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A OPOSIÇÃO ENTRE O SENSO COMUM E CIENTIFICISMO E A REFLEXÃO GRAMSCIANA SOBRE OS INTELECTUAIS E A NOVA FILOSOFIA

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A OPOSIÇÃO ENTRE O SENSO COMUM E CIENTIFICISMO E A REFLEXÃO GRAMSCIANA SOBRE OS INTELECTUAIS E A

NOVA FILOSOFIA

Autores: Paula Tárcia Fonteles Silva1 Ítalo Andrade Lima2

Dr. José Expedito Passos Lima3

Este trabalho tem como objetivo investigar a Filosofia e a Educação, bem como a oposição entre senso comum e cientificismo na reflexão gramsciana sobre os intelectuais e a nova filosofia. Antonio Gramsci (1891- 1934) apresenta a problemática do senso comum e do cientificismo, demonstrando que toda filosofia tende a se tornar senso comum, pois, se já elaborada a sua difusão, ela tem a possibilidade de se realizar na vida prática, não sendo possível a separação da filosofia cientifica em relação à filosofia popular. Gramsci busca uma filosofia mais realista, ou seja, uma filosofia que se aproxime mais do real. Nesse sentido, a concepção gramsciana de filosofia realista vai defender a existência da filosofia dos não filósofos, uma filosofia oriunda do popular. Trata-se, nesse sentido, da concepção gramsciana de senso comum e de nacional-popular, ou seja, do caráter popular da filosofia gramsciana. Gramsci vai se utilizar da cultura nacional-popular e da literatura nacional-popular, para explicitar que as formas de realidade histórico-social são criadas e reconhecidas, pelo povo e se distingui das saídas da burguesia. De fato o conceito nacional-popular para Gramsci, põe o problema da ligação entre intelectual e as massas. Assim, Gramsci vai demonstrar a necessidade do vinculo orgânico entre as camadas de intelectuais com as massas.

1 Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (CMAF/UECE). paulatarcia@hotmail.com.

2 Mestrando pelo Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (CMAF/UECE). italoandrad27@hotmail.com.

3 Professor Adjunto do curso de Filosofia na Universidade Estadual do Ceará (UECE).

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1. Apontamentos filosóficos sobre a educação no ethos moderno

Gramsci fez diversos apontamentos críticos acerca desse momento da Itália, do desenvolvimento capitalistas – em termos da economia, da educação, da político e da vida civil –, que tinha como pretensão fazer que aquele modo de se viver e de se pensar, próprios do Sul, que possuía características mais regionais, paroquiais e nacionais, fosse esquecido, e assim desse lugar ao pensar e agir para ethos da modernidade. Nesse sentido, ele realiza várias reflexões sobre a cultura, a educação e o senso comum nacional popular4.

O senso comum, pensado por Gramsci, apresenta-se como conjunto de idéias com características difusas e dispersas, de caráter genérico e que expressam um determinado contexto histórico. A sua proposta é a de construção de uma concepção de mundo sistematizada, crítica e que tivesse como sentido orientar uma prática transformadora.

A “nova filosofia”, que cumprirá esse papel, não surgirá desprendida das relações estabelecidas anteriormente – não anulará a filosofia “cientifica” nem a filosofia “vulgar” -, mas será fruto da relação dos intelectuais com as massas5. É relevante a reflexão de Gramsci sobre a separação existente entre quem elabora a Filosofia e os homens simples. Ao trata do senso comum, Gramsci defende que o filósofo, o pensador, o teórico devem considerar o senso comum das massas, analisá-lo criticamente e ultrapassá-lo, para assim elaborar uma teoria mais elevada e, a seguir, regressar às massas para difundir essa nova filosofia.

Gramsci reconhece que o intelectual se enriquece consideravelmente no contato com a filosofia difundida entre as massas. Ademais Gramsci defende que “todos os homens são filósofos” e que é preciso, com base nessa filosofia de todos os homens, elaborar o princípio da filosofia da práxis. No pensamento gramsciano pode-se

4 Ver, nesse sentido, GRISONI, Dominique e MAGGIORI, Robert. Ler Gramsci, p. 309. O conceito de nacional popular não é uma expressão nominal mais uma expressão adjetiva, que se aplica a nomes para significa que saíram do povo, que lhe pertencem e que são a sua expressão objetiva e real.

5 Ver, nesse sentido, Gramsci dedicou-se a difundir a cultura entre as diversas camadas do proletariado, pois, sem ela, tais camadas nunca poderiam tomar consciência da sua função da história. No universo da formação gramsciana convém compreender que há uma recusa à concepção positivista, que transforma a cultura em um simples catálogo de conhecimento, por mais completo que seja, rejeitando assim a orientação que identifica a cultura como um saber enciclopédico.

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identificar o principio de que tudo o que pode ser elaborado no plano da filosofia deve ser profundamente, organicamente, vinculado ao nível geral das massas. Ele sabe que a filosofia traduz a história, porque a reflete, mas também porque contribui para fazê-la. É nesse sentido que a Filosofia é também um ato político6.

Toda filosofia ou todo conjunto de ideias, traz consigo uma determinada visão de mundo, uma concepção que tende a corresponder aos interesses sociais, econômicos e políticos de uma determinada classe. O domínio exercido pela classe dominante não se encontra somente no plano da economia, mas encontra-se também no domínio das relações sociais estabelecidas, ou seja, no conjunto de ideias propagadas. Tal domínio acentua-se no universo da ideologia, como forma de difundir o conjunto de ideais provenientes de tal classe. Gramsci escreve:

Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamos de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homem-massa ou homens coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo de conformismo, de homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção de mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homem-massa, nossa própria personalidade é compósita, de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos do homem das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista, preconceitos de todas as fases históricas passadas estreitamente localistas e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado.

Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até ponto atingido pelo pensamento mundial mais evoluído7.

2. Sobre o senso comum como elemento da cultura popular

Em que sentido Antonio Gramsci apresenta a problemática do senso comum e nacional-popular, e defende a existência da filosofia dos não filósofos, uma filosofia oriunda do popular? Essa pergunta orientará a nossa pesquisa acerca da concepção gramsciana de senso comum e de nacional-popular gramsciano. Para tanto é preciso abordar o caráter popular da filosofia gramsciana. Gramsci diz não ser possível a separação entre a filosofia “científica” e a filosofia “vulgar” e popular, “pois é preciso destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia é algo muito difícil pelo fato

6 Cf. GRISONI, Dominique e MAGGIORI, Robert. Lire Gramsci, p. 26.

7 Ibidem.

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de ser a atividade intelectual própria de umas determinadas categorias de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos”. Gramsci afirma, portanto, ser preciso elaborar uma filosofia ligada à vida prática.

Gramsci defende que as camadas populares dispõem de uma cultura que lhe é própria como o folclore, o senso comum – e ser preciso respeitar a sua originalidade e especificidade. Tal cultura se constitui, na generalidade, por um reflexo da cultura dominante. Daí o que deve ser transformado é o conteúdo ideológico que emanaria de uma esfera intelectual exterior às massas, mas fornecendo-lhe um novo conteúdo, elaborado pelas próprias massas. Gramsci escreve:

O senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço:

é o ‘folclore’ da filosofia e, como folclore, apresenta-se em inumeráveis formas; seu traço fundamental e mais característico é o de ser uma concepção (inclusive nos cérebros individuais) desagregada, incoerente, inconseqüente, conforme à posição social e cultural das multidões das quais ele é a filosofia8.

Toda filosofia tende a se tornar senso comum, pois, se já elaborada a sua difusão, ela tem a possibilidade de se realizar na vida prática, não sendo possível a separação da filosofia cientifica em relação à filosofia popular. De acordo com Gramsci:

Mas, nesse ponto, coloca-se o problema fundamental de toda concepção o mundo, de toda filosofia que se transformou em um movimento cultural, em uma ‘religião’, em uma ‘fé’, ou seja, contida como ‘premissa’ teria implícita (uma ‘ideologia’, pode-se dizer, desde que se dê ao termo ‘ideologia’ o significado mais alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas) – isto é, o problema de conservar a unidade ideológica de um bloco social que está cimentado e unificado justamente por aquela determinada ideologia9.

Gramsci utiliza a cultura nacional-popular para sustentar que essas formas da realidade histórico-social são criadas e reconhecidas, por e para o povo, distinguindo-se, por isso, das saídas da classe dominante. De fato, o conceito nacional-popular põe, praticamente, o problema do vinculo do intelectual com as massas, pois Gramsci defende que os intelectuais não saem do povo, ainda que acidentalmente alguns deles sejam de origem popular, isto é, a totalidade da classe culta com sua atividade intelectual é separada do povo-nação. Ele sustenta ser preciso criar um humanismo

8 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p. 114.

9 Ibidem, pp. 98 - 99.

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ethos moderno capaz de se estender até as camadas mais rudes e mais incultas. Por conseguinte, o nacional-popular é o deslocamento das camadas intelectuais no sentido de ir ao povo, de estabelecer um vínculo orgânico intelectual com as massas10.

A orientação que Gramsci irá adotar não é aquela de uma “criação” de uma filosofia crítica com base nos grandes teóricos, não vinculados às massas. A iniciativa apresentada é a de tornar a filosofia ‘vulgar’ e popular, ela mesma, em um instrumento crítico e que se apresente como uma concepção de mundo autônoma. A velha filosofia, tida como uma filosofia “espontânea”, tomada pelas massas e emprestada pela classe dominante, deve ser superada. O pensamento autônomo crítico, e que tem como objetivo a verdadeira consciência, torna-se possível por meio da prática, da luta, da cristalização de dois pólos antagônicos com interesses distintos, aparente em um processo de efervescência da luta política, tornando visível os interesses diferentes entre estas duas classes. Segundo Gramsci

A compreensão crítica de si mesmo é obtida, portanto, através de uma luta de

‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiros no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente, uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de um ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam11.

Tal passagem da filosofia do senso comum para uma concepção crítica de mundo é realizada, valendo-se não apenas de uma mudança de postura intelectual. Tal mudança intelectual tem o seu pressuposto, e as suas motivações, apoiadas em uma base material. Só com a prática, das lutas “hegemônicas” políticas, tal passagem será possível:

É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa, para além do progresso político-prático, um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos12.

A mudança de uma orientação ideológica, a possibilidade de uma ressignificação do senso comum, e uma filosofia crítica, são possíveis na atuação prática dos

10 Cf. GRAMSCI, Antonio. Literatura e Vida Nacional, p. 103.

11 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p.103.

12 Ibidem, p.104.

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indivíduos. Isso ocorre quando os indivíduos tomam consciência de que grupo social pertencem, possibilitando uma autoconsciência e consciência de classe, tendo como foco uma teoria e prática unificadora. Daí Gramsci dizer:

Ademais, senso comum é um nome coletivo, uma ‘religião’: não existe um único senso comum, pois também ele é um produto e um devir histórico. A filosofia é a crítica e a superação da religião do senso comum e, nesse sentido, coincide com o ‘bom senso’, que se contrapõe ao senso comum13.

A derrocada do pensamento determinista, o da passividade, e de todos os elementos sociais presentes na sociedade moderna, que tem como sentido a manutenção dessa sociedade e de seu atual estado de coisas, está presente e intrinsecamente associada à concepção de mundo difundida pela classe dominante.

Para Gramsci o conceito nacional-popular, não somente apresenta-se como expressão nominal, mas diz respeito a tudo que pertencer ao povo, em sua expressão objetiva e real. Gramsci vai utilizar a cultura nacional-popular, e a literatura nacional- popular, para explicitar que as formas de realidade histórico-social são criadas e reconhecidas, pelo povo e se distinguido das saídas da burguesia. De fato o conceito nacional-popular para Gramsci, põe o problema da ligação entre intelectual e as massas.

Grisoni e Maggiori afirmam que o

Nacional-popular é, portanto, o índice de uma deslocação das camadas intelectuais no sentido do povo, o estabelecimento de uma vínculo orgânico intelectuais e massas, de um novo processo de conhecimento que se articula em torno da compreensão, isto é , da educação recíproca. Nacional-popular significa, nesse caso, expressão coerente e organizada do povo14.

3. O cientificismo como instrumentalização do saber

O erro em torno do termo ciência e cientifico decorre do fato de que esses termos assumiram um significado a partir de determinado grupo de ciências, originalmente das ciências naturais e físicas. Denominou-se cientifico, portanto, todo método que fosse análogo ao método de pesquisa e exame das ciências naturais. O que disso decorre é o fato de a transformação dessas ciências em ciências por excelência ou aquilo que Gramsci denomina de, ciências do fetiche. Gramsci afirma que

13 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p. 96.

14 GRISONI, Dominique e MAGGIORI, Robert. Ler Gramsci, p.311.

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Das filosofias e das ideologias e das opiniões cientificistas, decorre a tendência, que é própria de todas as formas de pensamento (inclusive das idealistas historicistas), a fazer de si mesma uma espécie de esperanto, ou volapuque da filosofia e da ciência. (...) Para os esperantistas da filosofia e da ciência, tudo o que não vem expresso em sua linguagem é delírio, é preconceito, é superstição, etc. Mediante um processo análogo, ao que se verifica na mentalidade sectária, eles transformam em juízo moral, ou em diagnostico de ordem psiquiatra o que deveria ser um mero juízo histórico15.

Gramsci se questiona sobre a possibilidade de algum filósofo ter partido de uma experiência científica, interrogando-se se isso teria alguma validade. A busca por uma filosofia mais realista, ou seja, uma filosofia que mais se aproxime do movimento do real, levanta a indagação de que método seria mais eficaz em responder às necessidades e interpretar as vicissitudes da realidade concreta. Segundo Gramsci

Colocar a ciência como base da vida, fazer da ciência a concepção do mundo por excelência, a que liberta os olhos de qualquer ilusão ideológica, que põe o homem em face a realidade tal como ela é, isto significa recair no conceito de que a filosofia da práxis tem necessidade de sustentáculos filosóficos fora de si mesma. Mas, na realidade, também a ciência é uma superestrutura, uma ideologia é possível dizer, contudo, que no estudo das superestruturas, a ciência ocupa um lugar privilegiado, pelo fato de que sua reação sobre a estrutura tem um caráter particular, de maior extensão e continuidade de desenvolvimento, sobretudo após o século XVIII, a partir do momento em que a ciência ganhou lugar a parte da opinião geral16.

Para tanto, Gramsci elabora uma crítica ao cientificismo, justamente por compreender que essa orientação não considera a observação do homem como sujeito, intelectualmente ativo, mas o considera apenas como parte mecânica da natureza.

Gramsci, nesse sentido, diz que

A outras tendências, levando em conta a ordenação mais cômoda que a ciência estabelece entre os fenômenos, de modo a melhor padronizá-los pelo pensamento e dominá-los para fins de ação. Define a ciência como a descrição mais econômica da realidade17.

Nota-se, portanto, que as ciências tal qual se apresentam terminam seguindo uma forte tendência a desconsiderar tanto os elementos filosóficos, próprios da filosofia oriunda das massas, quanto age no sentido de dominar as ações humanas em torno do cientificismo. Definindo-se, dessa maneira como algo alheio as massas, onde elas não influem nos processos de construção do conhecimento científicos, as massas aparecem apenas como sujeitos passivos da dita realidade cientifica.

15 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), pp. 183 - 184.

16 Ibidem, p. 175.

17 Ibidem, p. 172.

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Segundo Gramsci, não é possível exigir da ciência, como tal, provas da objetividade do real, uma vez que a própria objetividade é, ela mesma, uma concepção do mundo. Dessa maneira, essa objetividade, que tem suas bases exclusivamente da atividade cientifica representa, é também uma ideologia. Trata-se aqui de se perceber que esse olhar cientificista sobre o mundo traz em si uma carga ideológica e, ao mesmo tempo, menospreza a atividade das massas: seu conhecimento que lhe é próprio, como algo vulgar, destituído de validade. Gramsci afirma que

O esperantismo filosófico está radicado notadamente nas concepções positivistas e naturalistas. A ‘sociologia’ é, talvez, o maior produto de uma mentalidade da mesma maneira as tendências a classificação abstrata, a metodologismo e à lógica formal. A lógica e a metodologia geral são concebidas como existentes em si e por si como formulas matemáticas, desligadas do pensamento concreto e das ciências particulares concretas (do mesmo modo como se supõe que a língua exista no dicionário e nas gramáticas, a técnica fora do trabalho e da atividade concreta, etc.)18.

O senso comum afirma a objetividade do real tendo como base a religião. Desse modo, o real apresenta-se como um caráter mitológico, em que o real é criado por um Deus, existente antes do homem e para além do próprio homem. Tal compreensão da realidade ainda cai em um erro, por se tratar de concepção ainda decorrente da astronomia, não conseguindo estabelecer os nexos reais de causas e efeitos. Afirmando ter o caráter objetivo aquilo que é em sua essência algo subjetivo. Já a ciência não trabalha com nenhuma forma de ação metafísica sobre a realidade, todavia, reduz ao homem o não conhecimento do empírico, não excluindo a cognoscibilidade, mas condiciona o desenvolvimento do material ao desenvolvimento histórico do intelecto dos cientistas individuais. Dessa maneira, “a ciência é a união do fato objetivo com uma hipótese, ou um sistema de hipóteses, que superam o mero fato objetivo” 19. Dessa relação, Gramsci afirma que “a superstição cientifica traz consigo ilusões tão ridículas e concepções tão infantis que a própria superstição termina enobrecida” 20.

O problema dos literatos apresenta-se na mesma medida em que eles encontram- se separadas da vida social das massas, produzindo uma atividade estranha e deslocada do movimento real do fazer e do agir decorrente das massas. A atividade desenvolvida

18 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p. 184.

19 Ibidem, p. 175.

20 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p.176.

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por eles representam, dessa maneira, uma atividade pouco reconhecida pelas massas.

Nesse sentido, Gramsci diz que:

Os intelectuais concebem a literatura como uma ‘profissão’ em si, que deveria ‘render’ mesmo quando não se produz nada imediatamente e deveria dar direito a uma pensão. Mas quem estabelece que Fulano é verdadeiramente um ‘literato’ e que a sociedade pode mantê-lo enquanto espera sua ‘obra-prima’? O literato reivindica o direito de estar em ‘ócio’, de viajar, de fantasiar, sem preocupações de caráter econômico. Este modo de pensar é ligado ao mecenatismo das cortes, mal interpretado, outroassim, já que os grandes literatos do Renascimento, além de escrever, trabalhavam de alguma maneira (...) Hoje, o literato é professor, jornalista ou simples literato (no sentido de que tende a se tornar isto, se é funcionário etc.)21.

A reflexão de Gramsci acerca dessa problemática o faz perceber que só uma reforma intelectual e moral elimina a separação existente entre a ciência e o conhecimento próprio das massas. Desse modo tal reforma cumpriria o papel de unificar o conhecimento oriundo das massas com a ciência, formulando, dessa maneira, uma unidade superior, na medida em que esta terá como ponto de partida o conhecimento das massas, elevando-a a uma melhor compreensão da realidade e das relações de causa e efeito. Grisoni e Maggiori seguem afirmando que

A reforma intelectual faz surgir em cada um deles um novo ser, libertado de tudo o que constitui o seu inconsciente, de tudo o que lhe foi determinado pela classe ideologicamente dominante, como crenças, juízos de valor, idéias feitas: sobre a família, a sexualidade, o casamento, a mulher etc. Gramsci é um pensador marxista que, com maior vigor, põe o problema da libertação do sujeito revolucionário, objetivando uma política de classe revolucionária, pois são as massas que devem fazer sua história22.

4. O papel do intelectual na educação das massas para constituição da “nova”

filosofia

É da relação dos intelectuais que se dedicam à elaboração de uma teoria crítica e, em conjunto com as massas, que é possível transformar a filosofia “espontânea” em uma filosofia crítica. Gramsci destaca que essas elaborações não partirão de fora das massas. A elaboração de uma nova teoria não será deslocada das massas que se dará elevação de consciência, mas essa efetivação partirá do seu interior das massas em

21 .GRAMSCI, Antonio. Literatura e Vida Nacional, p. 72.

22 Cf. GRISONI, Dominique e MAGGIORI, Robert. Ler Gramsci, p.29.

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conjunto com os intelectuais orgânicos,23 que realizaram a transformação da concepção de mundo, anteriormente dispersa e passiva e posteriormente ativa e crítica24. Nesse sentido Gramsci afirma que:

Passagem do saber ao compreender, ao sentir, e vice-versa, do sentir ao compreender, ao saber. O elemento popular ‘sente’, mas nem sempre compreende ou sabe; o elemento intelectual ‘sabe’, mas nem sempre compreende e, menos ainda, ‘sente’. Os dois extremos são, portanto, por um lado, o pedantismo e o filisteísmo, e, por outro, a paixão cega e o sectarismo.

Não que o pedante não possa ser apaixonado, ao contrário, o pedantismo apaixonado é tão ridículo e perigoso quanto o sectarismo e a mais desenfreada demagogia. O erro do intelectual consiste em acreditar que se possa saber sem compreender e, principalmente, sem sentir estar apaixonado ( não só pelo saber em si, mas também pelo objeto do saber), isto é, em acreditar que o intelectual possa ser um intelectual (e não um mero pedante) mesmo quanto distinto e destacado do povo-nação, ou seja, sem sentir as paixões elementares do povo, compreendendo-as e, portanto, explicando-as e justificando-as em determinada situação história, bem como relacionando-as dialeticamente com as leis da história, com um concepção mundo superior, cientifica e coerente elaborada, com o ‘saber’, não se faz política - história sem paixão, isto é, sem esta conexão sentimental entre intelectuais povo- nação25.

Gramsci defendeu que a categoria intelectual foi criada pelo mundo moderno, e elaborada pelo sistema social democrático-burguês, para atrair atenção das massas. Ele afirma que esta categoria de intelectual não se justificava pela necessidade social, mas pelo fato de uma necessidade política de se ter um grupo fundamentalmente dominante na sociedade. Com isso Gramsci esclarece, na sua afirmação de que todos os homens são intelectuais, mas que nem todos desempenham na sociedade a função de intelectual.

Daí Gramsci afirmar que

O problema da criação de uma nova camada intelectual, portanto, consiste em elaborar criticamente a atividade intelectual que existe em cada um em determinado grau de desenvolvimento, modificando sua relação com o esforço muscular-nervoso no sentido de um novo equilíbrio e conseguindo-se que o próprio esforço muscular-nervoso, enquanto elemento de uma atividade prática geral, que inova continuamente o mundo físico e social, torne-se o fundamento de uma nova e integral concepção do mundo. O tipo tradicional e vulgarizado do intelectual é fornecido pelo literato, pelo filósofo, pelo artista.

23 Ver, nesse sentido, GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultura [1949]. Trad.

Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: 1991, Civilização brasileira, p.5. A camada intelectual representa, portanto, a consciência da classe de que está ao serviço: na qualidade de trabalhadores das superestruturas, os intelectuais dão à classe de que saíram uma visão clara da sua própria orientação socioeconômica, política, cultural, que lhe permite estabelecer o seu próprio poder hegemônico. Os intelectuais orgânicos da classe progressista devem contar com as ideologias dos outros grupos sociais – outrora dominante – que devem integrar na concepção do mundo.

24GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultural, p.5.

25 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 10 (A filosofia de Benedetto Croce), pp. 221 e 222.

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Por isso, os jornalistas – que crêem ser literatos, filósofos, artistas – crêem também ser ‘verdadeiros’ intelectuais. No mundo moderno, a educação técnica, estreitamente ligada ao trabalho industrial, mesmo ao mais primitivo e desqualificado, deve constituir a base do novo tipo de intelectual26.

Nesse sentido, Gramsci, desde os tempos da L’Ordine Nuovo27, buscava desenvolver uma nova forma de intelectual e determinar novos conceitos, pois tal razão correspondia uma aspiração latente sua que era a de adequar o desenvolvimento das formas reais da vida. Desse modo, Gramsci definiu o que consiste novo intelectual:

O modo de ser do novo intelectual não pode mais consistir na eloqüência, motor exterior e momentâneo dos afetos e das paixões, mas num imiscuir-se atividade na vida prática, como construtor, organizador, ‘persuasor permanente’, já que não apenas orador puro – e superior, todavia, ao espírito matemático abstrato; da técnica-trabalho, eleva-se à técnica-ciência e à concepção humanista história, sem a qual se permanece ‘especialista’ e não se chega a ‘dirigente’28.

Gramsci valorizou, com singularidade o saber popular, e defendeu a socialização do conhecimento, recriando a função dos intelectuais, e conectando-os às lutas políticas dos “subalternos”. Segundo Gramsci, “o povo é dono de todo o seu coração, mas ele jamais se rebaixa para adulá-lo; ao contrario, ele o vê com o mesmo olho severo com o qual vê a maior parte dos que não são povo”29. Nesse sentido, para Gramsci, a organicidade dos novos intelectuais está relacionada principalmente à sua profunda vinculação à cultura, à história, à política e a educação das classes subalternas que se organizam para construir uma nova civilização. Em todos os seus escritos Gramsci escreve de maneira original e insuperável a relação entre os intelectuais e “povo-nação”.

Nesse sentido, Losurdo afirma que

Podemos perceber claramente o abismo que separa a concepção dos intelectuais populares que “sentem” com “paixão” a vida dos “subalternos” e os intelectuais convencionais, funcionais à elite e especializados na

26 GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultura, p. 8.

27 Ver, nesse sentido, LAJOLO, Laurana. Gramsci um uomo sconflito. [1980]. Trad. Carlos Nelson Coutinho, São Paulo, brasiliense, 1982, p. 34. Gramsci define o jornal L’Ordine Nuovo como “um terreno de discussões” e de pesquisa sobre o problemas da vida nacional e internacional, como um instrumento mais aprofundado, do que jornal diário e mais ágil do que a revista, capaz de criar nos operários e nos intelectuais a consciência coletiva para aproximação da hora decisiva.

28 GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultura, p. 8.

29 GRAMSCI, Antonio. Literatura e Vida Nacional, p. 80.

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administração e no controle da sociedade. Estes se revelam preocupados com a centralização do poder, com um universalismo abstrato30.

Gramsci retrata o vínculo profundo dos intelectuais com as camadas populares, reconhecidos como sujeitos ativos de “espírito criativo”, porque promove a universalização da intelectualidade. Gramsci está convencido de que todos têm a capacidade de pensar e agir, de elaborar conhecimentos, de acumular experiência, de ter uma sensibilidade, um ponto de vista próprio. Nesse sentido, combatendo a noção abstrata, aristocrática e restrita de intelectual, Gramsci afirma que “Todos são intelectuais (...). Porque não existe atividade humana da qual se possa excluir alguma intervenção intelectual” 31. Daí ele sustentar que:

Todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um ‘filósofo’, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para promover novas32.

Para Gramsci, isso quer dizer que o desempenho de diferentes funções

“intelectuais” nunca deve justificar hierarquias ou divisão de classes na sociedade. Essa visão totalmente inovadora e revolucionária rompe com a concepção do intelectual

“superior” e separado, com o filósofo “detentor da verdade” e guia da pólis que se formou com base na tradição platônica. As ideias de Gramsci passam a fundamentar a formação dos novos intelectuais na práxis hegemônica dos subalternos, cujas lutas teóricas e práticas buscam criar uma outra filosofia e uma outra política, capazes de promover a superação do poder como dominação e construir efetivamente uma reforma intelectual e moral.

Gramsci, em seus escritos, formula sobre uma ampla gama de intelectuais (urbano, industriais, rurais, burocráticos, acadêmicos, técnicos, profissionais, pequenos, intermediários, grandes, coletivos, democráticos e etc.), e a cada um faz a sua interpretação original das suas funções. Gramsci, de fato, rompeu com o lugar comum que compreendia os intelectuais como um grupo “autônomo e independente”33. Ele

30LOSURDO, Domenico. O universalismo difícil: direito do homem, conflito social e condição geopolítica. In: COTTURI, G. (Org.). Guerra individuo. Milano: Angeli, 1999. p. 103 e 135.

(Democracia e direito, n. 1).

31 GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultura, p. 8.

32 Ibidem, p.9.

33 GRAMSCI, Antonio. O Intelectual e a Organização da Cultura, p. 3.

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recria um novo modelo de intelectual e, portanto, demonstra que a formação desse novo intelectual não é no espaço único e que outros espaços contribuem para está tarefa como: o partido, a fábrica, a igreja, as atividades políticas, a participação nas organizações, nos movimentos sociais e culturais. Por fim, Gramsci defende que

De resto, a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os intelectuais e os simples se verificasse a mesma unidade que dever existir entre teoria e prática, isto é, se os intelectuais tivessem sido organicamente os intelectuais daquelas massas, ou seja, se tivesse elaborado e tornado coerentes os princípios e os problemas que aquelas massas colocavam com a sua atividade prática, constituindo assim um bloco cultural e social34.

34 GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere, Volume I, Caderno 11 (Introdução ao estudo de filosofia), p.100.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Obras do autor:

GRAMSCI, Antonio. A constituição do partido comunista: 1923-1926. Turim: Einaudi, 1971.

__________. Antonio. Cadernos do Cárcere, [1948]. Trad. Carlos Nelson Coutinho Vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização brasileira 2006.

__________. Antonio. Concepção dialética da história. 2. ed. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 1978.

__________. Antonio. Gli Intelectual e La Organizzazione della Cultura, [1949]. Trad.

Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991.

__________. Antonio. La Questione Meridionale [1966]. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Marco Aurélio Nogueira, Rio de Janeiro: Paz e terra1987.

__________. Antonio. Letteratura e Vita Nazionale, [1950]. Trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio Janeiro: Civilização brasileira, 1978.

Obras sobre o autor:

BUEY, Francisco. Actualidad del Pensamento Politico de Gramsci. [1977]. Buenos Aires: Grjalbo.

FIORI, Giuseppe. Vita de Antonio Gramsci. [1974]. Napoles: Laterza.

GRISONI, Dominique e MAGGIORI, Robert. Lire Gramsci. [1973]. Paris: Éditions Universitaires.

LAJOLO, Laurana. Gramsci um uomo sconflito. [1980]. Trad. Carlos Nelson Coutinho, São Paulo: brasiliense, 1982.

LOSURDO, Domenico . Daí fratelli Spaventa a Gramsci: per uma storia politica- sociale della fortuna de Hegel in Itália. Napoli, 1997.

Referências

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