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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS CENTRO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS CENTRO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS – MESTRADO ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LITERATURA COMPARADA

Dissertação de Mestrado

AS IDEIAS RACIAIS NA OBRA DE MONTEIRO LOBATO: FICÇÃO E NÃO FICÇÃO

Rafael Fúculo Porciúncula

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Rafael Fúculo Porciúncula

AS IDEIAS RACIAIS NA OBRA DE MONTEIRO LOBATO: FICÇÃO E NÃO FICÇÃO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – Mestrado do Centro de Letras e Comunicação da Universidade Federal de Pelotas, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Letras – Literatura Comparada.

Orientador: Prof. Dr. Alfeu Sparemberger Co-orientador: Prof. Dr. Uruguay Cortazzo González

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Dedico este trabalho à minha amada esposa Siane Bianchi Porciúncula, por fazer parte de mim, por ser tudo o que eu sempre sonhei e tudo que eu quero para toda a minha vida, por ser o impulso que me lança em direção aos nossos sonhos, a luz que me guia, a água que bebo, o ar que respiro, por ser o grande amor da minha vida.

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Agradecimentos

À minha esposa, pelo apoio incondicional, pelo colo nos dias exaustão, por ter sido a força que me manteve em pé nos momentos de aflição, pela compreensão mesmo nos dias e nas noites que sacrifiquei, por ter sido minha motivação, porque sem ela nada disso teria sido possível.

À minha mãe, por ter sido, durante toda a vida, um espelho de garra e de coragem e por ter me ensinado que a vida é feita de batalhas, que ora se ganham ora se perdem, mas que a vitória só é alcançada com empenho e perseverança.

Ao meu pai, que mesmo não estando mais presente entre nós, certamente estará orgulhoso por minha conquista, por ter me ensinado a encarar a vida com humildade e caráter.

Ao meu orientador, Alfeu, pelas aulas excelentes, pela amizade, pela paciência e compreensão de sempre, por acreditar na minha capacidade e na viabilidade desta pesquisa.

Ao meu co-orientador, Uruguay, pela amizade, por ter aberto as janelas da minha vida para o mundo encantado da literatura, pela paciência com os infindáveis e-mails, por ter guiado o meu olhar para uma temática tão apaixonante e humana.

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Resumo

PORCIÚNCULA, Rafael Fúculo. As ideias raciais na obra de Monteiro Lobato: ficção e não ficção. 2014. 199 f. Dissertação (Mestrado em Letras - Literatura Comparada) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Letras e Comunicação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2014.

A discussão suscitada nos últimos anos a respeito da possível presença de ideais preconceituosos nas produções do escritor paulista Monteiro Lobato (1882-1948) instigou a análise de seu ―pensamento racial‖, com o intuito de averiguar se, de alguma maneira, o seu discurso não ficcional dialoga com as representações dadas à mesma temática em suas criações literárias. O estopim da polêmica supracitada foi a acusação, relatada em Parecer do Conselho Nacional da Educação (CNE), de que a obra pertencente ao Programa Nacional Biblioteca da Escola, Caçadas de Pedrinho (1933), de Monteiro Lobato, representava o ―negro‖ e o ―universo africano‖ de maneira estereotipada e preconceituosa. Por conseguinte, diante das múltiplas interpretações constatadas, essa investigação buscou analisar a evolução do pensamento lobatiano sobre a questão racial de acordo o contexto histórico-social em que Lobato viveu e as ideias às quais se afiliou. Assim, o exame de seus enunciados revela distintas associações a teorias sobre o tema, ora com uma visão crítica sobre a miscigenação, ora com a aderência aos projetos sanitaristas ou eugenistas do início do século XX. Através de suas declarações, observou-se que o criador do ―Sítio do Picapau Amarelo‖ acreditava na existência de uma superioridade branca em relação às outras ―raças‖, relacionando-a, por diversas vezes, a um suposto arquétipo intelectual, cultural e fisionômico. Paralelamente, examinou-se suas narrativas literárias desde uma perspectiva que visasse averiguar como o racialismo está representado em seu discurso ficcional. Por conseguinte, constatou-se que os ideais raciais preconstatou-sentes na obra literária do escritor coincidem com suas concepções sobre o tema. Seja através das palavras do narrador, seja pela caracterização física e psicológica dada às personagens ou pelas relações estabelecidas entre elas, nota-se que o ―negro‖ e o ―mestiço‖ são, constantemente, associados à subalternidade, à fealdade, à ignorância e ao atraso cultural, em oposição à autoridade, à beleza, à inteligência e à cultura avançada do ―branco‖.

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Abstract

PORCIÚNCULA, Rafael Fúculo. The racial ideas in the work of Monteiro Lobato: fiction and nonfiction. 2014. 199 f. Dissertation (Master of Arts in Comparative Literature) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Centro de Letras e Comunicação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2014.

The discussion raised in recent years about the possible presence of prejudicial ideals in the productions of Monteiro Lobato (1882-1948) prompted the analysis of his "racial thinking" in order to ascertain whether, somehow, his nonfictional discourse is linked with the representations given to the same theme in his literary creations. The reason of the controversy aforementioned was the charge reported in the National Education Council Report (CNE), that the work which belongs to the National School Library Program, Caçadas de Pedrinho (1933), written by Monteiro Lobato, represented the ―black‖ and ―African universe!‖ in a stereotyped and prejudicial way. Therefore, given the multiple interpretations noted, this study aimed at analyzing the evolution of Lobato‘s thinking about race according to historical and social context in which he lived and the ideas to which he was affiliated. Thus, the examination of his enunciations reveals distinct associations to theories on the subject, sometimes with a critical view of miscegenation, and sometimes with adherence to the sanitary or eugenicists projects of the early twentieth century. Through his statements, it was observed that the creator of Sítio do Picapau Amarelo believed in the existence of white superiority over other ―races‖, relating it several times to a supposed intellectual, cultural and physiognomic archetype. In parallel, we examined their literary narratives from a perspective that aims at ascertaining how racialism is represented in his fictional discourse. Therefore, it was found that racial ideals present in the literary work of the writer coincides with his views on the subject. Both through the words of the narrator and the physical and psychological characterization given to the characters, or the relationships established between them, it is possible to note that the ―black‖ and ―mestizo‖ are constantly associated with the concepts of subordination, ugliness, ignorance and cultural backwardness, as opposed to authority, beauty, intelligence and advanced culture of the ―white‖.

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Sumário

1 Considerações iniciais... 9

2 Caçadas de Pedrinho e a polêmica... 13

2.1 Os Pareceres do Conselho Nacional da Educação... 13

2.2 As distintas interpretações e a polêmica... 18

3 As discussões raciais entre o final do século XIX e início do século XX 51 3.1 Produção literária e sociedade... 51

3.2 O contexto abolicionista e republicano... 54

3.3 A questão imigratória e o “branqueamento”... 62

3.4 A teoria de purificação da raça... 67

3.5 A eugenia brasileira... 71

4 As ideais raciais de Monteiro Lobato I... 82

4.1 As primeiras epístolas... 82

4.2 Lobato articulista... 91

4.2.1 “Uma velha praga”... 92

4.2.2 “Urupês”... 94

4.2.3 A questão da guerra... 100

4.3 Primeiros contos... 102

4.3.1 “A vingança da peroba”... 102

4.3.2 “Bocatorta”... 104

4.4 A união aos projetos sanitaristas e a ressurreição do Jeca Tatu... 106

4.4.1 Sanear é preciso... 106

4.4.2 Jeca Tatu – a ressurreição... 111

4.5 Negrinha... 113

4.5.1 A beleza angelical branca... 113

4.5.2 “O jardineiro Timóteo”... 116

4.5.3 “O bugio moqueado” e “Os negros”... 118

5 As ideais raciais de Monteiro Lobato II... 124

5.1 O presidente negro ou O choque das raças... 124

5.1.1 Os Estados Unidos em 2228... 125

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5.1.3 Estados Unidos e Ku-Klux-Klan... 144

5.2 O Sítio do Picapau Amarelo... 146

5.2.1 O negro: subalternidade, fealdade, ignorância e atraso cultural... 147

5.2.2 O branco: autoridade, beleza, inteligência e cultura avançada... 162

5.2.3 O Sítio e seu criador... 171

5.3 Últimas impressões... 174

5.3.1 Zé Brasil... 175

5.3.2 O enorme canteiro baiano e o candomblé... 178

6. Considerações finais... 183

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1 Considerações iniciais

Iniciou-se, no ano de 2010, uma discussão a respeito das ideias raciais presentes na obra do escritor paulista Monteiro Lobato (1882-1948). No referido ano, o Conselho Nacional da Educação (CNE) relatou a acusação de Antônio Gomes da Costa Neto, de que a obra Caçadas de Pedrinho (1933) representava o ―negro‖ e o ―universo africano‖ de maneira preconceituosa e estereotipada. O motivo da denúncia teria sido a inserção da obra literária no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e sua consequente distribuição nas escolas públicas do Distrito Federal. O documento foi divulgado nos meios de comunicação e, como resultado, provocou a manifestação de diferentes vozes sociais a respeito do seu teor. Logo, formou-se uma polêmica em torno da questão devido às diferentes interpretações tanto do objetivo do Parecer quanto do próprio pensamento racial de Lobato.

A investigação que aqui se desenvolve nasceu em virtude dessa controvérsia. Assim, inicialmente, analisa-se o conteúdo apresentado na acusação de Costa Neto e suas alterações por solicitação do Ministério da Educação (MEC). Sequencialmente, busca-se examinar os diferentes posicionamentos gerados em função da denúncia, com o intuito de perceber quais são os argumentos utilizados como concordância ou oposição às solicitações relatadas pelo CNE. Além disso, averiguam-se quais são as interpretações existentes sobre os ideais raciais no pensamento de Lobato e das representações acerca da mesma temática presentes em suas obras literárias. As declarações analisadas não se restringem a pesquisadores da área literária, mas englobam as opiniões de diferentes segmentos sociais, ligados aos mais variados interesses. Essa escolha contribui para a compreensão de que a obra literária não se encerra entre as paredes acadêmicas, mas circula entre as distintas camadas da sociedade.

Em seguida, com base nos estudos de Antonio Candido (2000) e de Daniel Madelénat (2004) sobre a relação entre a literatura e a sociedade, objetivou-se verificar de que maneira esses dois campos dialogam no momento da elaboração do produto artístico. Com isso, constatou-se a legitimidade do estudo que vise à

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comparação entre as concepções de um autor sobre a problemática racial e a representatividade ficcional desses princípios em sua literatura. Dada essa viabilidade, resgata-se o final do século XIX e início do século XX, com o esforço de perceber qual o contexto histórico-social em que Monteiro Lobato desenvolveu seus ideais. Período de distintas inovações no terreno científico, principalmente na esfera da biologia, além de câmbios políticos e de práticas sócio-laborais no Brasil, o recorte temporal apresenta debates intensos sobre a questão da ―raça‖.

Expõe-se, assim, as discussões referentes à problemática da escravidão e dos caminhos trilhados até a promulgação da Lei Áurea e a libertação dos escravos. Ademais, apresenta-se a realidade social com a qual se depararam os ex-escravos quando libertados e a sua trajetória visando à inserção em uma sociedade que, a muito, já se organizava de forma hierárquica. A respeito da racialidade brasileira, examinam-se as diferentes teorias que ora questionam a mestiçagem ora a tomam como solucionista se guiada pelas concepções corretas, ou ainda, formulações científicas que visam o aperfeiçoamento da ―raça‖ de acordo com a interferência nas uniões, nos direitos de procriar e com a tentativa de controle de fatores supostamente degenerativos. Para os fins destacados, toma-se como fundamento os trabalhos de Thomas Skidmore (2012), de Pietra Diwan (2007) e de Nancy Stepan (2005), aos quais se intercalam outros estudos que, em diálogo com os citados, contribuem para a formação de um panorama consistente sobre aquele período, no que se refere à temática central desta pesquisa.

Depois de caracterizado o cenário que se tinha proposto, esta investigação centraliza a sua análise em Monteiro Lobato, mais precisamente em seus enunciados a respeito da esfera racial. Opta-se por não separar, em sua totalidade, o exame de seu discurso não ficcional da apreciação de sua produção literária, não por uma equiparação da natureza desses textos, mas por considerar-se mais favorável para a avaliação do possível diálogo entre eles. Entretanto, no decorrer do texto, procura-se demarcar essa distinção discursiva, ou seja, busca-se salientar se as manifestações em análise se referem à própria voz de Lobato ou se está inserida em uma obra literária e a sentença derive de uma entidade ficcional, como o narrador ou alguma personagem. Além disso, no mesmo viés organizativo, esforça-se por abordar esesforça-ses materiais esforça-seguindo uma ordem cronológica de produção, com o intuito de perceber a modificação ou conservação de um ideal, tanto no nível

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artístico quanto nas suas concepções pessoais. Obviamente, algumas obras são constituídas por textos escritos em datas que não coincidem com a de sua publicação e, por conseguinte, sempre que possível, procura-se demarcar o período em que foram produzidas.

Para o exame do pensamento racial lobatiano, recorre-se às suas produções não literárias, com a finalidade de constatar quais foram as declarações feitas pelo escritor sobre o assunto. Como objetos pertinentes a essa averiguação, utiliza-se materiais de caráter jornalísticos, como artigos ou crônicas de sua autoria e entrevistas cedidas à imprensa, além de prefácios elaborados para outrem e, também, sua correspondência pessoal. Nota-se, desde agora, a bipartição entre o que Monteiro escreveu para se tornar público e o que foi elaborado com finalidade particular. Ainda assim, mesmo dentro do conjunto de textos, inicialmente, tidos como privados, encontra-se uma nova divisão, pois a grande maioria dessas cartas foi publicada com o consentimento de seu criador, mas algumas delas apenas foram divulgadas após sua morte, através da disponibilização das mesmas em instituições de preservação da memória não somente do remetente, mas também de seus interlocutores. Essa cisão contribui para a constatação de qual imagem Lobato gostaria que fosse pública e qual preferia que se mantivesse em sua confidencialidade.

Nascido no final do período escravista, Monteiro cresceu em meio às mudanças decorrentes da alteração de regime laboral e da alteração no campo político. Diante da realidade social em que estava inserido, o escritor paulista presenciou as diferentes teorizações sobre a questão racial e este trabalho procura constatar como ele encarou cada uma dessas formulações, se com aceitação ou negação. Ademais, objetiva-se perceber se o escritor optou por afiliar-se a alguma dessas correntes de pensamento e defendê-la ou por manter-se imparcial em relação às discussões sobre o tema, as quais permeavam os meios intelectuais daquela época.

No âmbito literário, primeiramente, analisa-se suas criações para adultos, constituídas por alguns contos e por um único romance. Dentre as narrativas curtas, filtram-se apenas as que apresentam características relevantes para esta pesquisa. Ainda que a questão racial não ocupe espaço central na maioria dessas produções, a perspectiva de análise que se adota é guiada pela síntese do enredo narrativo e a

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convergência para a esfera racial, com o propósito de destacar se a temática exerce alguma função para a economia do texto. Por outro lado, o único romance lobatiano – desde seu título, O presidente negro ou O choque das raças (1926) – apresenta de maneira efetiva o conteúdo que conduz essa investigação. Antes de qualquer análise, a titulação antecipa que a questão racial ocupará papel central na narrativa.

Para todas as manifestações ficcionais de Monteiro Lobato, considera-se a caracterização racial dada às personagens, seja pela voz do narrador ou pela descrição feita por outro indivíduo atuante na história apresentada. Ademais, busca-se o exame das relações entre essas personagens, tendo em conta a configuração intelectual e psicológica das mesmas, com o propósito de observar como a questão racial influi no modo de interação dessas personagens. Nessa mesma direção, contempla-se a literatura infantil de Lobato, que, apesar do elevado número de obras, se unificam pela relação de continuidade apresentada, tanto no que se refere aos acontecimentos narrados quanto às personagens que compõem o que se pode chamar de grupo de protagonistas. Por conseguinte, toma-se esse conjunto como constitutivo de uma possível grande narrativa do ―Sítio do Pica-pau Amarelo‖, ainda que, para fins de localização, se faça a referência a cada uma das obras.

Com a mesma perspectiva supracitada, o estudo que se apresenta pretende observar de que modo a questão racial é apresentada na literatura infantil de Monteiro Lobato. Para tanto, tenciona-se a análise da representação dada aos ―negros‖, através das figuras de Tio Barnabé e de Tia Nastácia; e aos ―brancos‖, por intermédio de Dona Benta e seus netos. Obviamente, esse exame se estende a atuação de outras personagens centrais, como Emília e Visconde de Sabugosa, e também das secundárias, cuja conduta, de alguma maneira, venha ao encontro dos objetivos propostos por essa pesquisa.

Assim, fomentado pelas diferentes interpretações sobre as ideias raciais de Monteiro Lobato e sobre a representação literária do tema, este estudo busca evidenciar o que o escritor paulista pensava a respeito desse assunto e perceber se essas concepções pessoais expressas em sua obra não ficcional dialogam com a aparição da temática em suas produções literárias. Tanto a dissonância quanto a aproximação entre as duas esferas discursivas são perfeitamente possíveis e, nesse sentido, o estudo do pensamento racial de Lobato contribuiria para a leitura de suas obras ficcionais segundo a própria intencionalidade que projetava para as mesmas.

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2 Caçadas de Pedrinho e a polêmica

2.1 Os Pareceres do Conselho Nacional da Educação

Em 30 de junho de 2010, o Conselho Nacional da Educação (CNE), na Ouvidoria da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, recebeu uma denúncia de autoria de Antônio Gomes da Costa Neto, Técnico em Gestão Educacional e, no momento, mestrando em Educação pela Universidade de Brasília. O processo gerado, relatado em Parecer aprovado pelo Conselho em 1º de setembro do mesmo ano (BRASIL, 2010), objetivava solicitar que a Secretaria de Educação do Distrito Federal se abstivesse da utilização de materiais – sejam eles didáticos, literários ou de qualquer funcionalidade – que contivessem expressões de cunho racista.

Na denúncia, o autor apresenta uma análise embasada em seu campo de pesquisa, a Educação para as Relações Étnicorraciais, da obra infantil Caçadas de Pedrinho (1933)1, do escritor Monteiro Lobato, na qual declara que a obra citada apresenta múltiplas passagens que se referem de maneira estereotipada ao negro e ao universo africano. Além disso, ressalta que esta produção lobatiana é utilizada como referência em escolas públicas do Distrito Federal, faz parte da coleção selecionada para o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE) e, por conseguinte, foi distribuída para as escolas públicas de ensino fundamental.

O Parecer destaca trecho da nota técnica enviada sob aprovação do Diretor de Educação para a Diversidade, Armênio Bello Schimdt, a qual se mostra a favor do denunciante. Dentre os pontos analisados, Neto salienta que a editora se preocupou em enfatizar que o texto apresenta revisão das novas regras de ortografia e que, referindo-se à parte do conteúdo textual, ainda não existiam leis de proteção aos animais silvestres, além de a onça pintada não estar em risco de extinção na época em que a obra foi escrita. De acordo com ele, em consequência,

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A primeira edição de Caçadas de Pedrinho data de 1933. Entretanto, a análise apresentada se refere à republicação pela Editora Globo no ano de 2009.

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caberia a editora responsável inserir uma nota explicativa justificando a presença de estereótipos na literatura, através da contextualização da obra no período histórico em que foi produzida. Ademais, mesmo sem deixar de reconhecer a importância da utilização de clássicos literários na educação, o mestrando apresentou as leis e as diretrizes que vêm em favor de sua manifestação, em defesa do cumprimento, por parte do Ministério da Educação (MEC), das normas antirracistas que o próprio órgão estipula.

Além da solicitação de inserção de nota explicativa, não só em Caçadas de Pedrinho, mas também em todas as obras pertencentes ao acervo que apresentem as mesmas características, o requerente considerou necessária a execução de outras medidas decorrentes da avaliação do processo: primeiramente, a criação de políticas públicas voltadas aos cursos de ensino superior, visando à formação de profissionais da educação que estejam aptos a lidar crítica e pedagogicamente com essa temática; posteriormente, a indispensabilidade de orientação às escolas, por parte da Secretaria da Educação do Distrito Federal, objetivando o real cumprimento das Diretrizes Nacionais da Educação para a Educação das Relações Étnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL 2004).

O Parecer 15/2010 destaca que a Coordenação Geral de Material Didático do MEC, ao ser questionada sobre o assunto, declarou que a obra será lida sempre sob a supervisão de um professor, dotado de uma experiência leitora, mas não deixou de afirmar que um dos critérios de avaliação no momento da seleção é a ausência de preconceitos, estereótipos e doutrinações. Na ―Análise‖ da denúncia, afirma-se que é passível de compreensão que a adoção de Caçadas de Pedrinho para compor o acervo do PNBE siga o legado de pôr à disposição de alunos e professores obras clássicas para o estudo da literatura infantil. Não obstante, considera-se que a obra supracitada não se enquadra com o método avaliativo anteriormente destacado, pois as características não foram evidenciadas apenas nessa obra, mas também em outras produções lobatianas, o que demonstraria que não se trata de um exame de fragmentos isolados, mas da própria ideologia racial presente nas obras do escritor. Advoga-se, então, pela necessidade de prevenir a adoção de novos materiais que não condigam com o princípio de não selecionar obras que possuam estereótipos e preconceitos de qualquer tipo e, nas seleções subsequentes, de fazer-se cumprir, pela Coordenação Geral de Material Didático do MEC, as normas estabelecidas.

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O documento publicado pelo CNE resultou em distintas interpretações, pois, em princípio, aparentou não expor com clareza alguns de seus propósitos, o que, por conseguinte, levou seus receptores a diferentes inferências, como, por exemplo, a solicitação ou não de censura e proibição do uso da obra no contexto escolar. Devido a tal entendimento ambíguo, o MEC solicitou que o Conselho reexaminasse a denúncia e seus pormenores, o que acarretou na produção de um segundo Parecer (BRASIL, 2011), revisto e corrigido. Em seu ―Histórico‖, o Parecer 6/2011 procura esclarecer que a polêmica gerada resultou de más interpretações sobre o teor do Parecer anterior, pois o documento não objetiva vetar a obra de Monteiro Lobato. Em contraponto, a relatora, Nilma Lino Gomes, procurou comprovar que este não havia sido o único entendimento, ao trazer à discussão trecho de nota enviada ao Ministro da Educação pelo intelectual, político e ativista do Movimento Negro, Abdias no Nascimento (1914-2011), solicitando a homologação e cumprimento das orientações do Parecer de 2010 (BRASIL, 2011, p. 2).

No decorrer na ―Análise‖, o novo documento desfaz a ambiguidade referente à edição da obra de Monteiro Lobato ali reportada, pois a análise direciona-se a republicação no ano de 2009, pela Editora Globo, a qual se tratava de aquisição direta no mercado editorial por escola particular do Distrito Federal, enquanto a inclusão da obra no acervo do PNBE havia sido feita entre os anos de 1998 e 2003, em edição anterior. Além disso, reelabora alguns trechos anteriormente apresentados e acrescenta outras fundamentações à discussão, baseando-se em leis, decretos e convenções que destacam o dever do Estado de promover às crianças um ambiente vivencial e educacional sem qualquer forma de preconceito ou discriminação (p. 5).

No anseio de uma base teórica mais eficaz, são aliados à discussão outros estudos sobre a presença do negro na literatura e sobre as ligações entre literatura infantil e ideologia. Ademais, busca-se legitimar a representação negativa do negro nas obras lobatianas com os estudos de Pietra Diwan sobre a história da eugenia, no qual a historiadora afirma que Monteiro Lobato esteve ligado a projetos de ―purificação racial‖ do povo brasileiro e que as ideias raciais presentes em sua obra coincidem com as ideologias às quais estava relacionado.

Diferentemente do documento anterior, onde a denúncia se referia mais propriamente à Secretaria de Educação do Distrito Federal, o Parecer de 2011

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amplia sua manifestação, conduzindo-a a todo sistema de ensino do país, sob supervisão do Ministério da Educação. Percebe-se, também, a substituição ou supressão de alguns termos. Tinha-se como objetivo ―exigir‖ que a editora responsável inserisse uma ―nota explicativa‖ a fim de dar a conhecer ao leitor os atuais estudos sobre a presença de estereótipos na literatura (BRASIL, 2010, p.5). O primeiro termo destacado foi substituído por ―recomendar‖, enquanto o segundo foi suprimido, mantendo-se somente a referência ao texto introdutório da obra. Foi citado trecho do ―edital de convocação para inscrição de obras de literatura no processo de avaliação e seleção para o PNBE‖ para o ano de 2011, no qual é ressaltado em seu ―Projeto gráfico‖ que:

A biografia do(s) autor(es) deverá ser apresentada de forma a enriquecer o projeto gráfico-editorial e promover a contextualização do autor e da obra no universo literário. Igualmente, outras informações devem ter por objetivo a ampliação das possibilidades de leitura, em uma linguagem adequada ao público a que se destina, e com informações relevantes e consistentes (BRASIL, 2009, p. 15).

Percebe-se um esforço ainda maior, por parte do segundo Parecer, em demonstrar que suas orientações estão de acordo com a legislação e normas publicadas e vigentes. Além disso, advoga-se pela contextualização acerca das circunstâncias histórica, política e ideológica nas quais foram produzidas as obras literárias, com a finalidade de promover uma leitura fundamentalmente crítica. A ligação, na obra de Lobato, entre o âmbito literário e fatores externos (históricos, sociais, políticos, etc.) é fundamentada em estudo da pesquisadora paulista Marisa Lajolo sobre a ―Figura do negro em Monteiro Lobato‖ (1998), no qual afirma que:

[...] analisar a representação do negro na obra de Monteiro Lobato, além de contribuir para um conhecimento maior deste grande escritor brasileiro, pode renovar os olhares com que se olham os sempre delicados laços que enlaçam literatura e sociedade, história e literatura, literatura e política e similares binômios que tentam dar conta do que, na página literária, fica entre seu aquém e seu além. (LAJOLO apud BRASIL, 2011, p. 8).

Percebe-se que Lajolo, uma empenhada investigadora da vida e da obra do escritor paulista, evidencia a possibilidade dialógica entre a literatura, mais especificamente a representação do negro nas produções de Lobato, e os diferentes âmbitos extratextuais da contemporaneidade lobatiana. Entretanto, apesar do resgate do trabalho da pesquisadora pelo Parecer 06/2011, ver-se-á, posteriormente, que o posicionamento de Marisa Lajolo difere das postulações e acusações apresentadas nos dois documentos encaminhados pelo Conselho Nacional da Educação.

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Em maio de 2011, a discussão renovou suas forças quando o jornalista Arnaldo Bloch publicou, na seção ―LOGO/A página móvel‖ do jornal ―O Globo‖ (Bloch, 2011), trechos da correspondência de Monteiro Lobato com o higienista Arthur Neiva. Em uma delas, enviada de Nova York, em 10 de abril de 1928, o escritor faz referência à organização racista norte-americana Ku-Klux-Klan, declarando a necessidade da existência de uma organização de mesmo fim no Brasil. Tanto essa como outras declarações retiradas de sua correspondência serão retomadas e analisadas no decorrer deste trabalho.

No ano seguinte, um mandado de segurança foi encaminhado ao Supremo Tribunal de Federal (STF) e relatado pelo ministro Luiz Fux, sob autoria de Antônio Gomes da Costa e do Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA), no qual é questionado o uso de Caçadas de Pedrinho no âmbito escolar. No mês de setembro do mesmo ano, a primeira audiência de conciliação acabou sem acordo, levando a decisão ao plenário do STF. Ademais, o IARA entrou com uma ação junto à Controladoria Geral da União (CGU), em 25 de setembro de 2012, na qual destaca que uma segunda obra do escritor (Negrinha, 19202), que também fez parte do acervo do PNBE, contém trechos igualmente preconceituosos. Segundo Humberto Adami, presidente do Instituto na ocasião, a obra utilizada pelo Programa, publicada pela Editora Globo, possui uma nota de apresentação que afirma que a obra não é racista, o que, a seu ver, é uma contradição se comparada ao conteúdo da mesma. Na continuação, Adami declara que, ―ao contrário do que se diz que queremos censurar a obra, a obra tem que circular com o esclarecimento para desconstruir o racismo" (ADAMI apud MENDES, 2012). Para o presidente do IARA, a questão ultrapassa a esfera literária (ADAMI apud QUESTÃO, 2012), problemática comum quando entram em discussão duas esferas distintas, como literatura e política. O resultado dos processos permanece pendente de decisão pelo Supremo Tribunal Federal.

Humberto Adami põe em discussão um ponto importante para análise: as inferências tiradas por muitos de que a ideia defendida pelas acusações era a de censura às obras destacadas, ponto negado pelos acusadores. Por conseguinte, percebe-se que tal conclusão alcançada pelos opositores serviu, por diversas vezes,

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A republicação da obra pela Editora Globo foi adquirida pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola no ano de 2009 e distribuída às escolas públicas brasileiras.

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como argumento-chave para legitimar a sua postura contrária. Torna-se necessário examinar as diferentes vozes sociais manifestadas e envolvidas no debate, repetidamente tido como polêmico. Para tanto, analisar-se-á a postura dos meios de comunicação, bem como declarações e produções de intelectuais e interessados publicadas em outras fontes digitais ou impressas. Complementarmente, examinar-se-á uma série de entrevistas feitas pela ―Univesp TV‖, em 2012, as quais procuram demonstrar as opiniões em conflito no debate gerado. Com mais profundidade, buscar-se-á centralizar a investigação nas postulações dadas por um dos entrevistados, a professora e pesquisadora Marisa Lajolo, devido à multiplicidade de estudos referentes ao escritor.

2.2 As distintas interpretações e a polêmica

As diferentes conclusões e manifestações referentes aos ideais raciais de Monteiro Lobato e da influência destes em sua produção literária suscitou uma discussão que perdurou por longo período, pois considerar racista o criador do ―Sítio do Pica-pau Amarelo‖ pareceu ofensivo a alguns e justo a outros. Estudiosos das Ciências Humanas e Sociais, imprensa, políticos e interessados apresentaram diferentes posicionamentos em favor e contra a acusação, dos quais, ao serem examinados, se pode extrair três pareceres centrais em relação à problemática, partindo de uma visão analítica mais ampla.

O primeiro deles compartilha as conclusões expostas no Parecer do Conselho ao destacar uma ideologia racista presente nas obras do autor, legitimada nas comprovações do íntimo vínculo com o médico paulista Renato Kehl e a Eugenia, além das declarações feitas a Arthur Neiva e a Godofredo Rangel, as quais serão analisadas nos capítulos seguintes. O segundo juízo reconhece a presença de trechos racistas não só em Caçadas de Pedrinho. No entanto, expõe como argumento que Lobato foi ―filho de sua época‖ e que apenas não se afastou do pensamento predominante da elite de seu tempo, o que demonstra a ideia de um determinismo ditado pelo período histórico e pela classe social a que pertencia, onde o negro ocupava uma posição secundária em relação ao branco. Finalmente, o último parecer contrapõe as opiniões defendidas pelo relator da denúncia, o qual considera que a produção literária de Lobato valorizou o negro em um período em

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que sua posição na sociedade ainda era inferior. De acordo com eles, esse reconhecimento se deu através da inserção do negro como protagonista em uma de suas obras, da equiparação de valores sociais e da valorização da cultura popular.

Os manifestos contrários às acusações apresentadas pelo CNE eclodiram rapidamente após a divulgação do primeiro parecer. A Associação Brasileira de Literatura Comparada (ABRALIC) se pronunciou em ―Carta Aberta‖ publicada em 5 de novembro de 2010. Segundo a instituição, seu pronunciamento objetivava o ―apoio a entidades e especialistas da área dos estudos literários e culturais que já haviam intervindo naquele debate ressaltando as mesmas posições‖ (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA, 2010). No parágrafo que dá início ao documento, nota-se o intuito de demarcar a esfera intelectual em que se insere aquele posicionamento. Além disso, põe-se em destaque que a apreciação em evidência é compartilhada por grupos e por sujeitos com aptidões que lhes permitem um olhar diferenciado sobre os fenômenos literários e culturais, o que, por conseguinte, demonstraria certa uniformidade nas interpretações dos indivíduos pertencentes a esse meio. Em seguida, através da apresentação de seis tópicos, a Associação expõe sua postura frente à problemática, os quais podem ser citados em sua integridade:

1. nosso repúdio a quaisquer formas de censura às manifestações estético-culturais; // 2. nossa recusa a formas de abordagem da literatura e da arte que se limitem a uma dimensão estritamente conteudística, minimizando a relevância de sua função estética; // 3. nossa rejeição a tendências que submetam os repertórios literários a formas de revisionismo pautadas por propósitos higienizadores de qualquer ordem; // 4. nossa resistência a procedimentos que produzam artificialmente o apagamento da diversidade e complexidade das representações da sociedade presentes na produção literária de qualquer época; // 5. nossa condenação a ações que camuflem as insuficiências do sistema de formação dos professores, julgando reparar tais problemas com notas editoriais ou recomendações pontuais; // 6. nosso desapreço por posições que subestimem a força humanizadora da leitura do texto literário, por sua capacidade de propiciar a experiência do deslocamento do ser humano para além de suas vivências individuais ou grupais, uma das formas relevantes para o combate à ignorância e superação dos preconceitos (Idem, Ibidem).

Percebe-se que, em nenhum dos tópicos, faz-se referência direta ao Parecer relatado pelo Conselho Nacional de Educação, pois, através do uso de vocábulos como ―formas‖, ―tendências‖, ―procedimentos‖, ―ações‖, ―posições‖, as afirmações elencadas se direcionariam a qualquer manifestação que apresentasse tais características, sem se dirigir de maneira explícita às declarações expostas pela entidade educacional. Tal procedimento discursivo parece ter sido usado a fim de

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evitar uma relação direta ao ―Parecer 15/2010‖, mas, obviamente, não deixa de transparecer essa ligação ao mencionar o motivo da publicação daquela ―Carta Aberta‖. Vê-se que, em todos os pontos listados, as frases estão marcadas pela negação a determinadas procedimentos analíticos que supostamente teriam sido adotados por Antônio Gomes da Costa Neto e o CNE na interpretação da obra lobatiana.

A primeira observação da ABRALIC é exemplo da linha de análise que caracterizou as orientações do CNE como tentativas de censura da produção literária de Monteiro Lobato. Além disso, salienta a exiguidade da apreciação do fenômeno literário que se detenha na esfera do conteúdo e, consequentemente, desvalorize sua importância estética e representativa. Nesse viés, ressalta-se o terceiro enunciado, no qual a Associação frisa sua discordância ao que denomina ―revisionismos pautados por propósitos higienizadores‖. Aparentemente, a sentença utilizada estaria direcionada ao estudo da obra literária preocupado em localizar características julgadas como sendo inoportunas e que, por conseguinte, objetive a limpeza dessas produções ou trechos tidos como inadequados. Não obstante, o reconhecimento da existência de métodos analíticos guiados por tais tenções, implicitamente, demonstra considerar legítima a inferência de que, de alguma forma, a literatura pode estar relacionada à esfera racial e que essa ligação é, no mínimo, problemática, dada a possibilidade de representação positiva ou negativa do tema. Além disso, a simples oposição a tais procedimentos não implica, necessariamente, uma recusa à interpretação de que, na obra de Monteiro Lobato, essas representações surjam de maneira depreciativa ao negro e ao universo africano. Pelo contrário, a declaração parece reforçar essa inferência, mas, ao enfatizar a importância do caráter estético da obra em detrimento de suas outras possíveis condições, acaba por desvalorizar a complexidade dos diálogos plausíveis da mesma com essas outras esferas, como a social ou, mais especificamente, a racial.

A supervalorização do âmbito estético gera, por conseguinte, a ideia de autonomia da produção literária, ou seja, a obra passa a independer de qualquer ação externa em direção ao texto e o sentido que veicula torna-se único e imodificável. Esse congelamento hermenêutico impediria, por exemplo, a existência de releituras das obras literárias desde uma perspectiva contemporânea e atualizada, além de desconstruir a teoria da recepção, em cujo alicerce está o papel

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ativo do leitor. A partir dessa constatação, vê-se que a expressão ―revisionismo‖ não se referiria apenas à crítica que busca localizar características reprováveis a fim de censurá-las, mas a toda orientação que venha a questionar essa suposta autonomia do texto.

A entidade considera, também, que as indicações dadas pelo Conselho Nacional da Educação sobre a necessidade de uma interferência editorial para solucionar os segmentos considerados reprováveis apenas mascaram a ineficácia dos cursos superiores de licenciatura. Cabe destacar que, apesar de negar a solução apresentada, essa crítica negativa à formação docente também é encontrada no ―Parecer 15/2010‖. Por fim, a ABRALIC retoma a defesa à liberdade de expressão e ao acesso de educadores e educandos ―a toda forma de produção literária‖, além de frisar a relevância da figura do professor para a formação de leitores ativamente críticos. Não obstante, o último tópico deixa transparecer, novamente, a defesa de certa autonomia do texto literário, cuja leitura seria dotada de uma ―força humanizadora‖, a qual estaria sendo subestimada com as referidas solicitações dadas pelo CNE. A questão da autonomia do texto acaba por conflitar-se com a ideia da necessidade e da importância do docente como mediador da leitura. Essa dicotomia põe em debate a problemática de onde começa e de onde termina a fronteira entre uma autossuficiência do leitor e a dependência de mediação desse processo.

Outro documento que manifestou oposição ao Parecer 15/2010 foi o ―abaixo-assinado‖ elaborado pelos escritores Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de Queirós, Lygia Bojunga, Pedro Bandeira, Ruth Rocha e Ziraldo. É cabível, aqui, a reprodução total do conteúdo apresentado pelos autores:

Os abaixo-assinados, escritores brasileiros que, como Monteiro Lobato, têm suas obras destinadas às crianças brasileiras, vêm, através deste documento, apresentar seu desagrado e desacordo ao veto do Conselho Nacional de Educação ao livro As Caçadas de Pedrinho, do nosso grande autor. Suas criações têm formado, ao longo dos anos, gerações e gerações dos melhores escritores deste país que, a partir da leitura de suas obras, viram despertar sua vocação e sentiram-se destinados, cada um a seu modo, a repetir seu destino. // A maravilhosa obra de Monteiro Lobato faz parte do patrimônio cultural de todos nós – crianças, adultos, alunos, professores – brasileiros de todos os credos e raças. Nenhum de nós, nem os mais vividos, tem conhecimento de que os livros de Lobato nos tenham tornado pessoas desagregadas, intolerantes ou racistas. Pelo contrário: com ele aprendemos a amar imensamente este país e a alimentar esperança em seu futuro. Ela inaugura, nos albores do século passado, nossa confiança nos destinos do Brasil e é um dos pilares das nossas melhores conquistas culturais e sociais (MACHADO et al., 2010).

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Vê-se, neste primeiro momento, uma manifestação contrária ao primeiro documento, formulada por escritores consagrados do campo literário infantil e infanto-juvenil. Esses escritores objetivam realçar a importância de Monteiro Lobato como modelo seguido, durante longo período, pelos, por eles considerados, ―melhores‖ escritores do ramo. Percebe-se a exaltação da obra do escritor, considerando-a como ensinamento de como benquerer o país e confiar na prosperidade do porvir. Certamente, para os autores, a importância do criador do ―Sítio do Pica-pau Amarelo‖ está em outro patamar, levando em consideração sua relevância para o surgimento de uma literatura infantil originalmente brasileira.

No ano seguinte (2011), um bloco carnavalesco do Rio de Janeiro se serviu da discussão e adotou a temática para o seu samba-enredo. A letra da música (BANDOLIM et al., s/d) apresenta diferentes associações nas quais personagens literários, folclóricos etc. são ligados a ações que, no viés da suposta tentativa de censura a Lobato, também seriam tachadas de não aceitáveis, como o ―Cravo‖ brigar com a ―Rosa‖, o ―Saci‖ fumar, o ―Boi‖ malvado ter a ―cara preta‖ ou ―atirar o pau no gato‖. Em seus refrões, aparece o vínculo direto à polêmica: ―Tia Nastácia, sai da cozinha! Vem sambar! Pra ser destaque em Ipanema. A Dona Benta acende o fogo em seu lugar [...] É carnaval e ninguém vai me censurar‖. Os versos demonstram uma tentativa de igualar as duas personagens, ao afirmar a possibilidade de que Dona Benta desempenhasse uma função de Tia Nastácia, além de uma crítica direta a postura considerada censuradora presentes nos pareceres do CNE.

A cada ano que passa, o bloco elabora uma camiseta diferente e relacionada à temática apresentada no seu samba-enredo. Em 2011, a vestimenta continha uma ilustração feita pelo cartunista e escritor Ziraldo, na qual aparece Monteiro Lobato abraçado em uma mulher ―mulata‖ e a um gato com um pau nas mãos, acompanhados por um cravo e uma rosa e da frase que nomeia o bloco – ―Que m* é essa?‖. O cartunista declarou a intenção de sua produção dizendo:

Para acabar com a polêmica, coloquei o Monteiro Lobato sambando com uma mulata. Ele tem um conto sobre uma neguinha que é uma maravilha. Racismo tem ódio. Racismo sem ódio não é racismo. A ideia é acabar com essa brincadeira de achar que a gente é racista (ZIRALDO apud CARVALHO, 2011).

Segundo Ziraldo, sua produção tencionava a desconstrução das postulações sobre um ideal racista na obra do escritor paulista. O cartunista menciona e exalta o

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conto ―Negrinha‖, publicado em livro de mesmo nome, e conclui que uma manifestação é considerada racista somente quando esta é guiada pelo ―ódio‖. Certamente, seria interessante a definição teórica do termo ―racismo‖ para análise da declaração do cartunista e da significação que dá ao termo. Entretanto, deixar-se-á tal demarcação terminológica para o capítulo seguinte e analisar-se-ão, neste momento, somente os resultantes de sua afirmação.

Em fevereiro do mesmo ano, a escritora Ana Maria Gonçalves, militante do movimento negro, publicou uma ―Carta Aberta ao Ziraldo‖ (GONÇALVES, 2011)3

, na qual expõe sua avaliação sobre a ilustração feita para o bloco carnavalesco carioca e sobre a intencionalidade da mesma na declaração anteriormente citada. O texto de Gonçalves é pertinente para a exposição de um posicionamento central no debate sobre a obra lobatiana, pois condiz com a opinião de um dos extremos centrais na discussão, cuja avaliação designa Monteiro Lobato como possuidor de um pensamente racista, justificado por discursos proferidos em cartas enviadas a amigos e que condizem com suas manifestações literárias. Grande parte do texto elaborado por Ana Maria Gonçalves traz citações de trechos da correspondência do escritor com seu amigo e também escritor Godofredo Rangel, com o médico e eugenista Renato Kehl e com seu companheiro sanitarista Arthur Neiva. Intencionalmente, essas produções não serão examinadas neste momento, pois farão parte do corpus a ser analisado quando resgatados os discursos lobatianos referentes às suas ideias raciais.

Primeiramente, com falas direcionadas ao criador do ―Menino Maluquinho‖, a escritora questiona o conhecimento de informações a respeito do posicionamento de Lobato sobre os ―mestiços brasileiros‖, bem como a definição dada por ele para o termo ―racismo‖. Gonçalves afirma que, mesmo o seu ―humor negro‖, consequentemente ―sem ódio‖ também é uma forma de racismo e declara que:

Racismo não nasce do ódio ou amor, Ziraldo, sendo talvez a causa e não a consequência da presença daquele ou da ausência desse. Racismo nasce da relação de poder. De poder ter influência ou gerência sobre as vidas de quem é considerado inferior (Idem, Ibidem).

Para Ana Maria, sempre que ―Monteiro Lobato se referiu a negros e mulatos, foi com ódio, com desprezo, com a certeza absoluta de própria superioridade, fazendo uso do dom que lhe foi dado e pelo qual é admirado e defendido até hoje‖.

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Com o objetivo de evitar a repetição da referenciação, destaca-se que todas as citações aqui expostas com referencia a Ana Maria Gonçalves estão relacionadas a este mesmo texto.

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É mencionado, por ela, o fracasso de Lobato ao tentar publicar nos Estados Unidos seu único romance – O choque das raças ou O presidente negro (1926) – o qual recebeu rejeições pelos possíveis editores por seu conteúdo textual considerado ofensivo. Gonçalves alega que Lobato possuía grande interesse mercadológico com suas obras, manifestado com a expectativa de venda de seu romance nos Estados Unidos e anulada pelo repúdio editorial no país. Segundo ela, para o literato, mais importavam os lucros de suas produções do que a ―exasperação dos ofendidos‖. Ademais, afirma que o interesse financeiro do escritor aparece, também, na ligação de sua personagem ―Jeca Tatu‖ às propagandas da empresa farmacêutica de Cândido Fontoura.

A escritora questiona a interpretação de Ziraldo de que o objetivo do movimento estabelecido pelo CNE era o de ―censurar‖ as obras de Monteiro Lobato, ao perguntar-lhe porque não foi contestada a censura feita pela prefeitura do Rio de Janeiro quando solicitado ao bloco carnavalesco que não utilizasse por extenso uma palavra ofensiva que compunha o seu nome, mas a abreviasse: ―Que m* é essa?‖. Para ela, o que se defende não é a censura, mas a defesa dos Direitos Humanos, e o acusa de desrespeitá-los, mesmo tendo sido o artista convidado a ilustrar uma cartilha acerca da temática, sob encomenda da Presidência da República. Por diversas vezes, Ana Maria remete a produções de Ziraldo. A escritora problematiza as relações entre as personagens centrais na obra O menino marrom (1986) e utiliza como estratégia a comparação dos discursos do criador do ―Menino Maluquinho‖ e de Monteiro Lobato. Constata-se que a autora da Carta Aberta procura salientar os problemas do racismo no Brasil, mais especificamente, no próprio ambiente escolar onde as obras desses escritores estão inseridas.

Obviamente, nem todas as conclusões se mantiveram fixas e imutáveis. Em entrevista a Arnaldo Bloch, alguns dias antes de completar seu 80º aniversário, Ziraldo falou sobre diferentes aspectos de sua vida e mostrou ter mudado de opinião quando perguntado sobre o debate a respeito da possível presença de racismo na obra de Monteiro Lobato. Como justificativa, declarou:

Quando fiz a camiseta para o bloco Que Merda é Essa, não conhecia ainda as cartas e os textos para adulto que seriam publicados pela imprensa em seguida. Mudei de ideia, claro. A prova de que Monteiro Lobato era racista é exuberante e bem documentada. Ele era eugenista. Chega a dizer que o Brasil não atingiu o nível de civilização para ter uma Ku-Klux-Klan. Só não fiquei mais triste porque, na verdade, nunca fui realmente um fã. Sempre fui mais de Super-Homem e Fantasma. Agora, na obra infantil ele continua a ser o criador de alguns dos personagens mais emblemáticos da literatura.

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Emília, junto com Capitu, Rê Bordosa e, agora, Carminha, é das personagens femininas mais importantes. E Tia Nastácia é a mais simpática e a mais querida do ―Sítio‖. Não precisamos proibir livros. Precisamos é melhorar a capacidade dos professores para discernir. Num país que tem 90% de analfabetismo funcional o pessoal devia era estar preocupado em fazer uma revolução em que nenhuma criança cresça sem aprender a ler, escrever, contar e interpretar (ZIRALDO, 2012).

Percebe-se que o escritor utiliza como argumento o desconhecimento das declarações de Lobato, em epístolas e outros textos, publicadas nos últimos anos. Para Ziraldo, esses documentos comprovam que o literato possuía ideais racistas e que era adepto da teoria eugênica. Nota-se a ambiguidade discursiva de sua resposta à pergunta de Bloch quando comparada as declarações expostas no manifesto por ele assinado, em 2010, elaborado por um grupo de escritores de literatura infantil. Na manifestação, é perceptível um alto grau de exaltação, a partir da utilização de termos como ―grande autor‖, ―maravilhosa obra‖ ou até a consideração de que Monteiro Lobato ainda tem servido de ―modelo para a formação dos melhores escritores do país‖. A ambiguidade se forma quando o cartunista afirma que sua tristeza não foi maior com a sua percepção do pensamento lobatiano porque ―nunca foi, realmente, um fã‖, o que destrói toda construção exaltante anteriormente apresentada. Essa ambivalência é reforçada quando, por fim, projeta uma cisão entre ―obra adulta‖ e ―literatura infantil‖, onde profere elogios às personagens Emília e Tia Nastácia.

Diferentes órgãos mostraram mobilização contrária aos argumentos apresentados pelo Conselho Nacional da Educação, dentre eles a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Academia Brasileira de Letras (ABL). Em novembro de 2010, o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, em discurso na sede da OAB-PR, declarou que o CNE ―necessitava rever o documento enviado e deveria desculpar-se com o país‖ e complementou a afirmação dizendo que a manifestação era um insulto à cultura brasileira e à memória daquele ―grande escritor‖, pois ―nós, que nos sentimos filhos literários do autor do Sítio do Pica-pau Amarelo, cuja sensibilidade indicou que um país se faz com homens e livros, não podemos aceitar tamanho absurdo‖ (CAVALCANTE apud OAB, 2010). A pesar do furor das declarações, a notícia, publicada no jornal ―Folha de S. Paulo‖, não apresenta argumentos fundamentados para a indignação de Cavalcante. Com o mesmo propósito, outra entidade manifestou desacordo com a acusação: a Academia Brasileira de Letras. Em notícia publicada no portal ―Folha de S. Paulo‖, os acadêmicos da instituição

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afirmaram que:

Cabe aos professores orientar os alunos no desenvolvimento de uma leitura crítica. Um bom leitor sabe que Tia Nastácia encarna a divindade criadora dentro do Sítio do Pica-pau Amarelo. Se há quem se refira a ela como ex-escrava e negra, é porque essa era a cor dela e essa era a realidade dos afro-descendentes no Brasil dessa época. Não é um insulto, é a triste constatação de uma vergonhosa realidade histórica (ACADEMIA, 2010). Segundo os representantes da Academia, as referências à personagem Nastácia como ―negra‖ e ―ex-escrava‖ são resultantes da própria realidade, não somente sua, mas dos afrodescendentes no período. Sua postura demonstra certa generalização ao considerar que essa era a condição de todos os negros do período, pois, mais de trinta anos após a abolição – levando-se em consideração que as obras infantis de Monteiro Lobato começaram a ser publicadas na década de 1920, é perceptível a existência de algumas gerações que já não tinham vivenciado o período escravista. Era possível que as descendências dos ex-escravos alforriados já tivessem ultrapassado algumas décadas, visto que o feito da ―Abolição da Escravatura‖, em 1888, não inaugurou o ato de libertação, o qual já havia sido alcançado por diferentes motivos mesmo antes da efetiva proibição da escravidão4. Além disso, afirma-se que as referências dadas à personagem do ―Sitio do Pica-pau Amarelo‖ não são insultuosas, mas uma percepção da realidade brasileira, tida como ―vergonhosa‖, perspectiva que denota o diálogo entre as produções literárias do escritor e a sociedade do período em suas relações étnicorraciais. Sequencialmente, os acadêmicos destacaram a necessidade do conhecimento e familiarização dos professores para com as obras de Lobato, assim:

Então saberiam que esses livros são motivo de orgulho para uma cultura. E que muito poucos personagens de livros infantis pelo mundo afora são dotados da irreverência de Emília ou de sua independência de pensamento. Raros autores estimulam tanto os leitores a pensar por conta própria quanto Lobato, inclusive para discordar dele. Dispensá-lo sumariamente é um desperdício. A obra de Monteiro Lobato, em sua integridade, faz parte do patrimônio cultural brasileiro e apelamos ao senhor ministro da Educação no sentido de que se respeite o direito de todo cidadão a esse legado, e que vete a entrada em vigor dessa recomendação (Idem, Ibidem).

Aparentemente, a interpretação demonstra que um indivíduo que se aprofunde na leitura das obras lobatianas inevitavelmente reconhecerá o seu valor, o que, consequentemente, julga as conclusões díspares a apresentada como sendo

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Leia-se o capítulo seguinte, o qual está direcionado à contextualização do período que compreende o final do século XIX e início do século XX.

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leituras errôneas. A declaração é finalizada com um apelo ao então Ministro da Educação, Fernando Haddad, em prol da não efetivação das sugestões dadas pelo CNE, o que recorda um ponto relevante para a discussão: caso fosse necessária a inserção de notas explicativas como solicitado pelo Conselho, o que estas deveriam apresentar? Certamente, cada lado do debate teria seus critérios para a formulação dessa nota, o que, por conseguinte, levantaria uma nova discussão sem desapegar-se do problema central.

Os portais de notícias on-line se destacam pelo acompanhamento e difusão das informações sobre o andamento da polêmica por possuir a capacidade de alcançar um maior número de leitores em menor tempo. Dentre os materiais publicados nos sítios da ―G1‖ e da ―Folha de S. Paulo‖ percebe-se, tanto em seus títulos e subtítulos como em seus conteúdos textuais, frequentes utilizações dos verbos ―banir‖, ―vetar‖ ou ―censurar‖. Obviamente, essas palavras, por seu peso semântico historicamente construído, trazem a tona o repúdio ao período de regime ditatorial brasileiro (1964 – 1985) e as suas privações do direito de expressão. Apesar da tentativa, no segundo parecer elaborado pelo CNE, de esclarecer que o documento não objetivava as ações de ―banimento‖, ―veto‖ ou ―censura‖, os materiais de caráter opinativos ou informativos referentes ao caso continuaram a fazer uso dessas palavras em seus discursos.

A imprensa desempenhou papel fundamental para os fins alcançados pelos debates decorrentes das acusações aqui mencionadas. Toma-se como base o levantamento e a análise feitos por João Feres Júnior, Leonardo Fernandes Nascimento e Zena Winona Eisenberg (2012), dos materiais sobre a problemática publicados por jornais e revistas de maior circulação no país. A investigação apresenta gráficos com estudos de diferentes dados. O primeiro deles se refere às instituições com maior publicação de textos sobre o tema, dentre as quais se destacam ―O Globo‖ e ―Folha de S. Paulo‖. O segundo gráfico apresenta os meses dessas publicações, onde se salienta o mês de novembro de 2013 como o período de maior produção de materiais direcionados a discussão. Por fim, o terceiro apresenta uma análise das opiniões expressas nessas fontes sobre os Pareceres e os rumos por eles acarretados, separando-as em ―contrárias‖, ―a favor‖ ou ―informativas (neutras). De acordo com os autores:

68% das matérias pesquisadas sobre o assunto apresentam posições contrárias aos pareceres. Se descontarmos as matérias meramente

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informativas (26%), e tomarmos somente as opinativas, vemos esta proporção aumentar para 92%, enquanto meros 6% expressam opinião favorável. Importante também é notar que quase metade das matérias opinativas (42%) abordam a questão do politicamente correto para comentar o caso. Dessas, todas menos uma são críticas ao que identificam como politicamente correto, e esta única matéria é neutra (FERES JÚNIOR; NASCIMENTO; EISENBERG, 2012, p. 76).

Os dados demonstram uma maior incidência de opiniões voltadas à contraposição das acusações apresentadas nos pareceres de 2010 e 2011: 68% do total analisado. A porcentagem aumenta consideravelmente (passa a 92%) quando descartadas as opiniões destacadas como meramente informativas ou neutras. Sequencialmente, a investigação procura interpretar com mais profundidade essas contraposições, no intuito de averiguar as justificativas dadas para tal posicionamento em oposição. O título desse trabalho prontamente abre caminho para um elemento central na análise que propõe: ―Monteiro Lobato e o politicamente correto‖. O estudo constata que, por diversas vezes, os julgamentos remetem as acusações a exageros do politicamente correto. De acordo com os pesquisadores, é constante a aparição de postulações que caracterizam as manifestações contra Lobato como sendo excessos ideológicos, por vezes, correlacionando-as a ações do Partido dos Trabalhadores (p. 77-78). Outro dado demonstrado corresponde às constantes acusações de imitação servil, por parte do movimento que considera racista o escritor taubateano, dos modelos estadunidenses de ―falsas políticas de afirmação‖. Essa seria a opinião compartilhada por Aldo Rebelo, deputado federal e um dos poucos políticos que optaram por pronunciar-se sobre o caso (p. 79).

Cabe destacar a existência de uma separação de opiniões entre os que discordam dos pareceres do Conselho Nacional da Educação. Há, primeiramente, os que acreditam que o autor possui ideais raciais totalmente opostos aos que foram apresentados nas acusações. Não obstante, há, em outro extremo, defensores de que não se pode condená-lo porque o racismo era ideal predominante no início do século XX. Assim, percebe-se o reconhecimento de um pensamento racista no discurso lobatiano ao mesmo tempo em que se repudiam as soluções dadas pelos acusadores. Pode-se resgatar o texto escrito pelo colunista do portal ―Folha de S. Paulo‖, Hélio Schwartsman, o qual considera como ―analfabetismo histórico‖ toda leitura que não é localizada histórica e socialmente. De acordo com ele, não se pode ―aplicar critérios contemporâneos para julgar o passado‖ (SCHWARTSMAN, 2012). Assim como assinalaram Feres Júnior, Nascimento e Eisenberg (2013), há certa

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concordância entre os estudiosos em considerar a necessidade de contextualização para ―entendimento de um conceito ou uma linguagem do passado‖ (FERES JÚNIOR; NASCIMENTO; EISENBERG, 2013, p. 82).

Segundo Schwartsman, em sua publicação para o periódico paulista, não se pode chegar a nenhuma inferência sobre Monteiro Lobato sem ter consciência do período em que viveu. Para o colunista, Lobato fazia parte de uma sociedade na qual ―quase todo mundo era racista‖ e conclui que todas as pessoas são ―prisioneiras da mentalidade de sua época‖ e que existe um ―horizonte de possibilidades morais além do qual não é possível enxergar‖ (SCHWARTSMAN, 2012). Seu posicionamento, exemplo da variação da opinião dos que se opõem às acusações a Lobato, mescla aceitação e negação e configura a possibilidade da existência de certo determinismo histórico das ideias, uma generalização a qual considera que uma época não é formada por um grupo complexo de ideologias às quais os indivíduos se afiliam deliberadamente, mas que é passível que certo pensamento impere significativamente, apesar da presença considerada irrelevante de ideias contrárias, e imponha sua crença aos indivíduos da sociedade na qual está presente.

Outros literatos avaliaram a problemática, dentre eles está Luis Fernando Veríssimo. Em setembro de 2012, publicou-se, no blog do colunista do jornal ―O Globo‖ Ricardo Noblat, um texto intitulado ―No contexto, por Luis Fernando Veríssimo‖ (VERÍSSIMO, 2012), no qual o escritor analisa a questão. Veríssimo destaca que sua filha ―optou pela censura‖ quando se deparou com o trecho que descrevia à Tia Nastácia em uma obra de Lobato, enquanto a lia para sua neta. Assinala não ter na memória a lembrança de ter lido as obras do criador do ―Sítio‖ para seus filhos, mas acredita que sua atitude não teria sido a mesma:

Não me ocorreria que o texto era racista. Ou talvez ocorresse e eu o desculpasse, pois seria apenas um detalhe que em nada diminuía o imenso prazer de ler Monteiro Lobato. E escrito numa época em que o próprio autor não teria consciência de estar sendo ofensivo, ou menos que afetuoso com sua personagem (VERÍSSIMO, 2012).

A postura do escritor gaúcho se aproxima das colocações dadas por Hélio Schwartsman no que se refere à predominância de um ideal em determinado tempo histórico e à necessidade do deslocamento no processo de leitura. Schwartsman legitima suas afirmações ao destacar que a época em que viveu Lobato era racista, o que lhe imporia, se a metáfora é cabível, ser escravo de ideais de superioridade

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racial branca. Luis Fernando Veríssimo traz à discussão a existência de uma inconsciência da negatividade destes ideais, uma inocência cegante que lhe ocultava a possibilidade de pensar de maneira distinta, inocência que sustentaria as suas qualidades literárias.

Luis Fernando Veríssimo discorre, complementarmente, a respeito das mudanças no contexto das relações etnicorraciais e das manifestações culturais, as quais demonstram que, em outras épocas, certas atitudes tidas como não aceitáveis nos dias atuais eram toleráveis, pois esses preconceitos herdados e hábitos culturais não eram questionados (Idem, Ibidem). Segundo ele, há não muito tempo, o humor televisivo se utilizava de estereótipos raciais e das minorias que, partindo desta inocência com os fatos e por se tratar de humor, não era feito com maldade. Essa falta de consciência de estar sendo ofensivo, destacada por Veríssimo, possibilita a retomada da fala do cartunista Ziraldo quando analisa a ilustração feita para o bloco carnavalesco carioca: ―Racismo sem ódio não é racismo‖. Sobre as soluções apresentadas pelo Conselho Nacional da Educação, declara:

[...] minha posição sobre como o autor deva continuar sendo leitura deliciada das crianças apesar dos trechos abomináveis é um decidido ―Não sei‖. / Fala-se que nas edições adotadas nas escolas conste uma explicação que coloque os termos repreensíveis no contexto. Não sei. O essencial é que não se prive nenhuma criança brasileira de ler Monteiro Lobato (Idem, Ibidem).

Percebe-se o caráter, aparentemente, inconclusivo de Veríssimo ao reforçar o seu ―não sei‖. Entretanto, sua fala demonstra com clareza a concepção de que o reconhecimento da presença, na obra de Monteiro Lobato, de características tidas como racistas nos dias atuais não deveria impedir o acesso das crianças brasileiras a ela e, menos ainda, seria capaz de rebaixar a importância por ela alcançada. Contrariamente, essa ingenuidade por ele apresentada não é perceptível pelo escritor carioca Alberto Mussa. Em ensaio ao jornal ―Rascunho‖, o escritor mencionou ter declarado, em outro trabalho, que ―a obra infantil de Monteiro Lobato, embora genial como concepção, é imprestável como leitura de crianças‖ e problematiza a análise da polêmica ao tentar analisar com profundidade as características dos posicionamentos em favor da obra de Lobato, caracterizando-os como ―reações personalistas‖, ―reações estéticas‖ e ―reações democráticas‖, além de afirmar que, por determinadas vezes, essas manifestações aparecem interligadas

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