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Argumentação: um recurso semiótico-discursivo nos processos iniciais de escolarização

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Universidade

Católica de

Brasília

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO

STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO

Mestrado

ARGUMENTAÇÃO: UM RECURSO

SEMIÓTICO-DISCURSIVO NOS PROCESSOS INICIAIS

DE ESCOLARIZAÇÃO

Autora: Elizabeth Siqueira Madureira

Orientador: Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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Argumentação: um recurso semiótico-discursivo nos processos iniciais de

escolarização

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação

Stricto Sensu em Ensino e Aprendizagem da Universidade

Católica de Brasília – UCB, como requisito parcial a

obtenção do Título de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão

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Ficha elaborada pela Biblioteca Central da UCB

M183a Madureira, Elizabeth Siqueira

Argumentação: um recurso semiótico-discursivo nos processos iniciais de escolarização / Elizabeth Siqueira Madureira. – 2009.

144 f.: il.; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2009. Orientação: Afonso Celso Tanus Galvão

1. Aprendizagem. 2. Argumentação. 3. Alfabetização. 4. Letramento. I. Galvão, Afonso Celso Tanus, orient. II. Título.

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Aos entes queridos que o Pai Maior oportunizou-me a ligação

por meio da maternidade: Gabriel e Miguel.

E àquele com quem a misericórdia Divina

concedeu-me o privilégio de estar aconchegada, caminhando,

recebendo incondicionalmente, o carinho e apoio: Aldemir.

Por serem a Luz da minha existência

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No percurso de realização deste trabalho estive em interação com pessoas que contribuíram imensamente. Todas merecem meu reconhecimento e a minha gratidão. Quero

registrar, no entanto, o meu agradecimento especial:

 Ao Prof. Dr. Afonso Celso Tanus Galvão pela maneira flexível com que sempre orientou o processo de construção desta pesquisa marcada por estratégias argumentativas, descortinando diversos caminhos possíveis para a sua realização;

 À Prof. Dra. Maria Carmen Villela Rosa Tacca pela disponibilidade com que aceitou contribuir na reflexão e construção do presente trabalho, auxiliando-me a adquirir uma visão que só me foi possível, graças a sua ajuda;

 Ao Prof. Dr. Candido Alberto da Costa Gomes pela presteza e atenção com que se dispôs a colaborar na condução deste estudo, dando-me a honra de participar da banca;

 À professora Tânia Rossi pelas discussões que foram fundamentais na compreensão da perspectiva vigotskiana;

 À Secretaria de Educação do Distrito Federal, pela concessão de afastamento remunerado, oportunizando-me o privilégio de mergulhar no estudo com toda a disposição que me é peculiar;

 À amiga Claudia que permitiu um estudo piloto em sua turma de atuação docente, o que resultou numa adequação do estudo;

 À professora e grande colaboradora e aos estudantes que estiveram participando desta investigação e que, efetivamente, possibilitaram sua construção;

 Ao Prof. Dr. José Florêncio, reconhecendo que se tornou meu grande Mestre mesmo sem saber, tendo primeiramente contribuído para a minha caminhada,

quando sequer tinha noção do rumo a tomar, dispondo-se a aclarar as idéias sobre as teorias com as quais precisava argumentar e apontar os precipícios que poderia encontrar pela frente;

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O homem que pensa

Traz nos pensamentos

Os ventos preclaros

Que vêm das origens.

O homem que pensa

Pensamentos claros

Tem a fronte virgem

De ressentimentos.

Sua fronte pensa

Sua mão escreve

Sua mão prescreve

Os tempos futuros.

Ao homem que pensa

Pensamentos puros

O dia lhe é duro

A noite lhe é leve:

Que o homem que pensa

Só pensa o que deve

Só deve o que pensa.

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processos iniciais de escolarização. 2009. 144 f. Dissertação (Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação) Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009.

RESUMO

Este estudo teve como objetivo investigar o uso da argumentação como recurso semiótico-discursivo de mediação, com crianças nos anos iniciais de escolarização. O propósito foi alimentado pelos resultados das avaliações internacionais e nacionais da educação básica do Brasil, que chamam a atenção para o problema do analfabetismo funcional e denunciam o panorama da educação brasileira. Percebe-se que nem mesmo as propostas apresentadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais parecem ter provocado mudança significativa na prática educativa, para o desenvolvimento da leitura e da escrita. O trabalho está fundamentado na perspectiva histórico-cultural defendida por Vigotski, assim como na compreensão de que a consciência se forma no processo de interação social, sendo os signos a matéria de seu desenvolvimento, conforme Bakhtin. Assim, a argumentação, utilizada como recurso

semiótico-discursivo que permite a justificação de pontos de vista, a consideração de perspectivas contrárias e o posicionamento mediante tais considerações, deve fazer emergir, no sujeito, o pensamento reflexivo ou o processo metacognitivo para a construção de conhecimentos. Os dados foram coletados numa turma de 2º ano do ensino fundamental de nove anos, de uma escola pública da cidade do Gama, no Distrito Federal. Participaram

quinze crianças, com idade entre 7 e 8 anos, que formaram um grupo de discussão, mas que não foram separadas das demais crianças da turma. Todas as sessões realizadas foram videogravadas e transcritas, constituindo-se em dados para uma análise microgenética. As conclusões evidenciam o envolvimento dos participantes no processo argumentativo, apontando que estratégias pedagógicas focadas no uso da argumentação potencializam a construção de conhecimento e o desenvolvimento da função metacognitiva. Ficaram explicitados também, por meio da argumentação, processos de conscientização dos estudantes, de episódios de suas vivências cotidianas relacionados às situações de leitura e de escrita, caracterizando o foco no letramento.

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elementary schooling process. 2009. 144 f. Thesis (Stricto Sensu Graduation in Education) – Brasilia Catolica University, Brasilia, 2009.

ABSTRACT

This study aimed to investigate the use of argumentation as a discursive-semiotic approach for elementary school children mediation. The study was motivated by the results of international and national evaluations of Brazilian elementary education, which highlight function illiteracy issues and reveal Brazilian education scenario. It is known that the proposals presented in National Curricula Patterns have not made significant changes in educational praxis for reading and writing development. This research relies on a historical-cultural perspective based on Vigotski theories, as well as in the understanding that consciousness is shaped by social interaction process, in which signs are the substance for its development, according to Bakhtin. Therefore, argumentation, used as a discursive-semiotic approach that allows explanations of points of view, to take opposite perspectives into

consideration, and to reinforce points of view, might rise out in individuals pondering thoughts or metacognitive process to create knowledge. The data were obtained from a nine-year elementary class from a public school located in Gama, Federal District. Fifteen children, 7-8 years old, participated in the research, and formed a discussion group, but were not split from the rest of the class. All sessions were videotaped and transcribed, and the data provided

a microgenetic analysis. The results show the engagement of the participants in argumentative process, point out that pedagogical strategies focused in argumentation use reinforce knowledge creation and the development of metacognitive function. Argumentation also reinforced consciousness process in students, incidents from daily happenings related to reading and writing, delineating the focus on literacy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 17

1.1. Desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural... 17

1.2. O enunciado na comunicação discursiva... 24

1.3. Da linguagem à semiótica... 27

1.4. O uso da argumentação... 30

1.5. A tríade: alfabetização, argumentação e letramento... 39

CAPÍTULO II - NATUREZA DA PESQUISA E METODOLOGIA ... 45

2.1. Uma abordagem microgenética... 46

2.2. Problema e justificativa... 48

2.3. Objetivos... 51

2.4. Procedimentos... 51

2.5. Estratégia de análise... 55

2.6. A instituição... 55

2.7. A turma ... 56

2.8. Os participantes ... 57

CAPÍTULO III - RESULTADOS E DISCUSSÃO... 58

3.1. Seleção de episódios... 58

3.2. Primeira seção ... 60

3.2.1. Microanálise dos episódios ... 61

3.3. Segunda seção ... 72

3.3.1. Microanálise dos episódios ... 73

3.4. Terceira seção ... 80

3.4.1. Microanálise dos episódios ... 81

3.5. Quarta seção... 91

3.5.1. Microanálise dos episódios ... 92

3.6. Quinta seção... 100

(11)

CONCLUSÕES ... 107

REFERÊNCIAS... 112

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INTRODUÇÃO

Os antigos romanos, inventores da república, tinham compreendido bem o caráter central da argumentação, uma vez que tinham feito dela, de maneira indissociável, o núcleo de todo o ensino e a base da cidadania. (BRETON, 1998, p. 19)

Um estudo voltado para a análise de processos argumentativos como estratégia para a construção do conhecimento e da aprendizagem na relação educador - educando, focado no contexto escolar, não pode ignorar as questões relacionadas aos atores do processo e às formas como se constituem as interações. Não pode perder de vista que essas interações se

fundamentam em crenças, valores, representações sociais e teorias particulares que se sustentam, imbuídas de concepções sobre o conhecimento, sua aquisição e seu desenvolvimento e, portanto, da relação indivíduo-conhecimento.

No contexto dessas reflexões podem-se inserir as concepções de educação separadas em duas grandes tendências, conforme a ótica da pedagogia. O primeiro grupo compõe-se das diversas modalidades de pedagogia tradicional, de vertente religiosa ou leiga. No outro grupo estariam as diferentes modalidades da pedagogia nova. Saviani (2005) caracteriza o primeiro grupo como sendo das modalidades centradas na preocupação com as “teorias do ensino”, enquanto que o segundo está focado nas “teorias da aprendizagem”. De acordo com o autor, o problema fundamental para a primeira tendência é “como ensinar”, que conduz à tentativa de formular métodos de ensino, sendo que o “como aprender” é preocupação da segunda, emergindo a generalização do lema “aprender a aprender”.

As concepções tradicionais estão pautadas na centralidade da instrução (formação intelectual), tendo na figura do professor o papel de protagonista, cuja tarefa seria de transmitir os conhecimentos herdados da humanidade, numa gradação lógica, restando aos estudantes à assimilação. O cenário apresenta uma prática determinada por uma teoria capaz de moldá-la, tanto em relação ao conteúdo, como a forma de transmissão do professor. Saviani (2005) acrescenta que essa tendência atingiu seu ponto mais avançado na segunda metade do século XIX, com o método de ensino intuitivo centrado nas lições de coisas.

Numa abordagem crítica da escola tradicional, Dewey (1976) enfatiza o esquema organizado de cima para baixo e de fora para dentro, denotando uma imposição de padrões,

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aprendizagem e adequação do comportamento escapam da capacidade da criança e do jovem, dada a distância entre aquele que ensina e o que aprende, pois estão além do alcance de sua experiência. Embora bons professores possam usar artifícios para mascarar a imposição e amenizar seus aspectos brutais, esta não deixa de existir, considerando-se a própria situação criada, que impede a participação mais ativa dos estudantes no desenvolvimento do conhecimento. O ensino é algo estático, um produto acabado, que se acha incorporado nos livros e mente dos mais velhos. Por conseguinte, deve ser adquirido pelos mais jovens.

Em relação às correntes renovadoras, desde seus precursores, Rousseau e, de algum modo, Pestalozzi e Froebel (SUCHODOLSKI, 1978), a questão centra-se no como aprender, nas teorias da aprendizagem, concebendo a escola como um espaço aberto à iniciativa do estudante, onde a interação entre os pares e com o professor constitui o campo propício para a construção dos conhecimentos. Corroborando tais perspectivas, Dewey (1976) aponta alguns princípios comuns da escola progressiva, na sua denominação, como a expressão e cultivo da individualidade, a atividade livre, a aprendizagem por experiência e a aquisição de conhecimentos como meios para alcançar fins na tentativa de responder aos apelos diretos e vitais dos estudantes. Como salienta Saviani (2005)

O eixo do trabalho pedagógico desloca-se, portanto, da compreensão intelectual para a atividade prática, do aspecto lógico para o psicológico, dos conteúdos cognitivos para os métodos e processos de aprendizagem, do professor para o aluno, do esforço para o interesse, da disciplina para a espontaneidade, da quantidade para a qualidade (p.2).

Ainda de acordo com Saviani (2005), essa segunda tendência torna-se hegemônica a partir do início do século XX, com o chamado movimento da Escola Nova, embora assuma novas versões, já na segunda metade desse século, dadas as críticas que enfrenta. Essas mudanças permitiram o seu predomínio até os dias atuais, sendo o construtivismo uma dessas versões.

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Além do princípio de continuidade, Dewey (1976) aborda o princípio da interação como fundamental para a interpretação da função e força educativa da experiência. O princípio atribui igualdade aos fatores da experiência: condições objetivas e condições internas. Por conseguinte, qualquer experiência comum denota um jogo entre ambas, ou seja, em sua interação, tem-se uma situação. Ressalta-se aí uma deficiência da pedagogia tradicional, que anula quase que totalmente a atenção aos fatores internos, fatores esses que apontam também para a espécie de experiência que se tem. Para explicitar a questão pode-se tomar como exemplo as necessidades de alimentação e sono do bebê. Embora haja uma constatação de tais necessidades, isso não implica em alimentá-lo toda vez que ele manifeste alguma reação de choro ou indisposição. Cabe ao cuidador, ciente das necessidades do bebê, regular as condições objetivas em que podem ser atendidas. Nesse sentido, as condições objetivas são definidamente ordenadas de maneira que a espécie particular de interação com os estados imediatos internos se processe normalmente.

Conforme a ilustração, as situações objetivas podem ser ordenadas e reguladas, compreendendo, como condições objetivas, o que o educador faz e o modo como faz, as palavras que usa, o tom, os equipamentos, livros, brinquedos, jogos, enfim, todo o material com que a pessoa entra em interação e o arranjo social em que é envolvida. Poder ordenar e

regular as condições objetivas, no entanto, não implica em desconsiderar que essas condições, entram em interação com as necessidades e capacidades do educando, para criar a experiência educativa válida. Novamente apresenta-se aí um equívoco da escola tradicional, que não considera os fatores internos na criação da experiência, ou melhor, as capacidades e propósitos do sujeito que aprende.

Em relação à questão abordada, Tacca (2000) afirma que a comunicação apresenta-se como o eixo desse processo de interação, o meio pelo qual pode ocorrer esse contato entre os atores, considerando-se essa comunicação não somente nos aspectos verbais e diretos, mas toda a forma de interação com um fim objetivo. Para a autora, a comunicação pode favorecer o desenvolvimento do sujeito, desde que esteja aberta e voltada para o enriquecimento mútuo, desvencilhando-se de relações de submissão ou domínio autoritário, que podem impedir a criação de uma reciprocidade básica que contribua para a constituição do sujeito. Destaca o diálogo como uma forma específica de comunicação, por meio do qual as trocas de pontos de vista geram oportunidades dos envolvidos se expressarem livremente, conforme as construções de conhecimentos estabelecidas.

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não faça referência à mesma. Este trabalho procura conceber a argumentação como uma forma de viabilizar a emersão de pontos de vistas diversos, a participação ativa do estudante, podendo expressar-se livremente para que, a partir de suas elaborações, seja possível perceber o curso das construções de conhecimentos e fazer uma intervenção mais adequada.

Nesse sentido, a posição ocupada pelo estudante no seu processo de aprendizagem escolar, que está centrada, comumente, na recepção passiva, na aquisição, na participação como espectador, ao invés de ator do seu próprio desenvolvimento e aprendizagem, na constituição dos processos de leitura e escrita, deve ser (re)pensada como um problema que precisa ser superado, procurando-se garantir uma participação ativa do estudante, o respeito e a valorização de suas experiências, assim como um investimento no desenvolvimento de suas competências para agir, se posicionar, defender suas idéias, saber compreender as ideias dos outros e usar o diálogo para resolver conflitos.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) introduzidos na segunda metade da década de 1990 no panorama das diretrizes educacionais do Brasil trouxeram reflexões teóricas das últimas décadas e fizeram emergir indagações relevantes em relação ao trabalho com os conteúdos de todas as disciplinas do currículo básico. Tal fato, no entanto, parece não ter provocado mudanças positivas no desenvolvimento da leitura e da escrita na prática

educativa. As propostas apresentadas no documento parecem não ecoar nas salas de aula, onde se verifica a dificuldade da escola e dos educadores que nela atuam, de viabilizar um processo de ensino-aprendizagem que descortine o seu significado, marcando a formação do estudante, tornando-o cidadão crítico e reflexivo, em condição de assumir posições ativas diante de situações-problema e de utilizar a argumentação na defesa de suas opiniões, sem se

deixar manipular.

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Brasil em penúltimo lugar, e cerca de 50% dos estudantes brasileiros de 15 anos abaixo do nível 1 de alfabetização, ou seja, analfabetos funcionais.

A UNESCO estabelece que

É funcionalmente alfabetizada a pessoa capaz de envolver-se em todas as atividades em que o alfabetismo é necessário para um funcionamento efetivo de seu grupo e de sua comunidade, e também para dar-lhe condições de uso da leitura, da escrita e do cálculo para seu desenvolvimento pessoal e o de sua comunidade (UNESCO 1978, p.1, apud SOARES, 2004, p.34).

Para Garcez (2002), no Brasil existe uma grande quantidade de pessoas que, embora tenham frequentado a escola, dominem o código escrito e decifrem as palavras e os textos (leitura e escrita), podem ser consideradas analfabetas funcionais, já que, não obstante saberem ler e escrever, “não utilizam a leitura e a escrita como ferramentas efetivas de solução de problemas, de atuação social e de compreensão do mundo” (GARCEZ, 2002, p. 30).

De acordo com Iosif (2007), é cada vez maior o tempo de alfabetização dos alunos e,

mesmo assim, cresce o número de estudantes que chegam ao final do Ensino Fundamental sem conseguir compreender um texto simples, ou resolver uma operação ou problema matemático elementar. Iosif apresenta um panorama da educação brasileira e chama-nos a atenção para uma série de reportagens que vêm sendo lançadas nos últimos anos, que

confirmam a situação de penúria da educação.

“...Falência da educação brasileira”, Revista Veja, 26 de julho de 2006, p.26; “Educação atrasa melhora do Brasil em ranking de desenvolvimento humano”,

Folha On-line, 09 de novembro de 2006; “Ensino público piora mais que o privado”, Folha On-line, 21 de fevereiro de 2007; “Para educador, ensino de má qualidade compromete a democracia brasileira”, Jornal O Globo, 24 de abril de 2007; “Indicador do MEC mostra que país tem só dez cidades com ensino de Primeiro Mundo”, O Globo, 27 de abril de 2007; “Ranking escolar aprova só 0,8% das escolas”, Folha On-line, 30 de abril de 2007... (IOSIF, 2007, p.61).

Tacca (2000), realizando uma investigação sobre os processos de significação na relação professor x aluno, assim como sua co-relação com o ensinar e o aprender, destaca dados de evasão e reprovação escolar do Sistema Público de Ensino do Distrito Federal

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que as competências e habilidades dos estudantes delineiam o seu sucesso ou fracasso escolar. Tacca relata que nestas instituições, e mais ainda nas particulares, se observa, na condução do trabalho educacional, uma forma rígida e dogmática dos métodos e técnicas pedagógicas, incidindo sobre o estudante toda a responsabilidade pela aprendizagem.

Tacca (2000) pondera que embora nas últimas décadas tenha ocorrido um avanço na questão da garantia de escolas para quase todos de 7 a 14 anos, permanece o desafio de garantir à criança a aprendizagem do que precisa, enfrentando-se as barreiras que obstaculizam essa aprendizagem e efetivando-se realmente um ensino de qualidade:

Entende-se que ensino com qualidade, no momento histórico ora vivido, significa uma atuação na direção de possibilitar aos alunos construírem conhecimentos que lhes serão significativos e úteis no exercício da cidadania e melhoria das próprias condições de vida, impulsionando-os para o desenvolvimento integrado de sua personalidade, no qual se valorize a criticidade, autonomia, criatividade e inovação na procura de novos meios de viver com bem-estar e produtivamente em sociedade (p. 16 ).

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CAPÍTULO I

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Do ponto de vista psicológico, o mestre é o organizador do meio social educativo, o regulador e controlador da sua interação com o educando. [...] O meio social é a verdadeira alavanca do processo educacional, e todo o papel do mestre consiste em direcionar essa alavanca. Como um jardineiro seria louco se quisesse influenciar o crescimento das plantas, puxando-as diretamente do solo com as mãos, o pedagogo entraria em contradição com a natureza da educação se forçasse sua influência direta sobre a criança. Mas o jardineiro influencia o crescimento da flor aumentando a temperatura, regulando a umidade, mudando a disposição das plantas vizinhas, selecionando e misturando terra e adubo, ou seja, mais uma vez agindo indiretamente, através das mudanças correspondentes do meio. (VIGOTSKI, 2001a, p. 65).

1. 1. Desenvolvimento humano na perspectiva histórico-cultural

A Psicologia do desenvolvimento considera diversos caminhos na busca de explicação do desenvolvimento humano, conforme as diferentes concepções do humano, sendo que este estudo filia-se à perspectiva histórico-cultural. Nessa ótica o ser humano é um sujeito ativo, social, cultural e histórico, compreendido como constituído na relação dialética da história de sua espécie (filogênese) com a sua história individual (ontogênese). Tendo essas bases como alicerce, concebe-se o sujeito refletindo uma gênese social (sociogênese), que não nasce humano, mas se constitui humano, nas relações sociais, mediadas pela cultura, não se desprezando os fatores biológicos, coexistentes no processo, acentuando-se, contudo, sua

natureza social, complexa e dinâmica, de modo que é o aspecto cultural que adquire uma atribuição de moldar a vida e a mente humana e não o aspecto biológico (BRUNER, 1997).

Vigotski (2007) considerou que o desenvolvimento humano possui linhas qualitativamente diferentes de desenvolvimento, assim como de origem: os processos

elementares que têm sua origem biológica e as funções psicológicas superiores que são de origem sociocultural, sendo que “a história do comportamento da criança nasce no entrelaçamento dessas duas linhas.” (p. 42).

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experiência social e cultural. Todas as funções aparecem no desenvolvimento da criança, primeiro nas atividades coletivas, sociais – como funções interpsicológicas, ou seja, entre pessoas; depois, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento – como funções intrapsicológicas.

É preciso salientar, então, que as funções mentais superiores (percepção, memória, pensamento lógico) desenvolvem-se a partir das relações num meio sociocultural e são mediadas por signos, ou seja, o pensamento, o desenvolvimento mental e a capacidade de conhecer o mundo, para nele atuar, é uma construção social que se constitui nas relações que o homem estabelece com o meio. Para Góes (1991), o alicerce do desenvolvimento é fundado no plano das interações, quando uma ação que inicialmente tem um significado partilhado torna-se ação do próprio sujeito.

Vigotski (2007) enfatiza que a operação fundamental para o processo de desenvolvimento das funções psicológicas superiores é a internalização, um processo de reconstrução interna (que necessita de uma série de transformações), de uma operação externa. No processo de internalização, as transformações necessárias vão de uma atividade externa para uma atividade interna, como resultado de longas e variadas situações que ocorrem no decorrer do desenvolvimento do indivíduo. Pode-se afirmar que esse processo de

internalização parece estar privilegiado nas experiências que as crianças vivenciam nas salas de aula, com o uso das estratégias argumentativas, seja na legitimação de divergências, na demanda de justificação ou no estímulo ao exame de contra-argumentos, delineando-se um cenário de construção, negociação e transformação de significados. Assim, Vigotski (2007) defende que a linguagem pode ser considerada um paradigma para o problema da relação

entre aprendizado e desenvolvimento, amparando-se nos estudos de Piaget, em que ele afirma que, antes de desenvolver o raciocínio como uma atividade interna, a criança o elabora numa discussão, na qual o propósito seja provar o ponto de vista de cada um. A partir dessa interação no grupo, a criança pode perceber e checar seu pensamento, desenvolvendo a fala interior, o pensamento reflexivo e o comportamento voluntário. Em outros termos, o discurso surge primeiramente como uma forma de comunicação entre a criança e os outros que a rodeiam, para posteriormente chegar a ser um discurso interior, quando se torna um modo fundamental de pensamento, ou uma função psíquica interior (VIGOTSKI, 2001a).

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o ser humano transforma a natureza, constituindo-a no seu objeto de conhecimento e ao mesmo tempo se transforma, constituindo-se também em sujeito-objeto de conhecimento.

Para Vigotski (2001), os processos de desenvolvimento do indivíduo possuem uma relação de interdependência com os processos de aprendizagem (existindo entre eles relações complexas), sendo a aprendizagem fundamentalmente um elemento determinante da relação do sujeito com o mundo, capaz de interferir no desenvolvimento humano. O autor considera que o ensino escolar não pode ser identificado como desenvolvimento, embora sua eficácia resulte no desenvolvimento intelectual do sujeito, o que equivale a dizer que o bom ensino adianta os processos de desenvolvimento.

Para explicar o problema da aprendizagem e do desenvolvimento, Vigotski (2001) relata que as pesquisas em torno do problema da aprendizagem limitavam-se (na época) a estabelecer o nível quantitativo de desenvolvimento intelectual da criança (e ainda hoje?). Esse nível era determinado por testes que avaliavam o que a criança já sabia até o momento do teste, ou o nível de desenvolvimento já alcançado pela criança. Para o autor, “o estado do desenvolvimento nunca é determinado apenas pela parte madura” (VIGOTSKI, 2001, p.326). Assim, se forem oferecidas atividades destinadas a crianças de níveis mais elevados para uma criança em estágio menos elevado, ajudando-a a resolver, fazendo perguntas sugestivas,

fazendo demonstrações etc., será possível verificar que a criança pode ir além da solução de situações que conseguiria sem ajuda. Por isso Vigotski justifica que o ensino seria desnecessário se pudesse utilizar apenas o que já está maduro no desenvolvimento e se não fosse fonte de desenvolvimento e surgimento do novo.

A partir dessas investigações, Vigotski (2001) formula o conceito de “zona de

desenvolvimento imediato” (ZDI), sendo referida muitas vezes como zona de desenvolvimento proximal (ZDP). Ao pesquisar as atividades que a criança pode realizar com a colaboração, ajuda e orientação de alguém, é determinado o nível de desenvolvimento potencial da criança (VIGOTSKI, 2007), sendo que o nível de desenvolvimento real é estabelecido a partir da resolução de problemas que a criança consegue com autonomia e sem ajuda. Essa distância, ou essa zona entre o que a criança consegue fazer com o auxílio e o seu nível de desenvolvimento real foi o que Vigotski chamou de zona de desenvolvimento imediato.

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possibilitada, envolve as múltiplas influências sociais que se fazem presentes nas relações da criança na escola.

Em relação à construção de conhecimentos, Góes (2000) afirma que nos processos interpessoais estão imbricadas diferentes possibilidades de ocorrências, que não envolvem simplesmente os movimentos de ajuda. Que o esforço do educador para dirigir os focos de atenção da criança, apresentando-lhe caminhos para elaborações quase categoriais, torna-se um papel contraditório, onde o jogo dialógico da relação entre os sujeitos, não leva a um único destino, mas abrange circunscrição, expansão, dispersão e estabilização de significados, envolvendo o deslocamento forçado de determinadas operações de conhecimento.

Segundo Tacca (2006), a compreensão do conceito de zona de desenvolvimento imediato ajuda a discernir o termo “estratégias pedagógicas” que deve orientar para a relação social, como condição para a aprendizagem, dando possibilidades para conhecer o pensar do outro e, só então, poder interferir nele. A autora acrescenta ao conceito de estratégias pedagógicas, usualmente aceito como sendo as diversas atividades organizadas para o desenvolvimento de um conteúdo curricular e que envolvem professor e aluno, a ideia de que nessas estratégias também se acham infiltradas, enraizadas e implicadas as relações sociais constituídas no processo. Esses recursos relacionais seriam mecanismos de orientação do

professor na criação de canais dialógicos, no sentido de adentrar o pensamento do estudante e suas emoções, conhecendo a simbiose da unidade cognição-afeto. Esses recursos, essencialmente pessoais, ajudariam a captar o outro, a pensar com ele, priorizando as possibilidades de desenvolvimento do pensamento, para fazer emergir as significações da aprendizagem. O enfoque dado remete à compreensão de estratégia pedagógica, não como um

recurso externo para promover o direcionamento do aluno rumo ao conhecimento, mas numa perspectiva focada no sujeito que aprende, considerando-se que no processo de constituição do pensamento se operam os conteúdos da aprendizagem:

Nesse caso, ao receber uma resposta do aluno, o professor vai dialogar com ele a fim de compreender o processo de significação percorrido e alcançar, se for o caso, os momentos em que ocorreram equívocos, o que lhe esclarecerá sobre os novos apoios para reflexão que deve dar ao aluno, para que ele retome e reelabore sua aprendizagem. Nessa compreensão, fica clara a argumentação de que os conteúdos deveriam ser os meios e não os fins da aprendizagem (TACCA, 2006, p.48).

Destacando aqui a importância do conhecimento do pensar do outro, Wells (1999, apud, ANDRADA, 2006) salienta que, interpretando de forma inadequada a fala da criança,

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significativas para o foco de interesse e atenção da criança, sendo inicialmente co-construídos significados que pouco a pouco são assumidos e usados pela criança em situações diversas das quais participe. Utilizar estratégias argumentativas, para fazer emergir essa lógica da criança, no sentido de compreender o percurso de sua construção mental e intervir na perspectiva de fazê-la ampliar, reconstruir, reformular ou construir novos conhecimentos, parece ser um caminho adequado para esse propósito. Em correspondência com as estratégias argumentativas intentadas aqui, encontra-se a concepção de estratégia pedagógica defendida por Tacca (2006) como sendo “o processo pelo qual os alunos e o professor entram em sintonia de pensamento, tendo em vista compreender as relações entre as coisas... Reside aí a chave mestra de um recurso que visa a aprendizagem” (p. 49).

Outra abordagem que Vigotski (2001) faz no trabalho com a ZDI da criança acentua o papel da imitação no desenvolvimento, salientando que a criança pode fazer muito mais em colaboração do que o que pode fazer sozinha, sendo que, inclusive no caso da imitação, não se pode deixar de levar em conta o seu nível de desenvolvimento:

A possibilidade maior ou menor de que a criança passe do que sabe fazer sozinha para o que sabe fazer em colaboração é o sintoma mais sensível que caracteriza a dinâmica do desenvolvimento e o êxito da criança. Tal possibilidade coincide perfeitamente com a sua zona de desenvolvimento imediato (VIGOTSKI, 2001, p. 329).

Assim, no trabalho em colaboração, a criança poderá utilizar a imitação para realizar atividades que estejam além de seu nível de desenvolvimento real. Mas é preciso levar em conta que a criança não poderá imitar qualquer coisa, que só lhe é possível imitar o que está próximo de seu nível de desenvolvimento. Quando a atividade vai se tornando mais distante do que ela consegue fazer sozinha, a criança vai perdendo a possibilidade de imitar. O desenvolvimento que surge da colaboração que permite a imitação é a fonte do surgimento de todas as propriedades especificamente humanas da consciência, ou seja, o desenvolvimento que decorre da aprendizagem é fundamental.

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forma, constitui-se uma unidade dialética - a imitação mecânica e a intelectual.

Para Vigotski (2001), a imitação, sendo vista num plano mais amplo, é a forma principal de influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. A aprendizagem da fala, assim como a aprendizagem que ocorre na escola, se funda amplamente com base na imitação. Nessas atividades a criança não aprende o que sabe fazer autonomamente, mas em colaboração. O autor considera, então, que a aprendizagem pode ocorrer onde pode ocorrer a imitação, ou melhor, a criança pode aprender o que consegue imitar.

Essa questão constitui-se fundamental para a aprendizagem organizada na escola, porque esse percurso das transições acessíveis à criança, determinado pela zona de desenvolvimento imediato, aparece como o foco primordial na relação da aprendizagem com o desenvolvimento, considerando que o ensino-aprendizagem possibilita o avanço do desenvolvimento e que as peculiaridades ainda não apresentadas podem ser exploradas de acordo com os limites identificados.

Usando a fala para ilustrar a aprendizagem por imitação, Vigotski (2001) abre uma fresta para o uso da argumentação, tendo em vista que aprender a língua inclui aprender a argumentar. Mais ainda, o discurso argumentativo pode ser apropriado por meio da imitação, quando a criança se engaja nesses processos. Além disso, a oralidade prevista na

argumentação permite a troca de experiências, a ampliação do vocabulário, bem como a possibilidade de compartilhar procedimentos e perspectivas, que abrem caminhos para a intervenção do professor. Para Luria (2005), essa apropriação de formas de discurso desenvolvido permite à criança, formar conceitos, tirar conclusões, assimilar relações lógicas, conhecer leis que ultrapassam experiências diretas, ou seja, a criança pode assimilar a ciência

e ser capaz de prever e predizer fenômenos. E diz mais:

Quando a criança assimila a linguagem, fica apta a organizar de nova maneira a percepção e a memória; assimila formas mais complexas de reflexão sobre os objetos do mundo exterior; adquire a capacidade de tirar conclusões das suas próprias observações, de fazer deduções, conquista todas as potencialidades do pensamento (LURIA, 2005, p. 110).

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do conceito, conforme concebem as vertentes psicológicas que afirmam serem os conceitos assimilados de forma pronta, pela criança, como uma habilidade qualquer. Para Vigotski (2001), embora todas as funções psicológicas elementares participem do processo de formação de conceitos,

O conceito é impossível sem palavras, o pensamento em conceitos é impossível fora do pensamento verbal; em todo esse processo, o momento central, que tem todos os fundamentos para ser considerado causa decorrente do amadurecimento de conceitos, é o emprego específico da palavra, o emprego funcional do signo como meio de formação de conceitos (VIGOTSKI, 2001, p. 170).

Em sua análise comparada dos conceitos científicos e cotidianos na idade escolar, Vigotski (2001) intenta encontrar a via original de desenvolvimento percorrida pelos conceitos científicos em relação aos cotidianos. A análise permitiu-lhe afirmar que a formação de conceitos científicos e cotidianos, inicia quando a criança assimila, pela primeira vez, um termo ou significado novo, que é considerado o “veículo de conceito científico” (VIGOTSKI, 2001, p. 265). Defende que essa é a lei geral do desenvolvimento do significado das palavras,

assim como dos conceitos científicos e cotidianos, salientando, muito embora, que os momentos iniciais de ambos os casos marcam uma distinção substancial.

Vigotski (2001) elaborou uma forma esquemática do caminho de desenvolvimento dos conceitos científicos e espontâneos que pode facilitar o entendimento do percurso de

construção desses conceitos. Convencionando como inferiores os conceitos mais simples, que se formam mais cedo, e como superiores os mais complexos, que estão ligados à tomada de consciência e à arbitrariedade, para o conceito espontâneo designou seu desenvolvimento de baixo para cima, ou seja, “das propriedades mais elementares e inferiores às superiores”, sendo que os conceitos científicos tiveram seu desenvolvimento estabelecido de cima para baixo, “das propriedades mais complexas e superiores para as mais elementares” (p. 348). Assim, o caminho percorrido pela criança, no desenvolvimento do conceito espontâneo, vai do objeto ao conceito, enquanto que no desenvolvimento do conceito científico o caminho é inverso, iniciando-se no conceito para chegar no objeto (o termo objeto não se restringe ao concreto, mas refere-se ao assunto ou matéria do conhecimento).

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entre os dois processos e de influência de um sobre o outro. Além disso, para que seja possível o surgimento dos conceitos científicos é preciso que a criança atinja certo nível de desenvolvimento dos conceitos espontâneos.

Dessa forma, é na perspectiva histórico-cultural que este trabalho está ancorado, procurando apontar o uso da argumentação em sala de aula como possibilidade de criação da zona de desenvolvimento imediato da criança e como meio de compreender a elaboração do seu pensamento, auxiliando-a na formação de conceitos.

1.2. O enunciado na comunicação discursiva

Fontana (1991) considera que é numa abordagem sócio-histórica da linguagem que se constitui a proposta bakhtiniana, vincando a indissolubilidade entre social e ideológico. O domínio dos signos, que surgem unicamente das interações humanas, arrasta com eles também o domínio ideológico.

Conforme Bakhtin (1995), para se formar a consciência é necessária a apropriação de material em signos, de modo que, conforme alguns signos são apropriados, novos signos podem ser compreendidos, formando-se assim, uma cadeia ininterrupta. Essa cadeia

ideológica, porque todo signo, sendo dominado por meio da interação social está impregnado de material ideológico, continua de uma consciência individual a outra, concluindo-se daí que

A consciência individual é um fato sócio-ideológico. [...] Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu desenvolvimento [...] A imagem, a palavra, o gesto significante etc. constituem seu único abrigo. (BAKHTIN, 1995, p. 35).

Bakhtin afirma, ainda, que sem material semiótico o psiquismo subjetivo não pode constituir-se e que esta atividade localiza-se no limite entre o organismo e o mundo exterior, que se encontram no signo. Na ligação entre o organismo e o mundo exterior, desvela-se a expressão semiótica da atividade mental. Assim,

O indivíduo enquanto detentor dos conteúdos de sua consciência, enquanto autor dos seus pensamentos, enquanto personalidade responsável por seus pensamentos e por seus desejos, apresenta-se como um fenômeno puramente sócio-ideológico. (BAKHTIN, 1995, p. 58).

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Assim, Branco e Madureira (2005) destacam que a tensão dialética entre os elementos indissoluvelmente relacionados – o sujeito e o contexto sociocultural – provocam o desenvolvimento do sujeito psicológico singular, que o sujeito não se reduz a ele mesmo, mas constitui-se numa extensão do outro, não obstante, diferenciada e singular. Dito de outra forma, torna-se cultural e singular, constituindo-se e desenvolvendo-se por meio das relações.

Como salientado por Bakhtin (2003), a linguagem está presente em todos os diversos campos da atividade humana, em forma de enunciados que podem ser orais ou escritos. Os enunciados traduzem suas condições específicas e suas finalidades, em qualquer campo da atividade humana, por seu conteúdo, estilo de linguagem e por sua construção composicional.

Bakhtin considera que esses três elementos estão imbricados no todo do enunciado, sendo determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Devido à variedade dos gêneros do discurso, são infinitas as possibilidades de elaborações de que a atividade humana pode se valer, desenvolvendo e tornando mais complexo um determinado campo. Dentre essa variedade dos gêneros do discurso é possível citar as réplicas do diálogo cotidiano, que encerra uma gama enorme de possibilidades de diálogo de acordo com o tema, a situação e os participantes:

Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 262).

Bakhtin (2003) enfatiza que os gêneros do discurso se diferenciam em primários ou simples e secundários ou complexos. Os primeiros vão se formando nas condições de comunicação cotidiana, enquanto que os outros emergem de um convívio cultural mais complexo, integrando os primários e transformando-os conforme as relações dos diferentes campos da atividade humana e da comunicação.

Sempre que falamos utilizamos um gênero específico do discurso, isto quer dizer que

todos os enunciados possuem formas razoavelmente estabelecidas e típicas de construção do todo. Esses gêneros são utilizados por nós com segurança e habilidade, muito embora, na maioria das vezes, não tenhamos consciência de sua existência. Vamos nos apropriando dessas formas à medida que assimilamos as formas da língua: “Nós aprendemos a moldar o

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Conhecer a natureza do enunciado e as peculiaridades das diversidades de gênero do discurso favorece a compreensão da relação da língua com a vida, o entendimento de como “a língua passa a integrar a vida” através de enunciados concretos e como “a vida entra na língua” (BAKHTIN, 2003, p.265). Para isso, é preciso refletir sobre a função da linguagem, tanto como condição para a formação do pensamento, como expressão, ou maneira de criação espiritual do homem, ou ainda, como forma de comunicação.

A comunicação não se limita ao ato que garante o papel do falante a um ouvinte, mas numa relação em que ambas as partes assumam uma posição responsiva, ora ocupando um papel, ora invertendo-se esse papel, de modo que aquele que no discurso, ocupou o papel de ouvinte, em determinados momentos assume uma ativa posição, concordando ou discordando, apresentando outra idéia, complementando ou explicitando sua compreensão.

No espaço interativo de sala de aula, essa situação não pode ser desvalorizada, garantindo-se à criança – um ser de saber – a sua escuta e fala, como forma de desenvolver sua autonomia na comunicação e promover o desprendimento da posição passiva tradicional que lhe é atribuída. Acrescente-se ainda que, mesmo o sujeito permanecendo em silêncio, sua capacidade de apreender e compreender o enunciado do outro deve ser considerada, tendo em vista que o ser não é um ser mudo, muito pelo contrário, é um ser repleto de palavras

interiores (BAKHTIN, 1995), fato que permite admitir que cedo ou tarde o que foi ouvido e compreendido ativamente ecoará no discurso ou no comportamento posterior do ouvinte (BAKHTIN, 2003).

Nesse sentido, Bakhtin afirma que o enunciado é a “real unidade da comunicação discursiva” (2003, p. 274), pois, para que haja o discurso de fato, é necessário que ocorram

enunciações concretas de determinados falantes, participantes do discurso, sendo que os limites de cada enunciado concreto, como unidade da comunicação discursiva, estão dados pela inversão dos papéis ocupados pelos sujeitos do discurso.

Não se pode confundir o enunciado como unidade da comunicação discursiva, com uma oração. A oração representa uma unidade da língua, podendo ser considerada um pensamento mais ou menos acabado, que se relaciona com outros pensamentos do mesmo falante, ou seja, seus limites não são estabelecidos pela inversão dos papéis dos sujeitos do discurso. Esse aspecto é uma peculiaridade específica do enunciado como unidade da comunicação discursiva, na tese de Bakhtin.

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contexto, e promovê-la a um enunciado pleno, pode aparentar uma conclusibilidade que necessite de uma resposta, mas nesse caso, a análise estará sujeita a invenções ou erros.

Uma peculiaridade que também faz parte do enunciado e que se acha inserida na primeira é a conclusibilidade. Assim, ocorre a mudança de papéis entre os sujeitos do discurso, justamente porque o sujeito que ocupava a posição de falante disse tudo o que queria dizer naquela situação, dando a oportunidade para o outro sujeito envolvido no discurso de ocupar uma posição responsiva, seja respondendo a uma questão, executando uma ordem, emitindo uma posição concernente ao tema do discurso ou qualquer outra manifestação.

Assim como o enunciado, a oração e a palavra também apresentam conclusibilidade, mas uma conclusibilidade em relação ao significado e forma gramatical, sendo que o significado é abstrato, constitui um acabamento do elemento e não do todo. Somente quando a oração está inserida num enunciado pleno pode ser reconhecida como expressão de alguém, como posição individual numa situação real. Surge dessa relação do enunciado com o falante outra peculiaridade do enunciado, ou melhor, o enunciado possibilita o reconhecimento do autor, do sujeito falante, bem como sua relação com outros participantes da comunicação discursiva, deixando clara a afirmação de Bakhtin de que “todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva” (2003, p. 289).

Cada enunciado, sendo um elo na cadeia da comunicação discursiva, desvela o desencadear do discurso, sua relação com os enunciados que o precederam e ainda com os subsequentes, visto que o falante está voltado para o objeto e também para o discurso do outro. Quando constrói seu discurso, sua atitude responsiva está focada na compreensão do outro, na sua resposta, na sua reação ativa, o que significa que o enunciado tem um

direcionamento - o destinatário. Na comunicação discursiva, quando o falante assume sua posição responsiva, define seu gênero de discurso, seu estilo, a forma composicional, enfim, quando estrutura seu enunciado, primeiramente considerou seu destinatário. Sempre falamos de maneira diferente para/com pessoas de diferentes posições, características, idade etc.

O processo argumentativo referido neste estudo nutre-se da compreensão dos gêneros do discurso, da enunciação, da comunicação discursiva e do direcionamento do enunciado, de acordo com os aspectos do discurso e da enunciação bakhtiniana.

1.3. Da linguagem à semiótica

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situações e processos que normalmente não podem ser apreendidos pelos sentidos de tato, audição, visão, olfato ou gustação, bem como de ideias que escapem de qualquer forma tangível. Essa comunicação pode ocorrer por meio da escrita, da fala ou de qualquer outra maneira, como ocorre, por exemplo, com a comunicação por meio de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais). Ampliando essa noção, o autor acrescenta que nem sempre a comunicação ocorre por meio de linguagem, mas pode abranger meios não-verbais, que incluem os gestos, relances de olhares, toques ou outras formas.

De acordo com Ogden e Richards (1976), Heráclito foi quem inicialmente considerou as palavras como consubstanciadoras da natureza das coisas, sendo a linguagem a coisa mais constante num mundo de incessantes mudanças, representando uma expressão da sabedoria comum que há entre todos da espécie humana. Os autores sustentam que essa concepção de Heráclito teve influência sobre Platão, manifestada no Crátilo. Esse texto conta com três personagens: Crátilo, que defende a concepção naturalista da linguagem; Hermógenes, que sustenta a corrente convencionalista, e Sócrates, que assume o papel de filósofo, trazendo a racionalidade e sabedoria para o diálogo entre as duas visões.

Othero e Brauner (2006) esclarecem que para os naturalistas havia uma relação natural entre as palavras e os objetos que elas designavam, ou seja, eram naturalmente “apropriadas”

às entidades por elas referidas. Já os convencionalistas acreditavam que a relação entre significante e significado, em outras palavras, entre palavra e entidade, ou coisa do mundo, era meramente convencional. Sócrates, personagem do Crátilo, aparece demonstrando a racionalidade, o caminho do meio, a alternativa criada a partir da junção dessas duas visões opostas. De acordo com o estudo de Crátilo, apresentado por Othero e Brauner (2006), para

Kahn (1973), o objetivo de Sócrates não é demonstrar se a linguagem é natural ou convencional, mas que o estudo das palavras não pode servir para descobrir a natureza das coisas, assim como apontar que o estudo das palavras sugere que todas as coisas estão em movimento ou em fluxo.

Ogden e Richards (1976) ponderam que as palavras e as coisas se relacionam por algum vínculo mágico, pois os símbolos desempenham um papel preponderante em nossas vidas, por meio da sua ocorrência conjunta com as coisas, sua vinculação com elas num contexto, sendo não apenas um objeto de espanto, mas a fonte de todo o poder do homem sobre o mundo externo.

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interpretada ou ambas as coisas, sendo pouco provável que escape de algum grau de interpretação. Assim sendo, a compreensão da situação significante encontra-se na explicação do processo de interpretação.

Os efeitos sobre o sujeito, causados por qualquer sinal, que pode ser um estímulo de fora ou qualquer processo ocorrendo internamente, resultam de sua história passada, de maneira geral, assim como de modo mais preciso, ou seja, dos processos que ocorreram de geração em geração, assim como dos processos que envolveram o próprio sujeito. Conclui-se daí que toda a história passada do sujeito é importante, sendo algumas experiências mais determinantes do que outras, da natureza do efeito.

A Psicologia aponta possibilidades para uma tentativa de compreender essa relação, numa perspectiva histórico-cultural que tem como um dos seus principais marcos teóricos a constituição simbólica do sujeito (COELHO, 2004), reconhecendo que a formação psíquica humana se concretiza no espaço histórico-cultural do indivíduo e os fenômenos psicológicos são constituídos/construídos a partir da interação entre o sujeito e a história/cultura/sociedade, por meio do continuado trabalho de mediação simbólica. Essa abordagem, enfatizando a natureza social da atividade mental, assume a linguagem como eixo do desenvolvimento humano.

A importância da linguagem como forma de comunicação e de instrumento do pensamento é destacada por Luria (1987), analisando o significado da palavra que percorre uma complexa evolução, passando do mundo sensorial para o mundo racional, codificando a experiência e chegando ao nível de influenciar decisivamente a formação da consciência.

Por isso, Vigotski (2001) considerou que, sem signos e significado, a comunicação

torna-se impossível, visto que é necessário, na expressão de alguma vivência ou conteúdo da consciência para outra pessoa, a inserção desse conteúdo numa determinada classe ou grupo de fenômenos, carecendo, obviamente, de generalização. Assim, Vigotski (2001) conclui que expressão e compreensão são possíveis a partir da capacidade que o sujeito adquire de generalizar, fazendo a relação de sua experiência com a do seu interlocutor, destacando-se que a comunicação só pode existir a partir da generalização e do desenvolvimento do significado da palavra. Ainda acrescenta que, para compreender a verdadeira conexão existente entre desenvolvimento cognitivo e social de uma criança, é preciso enxergar como unidade a generalização e a interação social.

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(COELHO, 2004). Desse modo, no espelhamento, que possibilita a circulação da linguagem, a criança vai conferindo forma e sentido, à medida que incorpora novos fragmentos a essas produções e coloca em funcionamento na sua fala. Nesse processo de espelhamento não se deve esquecer que a argumentação está incluída, como aspecto inerente à língua, ou seja, “a função básica da linguagem é argumentar” (KOCH, 2008, p.10).

Para Pino (2001) a experiência da significação por meio da palavra favorece a formação de conceitos e sistemas conceituais de distintas qualidades, que constitui o pensamento, sendo o meio pelo qual ocorre a passagem de uma inteligência prática para processos complexos de pensamento. No desenvolvimento desses processos conceituais de pensamento, a construção de um sistema de signos comum à criança e ao mundo que a cerca, é o elemento fulcral, já que a compreensão da realidade só lhe é possível por meio dos signos criados para sua expressão. A esse respeito Coelho (2004) introduz uma reflexão, considerando que a língua não pode ser uma nomenclatura aplicada a uma realidade existente a priori, mas um meio de categorizar, organizar e interpretar o mundo. Do mesmo modo, os

signos não podem ser interpretados como meras etiquetas para as coisas, o que significa dizer que, uma palavra, por exemplo, indica muito mais coisas que um objeto real pode indicar. A linguagem humana pode também referir-se a objetos presentes ou ausentes à situação de

comunicação, bem como criar universos inexistentes, destacando-se, então, a necessidade da dimensão semiótica como forma de organização e expressão do pensamento humano.

Nesse sentido, Vigotski (2001) aponta que o traço comum de todas as funções psíquicas superiores está no fato de serem processos mediatos, ou seja, o emprego de signos está incorporado em sua estrutura, como parte central de todo o processo, sendo a fonte

essencial de orientação e domínio nos processos psíquicos. Além disso, no processo de formação de conceitos, esse signo é a palavra, que inicialmente tem a função de meio na formação de um conceito, tornando-se, depois, um símbolo. Na atividade semiótica, as palavras estão imbricadas de conceitos capazes de ordenar a realidade e categorizar o mundo.

1.4. O uso da argumentação

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Sofistas e concebe a retórica como a arte que se ocupa em descobrir os meios de persuasão possíveis para os vários argumentos.

A Retórica de Aristóteles (1998), torna-se uma arte de falar, de modo a persuadir e a convencer o auditório de que uma opinião é preferível à outra, a qual se opõe, tendo como objetivo a comunicação mais eficaz para o saber, pressuposto como adquirido. Essa situação remete à ideia de recepção, definida como o conjunto de opiniões, valores e juízos que um auditório partilha, sendo fulcral para a recepção do argumento, deliberando a sua aceitação, a sua rejeição ou o seu grau de adesão. Como está alicerçada em critérios dialéticos, tal retórica apresenta-se como uma técnica de argumentação do verossímil, visto que as teses estão sujeitas à discussão no âmbito dos debates públicos. Em outros termos, qualquer um pode apresentar contra-argumentos à tese do orador, que é forçado a apresentar novos argumentos a fim de mantê-la crível.

A abordagem dada por Aristóteles à retórica teve uma evolução que a confinou a uma arte de compor discursos que primavam por sua organização e beleza (estética), subtraindo-se a dimensão argumentativa cultivada pelos sofistas. A retórica dos sofistas é fortemente criticada por Platão, especialmente em dois de seus Diálogos – Górgias e Protágoras, onde explicita a preocupação com o domínio político exercido pelos sofistas, que muitas vezes se

utilizavam das habilidades retóricas para fins escusos. Assim, Platão identifica a retórica dos sofistas meramente com a manipulação desenfreada e imoral das técnicas argumentativas com o objetivo de subverter a verdade. Para Platão, há uma verdade universal e absoluta que diz respeito a cada coisa e que é ignorada pela retórica. (PACHECO, 2008).

Barilli (1987), sobre a questão da verdade, afirma que, se partirmos do pressuposto de

que, no universo das ocupações humanas, não é possível estabelecer uma verdade segura e única que possa prevalecer, existem apenas argumentos que podem ser mais ou menos convincentes, as coisas tornam-se bem diversas. Instala-se aí, o direito e dever daquele que está convencido de sua verdade, de utilizar-se de argumentos para fazê-la aceita por outros. Essa perspectiva coincide com a dos sofistas, para os quais a verdade filosófica, sendo humana, nunca é certa a não ser para aquele que a anuncia e para os quais nela acredita.

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Para Sócrates e Platão a dialética é sinônimo de filosofia, o método mais eficaz de aproximação entre as ideias particulares e as ideias universais ou puras; é a técnica de perguntar, responder e refutar. Por meio do diálogo o filósofo busca atingir o verdadeiro conhecimento, partindo do mundo sensível e chegando ao mundo das idéias. A decomposição e investigação racional de um conceito conduzem a uma síntese, que também deve ser examinada, num processo constante rumo à verdade.

Aristóteles, então, relaciona a Retórica e a Dialética como duas disciplinas limítrofes, que partem do verossímil, sendo que nenhuma corresponde a uma ciência em particular, mas, ambas mantêm uma distinção no modo como são empregadas. A Retórica ocupa-se da persuasão, sendo que a Dialética está vinculada à produção de conhecimentos gerais. Assim, Aristóteles define a Dialética como a lógica do provável, do processo racional que não pode ser demonstrado.

Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), no seu Tratado da argumentação, identificado como uma nova retórica, salientam que, embora houvesse uma aproximação de tal teoria com a dialética, preferiu-se a aproximação com a retórica, principalmente devido à idéia de adesão e de espíritos aos quais se dirige um discurso. A identificação do Tratado com a retórica foi sustentada para enfatizar que toda e qualquer argumentação só pode surgir e desenvolver-se

em função de um auditório, sendo essa ideia de auditório, lembrada assim que se pensa num discurso, conservada da retórica tradicional. Nesse sentido, Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) definem uma teoria da argumentação como “o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se lhes apresentam ao assentimento” (p. 4), procurando mostrar que as mesmas técnicas argumentativas se

encontram tanto nas discussões ao redor de uma mesa familiar como num debate num meio muito especializado.

É possível compreender, portanto, que tais técnicas são vivenciadas nas instituições educativas, ainda que os participantes dos processos de construção de conhecimento não atentem para sua ocorrência. Nas atividades cotidianas de sala de aula, evidenciam-se espaços de diálogos, de questionamentos, de construção de diferentes linguagens e de divergências nos modos de pensar, que viabilizam o uso consciente das estratégias de argumentação, favorecendo o trabalho pedagógico.

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quando as pessoas fazem parte de um mesmo meio, partilham experiências, mantêm uma relação social ou convivem umas com as outras. Mesmo assim, é necessário um plus ao tomar a palavra e ser ouvido, que dependerá da circunstância e do auditório para o qual se dirige o orador.

Para Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) o auditório se refere ao grupo o qual o orador procura influenciar por meio do seu discurso, sendo fundamental o conhecimento deste grupo para a eficácia da argumentação, já que esse conhecimento ajudará na escolha dos meios que possam influenciá-lo. Conhecendo o auditório, pode-se apropriar o discurso, de modo que argumentos utilizados em determinados casos podem vir a ser inapropriados em outros, ou seja, a constituição do auditório ao qual podem ser submetidos alguns argumentos com eficácia, indica de forma ampla o aspecto das argumentações, o caráter e o alcance que lhes serão dados.

São três os tipos de auditório, segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005): o auditório universal, que compreende a humanidade como um todo; o auditório particular, que se forma no diálogo, sendo relativo ao interlocutor e a quem se dirige, e ainda, o próprio sujeito, que delibera sobre as razões de suas ações. Mas esses auditórios não são independentes, julgam-se uns aos outros. Os autores acrescentam, na análise da ação

argumentativa, sua tendência à modificação de um estado de coisas, considerando-se que a relação entre argumentação e ação é desencadeada nas situações sociais, psicologicamente determinadas.

Em relação à interpretação do discurso, foram destacadas por Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) a ambiguidade do dado argumentativo a se interpretar, assim como a

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Koch (2008) aponta a função social da linguagem como forma de “ação sobre o mundo dotada de intencionalidade, veiculadora de ideologia, caracterizando-se, portanto pela argumentatividade” (p. 15). Fundamenta o estudo da argumentação nessa perspectiva, como subsídio ao educador no desenvolvimento da capacidade de reflexão crítica do estudante em relação ao uso da língua, caracterizada pela argumentatividade, na interação social, considerando que para isso é preciso que este se torne capaz de compreender, analisar, interpretar e produzir textos verbais.

O ser humano, que difere dos outros animais pelo uso da razão, permanece toda a vida desenvolvendo processos de avaliação, julgamento, crítica e juízos de valor, além de, usando o discurso, valer-se da intenção para influenciar o desenvolvimento do outro e de fazê-lo compartilhar de alguma de suas opiniões. Koch (2008) chama a atenção para a multiplicidade de significações que um enunciado pode ter, já que as intenções de quem fala podem ser as mais variadas e, ao mesmo tempo, destaca o termo intenção, considerando que a atividade de interpretação que, se verifica no cotidiano da linguagem, está alicerçada na suposição de que quem fala tem determinadas intenções, na comunicação. Para compreender uma enunciação é preciso extrair tais intenções. A autora alerta para o fato de não existir uma realidade psicológica na noção de intenção, sendo puramente linguística, dada pelo sentido do

enunciado, ou linguisticamente constituída.

Koch (2008) recorre às ideias de Paulo Freire para defender a necessidade de que o estudante seja preparado para tornar-se sujeito do ato de ler, capaz de apreender a significação profunda dos textos com que se defronta, podendo reconstruí-los ou reinventá-los. O estudante deve reconhecer que a argumentatividade, “possibilidade de através de certos sinais,

levar o interlocutor a determinados tipos de conclusão, com exclusão de outras” (KOCH, 2008, p. 160) é característica da própria língua, não sendo acrescentado a posteriori, em situações específicas de comunicação. Cumpre ao educador construir caminhos, juntamente com o estudante, para que possa conscientizar-se dos diversos níveis de significação existentes em cada texto, que podem estar explícitos ou implícitos, sempre ligados à intenção daquele que o produziu. Percorrendo esse caminho, o estudante poderá perceber as manobras discursivas dos interlocutores, cujo intuito seja conduzir a uma determinada interpretação ou garantir algum tipo de comportamento, distanciando-se da manipulação.

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se restringe à interação verbal face a face. Seja em situações de monólogo (palestras, texto escrito etc.) ou mesmo quando o indivíduo se engaja na argumentação consigo mesmo (argumentação auto-dirigida), o diálogo continua sendo o modelo que define a estrutura e o funcionamento da argumentação.

Um trabalho que também trouxe uma contribuição à recrudescência da retórica, sendo importante para a compreensão teórica aqui desenvolvida, é o de Stephen Toulmin (2006). Breton e Gauthier (2001) sustentam que a teorização de Toulmin está vincada por uma oposição ao logicismo, com o propósito de, por meio de uma reforma da lógica, torná-la mais aplicável às discussões racionais cotidianas. Banks-Leite (1996) salienta que, assim como Perelman, Toulmin critica a Lógica Formal, em especial o silogismo dedutivo, como modelo de raciocínio correto, propondo a expansão do campo da lógica e solicitando um método comparativo (Lógica Aplicada) que se constitua em colaboração com os domínios específicos aos quais se aplique.

Para Toulmin (2006), toda espécie de conteúdo proposicional, atravessado por asserções, é concebido como argumento: apresenta-se uma tese que convoca uma justificação. Assim, um argumento deve ser a articulação de pelo menos uma razão com uma proposição que a justifica, fazendo-o pertencer a um campo específico. O autor utiliza um exemplo que

deixa a ideia apresentada mais clara.

Petersen não é católico romano. (asserção original)

A base da alegação está no conhecimento de que Petersen é sueco e que os suecos geralmente são protestantes, tornando-se muito improvável, portanto, que ele seja católico romano.

Os termos apresentados permitem compor um esqueleto como padrão para análise dos argumentos, sendo possível perceber a relação entre os dados e a alegação sustentada por eles, indicando-se, igualmente, as garantias que autorizam a passagem dos dados à alegação:

D → então C Exemplo: Petersen é sueco→ (então) Petersen não é católico romano.

↓ ↓

Já que já que

G Os suecos, geralmente são protestantes.

Imagem

Tabela 2.4. Procedimentos de coleta de dados
Tabela 3.1. Distribuição dos episódios

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