• Nenhum resultado encontrado

SETENTA E DOIS. Moa Sipriano.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "SETENTA E DOIS. Moa Sipriano."

Copied!
12
0
0

Texto

(1)
(2)

SETENTA E DOIS

Moa Sipriano

(3)

Design da Capa & Editoração Moa Sipriano

Imagem da Capa & Tipografia pixabay.com

dafont.com

Todos os direitos reservados a Moa Sipriano

Site oficial & Contato moasipriano.com

escritor@moasipriano.com

(4)

“Vamos?”

“Só um momento. Tem certeza de que estou bem?

E minha gravata?”

“A borboleta-azul tá linda!”

“Estou muito nervoso.”

“Depois de tudo o que você passou, a tarde de hoje vai ser fichinha.”

“Ser bichinha?”

“Chegamos. Quer que te acompanhe até a porta?”

“Não. Não. Não. Tenho que fazer isso sozinho.”

“Quer meu lenço? Tua testa tá toda empapada.”

“E se ele não lembrar mais de mim-eu-mesmo?”

“É impossível te esquecer, seu bobão!”

“Meu bigode. Por favor, verifique meu bigode. Está bem alinhado?”

“Ai, Gsuis, me ascende! Cê tá ótimo, lindo, deslum- brante, vitaminado, Senhor Gostosão!”

(5)

“Eu sempre fui gostoso. Sempre!”

“Vai enrolar mais um pouco? Olha que faço alôka, vou até lá e toco a campainha!”

“Juro que te mato! É o meu momento e tudo pre- cisa ser realizado no meu tempo!”

“E se ele não gostar do presente?”

“Depois de tantos anos, tenho certeza que o me- lhor presente será a tua iluminada presença!”

“Obrigado. Não sei o que eu faria sem você. Aprecie meu sorriso mais sincero.”

“Ai, ai ai, sua falsa. Vai lá, velha doida. Depois eu acei- to todos os agradecimentos. Agora… sai do carro, senão vai rolar uma Shakira a capela!”

“Tudo… menos sua Shakira!”

* * *

Não dava para disfarçar tamanha expectativa.

(6)

Meu avô saiu do carro, alisou umas novecentas ve- zes a camisa listrada e os cabelos “gel-lados”, conferiu a caixinha que repousava no oculto da mão esquerda, ins- pirou com severa profundidade como a sorver forças so- brenaturais e finalmente deu o segundo passo mais im- portante da sua atual existência.

Por instinto, mantive meus dedos bem cruzados.

Um toque. Dois minutos de angustiante espera.

A porta de todas as esperanças foi aberta.

Visivelmente emocionado, entre lágrimas esbuga- lhadas, o arfante dono da casa o brindou com um sorriso a iluminar oito quarteirões. Ele era metade da delícia de um David Beckham, onde cabelos pontiagudos e braços recobertos de mapas abstratos promoviam o tom preciso da sua bem alicerçada personalidade.

Eu me preparava para mofar dentro do carro, quan- do minha castanha visão foi agraciada com o genuíno casal a se aprumar numa bem-vinda varanda, estilo de fazenda.

(7)

Não deu outra. Peguei meu Lumia, travei meu bra- ço num canto da porta amassada e passei a registrar aque- le momento histórico.

Antônio e Lamar, pra lá de tímidos e, ao mesmo tempo, eufóricos, conversavam como se tivessem passa- do juntos uma vida inteira. O outro David, o sobrinho, trou- xe as cervejas, sorriu para os dois, beijando o alto da ca- beça de cada um como a selar uma linda fraternidade com o símbolo máximo de um genuíno carinho fofístico.

Honras feitas, ele saiu de mansinho, esfumaçando lentamente seus traços másculos em passos discretos a evaporar atrás de uma magnânima parreira.

Enquanto conversavam, Lamar o tempo todo to- cava nas faces de Antônio, como a pedir que o querido companheiro não vertesse lágrimas, a não ser se fossem de puro alívio.

Numa titubeante e atrapalhada troca de presentes, Lamar deu a Antônio o que julguei ser um calhamaço de antigas cartas, cujo possível conteúdo tão desejado fez

(8)

Antônio desfalecer em ascendente emoção, chorando feito menino pobre diante do primeiro Papai Noel, sem manter controle algum sobre seus membros superiores.

Lamar se levantou, abraçando Antônio com ternu- ra. Eles trocaram afagos ariscos. Quase rolou um beijo!

O presenteado inverteu os papéis.

Retirando a caixinha de veludo do bolso da calça, Antônio recitou algumas palavras certamente poéticas ao seu grande amor, abrindo o horizonte a revelar o magní- fico conteúdo.

Lamar levou as mãos à boca, apanhando a correntinha que segurava um crucifixo prateado, admirando os contor- nos – ah, meu olhar tão bem treinado! – de um antiquíssimo cristo em ébano, esculpido à mão.

Ufa! Finalmente rolou o Grande Momento.

Uau! Que beijo, meus senhores. Que beijo!

* * *

Ver meu próprio avô assumir sua homossexualida-

(9)

de aos setenta e dois foi uma das mais fantásticas emo- ções que pude sentir na vida.

Acompanhar sua coragem em lutar pelo seu ama- do único, onde posso bater no meu peito siliconado e gri- tar meu orgulho em ser detetive da situação foi algo que me fez rejuvenescer e ampliar minhas energias pelo me- nos uns quatrocentos por cento!

Puxa vida! Quantas e quantas noites não varei em claro e café a cruzar informações na esperança de en- contrar o endereço de Lamar!

Pouco importa a quantidade de erros cometidos num passado revestido de hipocrisia. Diante dos meus olhos puxados estava a prova cabal de que o Amor sem- pre, sempre, sempre vence, quando estamos dispostos a dilacerar nossos próprios limites.

Durante dezenas de anos, Antônio e Lamar foram proibidos de viver a Beleza, obrigados a manter casamen- tos de inúmeras fachadas numa falsa ideia de não des- truir os “valores” impostos por uma “religião”, alicerce su-

(10)

premo de suas famílias hipócritas.

Enfim, elas partiram para outras dimensões.

O caminho estava livre.

O reencontro – aqui e agora! – era inevitável, neces- sário, gravado em estrelas, abençoado pela Providência.

Embebidos de paciência, agonia e esperança, tenho certeza de que eles sempre acreditaram que um dia ain- da ficariam juntos e saberiam como aproveitar ao máxi- mo o terreno tempo restante.

Finalizei minha gravação com os dois abraçados entre afagos célicos – todos nós em prantos! – mesclados num só corpo, numa só carne, num só coração.

Fungando, chorando, rindo e “bobalhando”, tratei de pegar meu lenço florido e dar uma guaribada na mi- nha fuça roufenha.

Liguei pro Eduardo, meu marido. Toda histérica, revelei fragmentos da linda história de amor que eu havia presenciado. Eu, Francisca Soares, me sentia a mais fodástica neta do universo!

(11)

Um milhão de letras e canções começaram a pipo- car na minha alma arco-íris. Assumi que eu passaria lon- go tempo trancada em estúdio. Que alegria!

Além do meu trabalho artístico, assumi que minha outra missão na atual existência seria dedicar boa parte do meu tempo a ajudar muitos outros antônios & lamars a se encontrar, se entender e, quiçá, ser felizes...

… para sempre!

(12)

Sobre o Autor

Moa Sipriano é natural de Jundiaí, interior de SP.

Escreve e publica contos, crônicas e romances desde 2004.

No Brasil, foi pioneiro na criação e divulgação de livros digitais contendo exclusivamente literatura homopopular. Sua arte retrata com crua fidelidade e li- rismo o amor verdadeiro, os conflitos internos, o sincero companheirismo e a real espiritualidade da Diversidade.

_____________________________________

“Procuro pincelar minhas histórias com inteligência, sarcasmo e sensualidade em tonalidades exatas, proporcionando ao meu leitor momentos termânticos, surpreendentes descobertas e uma profunda reflexão.”

_____________________________________

Para conhecer todas as obras: moasipriano.com Contato: escritor@moasipriano.com

Referências

Documentos relacionados

Mas mesmo que este fosse o seu argumento, seria insuficiente para fundamentar a obrigação do vegetarianismo, pois não é óbvio que tais interesses dos animais se sobreponham

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

O valor da reputação dos pseudônimos é igual a 0,8 devido aos fal- sos positivos do mecanismo auxiliar, que acabam por fazer com que a reputação mesmo dos usuários que enviam

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Considerada uma vitória política do presidente Michel Temer, a reforma do ensino médio precisa agora envolver e conquistar os professores para não se tornar mais uma lei descumprida

O SUBPROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA, PARA A ÁREA JURÍDICO-INSTITUCIONAL, usando das atribuições que lhe foram delegadas pela PORTARIA Nº 4574/2013-MP/PGJ, de 24 de Julho de

QUANDO TIVER BANHEIRA LIGADA À CAIXA SIFONADA É CONVENIENTE ADOTAR A SAÍDA DA CAIXA SIFONADA COM DIÂMTRO DE 75 mm, PARA EVITAR O TRANSBORDAMENTO DA ESPUMA FORMADA DENTRO DA

Tal processo ocorreu de forma concomitante à expansão de um outro modelo de atenção voltado principalmente para o setor privado e relacionado às transformações das