janeiro de 2003 para € 4.193,74 e em 1 de Janeiro de 2004 para € 4.298,59.
III - A seguradora compromete-se igualmente a assegurar as despesas do internamento hospitalar do autor na respectiva proporção.
IV - A seguradora compromete-se ainda a liquidar no prazo de 30 dias o montante de € 2.211,07 a título de diferenças de indemnização por I.T.A.
V - Compromete-se ainda, a seguradora, a pagar ao autor logo que se verifique a sua saída do estabelecimento hospitalar a prestação suplementar de auxílio a 3.ª pessoa que desde 1 de Janeiro de 2004 se cifra em € 1.074,65, a liquidar em duodécimos mensais sendo acrescido em Dezembro de cada ano de uma prestação de valor igual ao que nesse mês for devido.
VI - Face à desvalorização funcional e à quota-parte da sua responsabilidade, a ré C... compromete-se a pagar ao autor a pensão anual e vitalícia de
€.1.340,77, a liquidar em duodécimos mensais, sendo acrescida em Dezembro de cada ano de um valor igual ao que nesse mês for devido, pensão com início em 07/12/1999, a qual a partir de 1 de Janeiro de 2000 foi actualizada para € 1.385,02, em 1 de Janeiro de 2001 para € 1.433,49, em 1 de Janeiro de 2002 para € 1.483,66, em 1 de Janeiro de 2003 para € 1.513,34 e em 1 de Janeiro de 2004 para €1.551,17.
VII - A ré C... compromete-se ainda a liquidar no prazo de 60 dias o montante de € 2.130,45 a título de diferenças de indemnização por I.T.A.
VIII - A C... compromete-se igualmente a assegurar as despesas do internamento hospitalar do autor na proporção da sua responsabilidade.
IX - Compromete-se ainda, a ré C..., a pagar ao autor logo que se verifique a sua saída do estabelecimento hospitalar a prestação suplementar de auxílio a 3.ª pessoa que desde 1 de Janeiro de 2004 se cifra em € 387,79, a liquidar em duodécimos mensais sendo acrescido em Dezembro de cada ano de uma prestação de valor igual ao que nesse mês for devido.
X - Ambas as rés se comprometem a pagar ao Centro Distrital de
Solidariedade e Segurança Social de Viana do Castelo, no prazo de 60 dias a quantia de € 8.401,92, na respectiva proporção (70% para a seguradora e 30%
para a ré C...
XI - O autor aceita que nos valores a receber pela Ré Companhia de Seguros X... sejam deduzidas as seguintes importâncias:
1.º) - € 4.333,81 correspondente ao capital da pensão remida no processo de acidente de trabalho deste Tribunal n.º .../97 e
2.º) - Os montantes pagos a título de pensão provisória.
l) Pelo despacho de fls. 24 do apenso respectivo, foi fixada ao sinistrado uma I.P.P. de 95% e considerado o sinistrado incapaz para todo e qualquer trabalho.
m) Por acidente de trabalho ocorrido em 1996-08-16, foi fixada ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de 59.342$00, com início no dia 1997-01-24, com base na incapacidade permanente parcial de 10%.
n) Tal pensão foi remida tendo sido entregue pela co-R. Companhia de Seguros X... ao sinistrado, em 1997-07-08, o capital respectivo, no montante de 868.850$00 - cfr. fls. 421 a 425.
O Direito.
A única questão a decidir consiste em saber se o despacho homologatório deve ser revogado no que respeita ao montante da pensão acordada, nela incluída a prestação suplementar por necessidade permanente de terceira pessoa e à permissão de dedução nas prestações devidas pela seguradora do montante do capital da remição pago pela mesma no âmbito de anterior acidente de trabalho.
Vejamos.
No que à pensão concerne, o recurso arranca do pressuposto que o sinistrado se encontra afectado de uma incapacidade permanente absoluta, para todo e qualquer trabalho, portanto, de 100%, sem capacidade funcional residual, isto é, incapaz quer para a profissão habitual, quer para todo e qualquer trabalho, a que corresponderia uma pensão calculada com fundamento em 80% da
retribuição-base, acrescida de 10% por existir um familiar em situação equiparada à que confere direito a abono de família, conforme estabelece a norma constante da alínea a) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de
1965-08-03.
Sob a alínea l) dos factos provados consta o seguinte:
Pelo despacho de fls. 24 do apenso respectivo, foi fixada ao sinistrado uma I.P.P. de 95% e considerado o sinistrado incapaz para todo e qualquer trabalho.
Ora, sabendo-se que as incapacidades permanentes podem revestir as modalidades de
- absolutas para todo e qualquer trabalho, 100% (IPA)
- absolutas para o trabalho habitual, mistas de incapacidade parcial para todo e qualquer trabalho e de incapacidade absoluta para o trabalho habitual
(IPATH) e
- parciais (IPP),
como se vê do disposto nas três primeiras alíneas do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de 1965-08-03, o facto assente sob a alínea l) envolve equivocidade.
Parece, no entanto, que se deve interpretar correctivamente o que ali se mostra escrito, pela forma seguinte:
O sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente de 95%, considerada absoluta para o exercício da profissão habitual. Na verdade, se os Srs. Peritos e o Sr. Juiz a quo quisessem indicar uma incapacidade para todo e qualquer trabalho, incapacidade permanente absoluta, diriam uma I.P.A., ou I.P. de 100%, mas nunca de 95%. Daí que se deva interpretar correctivamente a expressão considerado o sinistrado incapaz para todo e qualquer trabalho, por forma a que se considere o sinistrado incapaz apenas para a profissão habitual. Assim, tal alínea receberá a seguinte redacção:
O sinistrado encontra-se afectado de uma incapacidade permanente parcial (I.P.P.) de 95%, considerada absoluta para o exercício da profissão habitual.
Tal significa que, assim, a pensão devida in casu é a prevista na alínea b) do n.º 1 da Base XVI da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e não a prevista na alínea a), como parece pretender o Ministério Público.
Ora, com tal entendimento, atentos os factos acima dados como provados, ao sinistrado é devida uma pensão anual global de € 4.160,91, quando as partes acordaram o montante anual global de € 5.056,30; por outro lado, a
incapacidade para o trabalho habitual não confere direito a acréscimos de 10% ou de 20% quando haja familiares na situação equiparada à que confere direito a abono de família. Assim, não haverá lugar à quantia correspondente aos 10%, relativos à filha do sinistrado, no montante de € 505,63, conforme pretende o Digno Recorrente.
Quanto à prestação suplementar, prevista na Base XVIII da Lei n.º 2127, de
1965-08-03, há a referir que ela também é devida nos casos de incapacidade para o trabalho habitual, ponto que seja grave, como é o caso dos autos. Daí a disposição do Art.º 47.º, n.º 3 do Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto. No entanto, sendo de 25% sobre o montante da pensão, com o limite imposto pelo n.º 2 daquela Base XVIII, a prestação suplementar global será de € 1.040.23, quando o montante acordado pelas partes soma € 1.462,44.
Relativamente à dedução do capital da remição da pensão devida por acidente anterior, acordado entre sinistrado e seguradora, nas prestações devidas por esta àquele, há a referir o seguinte.
A hipótese encontra-se prevista na Base VIII, n.º 3 da Lei n.º 2127 de
1965-08-03, [No caso de a vítima estar afectada de incapacidade permanente anterior ao acidente, a reparação será apenas a correspondente à diferença entre a incapacidade anterior e a que for calculada como se tudo fosse
imputado ao acidente] donde se vê que existindo dois acidentes, o sinistrado só tem direito, no que tange ao segundo, à diferença entre a incapacidade global agora fixada e a derivada do primeiro acidente, sob pena de se reparar duas vezes o dano correspondente a este - ao primeiro acidente de trabalho.
Daí que na fixação da incapacidade, os Srs. Peritos devessem deduzir na
incapacidade ora detectada a incapacidade do primeiro acidente - 10%. [Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1990-11-22, in Boletim do
Ministério da Justiça, n.º 401, págs. 468 a 474]. No entanto, não o fizeram - sendo certo que a tarefa não era fácil dada a diferente natureza das
incapacidades, I.P.P. - incapacidade permanente parcial - e I.P.A.T.H. - incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual - pelo que pretenderam as partes deduzir à pensão do acidente moderno a pensão do acidente anterior. E, como esta já tinha sido remida, pretenderam também deduzir, de uma só vez, o montante do respectivo capital.
Parece discutível que se tenha acordado deduzir o capital da remição e não o montante da pensão; este é que seria eventualmente mais correcto, pois que se trataria de prestações da mesma espécie: pensões com pensões. Deduzir capital de remição de pensões pagas sob a forma de renda (em duodécimos), não é a mesma coisa. Por outro lado, a dedução deveria beneficiar também a entidade empregadora, pois a dedução deveria ser efectuada na pensão global, abrangendo assim ambas as entidades responsáveis: seguradora e empregadora. No entanto, esta pode bem prescindir do que entender, pois nas relações entre entidades responsáveis os direitos são renunciáveis.
Parece que também são renunciáveis relativamente aos sinistrados e seus familiares, desde que seja respeitada a imperatividade de mínimos [Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1996-09-25, in Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV-1996, Tomo
III, págs. 225 a 227], prevista na lei. In casu, as partes acordaram, como se referiu acima, numa pensão e prestação suplementar superiores ao fixado legalmente, não tendo violado qualquer norma imperativa, nomeadamente, o disposto nas Bases XL e XLI, ambas da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e no Art.º 853.º, n.º 1, alínea b) do Cód. Civil. Se estabeleceram prestações superiores ao imposto por lei, esta não o proíbe. Por outro lado, como se viu, não é devido o acréscimo de 10% e a dedução do capital de remição parece não ofender qualquer norma imperativa.
Daí resulta, assim, que o recurso deve improceder, sendo de manter o despacho homologatório, por não se mostrar violada qualquer norma imperativa.
Termos em que, na improcedência do agravo do Ministério Público, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando o douto despacho
homologatório.
Sem custas.
Porto, 22 de Novembro de 2004 Manuel Joaquim Ferreira da Costa Domingos José de Morais
António José Fernandes Isidoro