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Processo

5505/05.4TVLSB.L1-2

Data do documento 13 de dezembro de 2012

Relator

Ondina Carmo Alves

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Acidente de viação > Dano biológico > Atropelamento > Danos patrimoniais > Danos não patrimoniais > Juros de mora

SUMÁRIO

1. O chamado dano biológico reconduz-se a um dano corporal que consiste na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa em si e por si considerada.

2. Não tem sido unívoco o entendimento jurisprudencial quanto à questão de saber em qual categoria normativa do dano se deverá enquadrar o chamado dano biológico - dano não patrimonial, dano patrimonial ou tertium genus.

3. A incapacidade permanente e parcial pode reflectir-se de duas formas alternativas no património do lesado:

a) Provoca uma diminuição efectiva de remuneração porque o lesado produz menos e, por via disso, recebe menos. Há, neste caso, uma diminuição visível e palpável de proventos;

b) Não há qualquer diminuição sensível de remuneração do lesado, mas este tem efectuar um esforço sobrecarregado para manter os mesmos níveis de produtividade que tinha antes da lesão.

4. Qualquer que seja o enquadramento jurídico, o que é indiscutível é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível, pelo que haja ou não afectação da capacidade de ganho do lesado impõe-se sempre o ressarcimento autónomo do dano biológico.

(Sumário elaborado pela Relatora)

TEXTO INTEGRAL

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

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“A”, residente na …, …, …, …, intentou, em 13.10.2005, contra “B” SEGUROS, S.A., com sede na Avenida…, nº …, em …, acção declarativa sob a forma de processo

comum ordinário, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 100 000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da citação, até efectivo e integral pagamento.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de, em 19.10.2002, em Lisboa, ter sido atropelada por um veículo matrícula 00-00-00, que se encontrava seguro na ré, quando atravessava uma passadeira de peões, com o respectivo sinal em verde.

Invoca a autora que, em consequência do atropelamento, sofreu danos não patrimoniais, desde a data do acidente e até à data da propositura da acção, que quantifica em € 20 000,00. Pelos danos não patrimoniais futuros a autora reclama a quantia de € 20 000,00. Pelas lesões física e psíquica sofridas, tendo em conta o seu carácter permanente e limitador da actividade normal da autora, esta reclama a quantia de € 60 000,00.

Mais alega a autora que as lesões sofridas determinarão uma incapacidade parcial permanente com uma desvalorização a apurar através de exame pericial, a requerer no momento de produção de prova, reservando-se a autora o direito de ampliar o valor de € 60 000,00 indicado, em função das conclusões do exame médico a efectuar.

Citada, a ré contestou, admitindo as circunstâncias causadoras do acidente e a responsabilidade da sua segurada. Porém, impugnou, por desconhecimento ou por não terem ocorrido, os danos invocados pela autora e qualificou de exagerados os valores peticionados.

A ré terminou, concluindo pela improcedência da acção, por não provada, e sua consequente absolvição do pedido.

Proferido o despacho saneador, e elaborada a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória, foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o

Tribunal a quo proferiu decisão, constante do Dispositivo da Sentença, o seguinte:

Nestes termos, e por todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada, condenando-se a R. “B” Seguros, S.A., no pagamento à A. “A”, duma indemnização no valor global de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros à taxa legal de 4% (Portaria nº 291/2003, contados desde a data da prolação da presente sentença até integral pagamento.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença

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prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i. Tendo a recorrente sofrido atropelamento que lhe causou lesão física permanente da coluna vertebral e lesão psíquica prolongada, estas lesões traduzindo um dano do bem da saúde, constituem um dano biológico, o qual é autonomamente reparável, independentemente das consequências de ordem patrimonial.

ii. O dano biológico, porque se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, é indemnizável, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dele não resulte perda de vencimento.

iii. Tendo a recorrente 24 anos de idade na data do acidente, com uma perspectiva de vida de 56 anos, auferindo como economista, um rendimento anual naquela data de € 15.960,79, tendo ficado com uma incapacidade geral permanente de 2%, traduzida em lesão física que é causa de sofrimento físico permanente e esforços acrescidos no exercício da actividade profissional e tendo em conta o trauma psíquico permanente, deverá à mesma ser arbitrada a quantia de € 60.000,00 para indemnização da perda da capacidade de ganho inerente ao dano biológico.

iv. Tendo a recorrente, quando atravessava uma passadeira, com sinal verde para os peões, sido embatida com violência e projectada a alguns metros de distância, o que lhe causou fortes dores na cabeça e zona lombar, tendo sido submetida a vários exames radiológicos, tendo suportado durante 8 meses fortes dores na zona lombar, o que a obrigou a usar cinta de contenção lombar, e medicação causadora de sonolência, tendo efectuado tratamentos de fisioterapia incómodos e dolorosos, tendo sofrido angústia e dores crónicas, tendo deixado de praticar atletismo, o que fazia regularmente, deverá ser concedido à recorrente a quantia de 20.000,00 para reparação dos danos não patrimoniais sofridos no momento do acidente e nos três anos subsequentes.

v. Tendo em conta que a recorrente, uma jovem saudável e praticante desportiva com 24 anos, deixou de poder praticar desporto, fazer viagens longas, permanecer sentada muito tempo, carregar objectos pesados, e sofrerá pela vida fora, durante pelo menos 56 anos, dores crónicas, estes danos não patrimoniais futuros devem, pela sua longa duração, ser indemnizados autonomamente em relação aos sofridos no momento do acidente e nos anos imediatos.

vi. Tendo sido dado como provado que as dores na zona lombar e sacro-coccigia, devidas à lesão na coluna vertebral se manterão no futuro, limitando as tarefas diárias e sendo causa de esforços acrescidos na actividade profissional, o que a obrigará a tratamentos fisiátricos e medicação; e tendo em conta que a neurose causada pelo acidente, embora reversível, se mantém, volvidos dez anos sobre o acidente, sofrendo, ainda hoje, a recorrente de medo e angústia ao atravessar uma passadeira e que a

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impossibilidade de praticar desporto é irreversível, deverá ser concedido à recorrente a quantia de 20.000,00 para reparação dos danos não patrimoniais futuros.

vii. A decisão recorrida, não tendo atribuído à recorrente qualquer indemnização por dano patrimonial inerente ao dano biológico, violou

os artigos 70°, 483°, 562°, 564° e 566° do Código Civil e o artigo 25° n° 1 da Constituição da República.

viii. A decisão recorrida, atribuindo à recorrente a quantia de 5.000,00 por todos os danos não patrimoniais sofridos, violou os princípios previstos nos artigos 496°, n° 1 e 564°, n° 2 e 566°, n° 3 do Código Civil.

ix. Não tendo sido efectuada qualquer actualização ou correcção monetária dos valores indemnizatórios, nada dizendo a decisão recorrida em que medida foram actualizados, e atendendo ainda ao facto de a acção ter sido julgada sete anos depois de proposta, deverão ser concedidos ao recorrente, nos termos do artigo 805°, n° 3 do Código Civil, juros de mora a contar da citação.

Pede, por isso, a apelante, que a sentença recorrida seja revogada e a recorrida “B” Seguros S.A.

condenada a pagar à recorrente as quantias acima indicadas, acrescidas de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.

Respondeu a recorrida, defendendo a manutenção do decidido e formulando as seguintes CONCLUSÕES:

i. Não merece qualquer reparo a douta sentença ora recorrida;

ii. Do julgamento em primeira instância, resultou provada a existência de danos não patrimoniais bem como de dano biológico, quantificado em 2 pontos de incapacidade permanente geral.

iii. In casu, um dano biológico quantificado em 2 pontos incapacidade permanente geral só pode ser qualificado juridicamente como um dano não patrimonial, tem em atenção que apenas demanda alguns esforços acrescidos para o exercício da sua actividade de funcionária administrativa, sem nunca se repercutir na perda de capacidade de ganho,

iv. Não estando as possibilidades de progressão na carreira da Recorrida condicionadas.

v. Reputa-se como adequada a indemnização equitativamente fixada doutamente pelo Tribunal a quo.

vi. O termo inicial de contagem dos juros moratórios fixa-se a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

***

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i. DA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA AUTORA;

ii. DA PROBLEMÁTICA DO DANO BIOLÓGICO E A INDEMNIZAÇÃO A ARBITRAR À AUTORA, A ESSE TÍTULO;

iii. A CONDENAÇÃO DE JUROS MORATÓRIOS E O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 566º, N.º 2, E 805º, N.º 3, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL OPERADA NO AUJ N.º 4/2002, DE 9 DE MAIO.

***

III . FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. No dia 19 de Outubro de 2002, pelas 9h00m, quando a A. atravessava a passadeira de peões localizada no topo norte da Av.ª …, em …, no sentido norte/sul, foi atropelada pelo veículo ligeiro de passageiros de matrícula 00-00-00, conduzido por “C” – (Al. A) dos factos assentes).

2. A condutora do veículo 00-00-00 circulava no sentido norte/sul no topo norte do …, vinha do lado do Estádio do … e ao chegar à Av.ª …, mudou de direcção para a esquerda – (Al. B) dos factos assentes).

3. Apesar de ter o semáforo verde, a condutora do identificado veículo, não respeitou o direito de passagem dos peões, nomeadamente da A., que atravessava a passadeira com o respectivo sinal em

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verde, estando o sinal amarelo, intermitente, para os veículos – (Al. C) dos factos assentes).

4. A A. foi embatida com violência pela parte da frente do veículo 00-00-00 e projectada a alguns metros de distância – (Al. D) dos factos assentes).

5. Em virtude desse atropelamento a A. sofreu lesões corporais – (Al. E) dos factos assentes).

6. Após o embate a A. ficou caída no pavimento – (Resposta ao 1º da base instrutória).

7. Ainda no local do acidente foi colocada à A., pela equipa de paramédicos, um colar de imobilização e prestados os primeiros socorros – (Resposta ao 2º da base instrutória).

8. A A. sentiu fortes dores na cabeça e na zona lombar – (Resposta ao 3º da base instrutória).

9. De seguida a A. foi transportada em ambulância para o serviço de urgência do Hospital de …, onde lhe foram ministrados tratamentos vários de limpeza, desinfecção e sutura de feridas contusas na cabeça – (Resposta ao 4º da base instrutória).

10. Ainda no Hospital de … foram efectuados exames radiológicos ao crânio, tórax, bacia e à coluna da A., não tendo sido detectada qualquer fractura – (Resposta ao 5º da base instrutória).

11. A A. permaneceu em casa em repouso de 19 a 27 de Outubro de 2002 – (Resposta ao 6º da base instrutória).

12. Entre a data do acidente e até Junho de 2003 a A. sofreu fortes dores na zona lombar, com carácter persistente, sendo que o IML fixou o “quantum doloris” no grau 3, duma escala crescente de 7 valores – (Resposta ao 7º da base instrutória).

13. Em 25 de Outubro de 2002 e 25 de Fevereiro de 2003, efectuou um TAC e uma ressonância magnética à coluna lombar que não revelaram alterações patológicas – (Resposta ao 8º da base instrutória).

14. Em Julho de 2003 efectuou tratamentos diários de fisioterapia e natação terapêutica durante uma semana – (Resposta ao 9º da base instrutória).

15. E passou a usar uma cinta de contenção lombar e uma almofada de apoio lombar – (Resposta ao 10º da base instrutória).

16. Começou a tomar “Sirdalud”, um relaxante muscular, sempre que as dores se tornavam mais intensas – (Resposta ao 11º da base instrutória).

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17. Esse medicamento é usado pela A. apenas em situações dolorosas de “S.O.S.”, e provoca na A. um estado de sonolência – (Resposta ao 12º da base instrutória).

18. No final de 2003 as dores na zona lombar voltaram a intensificar-se o que levou o médico assistente da A. e prescrever um novo TAC à região sacro-coccígea – (Resposta ao 13º da base instrutória).

19. Esse exame realizado em 16/12/2003 revelou a existência de «desvio direito e anterior do último elemento coccígeo, o que condiciona uma curvatura anterior desta estrutura, compatível com uma patologia pós-traumática a envolver o segmento distal do cóccix», cfr. doc. de fls. 11 – (Resposta ao 14º da base instrutória).

20. Em consequência do acidente a A. começou a sentir dores crónicas ao nível da zona lombar e sacro- coccígia que se tornaram por vezes intensas com as mudanças do tempo – (Resposta ao 17º da base instrutória).

21. A A. deixou de poder efectuar corrida e praticar actividade desportiva intensa e fazer grandes viagens – (Resposta ao 18º da base instrutória).

22. Durante algum tempo a A. deixou de efectuar as tarefas de limpeza de casa, sendo que ainda hoje evita carregar objectos pesados, por tal lhe causar dor – (Resposta ao 19º da base instrutória).

23. Nos meses seguintes ao acidente a A. sofreu insónias causadas pela imagem gravada na memória de ser projectada pelo automóvel – (Resposta ao 20º da base instrutória).

24. A violência do atropelamento causou à A. um trauma psíquico, traduzido em medo de atravessar a via pública com sintomatologia de uma neurose de ansiedade, o qual tem tendência a diminuir com o decurso do tempo – (Resposta ao 21º da base instrutória).

25. Ainda hoje a A., ao atravessar uma passadeira, revive o acidente experimentando grande ansiedade, medo e angústia, mas esse tipo de sensações irá provavelmente atenuar-se com o tempo – (Resposta ao 22º da base instrutória).

26. As dores na zona lombar e sacro-coccígia manter-se-ão no futuro, limitando as tarefas diárias e a actividade normal da A., sendo que a incapacidade geral permanente de que sofre causam esforços acrescidos para o exercício da sua actividade profissional – (Resposta ao 23º da base instrutória).

27. Até ao dia do acidente a A. era uma pessoa saudável, sem qualquer limitação física ou psíquica – (Resposta ao 25º da base instrutória).

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28. A A. praticava com regularidade e gosto desporto, particularmente o atletismo, o que deixou de fazer – (Resposta ao 26º da base instrutória).

29. Em consequência do acidente foi submetida a vários exames médicos complementares (TAC, ressonâncias magnéticas, exames radiológicos) – (Resposta ao 27º da base instrutória).

30. Teve de efectuar vários tratamentos de fisioterapia e natação terapêutica, que eram incómodos e penosos – (Resposta ao 28º da base instrutória).

31. A A. carece de medicação sempre que as dores se intensificam – (Resposta ao 29º da base instrutória).

32. As lesões físicas e psíquicas determinaram para a A. um período de incapacidade temporária geral total de 7 dias (de 19 a 25/10/2002); uma incapacidade geral temporária parcial de 38 dias (de 26/10/2002 a 2/12/2002); um período de incapacidade temporária profissional total de 30 dias (de 19/10 a 17/11/2002);

uma incapacidade temporária profissional parcial de 15 dias (de 18/11 a 2/12/2002); tendo-se consolidado as lesões no dia 3/12/2002, com uma incapacidade permanente geral de 2% – (Resposta ao 31º da base instrutória).

33. A A. nasceu no dia 7/12/1977, cfr. doc. de fls. 98 – (Al. F) dos factos assentes).

34. A A. é economista, com mestrado em “Desenvolvimento e Cooperação Internacional” (cfr. doc. de fls.

227) e trabalhou como técnica superior de 2ª classe no Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, tendo declarado como rendimento de trabalhadora independente, no ano de 2002, o valor total de €15.960,79 (cfr. fls. 218 verso), sendo que em Julho de 2005 a sua remuneração líquida mensal era de cerca de € 1.568,97 (cfr. doc. de fls. 227) – (Resposta ao 30º da base instrutória).

35. Por acordo escrito, titulado pela apólice n.º …, “C” acordou com a R., “B” Seguros, S.A., em transferir para esta, mediante o pagamento de um prémio, a sua responsabilidade civil relativa à circulação da viatura de matrícula 00-00-00, cfr. doc. de fls. 27 a 28 – (Al. G) dos factos assentes).

36. A R. procedeu ao acompanhamento clínico da A., realizando exame médico pericial através dos seus serviços, tendo pago despesas médicas e medicamentos à A. – (Al. H) dos factos assentes).

***

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DA INDEMNIZAÇÃO PELOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS SOFRIDOS PELA AUTORA

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Como resulta do disposto do artigo 562º do Cód. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

E, decorre do disposto no artigo 563º do CC “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ali se consagrando a teoria da causalidade adequada.

O dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e ainda os danos futuros, desde que previsíveis e determináveis - v. artigo 564º, nºs 1 e 2 do mesmo Código.

Na fixação da indemnização, devem ser atendidos os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - v. artigo 496º, nº 1 do Código Civil.

A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser

atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos - v. artigo 566º, nº 1 do C.C.

No caso vertente, está sob apreciação, em primeiro lugar, a indemnização devida à autora, por virtude do acidente de que foi vítima, a título de danos não patrimoniais.

Danos não patrimoniais são os que não são susceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente – v. Ac. STJ de 09.06.2010 (Pº 562/08.4GBMTS.P1.S1), acessível em www.dgsi.pt.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais encontra-se expressamente consagrada no artigo 496.º do Código Civil, estatuindo o seu nº 1, que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Como defende J. M. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 3.ª ed., 500, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo

(conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade há-de apreciar-se em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a atribuição de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado».

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Dentro da categoria de danos não patrimoniais, cuja ressarcibilidade se impõe, há que considerar as sequelas de lesões corporais, pelo que importa ponderar:

Þ no prejuízo estético, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;

Þ no prejuízo de afirmação social, ou seja, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural e cívica);

Þ no prejuízo da saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;

Þ no prejuízo de distracção ou passatempo, o pretium juventude, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada “primavera da vida”;

Þ o pretium doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária,

– v. neste sentido DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manuel de Acidentes de Viação, 130 e ss. e Acs. STJ de 18.06.2009 (Pº 1632/01.5SILSB.S1) e de 14.09.2010 (Pº 267/06.0TBVCD.P1.S1), acessível no supra citado sítio da Internet.

Ora, está provado que a autora foi atropelada, no dia 19.10.2002, pelo veículo matrícula 01-83-RL, quando atravessava a passadeira com o sinal verde para os peões e o sinal amarelo intermitente, para os veículos, tendo a respectiva condutora transferido para a ré/seguradora a responsabilidade decorrente da circulação desse veículo – v. Nºs 1 a 4 da Fundamentação de Facto.

Em consequência do atropelamento de que foi responsável a condutora do veículo segurado na ré, sofreu, a autora, violação da sua integridade física. Sofreu feridas contusas na cabeça, vindo-se a detectar-se que o violento embate acarretou para a autora um desvio direito e anterior do último elemento coccígeo, o que condiciona uma curvatura anterior desta estrutura, compatível com uma patologia pós-traumática a envolver o segmento distal do cóccix - v. Nºs 5, 9 e 19 da Fundamentação de Facto.

E, em virtude do atropelamento, foi a autora sujeira a tratamentos, exames radiológicos, TAC, ressonância magnética. Teve de efectuar tratamentos incómodos e penosos de fisioterapia e de natação terapêutica, bem como de usar cinta de contenção lombar e almofada de apoio lombar - v. Nºs 7, 10, 13, 14, 15, 18, 29 e 30 da Fundamentação de Facto

Em consequência do traumatismo sofrido, e para além de ter ficado afectada psicologicamente (sofreu

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insónias, trauma psíquico, ansiedade, medo e angústia), teve dores, na cabeça e na zona lombar, estas, quer no momento do atropelamento, quer entre a data do acidente e até Junho de 2003, dores que se intensificaram no final de 2003, continuando a autora a ter dores crónicas, ao nível da zona lombar e sacro- coccígia, por vezes intensas com as mudanças do tempo, as quais se manterão no futuro, sendo certo que até então a autora era uma pessoa saudável - v. Nºs 8, 12, 18, 20, 23 a 25 a 27 da Fundamentação de Facto.

Acresce que as lesões físicas e psíquicas determinaram para a autora uma ITGT de 7 dias, uma IGTP de 38 dias, ITPT de 30 dias e uma ITPP de 15 dias. Deixou de poder praticar actividade desportiva intensa, sendo que a autora praticava com regularidade atletismo de fazer grandes viagens, de efectuar as tarefas de limpeza de casa durante algum tempo e carregar objectos pesados, por lhe causarem dor, carecendo de medicação sempre que as dores se intensificam - v. Nºs 16, 21, 22, 28, 31 e 32 da Fundamentação de Facto.

Face às sequelas resultantes do acidente e, tendo em consideração a idade da autora que, à data, tinha 24 anos, há que ponderar no relevante prejuízo da saúde geral, no prejuízo de afirmação social no prejuízo de distracção ou passatempo, bem como no quantum doloris, o qual foi mensurado, no grau 3, de uma escala crescente de 7 valores.

Todos os acima elencados danos não patrimoniais sofridos pela autora são merecedores de reparação, por força do disposto nos artigos 70º e 496º, nº 1 do Código Civil.

Não sendo os danos não patrimoniais susceptíveis de avaliação pecuniária, o seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora também uma vertente sancionatória – v. a propósito da natureza acentuadamente mista da indemnização, no caso dos danos não patrimoniais, ANTUNES VARELA. ob. cit., 502.

O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil).

No caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, como é o caso dos autos, a indemnização pode ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil).

Pediu a autora a condenação da ré no montante global de € 100.000,00.

Ponderando a factualidade apurada, entendeu o Tribunal a quo fixar a indemnização, a título de danos não patrimoniais, em € 5.000,00.

Defende agora, a apelante, que a indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelo sofrimento, no momento de acidente, nos três anos subsequentes e ainda pelo sofrimento futuro, se deverá cifrar no

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montante global de 40.000,00.

É certo que, na fixação do montante indemnizatório, ponderou a sentença recorrida nos montantes previstos na Tabela de Indemnização do Dano Corporal, constante da Portaria nº 377/08, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho.

Como decorre do ponto 1.º, n.º 1 da Portaria nº 377/08, o seu objecto é fixar os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto.

Refere-se, de resto, no ponto 1.º, n.º 2, da Portaria, que as disposições nela constantes não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos.

Aliás, tal objectivo consta desde logo no seu preâmbulo, quando aí se refere: (…) Por último, importa frisar que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.

Resulta, assim, que os valores previstos nas aludidas Portarias não são vinculativos para o Tribunal, nunca se podendo entender que a fixação de valores divergentes implicaria a sua violação, posto que o disposto nas ditas Portarias não se pode sobrepor ao critério fundamental para a determinação das indemnizações por danos não patrimoniais fixado no Código Civil – v. Acs. STJ de 01.07.2010 (Pº 457/07.9TCGMR.G1.S1) e de 31.05.2012 (Pº 1145/07.1TVLSB.L1.S1), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Ora, a jurisprudência tem vindo reiteradamente a preconizar que as indemnizações a arbitrar, designadamente por danos não patrimoniais, não podem ser meramente simbólicas, antes se devem mostrar adequadas ao fim a que se destinam - atenuar a dor sofrida pelo lesado e reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente - v. a título meramente exemplificativo, Ac. STJ de 30.10.2007 (Pº 07A3340), acessível no citado sítio da Internet.

Mas, se é certo que importa elevar o nível dos montantes indemnizatórios, também não se pode perder de vista as indemnizações por danos não patrimoniais ou por danos futuros que são atribuídas na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Como se refere no Ac. STJ de 25.02.2010 (Pº 11/06.2TBLSD.P1.S1), sobre tais montantes indemnizatórios

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deverá recair uma certa uniformidade de critérios para evitar, não só disparidades flagrantes, como por uma questão de justiça relativa do direito aplicado.

Salienta-se também no Ac. STJ de 24.09.2009 (Pº 09B0037), igualmente acessível no sítio www.dgsi.pt, que o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso.

Tendo em mente essa procura de uniformização de critérios, mas não olvidando que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem inclusivamente considerado justificável a atribuição de indemnizações compensatórias por danos não patrimoniais a vítimas com graves sequelas ou incapacidades até superiores às compensações geralmente atribuídas pela perda do direito à vida - v. Ac. STJ de 20.01.2010 (Pº 60/2002.L1.S1), em www.dgsi.pt – importa atentar no caso vertente, não deixando de ponderar nas situações similares na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Nestes termos, em face ao supra elencado circunstancialismo do caso vertente, com especial incidência no grau de culpa do agente (atropelamento numa passadeira para peões), na gravidade do sofrimento físico e psicológico da autora, na sua duração, num juízo de equidade, considera-se ser justo, equilibrado e adequado à reparação de tais danos, o montante indemnizatório de € 25.000,00.

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ii. DA PROBLEMÁTICA DO DANO BIOLÓGICO E A INDEMNIZAÇÃO A ARBITRAR À AUTORA, A ESSE TÍTULO.

São também indemnizáveis os danos patrimoniais. Dentro destes cabe não só o dano emergente, como o lucro cessante. O primeiro compreende o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado à data da lesão. O segundo abrange os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão.

Não tem sido unívoco o entendimento jurisprudencial quanto à questão de saber em qual categoria normativa do dano se deverá enquadrar o chamado dano biológico - dano não patrimonial, dano patrimonial ou tertium genus.

Como é sabido, o dano biológico, que não pode deixar de se reconduzir a um dano corporal, consiste, segundo JOÃO ANTÓNIO ÁLVARO DIAS, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Colecção Teses, Almedina, 2001, 272, na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão.

Para um entendimento jurisprudencial e doutrinário, o dano biológico tem um cariz patrimonial.

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É que, mesmo não estando perante uma incapacidade para a concreta actividade profissional do lesado, inexistindo, portanto, uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional deste, sempre se verificará uma perda de capacidades, uma limitação funcional geral que terá implicações na facilidade e esforços exigíveis, integrando, por isso, um dano futuro previsível, segundo o desenvolvimento natural da vida, em cuja qualidade se repercute - cfr. neste sentido SINDE MONTEIRO, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, 248 e exemplificativamente, e apenas na jurisprudência mais recente, Acs. STJ de 19.05.2009 (Pº 298/06.0TBSJM.S1), de 27.10.2009 (Pº 560/09.0YFLSB), de 07.06.2011 (Pº 160/2002.P1.S1), de 20.10.2011 (Pº 428/07.5TBFAF.G1.S1), de 06.12.2011 (Pº 52/06.0TBVNC.G1.S1) e de 15.11.2012 (Pº 736/04.7TBCTB.C1.S1).

Tal significa que, para os defensores deste entendimento, a incapacidade parcial permanente, afectando ou não a actividade laboral do lesado, representa em si mesmo um dano patrimonial futuro.

Para outros, o ressarcimento do dano biológico deve integrar o dano não patrimonial.

Embora os defensores desta tese aceitem que o dano biológico sofrido pelo lesado poderá provocar um agravamento das suas potencialidades física, psíquica ou intelectual, traduzindo-se num maior dispêndio de esforço e energia, entendem que, se tal dano não se repercute, directa ou indirectamente, no estatuto remuneratório profissional do lesado ou na carreira em si mesma considerada, traduzir-se-á mais num sofrimento psico-somático, logo, num dano não patrimonial, porventura, autónomo, visto inexistir uma perda patrimonial futura – cfr. neste sentido, Ac. STJ de 27.10.2009 (Pº 560/09.0YFLSB), de 20.01.2010 (Pº 203/99.9TBVRL.P1.S1), de 17.05.2011 (Pº 7449/05.0TBVFR.P1.S1) e de 26.01.2012 (Pº 220/2001-7.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Uma outra tese, defendida por um grupo mais reduzido, para quem o dano biológico acaba por se traduzir num tertium genus - Ac R.L. de 03.11.2011, (Pº 4316/03.6TBVFX.L2.8) e Ac. R.P. 14.03.2012 (Pº 4/01.2GEVNG.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.

Esta abordagem da figura tertium genus teve a sua origem, segundo MARIA DA GRAÇA TRIGO, Adopção do Conceito de ”Dano Biológico” pelo Direito Português, Revista da O.A., ano 72, Vol. I – Jan-Mar – 2012, na jurisprudência e doutrina italianas, para as quais o dano biológico, como um tertium genus teria as seguintes características:

a) Dano comum a todos aqueles que, em consequência de uma lesão, sofrem um desrespeito pelo direito à saúde consagrado na Constituição;

b) Dano sem consequências negativas no rendimento do lesado;

c) E, por isso mesmo, dano que deve ser compensado de forma igual para todas as vítimas, tendo apenas em conta a idade e a gravidade da incapacidade temporária ou permanente.

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Sucede, todavia, que, no nosso sistema jurídico, a contraposição dano patrimonial versus dano não patrimonial tem logrado exaurir completamente o campo do dano corporal.

Das três teses em confronto, sufraga-se, como mais adequado, o primeiro dos referidos entendimentos – o cariz patrimonial do dano biológico - que é, aliás, maioritário na jurisprudência, como muito justamente se constatou no Acórdão STJ de 20.05.2010 (Pº 103/2002.L1.S1), muito embora aí se propugne que qualquer que seja o enquadramento jurídico, como dano patrimonial, dano moral ou tertium genus, é indiscutível que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui um dano ressarcível – cfr.

também neste sentido Ac. STJ de 20.01.2011 (Pº 520/04.8GAVNP.P2.S1), no qual se salienta a dificuldade de integrar o dano biológico nas clássicas categorias de dano patrimonial ou moral.

O que se não pode é escamotear a indispensabilidade de ressarcimento autónomo do chamado dano biológico, haja ou não afectação da capacidade de ganho do lesado.

De resto, até mesmo a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, na alínea b) do artigo 3º, considera indemnizável o dano biológico, resulte dele, ou não, perda da capacidade de ganho.

Como estatui o nº 2 do citado artigo 564º do C.C., na fixação da indemnização devem também ser atendidos os danos futuros – danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis.

Entre os danos futuros previsíveis há que distinguir aqueles que se podem prognosticar dos meramente eventuais, cujo grau de ocorrência é menor, sendo que os danos futuros imprevisíveis não são susceptíveis de indemnização.

De entre os danos futuros previsíveis, destaca-se a perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha, por virtude de lesão corporal.

No caso vertente, defende agora, a apelante, na sua alegação de recurso que, a título de dano biológico, a indemnização se deveria cifrar em € 60.000,00.

Vejamos,

Está provado que a autora - que à data do acidente tinha 24 anos – ficou, em consequência das lesões causais do acidente, afectada de incapacidade permanente e parcial, com um grau de desvalorização de 2% - v. Nº 33 da Fundamentação de Facto.

E, como acima se aflorou, a incapacidade permanente e parcial pode reflectir-se de duas formas alternativas no património do lesado:

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i) Provoca uma diminuição efectiva de remuneração porque o lesado produz menos e, por via disso, recebe menos. Há, neste caso, uma diminuição visível e palpável de proventos;

ii) Não há qualquer diminuição sensível de remuneração do lesado, mas este tem efectuar um esforço sobrecarregado para manter os mesmos níveis de produtividade que tinha antes da lesão.

No caso em análise, a incapacidade permanente e parcial de que a autora ficou afectada é compatível com o exercício da sua actividade profissional.

Tão pouco ficou provado que a incapacidade geral permanente parcial decorrente das lesões que advieram à autora, por virtude do acidente de viação, terá provocado qualquer diminuição dos rendimentos percebidos pela autora, enquanto economista.

No entanto, provado ficou que as lesões sofridas pela autora implicam, no futuro, uma limitação nas tarefas diárias e na sua actividade normal, causando-lhe esforços acrescidos para o exercício da sua actividade profissional - v. Nº 26 da Fundamentação de Facto.

E, estando em causa um dano biológico, traduzido numa incapacidade funcional ou fisiológica, a repercussão negativa centra-se na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte da autora, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução de tarefas antes desempenhadas, não apenas na sua actividade enquanto pessoa, mas também no seu dia a dia profissional.

No cálculo do dano patrimonial futuro têm sido frequentemente utilizadas, pela jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério, tanto quanto possível, uniforme.

Como se salienta no Ac. STJ de 10.10.2012 (Pº 632/2001.G1.S1) para evitar um total subjectivismo que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade, o montante indemnizatório a arbitrar deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas.

O apelo a critérios financeiros, fórmulas matemáticas, fiscais, ou outras, constitui apenas um mero ponto de partida para a obtenção de uma situação de equilíbrio patrimonial do lesado, através do juízo de equidade a que a lei se reporta.

Acolhemos o entendimento seguido na jurisprudência de que o quantum indemnizatório destinado a compensar tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor de rendimentos (normalmente juros) que proporcione o que, teórica ou efectivamente, deixou de se auferir e se extinga no fim presumível da vida do lesado, determinado com base na esperança de vida (e não apenas em função

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da duração da sua vida profissional activa). Haverá que ter em consideração, nomeadamente, a previsível evolução dos salários, da inflação, a taxa anual líquida de juros, nunca superior a 3%, compaginando-se com a perda, ou não de proventos, e o facto de o lesado receber todo o capital de uma só vez. Com esta global ponderação dar-se-á prossecução à aplicação prática do comando do n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil – v. neste sentido Acs. STJ de 26.01.2012 (Pº 220/2001-7.S1) e de 20.05.2010 (Pº 103/2002.L1.S1), acessível no supra citado sítio da Internet.

Tratando-se, como se trata, in casu, de uma incapacidade funcional geral, embora com algumas repercussões na actividade profissional da autora, na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade, pese embora não se haja provado qualquer diminuição da sua remuneração mensal líquida que, à data se cifrava em € 1.568,97, ainda mais se justifica a determinação do cálculo da indemnização devida, com base no critério de equidade a que se reporta o artigo 566º, nº 3, do Código Civil.

Para obtenção desse valor resultante do juízo de equidade, para compensação do dano sofrido, há que sopesar todos os factores antes referidos, assim se mostrando criterioso e adequado arbitrar à autora, a título de danos patrimoniais, o montante indemnizatório de € 11.000,00.

***

iii. A CONDENAÇÃO DE JUROS MORATÓRIOS E O SENTIDO DA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 566º, N.º 2, E 805º, N.º 3, SEGUNDA PARTE, DO CÓDIGO CIVIL OPERADA NO AUJ N.º 4/2002, DE 9 DE MAIO.

À obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito que aqui está em causa, é aplicável a 2ª parte do n.º 3 do artigo 805º do Código Civil, constituindo-se a ré na situação de mora na data da citação.

Como decorre do artigo 806º, nºs 1 e 2, do Código Civil, a indemnização moratória corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora, salvo se antes desta forem devidos juros mais elevados ou as partes houverem estipulado juros moratórios diferentes.

Presume a lei, jure et de jure, que o dano do credor pelo atraso de cumprimento de obrigações pecuniárias por parte do devedor, corresponde à taxa de juro legal ou convencional.

Neste sentido, haverá que considerar que a função dos juros moratórios é essencialmente indemnizatória do dano do lesado decorrente do atraso de cumprimento da obrigação pecuniária, e ter presente a actualização correspondente à depreciação da moeda, como se infere do Acórdão do STJ, de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 29 de Maio, que fixou a seguinte jurisprudência: “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos

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do nº 2 do artigo 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805º, nº 3 interpretado restritivamente e 806º, nº 1 também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.

Considerando que se operou já o cálculo da indemnização por danos não patrimoniais devida à autora, por via da operação de actualização expressa no mencionado Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, os juros moratórios, com relação a esses danos, só serão devidos desde a data do presente acórdão. Ao invés, os juros moratórios, quanto à indemnização por danos patrimoniais, serão devidos desde a data da citação, à taxa legal e até efectivo pagamento, em conformidade com os supra mencionados artigos 805º, nº 3, 2ª parte e 806º, nºs 1 e 2 do Código Civil.

Procede, pois, ainda que parcialmente, a apelação, razão pela qual se revoga a sentença recorrida, e em sua substituição, condena-se a ré/apelada a pagar à autora/apelante a quantia global de € 36.000,00, sendo € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais e € 11.000,00, a título

de danos patrimoniais futuros, sendo devidos juros de mora sobre € 11.000,00 a partir da citação e até integral pagamento, à taxa legal.

A responsabilidade pelas custas fica a cargo de apelante e apelada, na proporção do respectivo decaimento - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

***

IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida, e em sua substituição, condena-se a ré/apelada a pagar à autora/apelante a quantia global de € 36.000,00, sendo € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais e € 11.000,00, a título de danos patrimoniais futuros, incidindo sobre esta quantia de € 11.000,00, juros de mora a partir da citação e até integral pagamento, à taxa legal.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2012

Ondina Carmo Alves - Relatora Pedro Maria Martin Martins

Jorge Manuel Leitão Leal (vencido, conforme declaração de voto que segue em anexo)

Vencido. Teria mantido a atribuição de indemnização apenas por danos não patrimoniais, embora fixando a indemnização em € 25 000,00, conforme projeto de acordão elaborado enquanto primitivo relator, que se

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transcreve na parte relevante:

“O Direito

Primeira questão (dano patrimonial resultante do dano biológico)

Está assente nos autos que a A. em 19.10.2002 foi vítima de um acidente por culpa exclusiva da condutora de um veículo automóvel que se encontrava seguro na R.. Na apelação não se questiona que a R. é responsável pelo ressarcimento dos danos sofridos pela A. em consequência do acidente. A controvérsia incide tão só sobre o quantitativo devido a título de indemnização por danos não patrimoniais e/ou dano biológico, sendo certo que a R. suportou as despesas respeitantes ao tratamento da A..

Nos termos do art. 562.º do Código Civil, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.“ Tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563.º do C.C.), compreendendo não só os chamados “danos emergentes”, como os “lucros cessantes” (as duas categorias são mencionadas na lei como “prejuízo causado” e “benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” – n.º 1 do art.º 564.º do Código Civil). Na fixação da indemnização o tribunal pode atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis (art.º 564.º n.º 2 do Código Civil). Em princípio a indemnização deverá visar a reconstituição natural, sendo fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (n.º 1 do art.º 566.º do Código Civil). A indemnização em dinheiro terá como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (n.º 2 do art.º 566.º). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3 do art.º 566.º). Em relação aos danos não patrimoniais, estabelece o n.º 1 do art.º 496.º do Código Civil que serão ressarcíveis aqueles que, “pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. No número 3 do mesmo artigo estipula-se que “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º”, ou seja: “grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”. Na impossibilidade de fazer desaparecer o prejuízo, com a indemnização por danos não patrimoniais procura proporcionar-se ao lesado meios económicos que de alguma forma o compensem do padecimento sofrido. Por outro lado, sanciona-se o ofensor, impondo-lhe a obrigação de facultar ao lesado um montante pecuniário, substitutivo do prejuízo inflingido.

Temos, pois, que o legislador português, no que concerne aos danos ressarcíveis, distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, encarados quanto à suscetibilidade de avaliação pecuniária:

enquanto os danos patrimoniais, mesmo que atinjam interesses não patrimoniais, como a saúde, a honra, o bom nome, se refletem no património do lesado (v.g., pela perda de ganho resultante de incapacidade para o trabalho, ou de recusa de contratos de prestação de serviços em virtude de desprestígio), em termos que fundamentam, se não a restauração natural, a atribuição de uma verba pecuniária equivalente (indemnização), os danos não patrimoniais constituem prejuízos que não se repercutem no património do lesado, mas tão só afetam interesses de ordem não patrimonial (v.g., sofrimento causado por ofensas à

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saúde, honra, bom nome), mas que se considera que justificam a imposição ao lesante de uma obrigação pecuniária, que reveste a natureza de uma compensação/satisfação (vide, v.g., Antunes Varela, “Das Obrigações em geral”, vol. I, 8.ª edição, Almedina, páginas 611 a 613).

O dano biológico, reconhecido como um dano à integridade psico-física do lesado, que afeta de forma relevante a funcionalidade do corpo nas suas vertentes física e mental, pode assumir-se tanto como um dano patrimonial, se tiver reflexos na situação patrimonial do lesado (seja no presente, seja no futuro), quer como dano não patrimonial, na medida em que as consequências do deficit funcional sofrido não tenham tradução económica para o lesado, implicando, por exemplo, uma maior penosidade na realização de algumas tarefas, mas sem inerente perda de rendimentos (cfr., v.g., STJ, 27.10.2009, 560/09.0YFLSB;

STJ, 20.5.2010, 103/2002.L1.S1; STJ, 26.01.2012, 220/2001-7.S1; STJ, 20.01.2010, 203/99.9 TBVRL.P1.S1).

No caso dos autos, provou-se que

“19. No final de 2003 as dores na zona lombar voltaram a intensificar-se o que levou o médico assistente da A. a prescrever um novo TAC à região sacro-coccígea – (Resposta ao 13º da base instrutória).

20. Esse exame realizado em 16/12/2003 revelou a existência de «desvio direito e anterior do último elemento coccígeo, o que condiciona uma curvatura anterior desta estrutura, compatível com uma patologia pós-traumática a envolver o segmento distal do cóccix», cfr. doc. de fls 11 – (Resposta ao 14º da base instrutória).

21. Em consequência do acidente a A. começou a sentir dores crónicas ao nível da zona lombar e sacro- coccígia que se tornaram por vezes intensas com as mudanças do tempo – (Resposta ao 17º da base instrutória).

22. A A. deixou de poder efectuar corrida e praticar actividade desportiva intensa e fazer grandes viagens – (Resposta ao 18º da base instrutória).

23. Durante algum tempo a A. deixou de efectuar as tarefas de limpeza de casa, sendo que ainda hoje evita carregar objectos pesados, por tal lhe causar dor – (Resposta ao 19º da base instrutória).

25. A violência do atropelamento causou à A. um trauma psíquico, traduzido em medo de atravessar a via pública com sintomatologia de uma neurose de ansiedade, o qual tem tendência a diminuir com o decurso do tempo – (Resposta ao 21º da base instrutória).

26. Ainda hoje a A., ao atravessar uma passadeira, revive o acidente experimentando grande ansiedade, medo e angústia, mas esse tipo de sensações irá provavelmente atenuar-se com o tempo – (Resposta ao 22º da base instrutória).

27. As dores na zona lombar e sacro-coccígia manter-se-ão no futuro, limitando as tarefas diárias e a actividade normal da A., sendo que a incapacidade geral permanente de que sofre causam esforços acrescidos para o exercício da sua actividade profissional – (Resposta ao 23º da base instrutória).

28. Até ao dia do acidente a A. era uma pessoa saudável, sem qualquer limitação física ou psíquica – (Resposta ao 25º da base instrutória).

29. A A. praticava com regularidade e gosto desporto, particularmente o atletismo, o que deixou de fazer – (Resposta ao 26º da base instrutória).

33. As lesões físicas e psíquicas determinaram para a A. um período de incapacidade temporária geral total de 7 dias (de 19 a 25/10/2002); uma incapacidade geral temporária parcial de 38 dias (de 26/10/2002 a

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2/12/2002); um período de incapacidade temporária profissional total de 30 dias (de 19/10 a 17/11/2002);

uma incapacidade temporária profissional parcial de 15 dias (de 18/11 a 2/12/2002); tendo-se consolidado as lesões no dia 3/12/2002, com uma incapacidade permanente geral de 2% – (Resposta ao 31º da base instrutória).

34. A A. nasceu no dia 7/12/1977, cfr. doc. de fls 98 – (Al. F) dos factos assentes).

35. A A. é economista, com mestrado em “Desenvolvimento e Cooperação Internacional” (cfr. doc. de fls 227) e trabalhou como técnica superior de 2ª classe no Ministério do Trabalho e Solidariedade Social, tendo declarado como rendimento de trabalhadora independente, no ano de 2002, o valor total de € 15.960,79 (cfr. fls 218 verso), sendo que em Julho de 2005 a sua remuneração líquida mensal era de cerca de € 1.568,97 (cfr. doc. de fls 227) – (Resposta ao 30º da base instrutória).

Em síntese, em consequência do acidente a A. sofreu uma alteração permanente ao nível da parte terminal do cóccix, a qual lhe causa dores que lhe limitam as tarefas diárias e a actividade normal da A., sendo que a incapacidade geral permanente de que sofre causa esforços acrescidos para o exercício da sua actividade profissional. Essa incapacidade geral permanente foi fixada em 2%. Por outro lado ainda hoje a A., ao atravessar uma passadeira, revive o acidente experimentando grande ansiedade, medo e angústia, mas esse tipo de sensações irá provavelmente atenuar-se com o tempo.

Afigura-se-nos que a incapacidade sofrida pela A., quantificada em 2%, não assume relevância do ponto de vista patrimonial, na perspetiva de afetação da capacidade de ganho da A., que é economista.

Tal como se ajuizou no acordão do STJ de 20.01.2010 (processo 203/99.9TBVRL.P1.S1, in www.dgsi.pt), respeitante a uma enfermeira que em consequência de um acidente de viação fixou a padecer de uma incapacidade permanente geral fixável em 5%, afigura-se-nos que a valoração e ressarcimento do dano biológico se esgota, in casu, em sede de dano não patrimonial.

Como, de resto, se ponderou na sentença recorrida.

De facto, “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita (…) à sua personalidade física ou moral”

(art.º 70.º n.º 1 do Código Civil).

A Constituição da República Portuguesa proclama que “a integridade moral e física é inviolável” (art.º 25.º n.º 1), que “a todos são reconhecidos os direitos (…) ao desenvolvimento da personalidade…” (art.º 26.º n.º 1), que “todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover” (n.º 1 do art.º 64.º).

O dano biológico, traduzindo uma agressão a interesses constitucional e legalmente protegidos, é ressarcível nos termos e para os efeitos previstos no art.º 496.º do Código Civil, independentemente, pois, das suas consequências económicas.

Consequências económicas que em concreto a A. não alegou nem demonstrou ter sofrido, ou vir a sofrer (para além dos gastos com despesas médicas, que não foram reclamados, na medida em que a R. tem suportado tais despesas).

Passar-se-á, pois, a apreciar a compensação a atribuir à A., a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Segunda questão (danos não patrimoniais)

A lei manda fixar o montante compensatório dos danos não patrimoniais equitativamente, tendo em

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atenção “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso”.

Quanto ao grau de culpabilidade do agente, in casu é qualificável de culpa grave, pois provou-se que a segurada da R. atropelou a A. quando esta passava numa passadeira de peões, com o sinal verde para os peões, tendo a aludida condutora mudado de direção com o sinal amarelo, intermitente, para os veículos (n.ºs 1 a 3 da matéria de facto).

No que concerne à ponderação da situação económica do agente e do lesado, a não discriminação em razão da situação económica (art.º 13.º n.º 2 da CRP), impõe que essa ponderação se limite tão só ou sobretudo a situações de verdadeira desproporção, no sentido lesado rico/lesante pobre, encontrando-se aqui como fundamento o não desperdício de recursos económicos quando o lesado apresenta uma folgada situação económica e o lesante carece de meios (neste sentido, Maria Manuel Veloso, “Danos não patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977”, volume III, FDUC, Coimbra Editora, 2007, páginas 540 a 542). Aliás, no já distante dia 14 de Março de 1975, a Resolução (75) 7 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que exortava os estados membros a levarem em consideração determinados princípios no que concerne à reparação dos danos no caso de lesões corporais e de morte em matéria de responsabilidade extracontratual, defendia que o cálculo da indemnização das lesões corporais deve efetuar-se independentemente da situação económica da vítima.

No fundo, é na análise das “demais circunstâncias do caso” que se encontrarão os reais pontos de referência do montante a arbitrar.

Análise essa em que não se pode ignorar a ponderação feita noutras decisões judiciais, tendo nomeadamente em vista o disposto no art.º 8.º n.º 3 do Código Civil (“nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”).

Assim, em acórdão datado de 30.9.2010 (processo 935/06.7TBPTL.G1.S1), o STJ, relativamente a uma jovem de 17 anos, que em 2003 fora atropelada quando atravessava a via na respetiva passadeira, ficando afetada de uma incapacidade parcial permanente de 20%, sofreu dores quantificáveis em grau 4 numa escala de 1 a 7, ficou com cicatrizes que consubstanciam um dano estético de grau 3, numa escala de 1 a 7, ficou impedida de continuar a praticar desporto, o que lhe causou tristeza, desgosto e frustração, sofreu prejuízo no plano da afirmação pessoal (de grau 2, numa escala de 1 a 5), considerou-se adequado, a título de indemnização por danos não patrimoniais, o montante de € 25 000,00.

Em acórdão datado de 17.3.2011 (processo 2993/08.0TBPVZ.P1), a Relação do Porto, relativamente a uma jovem de 17 anos, que em 2006 fora atropelada quando atravessava a via na respetiva passadeira, ficando afetada de uma incapacidade parcial permanente de 15%, sofreu dores quantificáveis em grau 4 numa escala de 1 a 7, ficou com cicatrizes que consubstanciam um dano estético de grau 4, numa escala de 1 a 7, em virtude do acidente perdeu o ano escolar (10.º ano de escolaridade), considerou-se adequado o montante de € 24 000,00.

Em acórdão da Relação de Coimbra, datado de 06.3.2012 (processo 1679/04.0TBPBL.C1), relativo a um lesado de 44 anos de idade, que em 2002 foi vítima de um acidente ferroviário que o atingiu na perna esquerda, a qual ficou permanentemente afetada com sequelas que determinam ao lesado uma

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incapacidade geral de 30%, sofreu quantum doloris de grau 6 e dano estético de grau 5, fixou-se uma indemnização, por danos não patrimoniais, no valor de € 25 000,00.

A um jovem de 26 anos, que na ocasião do acidente ficou inanimado, sofreu várias fraturas torácicas, esteve internado 12 dias, sofreu um quantum doloris fixável em grau 4 e ainda hoje sente dores, tomando, por vezes, analgésicos para suportar as mesmas, ficou a padecer de uma incapacidade geral permanente de 16%, atribuiu-se uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (STJ, 07.6.2011, 160/2002.P1.S1).

A um estudante de 19 anos, que sofreu fratura do cotovelo, foi sujeito a intervenção cirúrgica, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 3 e ficou afetado de incapacidade permanente parcial de 11,73%, o STJ considerou ajustada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 000,00 (29.6.2011, 345/06.6PTPDL.L1.S1).

A um jovem de 22 anos de idade, que sofreu fraturas graves na perna esquerda, esteve internado ao todo nove meses, foi sujeito a seis intervenções cirúrgicas, sofreu quantum doloris de grau 5, precisou de tratamento psiquiátrico e ainda não atingira o equilíbrio emocional, ficou a sofrer de incapacidade permanente parcial de 15%, futuramente ampliada em mais 10%, o STJ considerou adequada uma indemnização por danos não patrimoniais de € 25 500,00 (01.6.2011, 198/00.8GBCLD.L1.S1).

A uma jovem de 19 anos de idade, que sofreu fratura de ambas as pernas e dos dentes, quantum doloris de grau 5, dano estético de grau 4, prejuízo de afirmação pessoal de grau 2 (no máximo de 5), ficou afetada de incapacidade geral permanente de 17,06%, com tendência para se agravar no futuro, o STJ concedeu uma indemnização no valor de € 45 000,00 (10.10.2012, 632/2001.G1.S1).

A uma jovem com 16 anos de idade, que em 23.11.1999 foi colidida por um veículo ligeiro quando conduzia o seu motociclo, pelo que sofreu fratura exposta na perna esquerda, foi alvo de duas intervenções cirúrgicas, teve de faltar às aulas até ao final do primeiro período (do 11º ano), o que lhe causou problemas de foro psicológico e instabilidade emocional por ser habitualmente assídua e boa aluna, sofreu dores e incómodos decorrentes das intervenções cirúrgicas e das lesões, quantum doloris esse que foi quantificado na perícia médico-legal em grau 4 (no máximo de 7), ficou com três grandes cicatrizes sem recuperação plástica, sendo uma no punho e outra no joelho, dano estético esse que foi quantificado na perícia médico- legal em grau 5 (no máximo de 7), e ficou ainda afetada com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em três pontos, esta mesma Relação atribuiu uma indemnização no montante de € 25 000,00 (06.12.2012, processo 11044/09.T2SNT.L1).

No caso destes autos temos uma jovem de 24 anos, que em 19.10.2002 foi atropelada por um veículo ligeiro quando atravessava a via numa passadeira de peões, tendo sido projetada a alguns metros de distância, sentiu fortes dores na cabeça e na zona lombar, foi assistida de urgência no Hospital de …, tendo sido tratada a feridas contusas na cabeça e efetuado exames radiológicos, permaneceu em casa em repouso de 19 a 27 de Outubro de 2002, nos meses seguintes ao acidente sofreu de insónias causadas pela imagem gravada na memória de ser projetada pelo automóvel, desde a data do acidente e até Junho de 2003 sofreu fortes dores na zona lombar, com caráter persistente, tendo o IML fixado o “quantum doloris” no grau 3, numa escala crescente de 7 valores, fez fisioterapia e natação terapêutica, passou a usar uma cinta de contenção lombar e uma almofada de apoio lombar, no final de 2003 as dores na zona

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lombar intensificaram-se, tendo então um novo exame revelado a existência de um desvio do último elemento coccígeo, as dores na zona lombar e sacro-coccígia manter-se-ão no futuro limitando as tarefas diárias e a atividade normal da A., padecendo em consequência de uma incapacidade permanente geral de 2%, que lhe causa esforços acrescidos para o exercício da atividade profissional, sendo certo que a A. é economista e trabalhou como técnica superior de 2.ª classe no Ministério do Trabalho e Segurança Social. A A. carece de medicação sempre que as dores se intensificam e toma, em situações dolorosas de S.O.S., um medicamento que lhe provoca um estado de sonolência. Antes do acidente a A. praticava com regularidade desporto, particularmente atletismo, o que deixou de fazer, na medida em que deixou de poder efetuar corrida e praticar atividade desportiva intensa. Deixou de poder fazer grandes viagens. Evita carregar objetos pesados, por tal lhe causar dor. A violência do atropelamento causou à A. um trauma psíquico, traduzido em medo de atravessar a via pública, que lhe causa grande ansiedade e angústia, o qual irá provavelmente atenuar-se no tempo. As lesões físicas e psíquicas sofridas em consequência do acidente determinaram para a A um período de incapacidade temporária geral total de 7 dias e uma incapacidade geral temporária parcial de 38 dias.

Comparando o caso da A. com os supra descritos, afigura-se-nos que a indemnização global peticionada pela A., no total de € 100 000,00, é claramente exagerada. A esmagadora maioria dos casos julgados acima referidos espelhava situações mais gravosas do que a da A. (pese embora a forma necessariamente sucinta da descrição desses casos, em contraste com o mais extenso relato do caso da A.) e ainda assim os valores indemnizatórios atribuídos pelos tribunais fixaram-se em montantes inferiores a 50% do aqui reclamado.

De todo o modo, entendemos que o valor arbitrado pelo tribunal a quo é algo miserabilista. Deverá levar-se em consideração que na quase totalidade dos casos supra referidos o tribunal, além da indemnização por danos não patrimoniais, atribuiu indemnização a título de danos patrimoniais, por se ter provado que do dano corporal resultara perda de capacidade de ganho. Ora, no caso dos autos, o dano corporal sofrido pela A. determina uma incapacidade permanente geral de 2%, que lhe causará esforços acrescidos para o exercício da atividade profissional. Tal sacrifício justifica uma especial ponderação, a nível de dano não patrimonial.

Temos, pois, que a A. sofreu um acidente do qual não resultaram sequelas do ponto de vista estético, mas que determinou consequências duradouras do ponto de vista funcional, com incidência relevante sobre atividade que lhe dava muito prazer, que era a prática de desporto, e que deixou de praticar, a que se soma uma incapacidade geral parcial de importância diminuta (2%), mas que afasta a A. de trabalhos pesados e implica esforços acrescidos no exercício da atividade profissional. Acrescem sequelas do ponto de vista psicológico, no que concerne à travessia da via pública, que se mantêm decorridos 10 anos após o acidente, embora tendam a atenuar-se com o tempo. Também deve ser ponderado o sofrimento sentido pela A. aquando do atropelamento, sendo embatida por um veículo e projetada a vários metros de distância. O quantum doloris emergente das lesões foi quantificado em grau 3, numa escala crescente até 7, pelo que é qualificável de moderado. Finalmente, recorde-se que o grau de culpa da lesante é elevado, que o acidente ocorreu já há cerca de 10 anos e que a sinistrada tem ainda uma longa vida pela frente.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ser de atribuir à A., pelos danos não patrimoniais sofridos, o valor global de

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€ 25 000,00, valor esse reportado à presente data, nos termos previstos no art.º 566.º n.º 2, in fine, do Código Civil (cfr. Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (no domínio do Direito Civil)”, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, n.º 19, 2009, pág. 55).”

Jorge Manuel Leitão Leal

Fonte: http://www.dgsi.pt

Referências

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