Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 44/18.6PTVRL.G1 Relator: AUSENDA GONÇALVES Sessão: 16 Setembro 2019
Número: RG
Votação: UNANIMIDADE
Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: IMPROCEDENTE
CONDUÇÃO SOB O EFEITO DE ÁLCOOL
ARGUIDO COM REGISTO SETE CONDENAÇÕES
PENA DE PRISÃO EFETIVA
Sumário
I - A imposição (constitucional) de o juiz fundamentar, criteriosamente, as decisões jurisdicionais, de modo a que se perceba a motivação para ter
decidido em certo sentido, satisfaz-se com a explicitação das razões da opção por uma determinada medida, uma vez que esta, necessariamente, exclui a aplicação de todas as passíveis de, em concreto, serem tomadas.
II - Considerando que o arguido conduzia um veículo com uma taxa de álcool no sangue de 3,045 g/l, com pleno conhecimento de que tinha ingerido
bebidas alcoólicas, e já tinha sido por sete vezes condenado (em penas de multa e de prisão) pela autoria de crimes de idêntica natureza, deve concluir- se que o mesmo tem uma grande propensão para ofender os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal em causa (a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, a vida ou a integridade física).
III - Assim, não só a aplicação de uma pena de multa não se mostra suficiente e adequada a perseguir as finalidades da punição, como se encontra
justamente determinada a pena de onze meses de prisão e esta não deve ser substituída por qualquer medida, designadamente pela suspensão da sua
execução, considerando que os factos apontam para que a conduta do arguido,
objecto agora destes autos, não foi um incidente ocasional, tendo o mesmo rejeitado, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que levou o Tribunal a concluir, sem margem para reparo, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes.
Texto Integral
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:
I – Relatório
No âmbito do processo abreviado n.º 44/18.6PTVRL do Juízo Local Criminal de Vila Real, do Tribunal Judicial da mesma Comarca, o arguido S. C. foi julgado e condenado por sentença proferida e depositada a 18/03/2019, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 11 (onze) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 (três) anos, nos termos do disposto no artigo 69º, n.º 1, al. a), do mesmo Código.
Inconformado com a referida decisão, o arguido interpôs recurso, pugnando pela suspensão da execução da pena, sob a condição de se submeter, em liberdade, a tratamento da dependência de álcool e/ ou psiquiátrico, formulando na sua motivação as seguintes conclusões:
«1 – O Tribunal a quo proferiu douta sentença em desconformidade aos ditames da prevenção geral e especial estatuído no art.º 40 do Código Penal;
2 – O Tribunal a quo não atendeu na medida da pena de prisão a prevenção especial positiva e negativa quanto ao arguido, por forma a almejar a
ressocialização deste, e evitar a reincidência penal;
3 – O Tribunal a quo não atendeu na medida da pena de prisão a prevenção especial positiva e negativa quanto ao arguido, negando-lhe tratamento de desintoxicação de álcool e/ ou tratamento psiquiátrico, conforme alegadas pelo defensor em sede de julgamento;
4 – O Tribunal a quo, no seguimento do registo criminal do arguido, e mais uma vez, apenas se atendeu ao cumprimento da prevenção geral de “atirar” o arguido para a prisão pelo período de onze meses, ficando a prevenção
especial desguarnecida, no que tange a ressocialização e perigo de reincidência...».
O recurso foi regularmente admitido por despacho proferido a fls. 98.
O Ministério Público, em 1ª Instância, apresentou resposta à motivação, defendendo que não é possível fazer um juízo de prognose favorável em
relação ao arguido quanto à eventual suspensão da medida da pena que lhe foi aplicada. Também neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto
emitiu douto parecer na mesma senda, mantendo que deve ser mantida a pena aplicada ao arguido.
Cumprido o disposto no n.º 2, do art. 417º do CPP, feito o exame preliminar e colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
*
II – Fundamentação
Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (arts. 403º e 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de apurar se a pena aplicada ao recorrente deve ser suspensa na sua execução condicionada ao tratamento da
dependência de álcool e/ ou de tratamento psiquiátrico do arguido.
Importa apreciar tal questão e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados na decisão recorrida:
«1. No dia 23 de Dezembro de 2018, cerca das 01.50 horas, na Rua …, Vila Real, o arguido conduzia o veículo opel corsa, de matrícula JZ.
2. Foi então o arguido interceptado por uma Brigada da PSP e submetido ao exame qualitativo de pesquisa de álcool no sangue tendo acusado uma TAS de 3,045 g/l, já deduzido o erro máximo admissível para o aparelho usado no teste.
3. Embora soubesse que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que não podia conduzir veículos automóveis em vias públicas ou equiparadas nessas circunstâncias, tal não o impediu de conduzir o referido veículo.
4. Agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, embora soubesse que tal conduta era proibida e punida por lei penal.
5. O Arguido trabalha como trolha há cerca de 1 ano, auferindo cerca de € 600,00 mensais.
6. O Arguido é casado e vive em casa própria com a esposa e dois filhos maiores de idade.
7. O Arguido tem o 6º ano de escolaridade.
8. O arguido saiu da prisão no dia 01 de Agosto de 2017.
9. O Arguido já foi condenado:
a) por decisão de 10.11.1999, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo comum singular nº 193/99, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 22.01.1999, de um crime de condução sob efeito do álcool e um crime de desobediência, na pena única principal de 90 dias de multa e na pena acessória de 2 meses de proibição de conduzir;
b) por decisão de 23.05.2002, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo sumaríssimo nº 28/02.6TBVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 13.05.2000, de um crime de desobediência, na pena de 20 dias de multa;
c) por decisão de 20.06.2002, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 26/02.0TBVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 29.12.2000, de um crime de desobediência, na pena de 100 dias de multa;
d) por decisão de 14.10.2002, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 573/01.0PBVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 10.11.1999, de um crime de desobediência, na pena principal de 150 dias de multa e na pena acessória de 1 ano de proibição de conduzir;
e) por decisão de 22.10.2003, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 253/00.4GCVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 10.09.2000, de um crime de dano, na pena de 120 dias de multa;
f) por decisão de 04.12.2003, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 697/01.4TAVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 14.03.2000, de um crime de desobediência, na pena de 50 dias de multa;
g) por decisão de 25.01.2005, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 150/03.1TAVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 24.06.2002, de um crime de desobediência, na pena principal de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano;
h) por decisão de 18.10.2005, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/c nº 34/04.6GTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 01.02.2003, de crimes de violação de proibições e injúria agravada, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos;
i) por decisão de 09.11.2005, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo abreviado nº 3/05.9PTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 27.01.2005, de um crime de condução em estado de embriaguez, na
pena principal de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, e pela prática da contra-ordenação p. e. p. pelo art. 13º, nºs 1 e 3 do CE na coima de € 249,40;
j) por decisão de 09.11.2005, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 408/04.2GTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 07.2004, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 ano;
l) por decisão de 18.06.2008, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 169/06.0GTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 14.04.2006, de um crime de condução em estado de embriaguez e de um crime de desobediência, na pena única principal de 54 períodos de prisão e na pena acessória de 1 ano de proibição de conduzir;
m) por decisão de 26.08.2008, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo sumário nº 356/08.7GTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 26.07.2008, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena única principal de 36 períodos de prisão e na pena acessória de 1 ano de proibição de conduzir;
n) por decisão de 25.05.2009, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 237/07.1TAVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 08.08.2008, de um crime de desobediência, na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano;
o) - por decisão de 30.07.2013, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo sumário nº 45/13.0PTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 23.07.2013, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena principal de 6 meses de prisão e na pena acessória de 1 ano e 3 meses de proibição de conduzir;
p) por decisão de 24.02.2014, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 62/13.0GTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 22.06.2013, de um crime de desobediência e um crime de violação de
proibições, na pena única principal de 8 meses de prisão e na pena acessória de 18 meses de proibição de conduzir;
q) por decisão de 12.03.2015, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 54/12.7PTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 21.12.2012, de um crime de desobediência, na pena principal de 36 períodos de prisão e na pena acessória de 1 ano e 6 meses de proibição de conduzir;
r) por decisão de 12.04.2016, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo sumário nº 23/16.8PTVRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 21.03.2016, de um crime de condução de veículo em estado de
embriaguez, na pena principal de 5 meses de prisão e na pena acessória de 10 meses de proibição de conduzir.
s) por decisão de 09.05.2017, já transitada em julgado, proferida no âmbito do processo c/s nº 872/16.7T9VRL, do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 21.03.2016, de um crime de violação de proibições, na pena principal de 1 mês de prisão.».
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III- O Direito.
O arguido/recorrente, sem impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto nem o respectivo enquadramento jurídico, apenas se insurge quanto ao facto de não ter sido suspensa na sua execução a pena de prisão que lhe foi aplicada, em face das circunstâncias dadas como provadas.
Não está, pois, em causa a opção pela pena principal de prisão, perante a pena abstracta compósita alternativa, nem tão pouco a determinação da sua medida.
Vejamos.
Resulta da matéria de facto apurada, a que este tribunal se encontra adstrito, que o arguido no dia 23 de Dezembro de 2018, pelas 01.50 horas, na Rua …, Vila Real, conduzia o veículo Opel Corsa, de matrícula JZ, com uma taxa de álcool no sangue de 3,045 g/l, já deduzido o erro máximo admissível, fazendo-o com pleno conhecimento de que tinha ingerido bebidas alcoólicas, aliás, em quantidade que ultrapassava, largamente, o limiar de 1,2 g/l, de forma deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo qual o arguido foi condenado, é abstractamente punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, nos termos do disposto no artigo 292º, do C.
Penal.
O Sr. Juiz, optou, e bem, pela pena de prisão, por ter considerado que o arguido já tinha sido condenado por diversas vezes em crimes de idêntica natureza e a aplicação de uma pena de multa não se mostrar suficiente e adequada a perseguir as finalidades da punição, tendo concluído que o
arguido tem uma grande propensão para ofender os bens jurídicos protegidos pelo tipo legal em causa, dando assim, integral cumprimento ao comando ínsito no art. 70º do C. Penal
Os bens jurídicos que se visam proteger com esta incriminação são a vida, a integridade física e o património de outrem a par da segurança da circulação rodoviária, estabelecendo o legislador uma presunção fundada na observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso
em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados (1).
Com vista a tal desiderato, deverá atender-se ao disposto no artigo 40º do C.
Penal, que estabelece que a aplicação de penas ou medidas de segurança tem como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no n.º 1 do art. 71º, do C. Penal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, n.º 2, do mesmo Código.
Na determinação concreta da pena, há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente ao grau de ilicitude e a outros factores ligados à execução do crime, à intensidade do dolo, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e aos fins e motivos que o determinaram, às condições pessoais do agente, à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71º, n.º 2, do Código Penal).
Dito por outras palavras, na graduação da pena, deve olhar-se para as funções de prevenção, quer de ordem geral – com o objectivo de confirmar os bens jurídicos violados –, quer de ordem especial – tendo em vista gerar condições para a readaptação do agente do crime, de modo a evitar que este volte a violar tais bens –, mas sem se perder de vista a culpa do agente – com atendimento das circunstâncias estranhas à tipicidade –, que a medida da pena tem como base e limite.
Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas
comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a
comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas
expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral;
definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a
forma de defesa da ordem jurídica» (2). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (3). «Sendo a pena
efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (4).
No caso vertente, importa, desde logo, referir que o arguido, com a sua conduta, atingiu valores fundamentais e imprescindíveis à vida em
comunidade, como é a segurança da circulação rodoviária, a segurança das pessoas face ao trânsito de veículos, como a vida, ou a integridade física.
Realmente, não pode o Tribunal descurar as elevadas exigências de prevenção geral, na medida em que esta incriminação carece de um maior enraizamento na consciência comunitária – o que surge espelhado nas estatísticas da
sinistralidade rodoviária – sendo premente a protecção do bem jurídico em causa, através da revalidação e consolidação desta norma incriminadora.
Existe cada vez mais a necessidade de consciencializar a sociedade para a relevância que assume o respeito pelas normas que tutelam a segurança rodoviária, assumindo as condutas da natureza da adoptada pelo arguido uma muito relevante danosidade social, para mais quando, entre nós, atingem elevadas proporções, como é sabido, sendo, uma parte significativa dos acidentes de viação provocada por condutores em estado de embriaguez.
Assim, depõe contra o arguido a gravidade do seu comportamento, atendendo aos valores jurídicos atingidos, a par das particulares garantias de que o Estado procura fazer revestir a circulação rodoviária. Com efeito, não pode ser desvalorizado o grau de perigo criado com essa conduta, atento o
interesse tutelado (a segurança da circulação rodoviária). Sendo a condução de veículos automóveis, em si, já uma actividade perigosa, sê-lo-á muito mais quando exercida por quem, por ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, não está em condições de o fazer.
Também é elevado o grau de ilicitude, tendo em atenção o nível de
desconformidade com o direito revelado pela conduta do arguido, ao conduzir um veículo em estado de embriaguez e com a muito acentuada taxa de álcool no sangue de que o mesmo era portador, embora tenha sido submetido ao
teste de pesquisa de álcool no ar expirado na sequência de uma mera operação de rotina.
Apesar de o arguido ter representado os factos integradores do tipo de ilícito, não se absteve de os praticar, sendo também muito elevadas as exigências de prevenção especial, desde logo, porque já anteriormente foi por sete vezes condenado pela prática deste ilícito, tendo agora evidenciado, flagrantemente, que falhou o prognóstico, subjacente a todas aquelas decisões, de que o
mesmo não voltaria a delinquir.
Com efeito, o arguido sofreu já várias condenações pelo mesmo crime em 10/11/99 (90 dias de multa), 9/11/2005 (7 meses de prisão), em 9/11/2005 (8 meses de prisão), em 18/6/2008 (54 períodos de prisão), 26/8/2008 (36
períodos de prisão), 30/7/2013 (6 meses de prisão), em 12/4/2016 (5 meses de prisão).
A seu favor apenas se computam as circunstâncias de o mesmo se encontrar inserido socialmente e ter confessado os factos, mas com reduzidíssimo relevo atenuativo, no apontado contexto.
Ora, perante o conjunto dos factos apurados quanto à pessoa do recorrente, no processo de determinação (concreta) do quantum de pena de prisão, também não se mostra incumprida quaisquer normas e princípios legais, nomeadamente o disposto no art. 40º do C. Penal.
De facto, para além das elevadas exigências de prevenção geral já assinaladas, não podemos deixar de reiterar que também são muito fortes as exigências de prevenção especial. Pese embora a inserção social do recorrente, não se pode omitir que o mesmo, com 54 anos de idade e tendo significativos antecedentes criminais, todos eles, à excepção de uma condenação por crime de dano, por crimes de idêntica natureza, vem persistindo no mesmo tipo de conduta desde 1999. Apesar de este aspecto já ter sido devidamente ponderado na avaliação que o Tribunal de 1ª instância fez ao fixar a pena perto do seu limite máximo, não poderemos deixar de, também nós, salientar que o recorrente, ao insistir, pela oitava vez, no cometimento do mesmo crime, frustrou,
irremediavelmente, a possibilidade de se renovar agora qualquer espécie de vaticínio que, sequer, sugira a possibilidade de o mesmo vir a adoptar, no futuro, uma conduta conforme ao direito e ao que a sociedade exige sem que se lhe imponha uma pena mais severa e cujos reais efeitos possam
corresponder, naturalmente, às patenteadas necessidades de prevenção geral e especial.
Relativamente a todo o anterior percurso de desacato pelo recorrente ao
quadro normativo vigente, nada de novo se evidencia agora no recurso que permita suportar uma diferente opção. Todas as várias sanções sofridas não evitaram que o mesmo, numa clara postura de afronta, insistisse em pôr em perigo a segurança da circulação rodoviária, revelando uma personalidade antijurídica que importa censurar e força a reconhecer que todas as anteriores apostas favoráveis à sua normal reinserção, apenas com as medidas até agora experimentadas, assentaram em pressupostos, afinal, erradamente
presumidos.
Com efeito, a factualidade apurada obriga a concluir que se mostra
exacerbada a necessidade da pena a aplicar, atendendo à acentuada taxa de alcoolémia com que, dolosamente, conduzia, após cumprimento de duas penas de prisão efectivas.
A pena principal encontra-se justamente determinada. Mas será que é caso de aplicação de pena de substituição, conforme aqui é defendido pelo arguido/
recorrente?
Vejamos.
Uma pena de prisão fixada em medida não superior a um ano, para além de poder ser substituída por multa, nos termos do art. 43º do C. Penal, também pode ser suspensa na execução (art. 50º) e ainda ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade (art. 58º), desde que se verifiquem os
respectivos pressupostos (5).
Estamos, assim, perante um poder-dever ou um poder vinculado: o julgador tem o dever de fundamentar, sempre devida e criteriosamente, cada uma das opções a que alude o supra citado art. 43º (6), que estatui: «A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes».
O Sr. Juiz decidiu não suspender a execução da pena, nos termos do art. 50º, n.º 5 do C. Penal, por perfilhar o entendimento de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já que o arguido não soube aproveitar as muitas
oportunidades que lhe foram sendo dadas para inverter a sua forma de vida, assumindo comportamentos adequados e socialmente aceitáveis. Conforme decorre do texto da sentença recorrida, o Sr. Juiz conheceu da questão da escolha da pena, como se lhe impunha, e fundamentou essa escolha, com o entendimento, assim sumariamente concretizado, de que a substituição da pena de prisão (efectiva) por qualquer medida de substituição,
designadamente por multa ou por qualquer das demais previstas na lei não satisfaria as exigências de prevenção geral.
Ora, partilhamos o entendimento expresso no acórdão desta Relação, de 4 de Janeiro de 2010: «O dever de fundamentação das decisões jurisdicionais apenas abrange os actos decisórios concretos tomados pelo Tribunal, não lhe cabendo motivar as razões por que não optou por decisão diferente da que tomou.» (7).
Assim sendo, vejamos se foi acertada a decisão recorrida quanto à não suspensão da pena aplicada.
Conforme impõe o art. 50º do C. Penal, a questão da suspensão (ou não) da pena, dado que aplicada em medida não superior a cinco anos, tem que ser obrigatoriamente abordada, importando averiguar se a prognose de
ressocialização é favorável: a execução da pena de prisão aplicada deve ser suspensa se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Considerando a norma a possibilidade de suspensão de execução da pena, impõe-se averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. A prognose de ressocialização tem por parâmetros a ideia de que, por um lado, a reclusão constitui a última ratio da política criminal, mas, por outro, a de que a comunidade persegue a garantia, a protecção e a promoção dos direitos das pessoas, sem o sentido de missão socializadora através de métodos de coacção próprios do controlo social.
O que significa que deve negar-se a possibilidade de suspensão se os factos provados justificarem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de reinserção que a sociedade lhe oferece, ou seja, se o juiz não estiver convicto desse prognóstico (favorável) (8). Trata-se, pois, de “averiguar se é possível, ou não, fazer um prognóstico favorável. Só o prognóstico favorável permite a suspensão da execução da pena de prisão.
Não estando quanto a ele convicto o julgador falhará uma exigência legal devendo negar-se a possibilidade de suspensão. Esse é o caso das situações de non liquet” (9).
É o que sucede na situação em apreço com o recorrente, como já resulta do que acima expendemos a respeito da medida da pena e de que se extrai que a personalidade do arguido contraindica a suspensão, pois os factos apontam para que a sua conduta, objecto agora destes autos, não foi um incidente ocasional.
Como se viu, se, por um lado, o recorrente colaborou espontaneamente para a descoberta da verdade, embora sem significativo relevo, por outro lado, desde logo, não se pode abstrair da gravidade e da censurabilidade da conduta que o arguido adoptou, inerente à prática reiterada do mesmo ilícito. Este é um
aspecto que mereceu já justificada saliência, por evidenciar que o recorrente rejeitou, sistematicamente, interiorizar as consequências da sua conduta anterior, o que levou o Tribunal a concluir, sem margem para reparo, que a antecedente imposição das variadas penas, com diferentes modalidades, não acautelou eficazmente o cometimento de novos crimes.
Além disso, se o recorrente se encontra normalmente inserido, a par de uma regular actividade laboral, o que poderia, em princípio, constituir importantes factores para a sua ressocialização, a verdade é que mantém o consumo
excessivo de álcool – que o próprio reconhece.
Circunstancialismo com muito significado a que se tem agora de atender por relevar, sobremaneira, nesta sede, com vista a averiguar dos pressupostos e finalidades da suspensão da pena de prisão.
Portanto, ponderando tudo o exposto, constatamos que os elementos
fornecidos nos autos não fundam qualquer esperança no êxito do processo de reinserção social do arguido em liberdade, por não permitirem o vaticínio de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada as finalidades da punição, razão pela qual não merece censura a decisão recorrida. E, assim, concluindo que a execução da pena de prisão aplicada é exigida pela necessidade de prevenir o cometimento pelo
recorrente de futuros crimes, também se mostra inviabilizada a substituição dessa pena por qualquer das demais medidas de substituição previstas na lei.
Mostram-se inteiramente válidas as considerações expendidas pelo Ministério Público, quando assevera que a substituição da pena, mesmo acompanhada de sujeição a tratamento médico, não garante no caso as exigências de prevenção e não garante particularmente as exigências de prevenção especial, já que, no contexto exposto, não é possível formular qualquer juízo de prognose de
ressocialização em liberdade mesmo com sujeição a tratamento médico.
É certo que, o tratamento médico, no caso, se revela altamente aconselhável dada a relação da dependência do consumo de álcool com a prática do crime, contudo, como é sabido, os estabelecimentos prisionais dispõem de um
conjunto de respostas dirigidas às necessidades específicas de reclusos com problemas de dependência de álcool. Consequentemente, a argumentação do recorrente no sentido da suspensão da pena para proporcionar o seu
tratamento não merece, pois, acolhimento na medida em que a sua reclusão pode ser vocacionada para esse fim.
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Decisão:
Pelo exposto, julgando-se o recurso improcedente, decide-se manter integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC´s.
Guimarães, 16/09/2019 Ausenda Gonçalves Fátima Furtado
1 Cfr. Paula Ribeiro de Faria, “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II”, 1999, p. 1093.
2 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
3 Ibidem, p. 575.
4 Ibidem, p. 558.
5 E, para além destas penas de substituição da prisão, em sentido próprio, porque cumpridas em liberdade, há ainda que contar com penas de
substituição detentivas como sucede com o regime de permanência na
habitação (art.44º), a prisão por dias livres (art.45º) e a prisão em regime de semidetenção (art.46º).
6 Cf., nesse sentido, o Ac. da RL de 26-05-2010 (P. 310/08.9GFVFX.L1-3ª (sumariado em www.pgdlisboa.pt.).
7 Proferido no processo nº 324/09.1GAVVD, relatado pelo Desembargador Fernando Monterroso, no qual também se escreveu: «Ora, a opção por uma pena de substituição exclui necessariamente a aplicação de todas as demais.
Pretender que a sentença indique as razões porque não optou por cada uma das penas de substituição abstractamente admissíveis, quando já são
conhecidas as razões da aplicação duma delas, seria, na prática, transformá-la num amontoado de frases feitas, que a tornariam de leitura difícil. O dever de fundamentação é uma imposição constitucional, mas isso não deve
transformar as sentenças em complexos exercícios de sapiência. O essencial é que se perceba por que razão o tribunal decidiu em determinado sentido.».
8 Como realça F. Dias (Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 344), o que está em causa não é qualquer certeza, mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, devendo o tribunal estar disposto a correr um certo risco fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade. Só havendo sérias razões para duvidar da capacidade do arguido de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, é que o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
9 Tal como entendeu o Ac da RP de 25/10/2006, proferido nos autos PCC nº 623/05.1PBMTS, a fls 382 e ss.