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Processo 07P2583

Data do documento 12 de setembro de 2007

Relator Raul Borges

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | PENAL

Acórdão

DESCRITORES

Competência do supremo tribunal de justiça > Recurso da matéria de direito > Conclusões da motivação > Âmbito do recurso > Conhecimento oficioso > Vícios do artº 410 cpp > Nulidade da sentença > Motivação > Exame crítico das provas

SUMÁRIO

I - Estando em causa acórdão final proferido por tribunal colectivo visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o STJ.

II - Relativamente a esta questão foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14-03-2007 – Ac.

n.º 8/2007, Proc. n.º 2792/06 - 5.ª (in DR, Série I, de 04/06/2007) – nos termos seguintes: «Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».

III - Como decorre do art. 412.º do CPP, é à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, ou seja, o cerne e o limite de todas de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso estão contidos nas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.

IV - As possibilidades de cognição oficiosa por parte deste Tribunal verificam-se por duas vias: uma primeira, que ocorre por necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, e uma outra, que poderá verificar-se em virtude de nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

V - Definindo os poderes de cognição do STJ, dispõe o art. 434.º do CPP que, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, o recurso interposto para este Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

VI - Diversamente do que ocorria antes de 01-01-1999, em que estava estabelecido um sistema de “revista ampliada”, a partir da reforma introduzida pela Lei 59/98, de 25-08, deixou de ser possível recorrer-se para este Supremo Tribunal com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do referido art. 410.º.

VII - A partir da Reforma de 1998, a incursão do Supremo no plano fáctico da forma restrita consentida pelo

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art. 410.º, n.º 2, do CPP, é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, a pedido do recorrente, ou seja, como fundamento do recurso, mas por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que, por força da existência de qualquer dos vícios, não pode chegar a uma correcta solução de direito, e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios.

VIII - Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19- 10-1995 (in DR, Série I-A, de 28-12-1995, e BMJ 450.º/71), que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

IX - No que concerne a nulidades da sentença ficou claro serem as mesmas cognoscíveis oficiosamente com a introdução, pela Lei 59/98, de 25-08, do n.º 2 do art. 379.º do CPP.

X - A motivação em processo penal é introduzida apenas com o CPP de 1987 (DL 78/87, de 17-02), sendo hoje ponto assente, a partir da Reforma de 1998, entrada em vigor em 01-01-1999, que a fundamentação não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado.

XI - Actualmente não basta uma declaração genérica e tabelar que lesaria as garantias de defesa do arguido, por não assegurar a apreciação pelo tribunal de toda a matéria de acusação e de defesa, proporcionando julgamentos implícitos, subtraídos a qualquer tipo de fiscalização, afrontando as exigências de fundamentação das decisões judiciais – cf. Ac. do TC n.º 288/99 (in DR, Série II, de 22-10-1999). Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional – cf. Ac.

do TC n.º 281/05 (in DR, Série II, de 06-07-2005).

XII - Verificando-se que a fundamentação da convicção do tribunal a quo se mostra parca e enxuta demais para as exigências legais em sede de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, por se traduzir numa declaração genérica, que se restringe praticamente a um mero enunciado das fontes, sem efectuar a necessária análise crítica das provas, de forma a deixar claro o porquê da decisão relativa ao assentamento do acervo factológico fundamentador da decisão final condenatória, nesta parte o acórdão recorrido não cumpriu a injunção legal de fundamentação preconizada no n.º 2 do art. 374.º do CPP, não se vislumbrando qualquer aptidão comunicativa ou compreensividade do decidido, o que conduz à nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, al. a), do CPP.

XIII - O facto de esta nulidade não ter sido arguida pelo recorrente não constitui impedimento ao seu conhecimento, como acontece desde 01-01-1999 (art. 379.º, n.º 2, do CPP).

TEXTO INTEGRAL

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

(Conferência)

No processo comum colectivo nº 310/04.8PARGR do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ribeira Grande foi submetido a julgamento o arguido AA, casado, nascido em 11/03/1961, na freguesia de Ribeira Seca – concelho de Ribeira Grande, filho de BB e de CC, residente na rua Eng.º Arantes e Oliveira, ..., Ribeira Seca, concelho de Ribeira Grande.

Por deliberação do Colectivo do Círculo Judicial de Ponta Delgada foi o arguido condenado:

- como autor de um crime de maus tratos a cônjuge, p. e p. pelo artigo 152º, nº 2, do Código Penal, na pena de dois anos e dois meses de prisão;

- como autor de quatro crimes de maus tratos a menores, filhos do arguido, p. e p. pelo art. 152º, nº 1, alínea a) do mesmo Código, na pena de um ano e seis meses (de prisão) por cada um deles;

- e como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143º, nº 1 , 146º, nº 1 e 132º, nº 2, al. a), todos do Código Penal, na pena de nove meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de quatro anos de prisão.

Inconformado interpôs o arguido recurso dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa, apresentando a motivação de fls. 160 a 176, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição):

1) O Tribunal “a quo” na sua motivação de direito refere “Relativamente aos factos anteriores a Setembro de 1998, porque até então o crime tinha natureza semi-pública, não se considerarão, uma vez que não se mostra nos autos a exigida e atempada queixa”.

2) Em nossa opinião, salvo melhor entendimento, o crime de maus tratos passou a ter natureza pública com a entrada em vigor da Lei nº 7/2000, de 27 de Maio e não em 1998.

3) Assim, o tribunal “a quo” não poderia ter valorado como valorou os factos ocorridos entre Setembro de 1998 até à entrada em vigor da Lei nº 7/2000, de 27 Maio, em virtude da falta da exigida e atempada queixa.

4) Na determinação da pena aplicada ao arguido os factos que mediaram entre Setembro de 1998 e Maio de 2000 foram tidos em conta, mas não deveriam ter sido.

5) Impõe-se assim uma alteração na medida da pena aplicada ao arguido.

6) Face aos factos dados como provados no acórdão, em nosso entender, o arguido não praticou 4 crimes de maus tratos a menores, previstos no art. 152º nº1, al. a) do C.P., quanto muito, terá praticado um único crime de maus tratos a menores na forma continuada.

7) A postura do arguido no seio familiar, bem ou mal, teve sempre uma preocupação de protegê-la contra terceiros, quer seja contra a família da esposa, vizinhas e outros.

8) Resulta dos factos dados como assentes que o arguido impunha-se contra a esposa mas nunca se terá insurgido contra os filhos ou agredido fisicamente estes de uma forma gratuita, fútil.

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9) Quando se insurgiu contra estes, foi motivado por factos relacionados com a mãe (esposa) e no cumprimento de um poder/dever de corrigir, de educar conferido aos pais.

10) A postura do arguido enquadrar-se-ia no poder/dever de corrigir, que é conferido aos pais.

11) A não ser assim, entendemos que o arguido terá praticado um único crime de maus tratos a menores na forma continuada, atendendo ao facto de estarem preenchidos os requisitos previstos no art. 30º, nº2 do C.P.,:

a) A realização plúrima do mesmo tipo de crime, isto é, acções naturalisticamente diferenciadas e subsumíveis em abstracto ao mesmo crime;

b) tais acções hão-de ser essencialmente homogéneas;

c) e, por último, tais acções hão-de se justificar no quadro de uma solicitação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

12) Assim, entendemos que o tribunal “a quo” não procedeu como devia à analise jurídica do art. 152º e 30º do C.P. face aos factos dados como provados.

13) A pena aplicada ao arguido peca por excesso, 4 anos de prisão.

14) Consideramos que à luz do art. 71º, nº1 do C. P., a culpa e a prevenção são critérios gerais ou princípios regulativos da medida da pena. A distinção entre a culpa e prevenção é a chave para a compreensão da doutrina da medida da pena.

15) De acordo com a orientação perfilhada pelo Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal II, Parte Geral, As Consequências do Crime, Lições, Coimbra 1998, pp 265-266, e também por nós perfilhada, as finalidades da aplicação da pena reside na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na comunidade. Em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (ibid. pág. 279).

16) A pena deve pois servir a reintegração do agente na comunidade e evitar a quebra da sua inserção social, só deste modo e por esta via se alcançará uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos (ibid.

285).

17) A reintegração começa desde logo com a aplicação da sanção.

18) A sanção aplicada ao arguido tem consequências desde logo ao nível da relação entre condenado, comunidade e família e se o julgador não for equilibrado na pena aplicada, esta já de si com eficácia relativa tem um efeito contraproducente.

19) A pena é com certeza necessária mas há que ter em conta as consequências da prisão.

20) Pela pena concreta aplicada ao arguido ficaríamos com a ideia que o arguido é um “grande criminoso”.

21) A aplicação de tal pena de prisão acarretará para o arguido, um selo, marca para o resto da sua vida.

22) Em nosso entender, deveria ter sido aplicada uma pena de prisão, suspensa na sua execução.

23) A suspensão da execução da pena é uma medida de conteúdo pedagógico e reeducativa, devendo ser decretado quanto se concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e das demais circunstâncias devidas do art. 50º do C.P., que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o delinquente da criminalidade e satisfaz as necessidades de reprovação do crime

“Acórdão S.T.J., BM 359, pág. 358”.

24) A não ser assim, está a atirar-se um indivíduo para um estabelecimento prisional, onde terá que permanecer, na melhor das hipóteses, durante 4 anos, estabelecimentos onde faltam respostas e meios

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para fazer face a todos os problemas que surgem a uma pessoa que ali entra pela primeira vez.

25) O tribunal a “quo” não fez a valoração adequada de todas as circunstâncias atenuantes que depõem a favor da arguida e que deve presidir para efeitos de determinação da medida concreta da pena (art. 71º e 72º do C.P.).

26) O arguido vive actualmente uma experiência amarga e completamente inapagável.

27) É certo que devemos lutar contra o crime de maus tratos a cônjuge e menores, mas nunca devemos esquecer ou menosprezar os direitos humanos.

28) Pergunta-se se a privação da liberdade é o único meio adequado de estabilização contrafáctica das suas expectativas, abaladas pelo crime, na vigência da norma violada, podendo ao mesmo tempo servir de socialização do transgressor. Entendemos que não.

29) Resultará para o arguido uma forçosa dessocialização derivada do corte de relações profissionais do arguido, do efeito da infâmia social que inevitavelmente se liga à entrada na prisão e ainda, por vezes, da inserção daquele na subcultura prisional, em si mesma criminógenea.

30) O arguido encontra-se separado de facto da esposa e dos seus filhos desde 2004, não mantendo com estes quaisquer contactos desde então.

31) A medida de coacção aplicada ao arguido ao longo do processo, iniciado em 2004, não fazia prever que ao arguido fosse aplicada uma pena de prisão efectiva.

32) É certo que as medidas de coação deverão ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionar-lhes à gravidade do crime que previsivelmente venham a ser aplicadas, conforme resulta do art. 193º nº1 do C.P.P.

33) O Tribunal “a quo” não estava obrigado a ter em conta na aplicação da pena ao arguido de tal artigo.

34) Contudo, o Ministério Público e o Juiz de Instrução Criminal, ao não requererem e ao não terem aplicado a medida de coação de obrigação de permanência na habitação ou de prisão preventiva, demonstraram ao longo do processo que não estaríamos perante um arguido (criminoso perigoso/violento) tão violento como o descrito no acórdão, tendo inclusive depositado confiança no arguido que não seria aplicada uma pena de prisão efectiva.

35) O arguido ao longo dos últimos dois anos não praticou qualquer ilícito contra sua esposa e seus filhos menores, manteve assim uma boa conduta, que não foi valorada pelo tribunal “a quo”.

36) O arguido encontra-se a trabalhar, está inserido no seu meio.

37) Assim sendo, entendemos que o tribunal “a quo” violou o art. 40º; 70º; 71º e 72º do C.P.

38) O tribunal “a quo” valorou os antecedentes criminais do arguido, bagatelas penais, que nada tem a haver com o enquadramento jurídico no caso sub júdice.

39) O tribunal “a quo” não procedeu a uma perícia sobre a personalidade, perigosidade e grau de socialização, atendendo à personalidade do arguido, que se impunha.

No provimento do recurso pede a revogação da pena de prisão de quatro anos e a sua substituição por outra que consagre o regime jurídico da suspensão da execução da pena, ou atenuando-se especialmente a pena, aproximando-se do mínimo previsto na lei.

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O Magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou a resposta de fls. 184 a 192, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Tribunal da Relação de Lisboa para onde fora endereçado o recurso, em conferência, deliberou declarar a incompetência própria em razão da matéria, ordenando a remessa dos autos para este Supremo Tribunal - fls.198/206.

Neste Supremo Tribunal o Exmo Procurador-Geral Adjunto opinou no sentido de os autos prosseguirem, fixando-se dia para julgamento.

Entendeu-se ocorrerem circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso, levando-se os autos à conferência.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

Com o presente recurso pretende o recorrente o reexame da matéria de direito, impugnando o decidido na primeira instância tão só no que tange à dosimetria da pena, pretendendo a redução da pena cominada de modo a poder aplicar-se a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, ou a atenuação especial da pena.

Como se viu, o recorrente optou por recorrer para a Relação de Lisboa, que se veio a declarar incompetente em razão da matéria.

Estando em causa acórdão final proferido por tribunal colectivo visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça.

Relativamente a esta questão foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 - Acórdão nº 8/2007, Processo nº 2792/06-5ª, in DR, I Série, de 04/06/2007 – nos termos seguintes: «Do disposto nos artigos 427º e 432º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».

Como decorre do artigo 412º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, em que resume as razões do pedido, que se define o âmbito do recurso.

É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, ou seja, o cerne e o limite de todas de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso estão contidos nas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de cognição oficiosa por parte deste Tribunal verificam-se por duas vias.

Uma primeira, que ocorre por necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP.

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Uma outra que poderá verificar-se em virtude de nulidade da decisão, nos termos do artigo 379º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Definindo os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, dispõe o artigo 434º do CPP, que, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para este Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

Diversamente do que ocorria antes de 01-01-1999 em que estava estabelecido um sistema de “revista ampliada”, a partir da reforma da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, deixou de ser possível recorrer-se para este Supremo Tribunal com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do nº 2 do referido art. 410º.

Dantes eram conferidos ao STJ poderes de intromissão em aspectos fácticos, mesmo nos casos em que a cognição se restringia a matéria de direito, embora de forma mitigada, já que o reexame da matéria fáctica apenas poderia ter lugar através da análise do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e podendo o recorrente invocar como fundamento do recurso os vícios referidos.

A partir da reforma de 1998 a incursão do Supremo no plano fáctico da forma restrita consentida pelo art.

410º, nº 2, do CPP, é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, a pedido do recorrente, ou seja, como fundamento do recurso, mas por iniciativa própria, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios - cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 17-01-2001, de 25-01-2001, de 22-03-2001, in CJSTJ 2001, Tomo 1, págs. 210, 222 e 257, de 04-10-2001, CJSTJ 2001, Tomo 3, pág.182 (aqui se esclarecendo que o Tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa decisão de facto”), de 24- 03-2003, in CJSTJ 2003, Tomo 1, pág. 236, de 27-05-2004, in CJSTJ 2004, Tomo 2, pág. 209, de 30-03-2005 no processo 136/05 - 3ª, de 03-05-2006, nos processos 557/06 e 1047/06, ambos da 3ª secção, de 20-12- 2006, in CJSTJ 2006, Tomo 3, pág. 248, de 04-01-2007 no processo 2675/06-3ª, de 08-02-2007, no processo 159/07-5ª, de 15-02-2007, nos processos 15/07 e 513/07, ambos da 5ª secção, de 21-02-2007 no processo 260/07-3ª, de 02-05-2007, nos processos 1017/07, 1029/07 e 1238/07, todos da 3ª secção e ainda Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, 2º edição, II volume, p. 967, onde se pondera:

“O considerar-se que não podem invocar-se os vícios do nº 2 do art. 410º como fundamento do recurso directo para o STJ de decisão final do tribunal colectivo, não significa que este Supremo Tribunal não os possa conhecer oficiosamente, como ocorre no processo civil, e é jurisprudência fixada pelo STJ (…)”.

Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ, de 19/10/1995, in DR-I Série-A, de 28/12/1995 e BMJ 450,71 (Acórdão 7/95), que no âmbito do sistema de revista alargada decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.

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No que concerne a nulidades da sentença ficou claro serem as mesmas cognoscíveis oficiosamente com a introdução, pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, do nº 2 do artigo 379º do Código de Processo Penal.

Vejamos o quadro factual apurado.

O tribunal «a quo» fixou a matéria de facto provada e não provada e expôs a motivação respectiva do modo seguinte:

Factos provados

(Segue-se o texto do acórdão, tal como se encontra, incluindo-se aqui o trecho que neste segmento foi aditado em entrelinha de forma manuscrita a fls 3 da peça, sendo notório que o mesmo não terá sido revisto, nos termos do artigo 94º, nº 2, do Código de Processo Penal).

a) O arguido casou-se com DD no dia 25 de Julho de 1981.

Do casal, nasceram:

- EE, em 1 de Março de 1982;

- FF, em 4 de Abril de 1983;

- GG, em 11 de Julho de 1985;

- HH, em 12 de Dezembro de 1987 - II, em 8 de Agosto de 1992;

- JJ, em 15 de Outubro de 1999;

- KK, em 15 de Outubro de 1999.

Desde os primeiros tempos do casamento, AA quis a esposa e, mais tarde, os filhos, sujeitos à sua inteira vontade, em termos de ser ele a tomar decisões que a cada um respeitasse e de ser feito aquilo que ele quisesse ou o que tivesse a sua aprovação.

Essa atitude e os comportamentos de que fez uso para conseguir o que pretendia mantiveram-se até meados de 2004, quando os filhos mais velhos e, depois, a esposa, ganharam coragem para abandonar a casa.

AA, para se impor, usava sempre o cenho carregado, tom de voz ríspido, de comando, elevava a voz para o berro quando contrariado ou para quebrar propósitos de resistência e para ser obedecido sem objecções.

Enfurecia-se diante de objecções e de contrariedades e, nesse estado, umas vezes fazia menção de bater com os punhos ou com objectos que tivesse na mão; outras, desferia bofetadas, murros e pontapés, na esposa, empurrava-a e apertava-lhe o pescoço;

A par disso, incutia-lhe medo com o que pudesse fazer, usando expressões como “qualquer dia mato-te”,

“mato-te a ti e à tua família”, “não prestas para nada”, e tratava-a por “puta”, “cabra” e estendia os insultos à família dela dizendo “és como as tua irmãs”.

E tudo fazia, indiferente à presença dos filhos, ao medo e desassossego que lhes provocava.

DD, quando podia, fugia para o quarto dos filhos, mas ele perseguia-a e exigia que lhe fosse aberta a porta.

Em outras ocasiões, se se apercebesse de que ela se preparava para se refugiar nos quartos, ordenava-lhe

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que ficasse diante de si. Ela obedecia porque a perspectiva de agressões como as referidas a deixavam sem coragem de procurar socorro, apesar de saber que, afinal, sofreria agressões como as já indicadas.

O comportamento de AA agravou-se a partir de data que não é possível especificar, mas cerca do ano de 1995, pelo facto de se ter indisposto com a mãe e os irmãos, por causa de partilhas, tendo passado a ingerir bebidas alcoólicas em maior abundância do que anteriormente fazia, particularmente aos fins de semana.

Por outro lado, é seguro que, ao longo dos anos e até ao momento da ruptura referido, não havia semana em que não se passasse, dois ou mais episódios como os indicados.

Não é possível especificar o número de vezes em que teve tais comportamentos, sendo certo que aconteciam, pelo menos, aos fins-de-semana e que a família vivia em permanente tensão, ansiedade e medo pelo que o arguido pudesse fazer e pela forma como se poderia comportar em casa.

Logo pouco tempo depois do casamento o arguido proibiu a sua mulher de visitar a mãe e as irmãs ou, mesmo, de falar com elas, proibição que manteve durante a vida de casados, com uma interrupção que vai adiante referida.

Por força da incompatibilidade em que caiu com os seus próprios irmãos e mãe, por causa de partilhas, por volta de 1995, estendeu a proibição de DD falar também a eles, mantendo-a perpetuamente.

E essa animosidade levava-o a ter conversas constantes sobre as partilhas e a tomar como oposição a si, qualquer observação que a mulher fizesse, a exaltar-se quando tal acontecia e, aos gritos, obrigá-la a calar- se.

DD passou a, simplesmente, ouvi-lo sem nada comentar, com medo de que ele, sob a exaltação lhe pudesse bater pela forma indicada, calando-se e procurando passar despercebida.

Proibiu DD de sair sem ser na sua companhia, fosse para ir ao médico, por si ou pelos filhos, para comprar vestuário ou mercearias, para obter o bilhete de identidade, por outras razões da vida corrente, e argumentava, “tu não precisas de sair. Eu ponho-te tudo em casa”.

Nem sequer consentia que ela acorresse às convocatórias que a escola fizesse a propósito do aproveitamento dos filhos, porque tinha que ser ele, sempre, a fazê-lo.

Não confiava o dinheiro do casal à esposa e era ele quem, em exclusivo, fazia as compras necessárias ao sustento da família.

Igualmente a proibiu de usar ou de atender o telefone que havia em casa, com a promessa de que, se não obedecesse, lhe amarraria as mãos, quando, no ano de 2002, soube que uma irmã dela, residente no Canadá, a contactava, ocasionalmente.

DD passou a estar em permanente sobressalto por temer que a irmã lhe telefonasse com ele em casa ou que fosse surpreendida a atender o telefone. Por isso, acabou por proibir a irmã de lhe telefonar.

Do mesmo modo, foi proibida de visitar as vizinhas ou de conversar com elas, mesmo que fosse de porta para porta.

Sabendo destas proibições e do modo como o arguido era, as vizinhas evitavam falar com DD para a poupar às discussões e pancadas do marido e, se a saudavam, era com meros gestos.

Estas proibições nasceram logo após o casamento e estiveram pendentes ao longo de toda a convivência conjugal.

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DD acatava-as porque sabia que a desobediência teria como consequência episódios de fúria e, no decorrer deles, agressões à bofetada, ao pontapé, puxões de cabelo, empurrões e outras similares, e a quebra de objectos da casa.

Deste modo, DD passou a vida fechada em casa, sem outra convivência que não fosse a dos filhos e a do marido.

Apenas aquando do nascimento dos gémeos KK e JJ, em 15 de Outubro de 1999, é que se verificou uma pausa, relativamente à mãe dela porque o arguido lhe deu a notícia do nascimento e a convidou a visitar DD.

Até essa data, nem ela tinha visitado a mãe ou as irmãs, nem estas a tinham visitado, razão por que os filhos não tinham qualquer convivência com os familiares do lado materno, quase não os conhecendo, apesar de viverem na mesma freguesia.

A mãe visitou-a no hospital e, de quando em vez, visitou-a em casa. Porém, ao fim de, não mais do que dois meses, pôs termo às visitas, porque o arguido, para a afastar, lhe atribuiu o desaparecimento de uns papéis a que só ele tinha acesso e porque manifestava desagrado pela sua presença e demonstrava que não a queria em casa.

Como se referiu, o mesmo domínio que queria ter sobre a mulher, queria tê-lo sobre os filhos.

Queria-os, permanentemente, em casa, proibia-os de brincar na rua, de visitar amigos ou de os receber e não tinha conversas, nem brincadeiras, com eles.

Raramente lhes batia porque as crianças, pelo medo que ele lhes causavam e pelas agressões que viam praticar na mãe, o temiam e não tinham coragem de fazer outra coisa que não o que o pai queria ou aquilo que pensavam que ele queria.

Evitavam o contacto com o pai, e refugiavam-se nos respectivos quartos e não se atreviam a pedir-lhe o que quer que fosse.

A filha GG, no ano de 2004, devendo comparecer a entrevista para concorrer a um emprego, perdeu a oportunidade porque não teve coragem de dizer ao pai que se ia candidatar e porque a mãe, assumindo o compromisso de o fazer, também não ganhou a coragem necessária a tanto;

Aliás, a GG tinha sido retirada da escola pelo pai, por na opinião deste ela andar mal encaminhada com as amigas da escola, passando a ficar permanentemente em casa.

Do mesmo modo, depois dos rogos de uma professora da FF para a deixar ingressar na universidade, manteve-a suspensa quanto à entrada e, depois, com o argumento de que não queria que ela lhe aparecesse grávida.

Também relativamente ao HH, queria destinar-lhe os trabalhos em que se deveria empregar, sem considerar a opinião dele.

No entanto, recebia, do EE e da FF 250,00 € mensais do que ganhavam com os respectivos trabalhos.

Exceptuados o EE, a FF e o HH, nenhum dos filhos tinha qualquer fonte de rendimentos, vivendo com o que os pais lhes prestavam, fosse no que toca a alimentação ou vestuário, fosse no que toca à satisfação de qualquer outra necessidade da vida corrente.

Exceptuados os que vão, de seguida referidos, não é possível individualizar episódios demonstrativos do moço como agia o arguido, mas pode-se dizer que eles se verificavam mais do que uma vez por semana.

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No ano de 2004, os filhos mais velhos, que já eram adultos, não puderam suportar mais o pai e gradualmente, foram ganhando coragem para o enfrentar.

DD, pelo seu lado, animada pelo exemplo dos filhos, também sentiu que se poderia libertar do arguido.

No dia 29 de Junho de 2004, pela primeira vez que a família se lembrasse, consentiu que a FF, II e HH fossem ver as festas populares da localidade ode moravam.

Eles saíram pelas 21h, mas pelas 22h, já ele ia à porta, resmungava que já deviam estar em casa, e exaltava-se com DD por os filhos terem saído e não terem voltado.

No dia seguinte, com a família em casa, manteve-se indisposto por todo o dia, não saiu e ficou a beber.

Ao começo da tarde, foi à geleira e anunciou que faltava uma cerveja e que a queria de volta, que teria que aparecer, que reviraria a casa até a encontrar, que ninguém saía de casa sem ela aparecer.

O HH, que estava à mesa, retirou-se para o quarto sem comer e lacrimejando por causa do que se passava.

DD também quis retirar-se para o seu quarto, mas ele barrou-lhe o caminho e disse-lhe que ela não saía dali.

DD, chorando, gritou como pode e os filhos EE e HH acorreram e o EE agarrou o pai e encostou-o à parede.

AA insurgiu-se contra o filho, que era pai dele, que não lhe admitia e mandou-o para a rua.

DD sentiu dores e sufocação e gritou como pode

O filho EE acorreu, segurou o pai e encostou-o à parede.

AA berrou-lhe que era pai deles, que não admitia que lhe fizesse frente e mandou-o sair de casa.

O filho respondeu-lhe que sairia e foi para o quarto preparar a roupa.

AA foi atrás dele, continuou a repreendê-lo e garantiu-lhe que se saísse, nunca mais entraria em casa.

Na ocasião, o outro filho, HH, interveio a dizer que se o EE saía, também ele se ia embora.

Respondeu-lhe AA com duas bofetadas na cara e com a promessa de que o matava.

O HH encaminhou-se para a porta, abriu-a e convidou o pai a repetir o que dissera e em termos de ser ouvido pelos vizinhos.

Apercebendo-se de que o EE ia sair de casa, também as filhas se encaminharam para os quartos, a preparar roupa para, também elas saírem de casa, porque tinham medo de que, na ausência do EE, as agressões e insultos do pai aumentassem.

Num momento em que toda a família estava no corredor, AA empurrou-a para a rua, trancou portas e janelas e ficou em casa sozinho.

Devido à força de todos estes acontecimentos, DD desfaleceu e foi necessário chamar a ambulância e a PSP.

Toda a família se recolheu em casa da mãe de DD.

Logo no dia seguinte ele telefonou a fazer a promessa de que tudo ia mudar entre eles e pediu-lhe que regressasse.

Devido a essas promessas e ao facto de a casa de acolhimento ser acanhada para tanta gente, DD e os filhos acabaram por regressar.

Durante cerca de uma semana, a convivência não teve atritos. Porém, passada ela, AA foi buscar o episódio, falando no comportamento do EE e atribuindo-lhe danos numa porta.

Como DD lhe referisse que quem tinha ido para a porta fora o HH, ele censurou-a com a alegação de que

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procurava responsabilizar a este, que era menor, para livrar o EE, mas que o ia por fora de casa, mais à FF.

Os filhos ouviram esta conversa e, junto de DD, manifestaram o medo de que se voltasse à antiga vivência em casa.

Em finais de Julho, AA foi contactado pela Segurança Social, a propósito do Rendimento Mínimo Garantido.

Ficou sabendo que lhe era cortado esse rendimento, a responsabilizá-la por esse facto, alegando que ela o tinha denunciado e, chegado a casa, manteve a discussão.

Os filhos EE e HH, futurando que a discussão ia continuar e temendo que ele batesse na mãe, já não quiseram ir trabalhar.

Porém, o EE teve que se ausentar, mas telefonou à FF para que abandonasse o trabalho para auxiliar a mãe, em caso desnecessidade.

Quando a FF chegou, ainda continuava a discussão e ela defendeu a mãe, negando que ela tivesse feito a denúncia.

AA irritou-se com ar contrariedade e desferiu uma bofetada no rosto de FF, mandou-a calar-se, que quem mandava em casa era ele e foi buscar uma vassoura para se servir dela para agredir.

O HH, para o desviar da irmã, abriu a porta e desfiou-o a bater nele.

AA foi em sua perseguição, mas sem o apanhar e quando regressou, encontrou DD e os filhos na rua.

Aproveitou, ele, a oportunidade para dizer que quem estava na rua não entrava mais.

Mas querendo que DD ficasse, segurou-a pelos braços e puxou-a para dentro.

Ela acabou por também entrar, porque os dois filhos mais novos também tinham sido levados para dentro.

Os demais filhos foram acolher-se a casa da avó materna e, depois de conseguirem local para onde ir, foram viver para outra casa.

Para encontrar os filhos, ele percorreu diversos locais, mas sem resultado, o que levou os filhos a pedir auxílio à PSP pelo medo que tinham do mal que ele lhes pudesse vir a fazer.

O insucesso das suas procuras enfureciam-no e atribuía toda a culpa à FF, chamava-lhe “puta” e dizia que andava pelos apartamentos a ter encontros com homens.

A II, dias depois, quis regressar para junto da mãe e ele procurou saber dela o endereço dos irmãos.

A II indicou a casa da avó como sendo essa morada, coisa que ele veio a verificar não ser verdade.

Como a II contactava com eles por um telemóvel, AA quando se apercebeu disso tirou-lho, no dia 14 de Agosto de 2004, não mais o tendo devolvido.

No dia 15 de Agosto de 2004, pela manhã, ele saiu e regressou com carne para o almoço e mandou a DD prepará-la.

Enquanto ela o fazia, ele andava à sua volta, a responsabilizar a FF por os filhos não estarem em casa, e referia-se-lhe como “aquela puta” “aquela cabra”, “aquela nojenta”, que andava pelos apartamentos dos homens

DD não lhe respondia com medo de defender os filhos e, acabada a tarefa retirou-se para o quarto.

Algum tempo depois, ele vai ter com ela e insiste na conversa, acrescentando, agora, que ia arrastar o HH para a droga e as irmãs para a prostituição.

Ela levantou-se para se afastar e não o ouvir, mas ele segurou-a pelos braços e lançou-a para cima da cama e passou-lhe a mão tensa pela cara, a dar sinal de que poderia bater-lhe.

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Temendo que ele lhe batesse, DD gritou.

A II também teve medo de que o pai voltasse a bater na mãe e, por isso, pegou nos dois irmãos mais novos e fugiu com eles para casa de uma vizinha.

Entretanto ele veio para o exterior da casa e DD quis aproveitar o facto de a porta estar aberta para, também ela, fugir de casa, mas ele segurou-a, puxou-a para dentro e fechou a porta.

AA também deu pela falta dos filhos e saiu para os chamar.

A II assomou à porta da vizinha, mas recusou-se a regressar a casa.

DD aproveitou a ocasião e, também ela, deu uma corrida e acolheu-se na casa da vizinha.

Com a tensão nervosa, perdeu os sentidos e foi necessário levá-la ao Centro de Saúde.

À saída, ele esperava-a para a levar para casa, mas ela só conseguiu fazer valer a recusa porque a PSP lhe garantiu que não teria que ir, se não quisesse.

Deste modo, acolheu-se, ela em casa da mãe e, mais tarde, ao Centro de Apoio à Mulher, em Ponta Delgada.

AA, para forçar DD a regressar a casa, procurou a II na escola para que lhe dissesse onde ela estava.

A II recusou-se a dizer-lho e ele, na frente dos colegas, disse-lhe que estava “bem ensaiada” e chamou-lhe

“puta” e “cabra”.

Tudo quanto fica descrito provocava, directa e necessariamente, em DD dores físicas nos locais atingidos pelas pancadas; sentimentos de desespero e de impotência pelo que era feito e dito, relativamente a si e aos filhos; de pânico diante das agressões ou das simples perspectivas de agressões; de insegurança quanto aos comportamentos a adoptar para evitar o desagrado do arguido e, com isso, discussões e agressões; de incapacidade de escapar ao domínio do marido; tensão permanente e sentimentos similares.

Iguais efeitos provocava nos filhos menores pelo que viam fazer à mãe, pela forma como cada um via serem tratados os irmãos, como se viam sujeitados à vontade do pai, sem poderem fazer escolhas ou ter opções próprias e, enfim, por sentirem sempre a sujeição à vontade do pai.

AA sabia que a sua actuação tinha tais efeitos, e, apesar disso, a sua actuação foi sempre livre e com consciência do que fazia e querendo provocá-los, sabendo, também, que tinha actividade que a lei penal proíbe e pune.

b) No dia 29 de Junho de 2004 DD, na sequência dos factos acima descritos, foi atendida no Centro de Saúde da Ribeira Grande, importando a assistência que lhe foi prestada em 14,96 €.

c) No dia 28 de Março de 2005, cerca das 9h e 30m, quando passava pela Rua de Nª Srª da Conceição, em Ribeira Grande, AA deparou com a filha FF a transitar pelo mesmo passeio.

FF tentou evitar o contacto e mudou de passeio.

Ele apercebeu-se do gesto da filha e deu uma corrida para a apanhar.

Ela, pelo seu lado, também em corrida, procurou escapar-lhe.

Quando a teve ao seu alcance, AA, desferiu-lhe pontapés que a atingiram nas costas, derrubando-a e, com ela no solo, desferiu-lhe bofetadas na cara e na nuca e pontapés nas costas.

A par das pancadas, AA ia dizendo: “tu és a culpada de tudo”; “tu és culpada de a tua mãe se ter separado de mim”; “és uma puta”; “és uma cabra”.

De tudo, apenas resultaram dores nas zonas atingidas pelas pancadas, e a vergonha de se ver agredida e

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injuriada em público.

Também aqui, actuou de modo livre e consciente, com a intenção de em todas as ocasiões fazer prevalecer a sua vontade.

d) O arguido nasceu no dia 11/3/1961, é casado e até finais de Julho de 2004 vivia em casa própria com a sua mulher e os seus 7 filhos. Tem a profissão de carpinteiro, que exerce por conta própria. Já foi anteriormente condenado em Juízo, por ameaças e dano, em Abril de 2001, em pena de multa, que cumpriu; e em Abril de 2004 (por factos de Julho de 2003), por ofensa à integridade física, também em pena de multa que já cumpriu.

Factos não provados

Não ficou provado que:

Que o arguido tenha retirado a GG da escola porque ela andasse a namoriscar um colega.

Que em certo momento se incompatibilizou com o EE porque queria que ele largasse o trabalho onde estava havia três anos, para passar a trabalhar como carpinteiro, coisa que ele não aceitou.

Que no dia 26 de Junho de 2004, na sequência de mais uma das discussões que ele encetara, veio a desferir sobre DD bofetadas e murros, atingindo-a na cabeça e provocando-lhe escoriações, episódio que deu lugar a intervenção da PSP.

Que no dia 30 de Junho de 2004, quando não permitiu que a sua mulher fosse para o quarto, que a tenha segurado pelo pescoço e lho tenha apertado.

Motivação da decisão de facto

O arguido entendeu não prestar declarações relativamente à matéria de que vinha acusado, limitando-se a lamentar o facto de estar há quase dois anos a viver sozinho, sem a sua família e a afirmar que todo este processo não é mais do que uma trama, montada pela sua filha FF, para conseguir o divórcio da sua mãe e conseguir ir para a universidade!

Com excepção de alguns pormenores que estiveram na origem de algumas precisões de redacção e dos escassos factos que se não provaram, a factologia constante da acusação logrou provar-se através dos depoimentos completos, lógicos, coincidentes no essencial e por isso credíveis prestados por DD (ofendida, mulher do arguido), EE (filho do arguido), FF (ofendida e filha do arguido) e LL (funcionária do município da Ribeira Grande que atendeu FF no dia 28 de Março, logo após a agressão de que esta foi vítima), conjugados com os documentos de fls. 53/57, 92 e 98 (certidões dos assentos de casamento e de nascimento). O facto relevante alegado no pedido civil logrou provar-se a partir da factura apresentada (fls.

100), conjugada com a prova feita a propósito da acusação no sentido de a ofendida DD ter sido conduzida ao Centro de Saúde no dia em referência.

Os relatos testemunhais, provenientes de quem tem um envolvimento nos factos e poderem por isso ser parciais, têm a marca de quem os conhece directamente, sendo que a imediação afasta qualquer dúvida de credibilidade que pudesse ser suscitada (e não o foi por nenhum dos intervenientes). Tudo quanto se

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acrescente estará, por isso, a mais.

Os factos não provados decorrem da circunstância de quanto a eles se não ter produzido qualquer prova que confirmasse a sua verificação, tendo sido contrariados pelos relatos referidos.

Já a factualidade relativa às condições pessoais do arguido firmam-se nas suas próprias declarações, feitas em audiência (nesta parte o arguido dispôs-se a produzi-las) e no teor do seu certificado de registo criminal (fls. 118/119).

Os documentos referidos constam dos autos. E as declarações do arguido e os depoimentos testemunhais foram gravados em registo áudio, constando nas cassetes nas rotações indicadas na acta.

Nulidade do acórdão recorrido

Lido o acórdão em apreciação constata-se que o mesmo enferma de nulidade por feridência do disposto no artigo 374º, nº 2 do CPP, no segmento em que impõe o exame crítico das provas que serviram a formação da convicção.

Dispõe o artigo 374º nº 2 do CPP na redacção actual dada pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto:

«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Da fundamentação das decisões judiciais

O legislador constituinte em 1976 a este específico respeito omitiu qualquer referência.

A consagração na Lei Fundamental do dever de fundamentação das decisões judiciais veio a verificar-se com a primeira revisão constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30/09, prescrevendo então o nº 1 do artigo 210º que «As decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei», redacção que se manteve no nº 1 do artigo 208º na revisão da Lei Constitucional nº 1/89, de 08/07, bem como na revisão da Lei Constitucional nº 1/92, de 25/11, sofrendo alteração na 4ª revisão constitucional – Lei Constitucional nº 1/97, de 20/09 – passando então a dispor o nº 1 do artigo 205º que

«As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

A propósito desta alteração pode ler-se no acórdão nº 680/98 do Tribunal Constitucional, processo nº 456/95, de 02/12/98, in DR, II série, de 05/03/1999: “A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas «nos termos previstos na lei» para o serem «na forma prevista na lei». A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação”.

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Vejamos qual o regime que vigorava antes desta consagração constitucional.

No plano da lei ordinária, quer a lei adjectiva penal - Código de Processo Penal de 1929 – quer a lei processual civil – Código de Processo Civil de 1939 – não admitiam a indicação dos fundamentos da decisão sobre matéria de prova.

No processo civil veio a ser introduzida a especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador no CPC de 1961.

O nº 2 do artigo 653º do CPC, após a reforma operada pelo Decreto - Lei 44129, de 28-12-1961, passou a dizer: «A matéria de facto é decidida por meio de acórdão: de entre os factos quesitados, o acórdão declarará quais o tribunal julga ou não julga provados e, quanto àqueles, especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador».

Passou então a exigir-se a fundamentação das respostas em matéria de facto, mas apenas em relação aos factos considerados como provados, esclarecendo o art. 712º, nº 3 como a fundamentação era feita - as respostas aos quesitos deveriam conter, como fundamentação, a menção pelo menos dos meios concretos de prova em que se houvesse fundado a convicção dos julgadores.

Diverso era o regime no processo penal.

Na sua versão originária dispunha o artigo 469º do CPP de 1929: «O tribunal colectivo julga de facto, definitivamente, segundo a sua consciência, com plena liberdade de apreciação, e de direito, com recurso para a respectiva relação» e após a redacção que lhe foi dada pelo Decreto 20147 de 01-08-1931 passou a dizer que «O tribunal colectivo responderá especificadamente a cada um dos quesitos, assinado todos os vogais, sem qualquer declaração».

Então em processo de querela funcionava o sistema de questionário previsto nos artigos 446º, 468º e 469º, segundo o qual havia que formular quesitos sobre os factos e suas circunstâncias, alegados pela acusação ou defesa, ou que resultassem da discussão da causa.

Diversamente do que acontecia, como vimos, no processo civil desde 1961, em processo penal as respostas aos quesitos não eram fundamentadas em virtude do referido art. 469º.

Pese embora alguma doutrina (Eduardo Correia, «Les preuves en droit penal portugais», Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XIV (1967), pp.1 e ss., Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, p. 54 e Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, vol. 1º, p. 206, sustentando que “na produção da prova em processo penal nada desaconselha, bem ao contrário, a exigência de motivação”) tenha sustentado a aplicação subsidiária do art. 653º do CPC, tal posição não teve acolhimento na jurisprudência, defendendo- se que não era necessária ou até mesmo proibida - cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07-05- 1963, de 21-05-1969, de 29-02-1984 e de 29-10-1986, in BMJ 128, 187, 334 e 360, a pág. 378, 59, 359 e 494 e Maia Gonçalves no BMJ 129, p. 348 e Código de Processo Penal, 4ª edição, Almedina, pág. 559.

O Tribunal Constitucional pronunciou-se várias vezes pela não inconstitucionalidade do art. 469º do CPP de 1929 - acórdãos nº 55/85, de 25/03, DR. II de 28/05/1985, nº 61/88, de 09/05/1988, DR.II de 20/08/1988 (e BMJ 375,138), nº 207/88, de 12/10/88, DR.II de 03/01/1989 (e BMJ 380,158), nº 304/88, de 14/12/1988, DR.II de 11/04/1989 e nº 219/89 de 15/02/1989, DR.II de 30/06/1989 (e BMJ 384, 265).

Esta abordagem foi feita em paralelo e a propósito de toda a querela que envolveu a questão dos poderes

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de cognição da Relação nos recursos interpostos das decisões condenatórias dos tribunais colectivos criminais face à disposição do artigo 665º do CPP de 1929 (na versão dada pelo Decreto com força de lei nº 20147, de 01-08-1931 e na sobreposição interpretativa do assento de 29-06-1934, in Diário do Governo, I Série, de 11-07-1934 e antes, pois, da recriação/reformulação da norma levada a efeito pelos acórdãos do STJ de 18 de Dezembro de 1991 e de 22 de Janeiro de 1992), que veio a ser declarado inconstitucional com força obrigatória geral, na interpretação dada pelo assento de 29-06-1934, pelo acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/91, de 30/10, in DR-I Série A, de 08/01/1992 e BMJ 410, 236 (a propósito de toda esta questão acerca do art. 665º do CPP de 1929, que tinha a ver com o princípio do duplo grau de jurisdição em processo penal, cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional 219/89, 124/90, 340/90, 401/91, 190/94, 430/94, 184/96, 420/96, 264/98 e 291/98).

Já em 2000, o acórdão nº 13/2000 de 11 de Janeiro, in DR. II Série de 15/11/2000 e o acórdão nº 251/2000 de 12 de Abril, que logrou publicação anterior ao antecedente, in DR.II Série de 07/11/2000, decidiram julgar inconstitucional o citado art. 469º, na medida em que dispensava a fundamentação das respostas aos quesitos em processo de querela por violação do art. 208º, nº 1, da CRP (versão que vigorava à data em que foi definida a matéria de facto na primeira instância).

A motivação em processo penal é introduzida apenas no Código de Processo Penal de 1987 (Decreto-Lei nº 78/87, de 17/02), estabelecendo-se no nº 4 do art. 97º que os actos decisórios são sempre fundamentados e no que respeita à sentença dispunha então o nº 2 do art. 374º: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

Como assinalava Maia Costa na Revista do Ministério Público, ano 20, 1999, nº 78, p.150, em anotação ao já referido acórdão do TC nº 680/98, de 2 de Dezembro de 1998, relatado por Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, este normativo constituía sem dúvida uma ruptura com a tradição legislativa portuguesa, que não impunha ao tribunal qualquer obrigação de fundamentar (isto é, de explicar ou justificar) a convicção formada quanto à matéria de facto.

Nessa altura ressaltou a posição assumida por Marques Ferreira, O novo Código de Processo Penal, Jornadas de Direito Processual Penal, (CEJ), p.229/230: “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.

Diferentemente do que acontecia com o processo civil - art. 653º do CPC de1961 - no processo penal a fundamentação da decisão sobre prova impunha-se não só em relação aos factos provados como abarcava igualmente a matéria de facto não provada.

A formulação constante do artigo 374º do CPP foi objecto de vários acórdãos do Tribunal Constitucional, nomeadamente na relação deste preceito com o nº 2 do artigo 410º, como os acórdãos n.º 322/93, DR, II, de 29-10-1993 e n.º 573/98, DR, II, de 13-11-1998, julgando este não enfermarem de inconstitucionalidade

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o nº 2 do art. 410º e o nº 2 do art. 433º, no pressuposto de que o nº 2 do art. 374º impunha uma obrigação de “fundamentação «completa», permitindo a transparência do processo e da decisão”.

A jurisprudência do STJ abordou a questão da obrigatoriedade de indicação na sentença das provas que serviram para formar a convicção do tribunal com graus de exigência diversos.

De forma majoritária, no sentido de que a exigência legal se bastava com a mera indicação ou enumeração das categorias das diversas fontes de prova, com o mero arrolamento dos meios probatórios, ou resumo dos tipos de prova de que o tribunal se servira, de que é exemplo o acórdão de 5 de Junho de 1991, in CJ1991, tomo 3, p. 29, (citando acórdão do Supremo de 12 de Dezembro de 1990, processo nº 41383 e sumariado in A.J., ano 2, tomo 13/14):

1- A fundamentação da sentença ou acórdão é uma actividade complexa onde se enquadram funções de enumeração, exposição e indicação.

2- A «indicação» destina-se a assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova. E, no pressuposto de que a normal e diligente actuação dos interessados não deixará de denunciar a utilização, pelo tribunal, de provas proibidas, a lei não exige a «especificação da prova na sentença», reduzindo, a respeito, a nulidade a uma simples falta de «referência às chamadas pièces à conviction».

Para esta corrente a indicação das provas não visa o controlo da convicção do tribunal a quo, destinando- se a assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova e a evitar que um cidadão possa ser condenado sem apoio de qualquer dos meios de prova admitidos na lei. A enumeração sucinta dos meios de prova que determinaram a decisão da matéria de facto era suficiente para afastar a nulidade do art. 379º, alínea a), do CPP.

E sustentava a não exigência de exame crítico das provas com a circunstância de o art. 374º, nº 2 CPP ser omisso quanto à última parte da sua fonte, de que é praticamente mera tradução - o art. 546º, nº 1, alínea e) do CPP italiano – quando neste se manda que o juiz enuncie as razões pelas quais considera não atendíveis as provas contrárias - cfr. acórdãos do STJ de 10-07-96 e de 09-01-1997, in CJSTJ1996, T2, p.242 e CJSTJ1997, T1, p.172.

Neste sentido pronunciaram-se então os acórdãos de 15-07-1989, processo nº 40094, de 06-03-1991, processo nº 40874, de 23-04-1992, processo nº 42221, de 04-11-1992, BMJ 421,186, de 20-05-1993, processo nº 43859, de 07-07-1993, CJSTJ1993, T3, p.195, de 26-01-1994, BMJ 437,424, de 20-03-1995, BMJ 443,335, de 03-05-1995, BMJ 447,67 (objecto de apreciação no acórdão do TC 680/98), de 20-06-1996, BMJ 458,187, de 09-01-1997, CJSTJ1997, T1, p.172, de 13-01-1998, BMJ 473,307, de 11-03-1998, CJSTJ1998, T1, p.220, de 27-05-1998, BMJ 477,303, de 03-06-1998 (objecto de apreciação no acórdão do TC nº 546/98, DR, II, de 15-03-1999).

Em sentido inverso, o acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, in CJ1992, tomo I, p. 36 e BMJ 414, 389, interpreta o dever de fundamentação no sentido de que a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter também os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico sobre as provas que

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concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo num determinado sentido.

Para esta corrente mais exigente a fundamentação não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado. Neste entendimento, seria nulo o acórdão que não contivesse um exame crítico sobre as provas que concorreram para a formação do tribunal - cfr.

acórdãos do STJ de 18-12-1991, BMJ 412,383, de 25-05-1992 e de 28-05-1992, ambos no BMJ 417,613 e 619, de 21-10-1998, BMJ 480,276, de 02-12-1998, BMJ 482,142, de 14-01-1999, CJSTJ1999, T1, 188, de 08- 04-1999, CJSTJ1999, T2, 171, de 07-07-1999, CJSTJ1999, T2, 241, da Relação de Lisboa, de 26-05-1999, BMJ 487,361 e do Porto, de17-12-1997, BMJ 472,567.

A este nível de fundamentação das decisões judiciais, o STJ fixou, com carácter obrigatório, jurisprudência no sentido de que nos processos de transgressão era aplicável o regime de fundamentação em matéria de facto previsto no art. 374º, nº 2 CPP- Acórdão de 24-10-1996, in DR.I-A, de 19-11-1996 (e BMJ 460,191).

Mais tarde, em 2 de Dezembro de 1998, o Tribunal Constitucional no acórdão nº 680/98 - processo nº 456/95, em recurso interposto do acórdão do STJ de 03-05-1995, supra aludido - in DR, II Série, de 05-03- 1999, julga inconstitucional a norma do nº 2 do art. 374º do CPP, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por violação do dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no nº 1 do art. 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do art. 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do art. 32º da CRP.

Entretanto, no processo civil avançara-se no sentido da exigência de análise crítica das provas e de especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador, tanto em relação aos factos julgados provados como não provados, o que ocorreu com a nova redacção dada ao nº 2 do art. 653º do CPC pelo Decreto - Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro.

Com a 4ª revisão constitucional - Lei 1/97 - passou a ter consagração expressa a garantia do recurso com o aditamento final no nº 1 do art. 32º: «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

As exigências de fundamentação passam a ser maiores com a reforma de 1998 - Lei nº 59/98, de 25 de Agosto - manifestando-se no aditamento ao nº 4 do art. 97º do CPP: «Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», no nº 3 do art.

194º com a exigência da enunciação dos motivos de facto da decisão no despacho de aplicação de medidas de coacção (à excepção do TIR), no nº 4 do art. 213º respeitante à fundamentação das decisões sobre substituição, revogação ou manutenção da prisão preventiva e finalmente no art. 374º, nº 2, com a exigência do exame crítico das provas, a qual já existia no processo civil, como vimos desde 1995 - art.

653º, nº 2 e 659, nº 3 do CPC - tendo aqui tal exame lugar não em sede de sentença, mas em momento anterior quando é fixada a matéria de facto controvertida com as respostas ao questionário ou à matéria inserta na base instrutória, ou nos casos em que esta é dispensada ao abrigo do artigo 787º do CPC, a seguir ao encerramento da discussão - artigo 791º CPC.

Como é hoje ponto assente, a partir da reforma de 1998, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 1999, a

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fundamentação não se compadece com uma simples enumeração dos meios de prova utilizados, sendo necessária uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado.

A questão tem sido bastas vezes aflorada e tratada em vários arestos, quer do Tribunal Constitucional, quer do STJ e das Relações.

No acórdão de 18-11-1998, processo nº 932/98-3ª dizia-se: «Dos termos da lei resulta que não basta a simples indicação dos meios de prova produzidos em audiência de julgamento para que a ratio legis seja alcançada. Com efeito, não foi finalidade da lei processual penal o contentar-se, apenas, com a referência, seca, a declarações do arguido, a depoimentos de testemunhas, ou a certos documentos. Esta é a prova em abstracto, comum a todos os processos. É necessário algo mais». - cfr. ainda acórdãos do STJ de 12-05- 1999, processo nº 406/99-3ª, de 15-03-2000, processo nº 16/00-3ª, in CJSTJ2000, T2, 226, de 30-01-2002, processo nº 3063/01, de 04-10-2006, processo nº 2324/06-3ª, de 08-02-2007, processo nº 28/07-5ª, de 28- 02-2007, processo nº 3646/07-3ª, de 21-03-2007, processo nº 24/07-3ª, de 09-05-2007, processo nº 247/07-3ª, de 16-05-2007, processo nº 1395/07-3ª.

A fundamentação deve também abranger a convicção do tribunal, sendo a razão de ser da motivação garantia da legitimação da decisão.

O Tribunal Constitucional por diversas vezes cita Michele Taruffo (“ Note sulla garantizia constituzionale della motivazione”, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LV, pp. 29 e segs.) - cfr. acórdãos nº 55/98, DR, II, de 28-05-1985, nº 135/99, DR, II, de 07-07-1999, nº 422/99, DR, II, de 29-11-1999 (este versando questão suscitada em embargos de executado) - a propósito das duas funções que a fundamentação cumpre:

a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;

b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão.

A fundamentação da decisão judicial constitui um elemento indispensável para assegurar o efectivo exercício do direito ao recurso, que de forma explícita foi constitucionalmente garantido com o aditamento da parte final do nº 1 do art. 32º CRP, com a Lei Constitucional 1/97.

Como assinala Michele Taruffo, a motivação da sentença é necessária com vista à impugnação, com o fim de tornar funcional a relação entre o primeiro e o segundo graus de jurisdição; não só as partes podem valorizar melhor a oportunidade da impugnação e individualizar os seus motivos específicos quando, através da motivação, conhecem as razões por que o juiz decidiu de certo modo, como ainda o juiz de recurso está em posição de formular melhor o seu juízo sobre a sentença impugnada quando conhece a argumentação de facto e de direito de que ela é resultado.

Constitui ainda factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o

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exercício desse poder e a base sobre o qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto, sendo garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões – citado acórdão TC 680/98.

Por outro lado, a fundamentação não tem de ser uma espécie de assentada em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, ainda que de forma sintética, não sendo necessária uma referência discriminada a cada facto provado e não provado e nem sequer a cada arguido, havendo vários. O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto - cfr acórdão do STJ, de 11-10-2000, processo nº 2253/2000-3ª, acórdãos do TC nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999 e nº 59/2006, DR, II, de 13-04-2006.

Como foi referido nos acórdãos do TC nº 322/93, DR, II, de 29-10-1993 e nº 172/94, DR, II, de 19-07-1994, citados posteriormente nos acórdãos nº 102/99, DR, II, de 01-04-1999, nº 288/99, DR, II, de 22-10-1999, nº 258/01, DR, II, de 02-11-2001 e nº 232/02, DR, II, de 18-07-2002, a fundamentação da decisão há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico- mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.

É recorrente nestes acórdãos a citação de Taruffo de que a fundamentação da sentença há-de permitir a transparência do processo e da decisão.

Actualmente não basta uma declaração genérica e tabelar que lesaria as garantias de defesa do arguido, por não assegurar a apreciação pelo tribunal de toda a matéria de acusação e de defesa, proporcionando julgamentos implícitos, subtraídos a qualquer tipo de fiscalização, afrontando as exigências de fundamentação das decisões judiciais – citado acórdão TC 288/99.

Passou a ser imprescindível que a fundamentação, como base do juízo decisório, seja exteriorizada em termos de permitir desvelar o iter «cognoscitivo» e «valorativo» justificante da concreta decisão jurisdicional - acórdão TC nº 281/05, DR, II, de 06-07-2005.

Vejamos se o acórdão recorrido se exprimiu em consonância com os ditames do nº 2 do art. 374º do CPP, mais precisamente, se se mostra conforme a nova exigência legal expressa na reforma de 1998.

O Tribunal recorrido assentou a sua convicção na selecção dos factos provados nos relatos de DD, referindo-se apenas ser ofendida e mulher do arguido, sendo certo que muito provavelmente terá sido ouvida enquanto Mãe dos filhos menores a quem terão sido infligidos maus tratos, dos dois filhos mais velhos, EE e FF, esta igualmente nas vestes de ofendida e de uma funcionária administrativa, para além de documentos.

Relembremos o que, no essencial, foi referido no acórdão.

«Com excepção de alguns pormenores que estiveram na origem de algumas precisões de redacção e dos escassos factos que se não provaram, a factologia constante da acusação logrou provar-se através dos depoimentos completos, lógicos, coincidentes no essencial e por isso credíveis prestados por DD (ofendida, mulher do arguido), EE (filho do arguido), FF (ofendida e filha do arguido) e LL (funcionária do município da Ribeira Grande que atendeu FF no dia 28 de Março, logo após a agressão de que esta foi vítima), conjugados com os documentos de fls. 53/57, 92 e 98 (certidões dos assentos de casamento e de nascimento). O facto relevante alegado no pedido civil logrou provar-se a partir da factura apresentada (fls.

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100), conjugada com a prova feita a propósito da acusação no sentido de a ofendida DD ter sido conduzida ao Centro de Saúde no dia em referência».

Desta formulação desde logo ressalta estarmos perante uma mera enunciação das “pièces à conviction”, uma simples elencagem das fontes de prova, sem nada se adiantar ou esclarecer sobre a razão de ciência, para além do que naturalmente decorre dos laços familiares - reveladora do motivo da credibilidade e da valoração que face à mesma se confere ao depoimento - ou sobre a força da credibilidade, ou sua falta, dos depoimentos prestados, ficando-se sem saber como foi formada a convicção a respeito dos dados como provados maus tratos em relação aos menores, sendo certo que para além de uma única agressão física ao menor HH, os maus tratos terão sido psíquicos, aliás, como resultava de modo claro da acusação que traçou as linhas da vinculação temática deste caso.

Fica-se sem conhecer as razões de convencimento do depoimento do filho EE, já que sobre o que terá dito ou não dito nada absolutamente foi exposto, transmitido para o texto da decisão.

A simples referência à qualidade de filho é redutora, já que nada se diz sobre a razão de ciência no que tange às concretas situações ocorridas com sua Mãe ao longo dos anos, o que terá presenciado, por quantas vezes, qual a natureza, extensão, intensidade, gravidade das agressões e suas consequências, se os irmãos mais novos as presenciaram ou não, etc.

Presenciou a única agressão certificada a um dos menores, mais concretamente, ao irmão HH?

De igual forma o texto nada nos diz sobre o sentido, alcance ou abrangência do declarado pela filha FF e se o mesmo, sendo convincente, em que medida o foi.

Falou apenas da agressão de que foi vítima em Março de 2005?

Abordou o clima vivenciado ao longo dos anos e o modo como era sua Mãe maltratada pelo marido?

Depôs sobre o tempo e o modo em que tiveram lugar os maus tratos aos irmãos mais novos e quais as suas reacções e danos (e sua amplitude) na estruturação das personalidades respectivas?

E qual a razão de ciência e força de convencimento do depoimento da funcionária administrativa LL quanto à agressão à FF?

Terá presenciado a cena na cidade da Ribeira Grande?

Estar-se-á perante um depoimento indirecto?

Tendo adquirido algum conhecimento a juzante do sucedido, qual foi?

E porque a atendeu?

Conhecia-a dantes?

Não se explica em que se concretiza o conhecimento pessoal de tal testemunha, qual a exacta dimensão do seu conhecimento.

Mais singelamente: porque foi testemunha?

E porque concreta razão e em que medida releva o seu depoimento?

Em que medida e porque razão os depoimentos produzidos em audiência não constituíram base de convicção bastante e suficiente para no rastreio efectuado ficar arredado do lote da matéria assente o que foi levado ao sector do não provado?

Sobre tudo isto o acórdão calou e nada disse.

Mal se compreende este silêncio face à extensa e pormenorizada narrativa, abarcando vivência conjugal e

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