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FLORISVALDO CAVALCANTE DE ALMEIDA O papel do Estado-membro no planejamento metropolitano diante do ordenamento jurídico urbanístico brasileiro

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FLORISVALDO CAVALCANTE DE ALMEIDA

O papel do Estado-membro no planejamento metropolitano

diante do ordenamento jurídico urbanístico brasileiro

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FLORISVALDO CAVALCANTE DE ALMEIDA

O papel do Estado-membro no planejamento metropolitano

diante do ordenamento jurídico urbanístico brasileiro

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Urbanístico, sob a orientação do Professor Doutor Nelson Saule Júnior.

SÃO PAULO

(3)

Banca Examinadora

___________________________________

___________________________________

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(6)

O PAPEL DO ESTADO-MEMBRO NO PLANEJAMENTO METROPOLITANO DIANTE DO ORDENAMENTO JURÍDICO URBANÍSTICO BRASILEIRO

Florisvaldo Cavalcante de Almeida

RESUMO

O objeto deste trabalho é esclarecer o papel do Estado-membro no planejamento metropolitano diante do ordenamento jurídico urbanístico brasileiro. Partiu-se da premissa de que toda a ação estatal deve estar prevista, de forma implícita ou explícita na Constituição Federal. De início, procurou-se, fazendo uma interpretação lógico-sistêmica do texto constitucional, apontar o objeto de estudo do Direito Urbanístico, o qual constitui um Direito instituidor de políticas públicas, que precisa da atuação positiva do Estado para sua implementação. Tal atuação deve se dar de maneira planejada. Com isso, foi possível determinar que o planejamento seja considerado o principal instrumento de estruturação deste ramo do Direito, cuja competência foi atribuída, pelo texto constitucional, a todos os entes federativos. Todos os entes tem o dever de tratar do planejamento urbanístico, uma vez que competência significa um dever/poder, um poder vinculado à determinada finalidade. Passou-se a investigar a Região Metropolitana, arranjo institucional, cuja criação tem por finalidade imediata instituir um planejamento metropolitano integrado para tratar das funções públicas de interesse comum. Detectou-se que a titularidade dessas funções públicas é do Estado-membro e dos Municípios integrantes da figura Regional. Consequentemente, a elaboração e execução dessas funções deve se dar por esses entes de forma compartilhada. Concluiu-se que compete ao Estado-membro, além da criação da Região Metropolitana, a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum, devendo assegurar a participação dos Municípios que integram a figura Regional e da sociedade civil na organização, no planejamento e na execução das funções públicas de interesse comum.

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The ROLE OF the Member STATE IN PLANNING METROPOLITAN PLANNING BEFORE THE BRAZILIAN LEGAL URBANÍSTICO

Florisvaldo Cavalcante de Almeida

ABSTRACT

The object of this work is the role of the Member State in metropolitan planning before the legal system Brazilian urban. Broke from the premise that the entire state action must be provided, either implicitly or explicitly, in the Federal Constitution. Of initiation, it was examined whether, by making a logical interpretation-systemic of the constitutional text, pointing out the object of study of Urban Law, which constitutes a Right founder member of public policies, which needs the actuation of positive State for its implementation. Such action must give way if planned. With this, it was possible to determine that the planning is considered the main instrument for structuring of this branch of Law, whose competence has been assigned, by constitutional text, all the loved federative. All loved have a duty to deal with the urban planning, once that competence means a duty/power, a power linked to particular purpose. began to investigate the Metropolitan Region, institutional arrangement, whose creation has by immediate purpose establish a metropolitan planning integrated to deal of public functions of common interest. It has been detected that the ownership of these public functions is the Member State and of the Municipalities Regional members of the figure. Consequently, the preparation and execution of these functions should be given by these loved of shared form. It was concluded that it is incumbent upon the Member State, in addition to the creation of the Metropolitan Region, the organization, the planning and execution of public functions of common interest. It should ensure the participation of Municipalities that comprise the Regional figure and of civil society in the organization, planning and execution of public functions of common interest.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO---10

2 DO PLANEJAMENTO URBANÍSTICO ---15

2.1 Direito Urbanístico e a necessidade de planejamento---15

2.1.1 Origem do Direito Urbanístico---15

2.1.2 Objeto do Direito Urbanístico---19

2.1.3 Conceito de Direito Urbanístico---27

2.2 Planejamento---29

2.2.1 Considerações iniciais---29

2.2.2 Distinção entre planejamento e plano---32

2.2.3 Etapas do processo de planejamento---34

2.2.4 Planejamento econômico---35

2.2.5 Planejamento urbanístico---37

3 SISTEMA NACIONAL DE PLANEJAMENTO URBANÍSTICO ---46

3.1 Considerações iniciais ---46

3.2 O planejamento como função pública ---47

3.3 Repartição constitucional de competência---50

3.4 O princípio da predominância de interesse---52

3.5 Regras constitucionais de cooperação---57

3.6 Normas constitucionais de política normativa do desenvolvimento urbano---61

3.7 Normas constitucionais e infraconstitucionais instituidoras do planejamento urbanístico ---69

3.7.1 Planejamento municipal---84

3.7.1.1 Plano Diretor---84

4 REGIÃO METROPOLITANA ---95

4.1 Considerações iniciais---95

4.2 Origem da Região Metropolitana---95

4.3 Questões metropolitanas ---98

4.4 Necessidade de institucionalização da Região Metropolitana ---101

4.5 Arranjos institucionais da Região Metropolitana ---105

4.5.1 Organização e administração da Região Metropolitana no Canadá---107

4.6 Regime jurídico da Região Metropolitana---111

(9)

4.6.2 Natureza jurídica da Região Metropolitana---125

4.7 Titularidade da administração da Região Metropolitana---128

4.8 Interesse metropolitano e interesse local---140

4.9 Funções públicas de interesse comum---144

5 ORGANIZAÇÃO, PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DAS FUNÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE COMUM---153

5.1 Considerações iniciais---153

5.2 A organização da Região Metropolitana---153

5.3 Financiamento da política metropolitana---156

5.4 Processo do planejamento metropolitano---158

5.5 Conteúdo do plano urbanístico metropolitano---159

5.5.1 Aspecto urbanístico do plano metropolitano---163

5.6 Competência para elaborar e aprovar o plano metropolitano---163

5.7 Efeitos jurídicos do plano metropolitano---163

5.8 Execução das funções públicas metropolitanas---164

5.9 Instrumentos para a execução---164

6 EXPERIÊNCIA BRASILEIRA---166

6.1 Considerações iniciais ---166

6.2 Região Metropolitana de Campinas---166

6.2.1 Plano de Habitação de Interesse Social da Região Metropolitana de Campinas---169

6.3 Região Metropolitana de Belo Horizonte---177

6.3.1 O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte---180

7 CONCLUSÃO ---197

(10)

1 INTRODUÇÃO

O Estado constitucional brasileiro adotou, entre outros, os princípios da separação dos poderes e a forma federativa de Estado. Esses princípios constituem a sua estrutura - divisão orgânica e divisão espacial de poder. Essa estrutura se apoia na distribuição de poderes que é feita por meio da repartição constitucional de competências. A finalidade precípua dessa repartição, na qual se definem as responsabilidades e obrigações, é oferecer, mediante execução de políticas públicas, a garantia dos direitos fundamentais. Tal tarefa deve ser desenvolvida de modo que os objetivos fundamentais do Estado Brasileiro1 sejam atendidos. Na consecução desses objetivos a Constituição Federal de 1988 exige a atuação coordenada, integrada e planejada dos entes federativos.

A repartição constitucional de competências foi fundamentada no princípio da predominância de interesse, pelo qual os assuntos de âmbito nacional competem à União, os de interesse regional aos Estados-membros e os de interesse local aos Municípios. Cada ente federativo atuando de maneira coordenada e integrada, dentro do seu respectivo território. Todavia, na prática, estabelecer o campo de atuação de cada ente, a quem compete determinada matéria, não é tarefa fácil, já que o interesse local é também interesse regional e nacional. Ou seja, o território nacional é composto pela soma do território dos Estados-membros que, por sua vez, é composto pela soma do território dos seus respectivos Municípios.

Essa dificuldade se mostra ainda mais evidente no concernente aos assuntos referentes ao temário urbano. Com o processo do desenvolvimento industrial, a população rural motivada pela ideia de modernidade e progresso migrou para os centros urbanos, em busca de uma vida melhor. A concentração urbana foi tão intensa de modo que, nos centros das cidades, não mais era possível a circulação de pessoas, tornando a convivência insuportável. Esse fato fez com que as pessoas se voltassem para as áreas periféricas, até então menos valiosas e sem o olhar estatal, e assim, sucessivamente, ocasionando grandes aglomerados urbanos.

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Esses centros urbanos, devido à ausência de planejamento e por não estarem preparados para receber o crescimento populacional demasiado, apresentaram vários problemas, como deterioração do meio ambiente, falta de moradia, desemprego, problemas de saneamento básico, entre outros que ainda hoje se mostram de difícil solução.2 Tal dificuldade é ainda mais latente nas

conurbações urbanas, denominadas de Região Metropolitana, constituída por um agrupamento de municípios limítrofes, que apresentem “existência de núcleos urbanos contíguos, contínuos ou não, formando uma única tessitura urbana, subordinados a mais de um município, sob a influência de um Município-Pólo”, porque esta única tessitura urbana está submetida a distintas administrações.3

Pelo ordenamento jurídico brasileiro, a competência para tratar dos assuntos urbanísticos é preponderante dos Municípios,4 mas não exclusiva. E

2 A título de exemplo, conforme dados do IBGE, em 2010, 43% dos domicílios brasileiros foram considerados inadequados. Não possuíam infraestrutura como: até dois moradores por dormitório; coleta de lixo direta ou indiretamente por serviço de limpeza; abastecimento de água por rede geral; e esgoto sanitário por rede coletora. O déficit habitacional no País, em 2012, era de 5.546.310 unidades, das quais 61% correspondiam às moradias inadequadas. Do total do déficit, 1.537,030 unidades eram nas regiões metropolitanas. Só na Região Metropolitana de São Paulo, esse déficit era de 510.327 unidades; na Região Metropolitana de Belo Horizonte era de 115.689 unidades; e na Região Metropolitana de Campinas de 45.196 unidades. Disponível em: <www.cbicdados.com.br>. Acesso em: 29/07/2013.

Sobre o Saneamento Básico, o professor Wanderley da Silva Paganini, do Departamento de Saúde Ambiental, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, apontou que seria necessário um investimento de R$ 12 bilhões por ano, durante vinte anos consecutivos para solucionar o problema. Este estudo baseou-se nos dados divulgados pelo IBGE, em 2011, sobre ao acesso à rede de coleta de esgoto e abastecimento de água no Brasil. No Estado de São Paulo, 85% dos domicílios possuíam cobertura de rede de esgoto, já no resto do País esse número caiu para 50% em média. Disponível em: <www.ecodebate.com.br>. Acesso em: 29/07/2013.

Sobre os Resíduos Sólidos, no Brasil são coletados 189 toneladas de resíduos sólidos por dia. Deste total, em 50,8% dos Municípios os resíduos ainda tem destino inadequado, vão para os 2.906 lixões que o País possui. A Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada pela Lei 12.305/2010, disciplina a coleta, o destino final e o tratamento de resíduos urbanos, perigosos e industriais. A referida Lei estabelece como metas: o fechamento dos lixões até 2014 (a parte dos resíduos que não puder ir para reciclagem, os chamados rejetos, só poderá ser destinada para os aterros sanitários); e a elaboração de planejamento na área de limpeza urbana, que observem os critérios da Lei (elaboração de planos municipais de resíduos sólidos). A elaboração desse plano constitui uma condição para o repasse federal a ser investido na referida política. Mesmo assim, segundo a Confederação Nacional dos Municípios, somente 30% dos municípios brasileiros elaboraram o referido plano. Esse número em agosto de 2012 era de, apenas, 9%. A justificativa pela falta de elaboração é de que os municípios não possuem capacidade técnica, e em outros casos, os municípios desconhecem a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Disponível em: <www.cnm.org.br.> Acesso em: 29/07/2013.

3 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 156-8.

4 São de responsabilidade dos Municípios os serviços concernentes ao arruamento, alinhamento e

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muitos dos problemas, como os acima mencionados, não permitem soluções isoladas porque os seus efeitos e impactos estão além do território municipal. Com isso, essa união de vários núcleos urbanos submetidos a distintas administrações formando uma única tessitura urbana, necessita de uma ação conjunta e regional de planejamento, para solucioná-los.

A Constituição Federal de 1998, em vários dispositivos prevê normas que tratam do Direito Urbanístico. Normas que atribuem competência a todos os entes federativos, tanto competência concorrente como exclusiva. No artigo 25, § 3º, estabelece a Constituição Federal que:

Os Estados-membros poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas para integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum. Não há dúvida de que a instituição da figura Regional compete ao Estado-membro. Mas, o texto constitucional não deixa claro a quem compete à organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum. Nesse sentido, justifica-se o estudo da Região Metropolitana, arranjo institucional, que tem por finalidade viabilizar a execução das funções públicas, cujos impactos e efeitos estão além do território municipal.

A proposta do presente trabalho consiste em apontar o papel do Estado-membro no exercício da competência prevista na norma do §3º, do artigo 25, da Constituição Federal. O seu papel está restrito à instituição da Região Metropolitana ou abrange a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum? Qual o limite da sua atuação?

A abordagem será feita sobre a dimensão jurídica do tema. Para tanto, busca relacionar esta dimensão com outras, como a urbanística, a social e a econômica, uma vez que se reconhece que a existência da Região Metropolitana sob o aspecto jurídico fundamenta-se em objetivos urbanísticos, sociais e econômicos, constitucionalmente estabelecidos. Ou seja, a dimensão jurídica recai

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sobre as demais. Dessa forma não se propõe um estudo do objeto em questão sobre os aspectos econômico, social e urbanístico, embora se reconheça que, conforme ensinamentos de Alaor Caffé Alves, esses fenômenos sobre os quais recai a realidade jurídica continuam a existir, ao passo que ao serem definidos juridicamente ganham forma, porque a Constituição Federal não realiza a Região Metropolitana, ao possibilitar sua criação atribui-lhe conceito jurídico.5 A pretensão é investigar como esses aspectos foram juridicamente abordados e qual a condição jurídica dessa realidade. Esta investigação será desenvolvida com o respaldo bibliográfico e jurisprudencial, além de experiências brasileira e estrangeira, com o objetivo de apontar a forma mais adequada e eficiente de gestão da figura Regional.

A exposição do trabalho divide-se em cinco capítulos. O primeiro (seção 2 da Dissertação), dedica-se a análise do planejamento urbanístico. A abordagem busca demonstrar que o planejamento é instrumento essencial do Direito Urbanístico. Esse ramo do Direito surgiu com a finalidade de regulamentar a atividade urbanística, consistente na promoção do interesse coletivo. Com a Constituição Federal de 1988, a sua função refere ao tratamento da política de desenvolvimento urbano, que visa a assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes, cujo alcance depende da atuação positiva estatal, mediante planos programas e projetos, instrumentos do planejamento.

No segundo capítulo (seção 3 da Dissertação), examina-se a estrutura da política normativa do desenvolvimento urbano e do sistema nacional do planejamento urbanístico. Serão analisados os dispositivos constitucionais que instituem as referidas estruturas, visando a traçar as formas e os limites de atuação de cada ente federativo no Direito Urbanístico, especificamente no que concerne ao planejamento urbanístico.

A abordagem do terceiro capítulo (seção 4 da Dissertação) se volta para o tema da Região Metropolitana. A criação da figura Regional tem por finalidade imediata a instituição do planejamento metropolitano integrado e coordenado em busca da realização de mudanças necessárias à consecução do desenvolvimento econômico e social. Esta análise compreende a origem, a

5 ALVES, Alaor Caffé. Planejamento metropolitano e autonomia municipal no direito brasileiro. São

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necessidade de institucionalização, regime jurídico, titularidade das funções públicas de interesse comum, o interesse metropolitano e o interesse local e experiências internacionais de gestão metropolitana. O objetivo da investigação é saber qual a forma adequada de gestão capaz de conferir o almejado pelo texto constitucional.

No quarto capítulo (seção 5 da Dissertação), a pesquisa é dedicada ao papel do Estado-membro na criação, organização, planejamento e execução das funções públicas de interesse comum. Esta investigação busca apontar o que deve fazer e o que não deve o Estado-membro no exercício da sua competência atribuída pela Constituição Federal, no artigo 25, §3º.

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2 DO PLANEJAMENTO URBANÍSTICO

2.1 Direito Urbanístico e a necessidade de planejamento

2.1.1 Origem do Direito Urbanístico

Nos ensinamentos de José Afonso da Silva, o processo pelo qual a população urbana cresce em proporção superior à rural, ocasionando a concentração urbana, é designado pelo termo urbanização.6 Tal processo, que se iniciou no começo do século XX, por ausência de planejamento, criou problemas como a deterioração do meio ambiente, desorganização social, falta de habitação, desemprego, falta de fornecimento de água e de saneamento básico, de política de resíduos sólidos, entre outros. Os centros urbanos não ofereciam condições adequadas de habitabilidade à população que havia migrado do campo, impulsionada pelo crescimento industrial.

Essa situação pressupunha a necessidade de intervenção do Poder Público, utilizando-se da urbanificação7 para transformar o meio urbano e criar novas formas urbanas, com o intuito de solucionar aqueles problemas. Essa intervenção Estatal consiste, conforme Nelson Saule Júnior, na atividade urbanística que o Poder Público promove com o objetivo de ordenar os espaços habitados e habitáveis.8

O Direito Urbanístico surge com a finalidade de regulamentar a atividade urbanística, cuja ação consiste na realização dos fins do urbanismo,9 qual

seja, mediante a ordenação dos espaços habitados e habitáveis corrigir os problemas criados pela urbanização.

6 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 26.

7 Urbanificação é o processo deliberado de correção da urbanização, consistente na renovação

urbana, que é a reurbanização ou a criação artificial de núcleos urbanos. Cf. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 27.

8 SAULE JÚNIOR, Nelson. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro. Ordenamento

constitucional da política urbana. Aplicabilidade e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1997, p. 83.

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Para que se desenvolva o processo da urbanificação, o exercício da atividade urbanística, a intervenção do Poder Público é necessária porque se trata de uma atividade que interfere diretamente na propriedade privada e na vida econômica e social das aglomerações urbanas. Razão pela qual, afirma ser a atividade urbanística uma função pública. Ou seja, pelo fato de a atividade urbanística interferir na propriedade privada só o Poder Público, mediante lei, poderá desenvolvê-la ou autorizar o setor privado, no concernente à execução, que a desenvolva de forma adequada.

Assim entende José Afonso da Silva, ao discorrer:

O Direito Urbanístico é produto das transformações sociais que vêm ocorrendo nos últimos tempos. Sua formação, ainda em processo de afirmação, decorre da nova função do Direito, consistente em oferecer instrumentos normativos ao Poder Público a fim de que possa, com respeito ao princípio da legalidade, atuar no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse da coletividade.10

Destarte, a atividade urbanística refere-se à intervenção do Poder Público na propriedade privada com o objetivo de atender ao interesse coletivo. Porém, essa atividade que deve contar com autorizações legais para o Poder Público delimitar os direitos e as obrigações dos proprietários, é regulamentada pelo Direito Urbanístico.

Vale mencionar que no início do século XX, quando introduzido no Brasil, o urbanismo era exercido pelos Estados-membros mediante suas funções administrativas. Reinava, na época, uma economia basicamente agrícola. Com isso, não havia preocupação com o desenvolvimento. As intervenções estatais estavam mais voltadas para o embelezamento e o controle social. Na década de 50 é que o desenvolvimento passa a ganhar enfoque no urbanismo. Já o planejamento foi introduzido na década de 70, com a centralização estatal da política urbana. Somente na década de 80, começa a preocupação com a participação direta da sociedade na gestão das cidades.11

Ademais, desde as Ordenações do Reino, o Brasil possui regras jurídicas urbanísticas, embora não fossem cunhadas como pertencentes ao Direito

10 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 36.

11 MATTAR, Simone Fernandes. A autonomia municipal no exercício da competência urbanística.

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Urbanístico.12 Na esfera constitucional, a Constituição Federal de 1988, em seu

artigo 24, inciso I, foi a primeira a mencionar o termo “Direito Urbanístico”.

O termo urbanismo deve ser interpretado de forma extensiva, não compreendendo somente as cidades, mas estendendo aos seus habitantes. A expressão que vem do latim urbs, cujo significado é cidade, ultrapassou as barreiras

da cidade para abarcar todo o território (urbano e rural), tornando mais extensivo seu objeto. O urbanismo se funda na ciência e na técnica de ordenar os espaços habitados e habitáveis (urbano e rural), objetivando o bem-estar de todos.13 Ou seja, visa à realização da qualidade de vida do homem na sociedade.

O Urbanismo deixou de ser, nos ensinamentos de Simone Fernandes Mattar, “um mero instrumento ordenador da área urbana para ser um fator atuante na conformação social global”, cuja finalidade consiste em planejar e ordenar “as estruturas demográficas, sociais e econômicas de uma unidade territorial”.14

Com a evolução do urbanismo, consequentemente, o Direito Urbanístico, por ter a função de regulamentar as atividades que consistem na satisfação dos fins do urbanismo, ampliou o seu objeto. Essa ampliação ocorreu, a princípio, com a consagração das quatro funções sociais da cidade, pela Carta de Atenas de 1933, quais sejam: habitação, recreação, trabalho e circulação. Consoante Simone Fernandes Mattar, a Carta de Atenas estabeleceu diretrizes para elaboração das normas jurídicas que regulam a intervenção estatal, que tem o objetivo de propiciar a ordenação e o planejamento urbano.15

Nos ensinamentos de Fernando Alves Correia, a ampliação do objeto do Direito Urbanístico se explica pela área de atuação, a qual engloba três grandes setores: o direito do plano que regula o plano local, o supralocal, o regional e o

12 As regras gerais e simples de direito urbanístico já se encontravam no direito brasileiro desde as

Ordenações do Reino, que fixavam princípios sobre a ordenação de povoações; nas Ordenações Filipinas estavam fixadas normas genéricas sobre a estética das cidades. Cf. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 51. No mesmo sentido: DI SARNO, Daniela Campos Libório. Elementos de direito urbanístico. Barueri, SP: Manole, 2004, p. 10.

13 COSTA, Regina Helena. Princípios de Direito Urbanístico na Constituição de 1988. In: DALLARI, Adilson Abreu; e FIGUEIREDO, Lúcia Vale (coords.). Temas de Direito Urbanístico, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 110. No mesmo sentido: CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade, 1ª ed., 2ª Reimp. Coimbra: Almedina, 2001, p. 48.

14 MATTAR, Simone Fernandes. A autonomia municipal no exercício da competência urbanística, p. 68.

15 Ibid., p. 68. No mesmo sentido: VICHI, Bruno de Souza. Política urbana: sentido jurídico,

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nacional; o direito do solo urbano que possibilita a realização dos objetivos definidos normativamente pelos planos urbanísticos, ou seja, o direito do solo consiste no conjunto das normas jurídicas referentes ao uso e a ocupação dos solos urbanos; e o direito de construção que abrange as regras técnicas e jurídicas a que deve obedecer toda construção edilícia.16

Com o advento da Constituição Federal de 1988, Carlos Ari Sundfeld assinala que, ao direito urbanístico cabe servir à definição e à implementação da “política de desenvolvimento urbano”, a qual tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes. Com isso, surge, então, como o direito da política de desenvolvimento urbano, nos seguintes sentidos:

a) como conjunto de normas que disciplinam os objetivos da política urbana (exemplo: normas constitucionais); b) como conjunto dos textos normativos em que estão fixados os objetivos da política urbana (planos urbanísticos, por exemplo); e c) como conjunto de normas em que estão previstos e regulados os instrumentos de implementação da política urbana (o próprio Estatuto da Cidade, entre outros).17

Destaca ainda o autor que a ligação constitucional entre as noções de “direito urbanístico” e de “política urbana” (política pública) faz do Direito Urbanístico um direito instituidor de políticas públicas urbanas, o qual surge como o direito a uma “função pública”, intitulada urbanismo, impondo ao Poder Público determinadas ações positivas com finalidades coletivas. Essas finalidades consistem em sintetizar os princípios do urbanismo moderno, mencionados na Carta de Atenas, entendidos como funções urbanas elementares.

Dessa forma, o Direito Urbanístico consiste no direito do plano, no direito do solo urbano, no direito da construção e no direito instituidor de políticas públicas urbanas.

Surge uma questão: se o Direito Urbanístico tem por função cuidar da política de desenvolvimento urbano, seu objeto está restrito ao solo urbano, ou se refere a tudo concernente ao bem-estar dos habitantes, uma vez que este é um dos objetivos da mencionada política, previstos na Constituição Federal de 1988?

16 CORREIA, Fernando Alves. O plano urbanístico e o princípio da igualdade, pp.51-2.

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2.1.2 Objeto do Direito Urbanístico

Para responder a essa indagação é necessário tecer alguns comentários no sentido de esclarecer se a política urbana, disciplinada pelo Direito Urbanístico, corresponde a políticas públicas urbanas.

O direito é um sistema composto de normas jurídicas, que traçam aos destinatários determinadas formas de comportamento, conferindo-lhes possibilidades ou poder de agir dentro de um espaço social delimitado.18 Segundo Carlos Ari Sundfeld, esse conjunto de normas divide o direito em dois ramos: direito público e direito privado. Este formado pelo conjunto de normas que regulam as relações dos indivíduos entre si; aquele formado pelo conjunto de normas que regem as relações entre o Estado e os indivíduos.19

O objeto do direito público é organizar o poder do Estado e as suas relações, tanto as que concernem a outros Estados quanto aquelas referentes ao próprio Estado, por meio dos seus órgãos. A finalidade dessa organização é alcançar os objetivos desse Estado. Pois, cabe ao ramo do direito público ordenar os institutos jurídicos visando a alcançar o bem comum.20

No caso do Estado brasileiro, os objetivos a serem alcançados por meio do direito público estão elencados no artigo 3º da Constituição Federal de 1988. Todos os atores incumbidos de operar esse ramo do direito têm por função desempenhar medidas visando a alcançar o bem comum dos indivíduos coletivamente considerados.

Nos ensinamentos de Bruno de Souza Vichi, o direito público, por estar

relacionado ao Estado, guarda uma relação intensa e constante com a política,21 porque os objetivos previstos no artigo 3º da Constituição Federal somente serão

18 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 15.

19 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público, 4ª ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p.

24.

20 VICHI, Bruno de Souza. Política urbana, sentido jurídico, competências e responsabilidade, p. 85. No mesmo sentido: SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 25.

21 “Dentre as diversas disciplinas que compõem o direito público, estruturadas por meio de

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alcançados mediante o desenvolvimento de políticas públicas. É por meio das políticas públicas, instrumento da função de governar, consoante Solange Gonçalves Dias,22 que o Estado presta os serviços públicos com eficiência,

possibilitando aos cidadãos a fruição desses serviços.

A função de governar, nos ensinamentos de Maria Paula Dallari Bucci,23 é o núcleo da ideia de políticas públicas, redirecionando o eixo de organização do governo da lei para as políticas. Para a autora, as políticas representam uma evolução da ideia de lei em sentido formal. Consequentemente, o aspecto funcional inovador de qualquer modelo estrutural do poder político caberá, justamente, às políticas públicas.

Nas palavras de Maria Paula Dallari Bucci, as políticas públicas “são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados”.24

Esse programa de ação governamental ou políticas públicas está além da atividade legislativa. As políticas públicas, além de constituir-se de normas-objetivo, ao definirem fins a alcançar, ou normas-programáticas, ao estabelecerem princípios e programas, são programas, planos, que servem como instrumento operacional do direito, que visam a alcançar metas, objetivos estabelecidos de maneira racional.

Para Fábio Konder Comparato, a política pública:

[...] não consiste, portanto, em normas ou atos isolados, mas sim numa atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado tipo, conjugados para a realização de um objetivo determinado. Toda política pública, como programa de ação, implica, portanto, uma meta a ser

administrativo e o direito urbanístico. No caso do direito administrativo, fundado nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público e tendo no princípio da legalidade um dos seus vetores principais de conduta é forçoso reconhecer-se que o exercício da competência discricionária reserva um campo interessante para a análise da interface com a função política. O mesmo vale para o direito urbanístico que, em larga medida, concretiza-se por meio de atos administrativos da mesma natureza. Soma-se a esse último, ainda, a amplitude de normas de caráter material que outorgam à autoridade pública um universo vasto para a exploração deste tema, conforme veremos mais adiante” (VICHI, Bruno de Souza. Política urbana. Sentido jurídico, competências e responsabilidades, pp. 85-6).

22 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades jurídico–institucionais dos consórcios públicos. Tese

(Doutorado em Direito). FADUSP, São Paulo, 2006, p. 30.

23 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 252.

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alcançada e um conjunto ordenado de meios ou instrumentos – pessoais, institucionais e financeiros – aptos a consecução desse resultado. São leis, decretos, regulamentos ou normativos, decretos ou portaria de execução, são também atos ou contratos administrativos da mais variada espécie. O que organiza e dá sentido a esse complexo de normas e atos jurídicos é a finalidade, a qual pode ser eleita pelos Poderes Públicos, ou a eles imposta pela Constituição ou as leis.25

Embora seja preciso reconhecer que a formulação das políticas públicas provém da existência de componentes políticos da Administração Pública, o processo de formulação de políticas públicas não está imune ao direito. A política pública, entendida como programa governamental,26 não se apresenta

paralelamente ao Direito, está atrelada à discricionariedade do legislador. Nesse sentido, menciona-se a lição de Ricardo Marcondes Martins:

Desde o final do nazismo, a humanidade esforça-se para eliminar a separação entre a política e o direito. O fortalecimento do constitucionalismo ocorreu justamente por causa desse desiderato: o legislador, outrora inteiramente livre, hoje é submisso a uma constituição; o programa constitucional, outrora uma mera recomendação, hoje é juridicamente impositivo. Um mínimo de atenção à história da humanidade e à natureza humana torna insustentável clamar por uma política liberta do Direito. Não existe liberdade do legislador, existe discricionariedade do legislador.27

A ação governamental, a ser desenvolvida por um determinado órgão, para um determinado setor da sociedade ou em um determinado espaço territorial, deve estar ajustada a um dispositivo legal. Isto significa que, determinada política pública está apta a ser concretizada pelo direito quando está legalmente amparada em regras e/ou princípios.28

Todavia, faz-se imperioso advertir que essa ação governamental, amparada em regras e princípios, deve obedecer diretamente à Constituição Federal, porque diante desse componente político (ação governamental) do Direito

25 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na defesa dos direitos econômicos, sociais e

culturais. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Belo Horizonte, nº 40, jul/dez, 2001, p. 72-3. Apud DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades jurídico-institucionais dos consórcios públicos, p. 29.

26 É inegável a assertiva de que todo direito é permeado pela política. Todavia, essa assertiva

remete à seguinte distinção: política (politics) enquanto atividade política em sentido amplo; e política (policy) como programas governamentais. Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 11.

27 MARTINS, Ricardo Marcondes. Abuso de direito e a constitucionalização do direito privado. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 30.

28 VICHI Bruno de Souza. Política urbana. Sentido jurídico, competências e responsabilidades, p.

(22)

Urbanístico, por exemplo, reconhecer a submissão dessa disciplina ao Direito Constitucional, torna-se uma necessidade.29

Essa submissão faz-se necessária, diante da necessidade de delimitar o conceito de “interesse público” pela Administração Pública, até então definido pela burocracia.30 Essa necessidade, para Solange Gonçalves Dias, se deve a dois

motivos: (1) porque sempre se estabeleceu a ideia da supremacia do interesse público como razão salutar do Direito Administrativo (aplicável ao Direito Urbanístico); e (2) depois, porque a expansão das funções do Estado resultou na elaboração de elevado número de normas de conteúdo vago, cuja conformação somente ocorre no caso concreto.31

Ao Direito Urbanístico compete a missão de restringir a discricionariedade pela imposição de limites negativos à ação estatal no texto constitucional. O interesse público que, até então, era entendido como atribuição da burocracia, passa a decorrer das escolhas políticas definidas constitucionalmente.

Com o constitucionalismo, movimento político-ideológico, a Constituição passa a consistir em um documento escrito, composto de normas referentes à organização política do Estado e à limitação do poder estatal. Esse documento dotado de rigidez, não pode ser modificado da mesma forma que se modificam as leis.32 Além disso, nos termos proposto por Hans Kelsen, a

29 Nada impede que as políticas públicas sejam submetidas ao controle do judiciário. Pois, a este,

cabe tutelar as políticas públicas na medida em que expressam direitos, uma vez que a proposição constitucional centra-se na proteção de direitos. Com isso, excluem-se os juízos acerca da qualidade ou da adequação, em si, de opções políticas consubstanciadas nas políticas públicas. Cf. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico, p. 31. A política pública, nos termos propostos por Ricardo Marcondes Martins, está atrelada à discricionariedade do legislador. Por isso, o seu controle pelo judiciário é juridicamente possível.

30 Diante da indefinição ou da abertura conceitual da lei, a burocracia estatal de corpo profissional,

impessoal, técnico e objetivo torna-se intérprete do interesse público. O agente burocrático passa a ser o ente capacitado para, no caso concreto, definir unilateralmente onde reside o interesse público justificador de uma manifestação concreta do poder político. MARQUES NETO, Floriano de Azevedo.

Parecer. São Paulo, 08/03/2005. Disponível: <http//www.presidencia.gov.br/sri/consórcios/parecerFlorianoAzevedoMarquesNeto.pdf> Acesso em:

10/05/2005, p. 94. Apud DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades jurídico-institucionais dos consórcios públicos, p. 52.

31 DIAS, Solange Gonçalves. Possibilidades jurídico–institucionais dos consórcios públicos, p. 52.

32 Ensina André Ramos Tavares: “O termo ‘constitucionalismo’ costuma gerar polêmica em função

(23)

Constituição constitui-se em uma norma fundamental, que serve de fundamento de validade da ordem jurídica.33

A Constituição Federal é um conjunto de normas jurídicas que além de disciplinar a organização do Estado, funda a ordem jurídica.34 É instrumento jurídico

de organização da sociedade, que para se alcançar o almejado depende da atuação dos governantes, cuja missão está em fazer com que o texto Magno afete o dia a dia da população, estabelecendo um equilíbrio entre a expectativa e a realidade. Por isto, deve abarcar todos os valores.

Resta saber se, sendo a Constituição Federal o instrumento jurídico, ancorando todos os valores jurídicos, cabe ao legislador infraconstitucional apenas regulamentar esses valores, ou pode estabelecer outros valores nas leis infraconstitucionais. Existem duas correntes doutrinárias sobre o assunto.

A primeira corrente, majoritária, defende que, embora o Texto Constitucional deva prever os valores jurídicos, ela não tem capacidade de ser uma lei dirigente, podendo a legislação infraconstitucional estabelecer valores não

que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira concepção possível, para se identificar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado”. (TAVARES, André Ramos. Curso de direito histórico-constitucional, 9ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p. 23).

Para GOMES CANOTILHO: “Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos”. (grifos no original). (GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed., Coimbra: Almedina, 2003, p. 51).

33 “O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior”. Continua: “Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado efeito, perder-se no indeterminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. A sua validade já não pode ser derivada de uma norma mais elevada, o fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma norma pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma fundamental (Grundnorm)”. Conclui: “Todas as normas cuja validade pode ser reconduzida a uma e mesma norma fundamental formam um sistema de normas, uma ordem normativa. A norma fundamental é a fonte comum da validade de todas as normas pertencentes a uma e mesma ordem normativa, o seu fundamento de validade comum. O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem normativa”. (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6ª ed., São Paulo: Martins Fonte, 2011, p. 216-7).

34 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeito dos vícios do ato administrativo. São Paulo: Malheiros,

(24)

previstos na Constituição.35 A segunda corrente, minoritária, defende que, sendo a

Constituição Federal conjunto de normas que fundamenta as demais normas deve prever todos os princípios a serem absorvidos e resgatados pelas normas infraconstitucionais. A essas normas compete apenas desenvolver, regulamentar os valores estabelecidos constitucionalmente.36

Partilha-se do entendimento da corrente minoritária. Sendo a Constituição Federal a norma fundamental, fundamento de validade de todo um ordenamento jurídico, deve prever todos os valores a serem perseguidos pelo Estado. À lei infraconstitucional compete, tão somente, regulamentar esses valores, não deve, portanto, trazer novidades que não tenham o respaldo na Constituição Federal.

Ricardo Marcondes Martins, adepto dessa corrente, referindo-se à Constituição Federal de 1988, assevera:

A Constituição positivou todos os valores que devem ser perseguidos pelo Estado Brasileiro para a consecução do bem comum, tomado aqui como sinônimo de interesse público. No ordenamento jurídico brasileiro, o

35 “O fenômeno da substituição da constitucionalidade das leis pela legalidade da constituição

deriva do preenchimento das normas abertas da constituição através de conceitos, ideias e tradições radicadas no direito legal infraconstitucional. A inversão do princípio da constitucionalidade das leis – a força e o conteúdo dos atos legiferantes devem estar em conformidade com a constituição – no sentido do princípio da legalidade da constituição, radicam o fato de a generalidade, abertura e indeterminabilidade de muitas normas constitucionais implicar uma falta de autonomia (hoje dir-se-ia: falta de densidade vinculativa), conducente em ultimo termo, à legalização da própria dimensão material dos preceitos constitucionais. O conteúdo constitucional passa a conteúdo legalmente derivado; a constituição é mais um concentrado legal do que uma determinante material heterônoma e hierarquicamente superior. Ora, se o fenômeno de osmose silenciosa entre os dois conteúdos – constitucional e legal – é observado mesmo quando a constituição se limita a uma ordem jurídica fundamental do Estado, não se acentuará o perigo de legalidade da constituição quando esta confia sistematicamente a concretização das suas imposições aos órgãos legiferantes? A remissão para a lei da atualização constitucional não converterá até o legislador em poder constituinte de auxílio perante a incapacidade de vinculação imediata das normas constitucionais dirigentes? ( GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Constituição dirigente e vinculação do legislador, 2. ed., Coimbra: Coimbra,2001, p. 401-2).

36 “[...] as forças sociais não podem ser tratadas simplesmente como objeto, devendo ser integrada

(25)

interesse público está fixado na Constituição Federal por meio de um conjunto de princípios jurídicos, expressos e implícitos, consistentes na positivação de valores cuja concretização foi considerada necessária pelo constituinte para realização do bem comum.37

Todas as disciplinas, tanto do ramo do direito público como do ramo do direito privado, são constitucionalizadas. Todas elas devem estar inseridas na realidade histórica. Consequentemente, as políticas públicas como parte integrante do direito (público), uma vez que é por meio delas que o Estado alcança os seus objetivos, é um dado da realidade. Como a Constituição Federal deve refletir essa realidade, é nesse instrumento jurídico que devem constar as políticas públicas, como o meio disponível para o alcance do bem comum dos indivíduos coletivamente considerados, que será obtido com a garantia dos direitos fundamentais.

As políticas públicas, como programas de ação governamental, demandam uma prestação positiva do Estado com a finalidade de assegurar aos indivíduos os direitos fundamentais positivados pela Constituição. A concretização dessas políticas públicas de natureza urbana incumbe ao Direito Urbanístico, conforme os ditames constitucionais. Entende-se que por tal razão, Carlos Ari Sundfeld assevera ser o Direito Urbanístico um direito de políticas públicas urbanas.38

A primeira alternativa encontrada para essa juridicização foi atribuir competência ao Poder Público municipal para executar a política de desenvolvimento urbano prevista no artigo 182 da Constituição Federal.39

A par disso, indaga-se: qual seria o objeto do Direito Urbanístico, uma vez que é instituidor de políticas públicas e não apenas ordenador dos espaços habitáveis?

A efetividade das políticas públicas urbanísticas, além das articulações entre os atores envolvidos, depende do conhecimento detalhado do seu objeto,

37 MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeito dos vícios do ato administrativo, p. 31.

38 SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In: DALLARI, Adilson

Abreu; FERRAZ, Sérgio (Org.). Estatuto da Cidade: comentários à Lei Federal 10.257/2001, p. 49. 39 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

§ 1º. O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

(26)

porque a prestação estatal resulta da operação de um sistema complexo, no qual se insere a necessidade do planejamento, norteador da ação governamental.

Maria Paula Dallari Bucci, assim explica:

Quanto mais se conhece o objeto da política pública, maior é a possibilidade de efetividade de um programa de ação governamental; a eficácia de políticas públicas consistentes depende diretamente do grau de articulação entre os poderes e os agentes públicos envolvidos. Isto é verdadeiro especialmente no campo dos direitos sociais (...) em que as prestações do Estado resultam da operação de um sistema extremamente complexo de estruturas organizacionais, recursos financeiros, figuras jurídicas, cuja apreensão é a chave de uma política pública bem sucedida.40

Para José Afonso da Silva, Carlos Ari Sundfeld e Victor Carvalho Pinto, o objeto do Direito Urbanístico é ordenar os espaços habitados e habitáveis, o solo, o espaço da cidade.

Nas palavras de José Afonso da Silva o Direito Urbanístico é o “conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na cidade”.41

Da mesma forma, Carlos Ari Sundfeld, ao asseverar que o âmbito da política objeto do direito urbanístico “é o solo, o espaço da cidade. O direito urbanístico é o direito da política espacial da cidade”.42

Ainda, Victor Carvalho Pinto assevera que “os dois campos de atuação da política urbana são alocação dos equipamentos públicos e a regulamentação da construção civil”.43

Já Bruno de Souza Vichi ensina ser necessário reconhecer que a política urbana a ser implementada pelo Poder Público, diante do tratamento constitucional relativo ao tema urbanístico, deverá ser orientada por todas as normas

40 BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas, p. 249.

41 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 49.

42 “O âmbito da política objeto do direito urbanístico vem demarcado pela Constituição por um termo relativamente indeterminado (‘urbana’). O que ele quer dizer? No caput do art. 182 a ‘política urbana’ aparece vagamente como a política das ‘funções sociais da cidade’. Mas outras referências constitucionais dão maior fechamento ao conceito. Combinando-se a norma do art. 30, VIII (compete ao Município promover ‘adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e ocupação do solo urbano’), com as ligações estabelecidas entre a expressão ‘política urbana’ e as figuras de propriedade urbana (art. 182, §2º), do ‘solo urbano’ (art. 182, §4º) e da ‘área urbana’ (art. 183), pode-se afirmar que o objeto da regulação promovida pelo direito urbanístico é o solo (espaço) da cidade. Nesse sentido, o direito urbanístico é o direito da política espacial da cidade”. (SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas diretrizes gerais. In DALLARI; FERRAZ (org.), p. 49.

(27)

que tratarem do núcleo prescrito pelo artigo 182 da Constituição Federal, qual seja: “o pleno desenvolvimento social da cidade e a garantia do bem-estar dos seus habitantes”. Todas as normas que fizerem referência a estes assuntos estruturantes da noção de política urbana apresentada pela atual Constituição, em seu artigo 182, deverão integrar o regime jurídico de Direito Urbanístico.44

Com o advento do Estatuto da Cidade, que regulamentou o dispositivo constitucional, ao estabelecer, em seu artigo 2º, inciso I, a garantia das cidades sustentáveis como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, transporte, serviços públicos, trabalho e lazer,45 conforme Bruno de Souza Vichi, ecoaram os princípios do urbanismo moderno, já mencionados, com os quais “a ampliação do conceito de política urbana, vinculado a uma noção restritiva de uso e ocupação do solo”, foi consolido.46

Concorda-se com Bruno de Souza Vichi. Não obstante a importância de adequar o ordenamento territorial urbano, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da sua ocupação, conforme artigo 30, VIII, o núcleo da política urbana encartada no caput do artigo 182, ou seja, as normas relativas às

funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes, vão além do objetivo de ordenação do solo urbano. Consequentemente, como compete ao Direito Urbanístico o papel de regular a política urbana, o seu objeto não se limita à ordenação dos espaços habitáveis, ao solo urbano, abrange todas as matérias elencadas no artigo 2º, do Estatuto da Cidade.

2.1.3 Conceito de Direito Urbanístico

José Afonso da Silva assevera que o Direito Urbanístico tem dois aspectos: (1) Direito Urbanístico Objetivo, sendo este o conjunto de normas jurídicas reguladoras das atividades do Poder Público destinado a ordenar os espaços habitáveis, ou seja, conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade

44 VICHI, Bruno de Souza. Política urbana: sentido jurídico, competências e responsabilidades, p. 117.

45 Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais

da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; [...].

(28)

urbanística; (2) Direito Urbanístico como Ciência, ramo do Direito Público que objetiva expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios reguladores da atividade urbanística.47

Destarte, o Direito Urbanístico sob o aspecto objetivo, ou como técnica, incide sobre o urbanismo com a finalidade de regular as atividades urbanísticas como o planejamento urbanístico, a ordenação territorial e a regulação edilícia; e como ciência, o Direito Urbanístico é ramo do Direito Público cuja função é conhecer sistematicamente (expondo, interpretando e sistematizando) as normas jurídicas disciplinadoras da atividade urbanística.

Como se depreende da sua definição, o objeto do Direito Urbanístico, já estudado, é muito amplo. Quando se diz conjunto de normas reguladoras da atividade urbanística deve ser entendido que a expressão “atividade urbanística” não está restrita ao ordenamento territorial, mas engloba toda a política urbana prevista no artigo 182, da Constituição Federal, e regulamentada pelo Estatuto da Cidade.

O Direito Urbanístico, nos ensinamentos proposto por José Afonso da Silva, é o conjunto de normas jurídicas reguladoras da atividade do Poder Público na implementação da política urbana, objetivando alcançar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o bem-estar dos seus habitantes por meio do planejamento e da ordenação dos espaços habitados e habitáveis.

Os objetivos da política urbana previstos na Constituição Federal, para serem alcançados, dependem da execução de políticas públicas, que são caracterizadas como programas de ação governamental. A efetivação dessas políticas necessita do planejamento. O Estado para desenvolvê-las de maneira eficaz e eficiente deve planejar suas atividades, pautando-as em normas e técnicas consideradas suficientes para atingir esses objetivos.

Passa-se a analisar o planejamento urbano, considerado princípio norteador da ação governamental. Além disso, instrumento essencial na organização e desenvolvimento da atividade estatal na implementação da política pública urbana.

(29)

2.2 Planejamento

2.2.1 Considerações iniciais

O planejamento passa ser considerado mecanismo de atuação do Poder Público. O meio pelo qual se faz a estruturação do Direito Urbanístico, já que este ramo do Direito é instituidor de políticas públicas e regulamentador da atividade urbanística. O exercício da atividade estatal de intervir na complexidade da vida urbana deve ser planejado de modo que o planejamento aponte metas, projeções e etapas da atuação do Estado.

Antes da abordagem do planejamento urbanístico, propriamente dito, aponta-se ainda, em linhas gerais, como surgiu a técnica de planejar, como é formado o processo de planejamento e como foi empregado pelo governo brasileiro.

O planejamento surge com a racionalidade no tratamento das coisas. O homem ao agir de forma racional observa a maneira que julga mais apropriada para atingir suas finalidades. Faz empiricamente a escolha dos meios de atuação, que os considera adequados para alcançar a satisfação das suas necessidades.

Nos ensinamentos de Alaor Caffé Alves, o processo de planejamento se expressa como um método e como uma técnica. Torna–se um método, ao se expressar subjetivamente sob a forma de conhecimento. A escolha subjetiva dos meios de ação deixa de ser feita somente de maneira empírica e de acordo com as circunstâncias oferecidas e passa a condicionar essa ação no sentido de obter resultados previamente calculados e avaliados, criando sua própria circunstância. Esse processo se expressa ainda como técnica porque, diferentemente da ciência que ao buscar o objeto real procura eliminar os gostos subjetivos, interesses e preferências, coloca-se a serviço das necessidades, dos interesses, desejos e aspirações. A ciência é um esforço para conhecer o que é. Já a técnica é um esforço para produzir o que deve ser, aquilo que desejamos que seja e ainda não é.48

Planejar, devido à necessidade de tomar decisões racionais, tornou-se uma técnica, pela qual o homem organiza suas ações com base na realidade, condicionando-a a resultados preestabelecidos. Essas ações são desenvolvidas em

48 ALVES, Alaor Caffé. Planejamento metropolitano e autonomia municipal no direito brasileiro, pp.

(30)

cima de situações oferecidas pela realidade com o intuito de transformá-la, adequando-a a circunstâncias criadas pelo ato de planejar. O planejamento serve para alcançar os objetivos almejados pelo agente planejador.

Nos ensinamento de Francisco Whitaker Ferreira, a ideia mais simples que se pode ter do planejamento é o oposto da improvisação. E para fundamentar o ato de planejar, o autor menciona três assertivas que explicam o referido ato: a primeira, quando as ações e os efeitos estão previstos, a possibilidade de se alcançar os objetivos desejados é bem maior; a segunda, com o planejamento todos os interessados participam da ação de maneira a alcançar o bem comum; e a terceira, quando os objetivos são difíceis de serem alcançados, o planejamento indica as formas que melhor atendam a finalidade preestabelecida.49

Vale mencionar que a análise do processo de planejamento refere-se à maneira de fazer, ao agir do Poder Público em sociedade na organização social, não contemplando o âmbito dos objetivos individuais.

Porém salienta-se que as dificuldades surgidas na prática do planejamento estão na interação das fases do processo lógico, na complexidade do seu encadeamento. “O planejamento não é uma invenção do homem, mas a explicitação”. Nos objetivos individuais esse processo é natural, está na essência do exercício da inteligência, no comportamento social e político, isso não ocorre. O resultado do processo lógico é reproduzido para a aplicação na sociedade, podendo ocorrer dissociação entre a elaboração do plano e sua execução.50

Ainda, conforme Iris Araújo Silva, o primeiro aspecto jurídico do planejamento a ser considerado é a necessidade de sua legalização e de sua legitimação. O planejamento legítimo é instituído para tornar efetivos os anseios e reivindicações de uma comunidade determinada; e o planejamento legal é instituído em observância aos princípios e normas básicas de um dado sistema jurídico positivo.

49 FERREIRA, Francisco Whitaker. Planejamento sim e não. 10. ed. Rio de Janeiro: Paz a Terra,

1979, p. 15-7. Apud SILVA, Júlia Maria Plenamente. O planejamento urbano enquanto dever jurídico do Estado. Dissertação (Mestrado em Direito). FDPUC-SP, São Paulo, 2010, p. 53.

50 SILVA, Iris Araújo. As Regiões metropolitanas e a autonomia municipal. Revista Brasileira de

(31)

Nesse sentido, o ordenamento jurídico, em especial o ramo do Direito Público, deve fazer previsão do planejamento naquelas duas últimas hipóteses: quando os objetivos forem difíceis de ser alcançados; e quando, por essa dificuldade, a ação necessitar da atuação de mais de um ente para se alcançar os objetivos previstos no ordenamento. Essa previsão deve traçar as diretrizes para um planejamento legítimo e legal.51

Depreende-se que a origem do planejamento se deu no seio das relações humanas, com a própria existência do homem. O planejamento constitui uma atividade pela qual o homem alcança seus objetivos. Independentemente de quais sejam esses objetivos, segundo Jos G. M. Hilhorst, a ação humana passará por três fases, quais sejam: especificação dos objetivos; seleção dos instrumentos a serem utilizados para a realização dos objetivos; e a utilização dos instrumentos.52

No mesmo sentido, Alaor Caffé Alves discorre:

(...) as atividades pelas quais o homem, agindo em conjunto, socialmente, e através da manipulação e do controle conscientes do meio natural e cultural, de modo sistemático e coordenado, empregando o mínimo de esforço possível, procura atingir certos fins, já anteriormente por ele mesmo especificados. Essas atividades, ao formar um conjunto consistente e pautado segundo normas diretivas e técnicas suficientes para lhe garantir um mínimo de unidade, coerência e eficácia, constituem o processo de planejamento.53

As três etapas, acima descritas, formam o processo de planejamento. Essas etapas são passíveis de aplicação no planejamento feito pelo Poder Público para agir em sociedade, na organização social. Todavia o conceito apresentado não se mostra consiste para esse tipo de planejamento. Tal conceito refere-se ao planejamento pelo qual se busca objetivos individuais.

O conceito trazido por José Afonso da Silva parece ser mais adequado para o Estado planejar suas atividades no agir em sociedade. Segundo o autor, o

51 Júlia Maria Plenamente Silva cita como exemplo o artigo 23, IX, da Carta Maior. Tal dispositivo estabelece como sendo de competência comum a todos os entes federativos “promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico”. O objetivo dessa norma somente será alcançado mediante ação planejada, na qual deve haver uma atuação integrada de todos os entes federativos, cada um agindo dentro do seu campo de atuação determinado em um instrumento (plano, programa ou projeto) do planejamento. Cf. O planejamento urbano enquanto dever jurídico do Estado, pp. 53-4.

52 HILHORST, Jos G. M. Planejamento regional: enfoques sobre sistemas, 2ª ed. Tradução de Hayon Coutinho Pimenta. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975, p. 140.

53 ALVES, Alaor Caffé. Planejamento metropolitano e autonomia municipal no direito brasileiro, pp.

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planejamento “é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos”.54

Ainda, nesse sentido, Ricardo Marcondes Martins ao discorrer que o planejamento consiste em escolher antecipadamente ações futuras. O planejamento se apresenta como “uma restrição ao exercício futuro da discricionariedade por meio da antecipação”. Essa restrição, segundo o autor, constitui a natureza jurídica no planejamento.55

Dessa forma, o planejamento estatal é o meio pelo qual o Estado escolhe, dentre várias maneiras previstas em lei, a forma que considera mais adequada a exercer suas atividades, em busca de alcançar os objetivos legalmente estabelecidos.

Antes da abordagem sobre as fases do referido processo, em busca de apreendê-lo como de fato ele ocorre, far-se-á a distinção entre “planejamento” e “plano”, considerado um dos seus instrumentos.

2.2.2 Distinção entre planejamento e plano

Nas palavras de Horácio Martins de Carvalho:

O planejamento é um processo sistematizado, sendo o plano, o programa e o projeto documentos. É da maior importância conhecer bem a distinção entre o processo de planejamento e os documentos em que determinado momento ou fase do processo são elaborados a fim de permitir uma visão de conjunto da realidade e do elenco de decisões que permitirão uma intervenção coordenada e supostamente apoiada em critérios científicos. Sendo, plano, programa e projeto documentos que retratam as decisões que são tomadas num determinado momento e para um período de tempo futuro, eles são antes de tudo um ato político, enquanto ato de decisão. Contendo especialmente elementos de decisão, esses documentos (plano, programa e projeto) são uma antecipação do futuro.56

Estabelecer a diferença de entendimento entre o planejamento e o plano é de suma importância. Não se deve entender o processo do planejamento como simples atos de elaborar planos. O planejamento é um processo sistematizado que se manifesta em um conjunto de fases (etapas), cuja finalidade é conferir maior

54 SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro, p. 87.

55 MARTINS, Ricardo Marcondes. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. São

Paulo: Malheiros, 2011, p. 130-3

(33)

eficiência à atividade estatal em busca de determinados objetivos. Já o plano é o instrumento do planejamento; o documento que consubstancia as decisões do processo do planejamento.

Nesse sentido, imperioso mencionar a distinção feita entre planejamento e plano por Alaor Caffé Alves, quando nos ensina que:

(...) o planejamento é, por vezes, definido como sendo um meio de resolver problemas de maneira mais ou menos racional; os planos são, por outro lado, aqueles documentos que dão corpo a tais decisões. O planejamento é um processo dinâmico; os planos têm características estáticas: são impressos, encadernados, lidos, postos em prateleiras de bibliotecas. O planejamento não pode ser “lido”: é uma atividade contínua.57

O plano é uma peça técnica, por meio da qual se materializa o processo do planejamento. Nele estão conferidos os elementos que definem a situação existente e indicam as medidas que serão tomadas, para que possam ser alcançados os objetivos considerados essenciais pelos seus elaboradores. O plano é o produto do planejamento, decorrente da ação de planejar. O plano é o instrumento que materializa as orientações políticas de intervenção do Poder Público pelo planejamento.

Nos ensinamentos de Iris Araújo Silva, essa distinção entre o planejamento e seus instrumentos (plano, programa e projeto), assim como a determinação das fases do planejamento como processo lógico são importantes porque evitam a redução deste à elaboração daqueles instrumentos. O processo de planejamento consiste na ação, enquanto a elaboração dos instrumentos consiste na decisão. Por isto, a ação de elaborar, de executar, de fiscalizar e de revisão dos instrumentos é considerada, cada uma, uma das fases do processo de planejamento.58 Ou seja, o processo de planejamento inicia-se com o diagnóstico (estudo) da realidade existente, considerada primeira fase. O processo de planejamento, em si, jamais é concluído, há conclusão das fases do referido processo.

Passa-se a analisar as etapas, o caminho a ser percorrido pelo Poder Público no exercício do planejamento das suas ações.

57 ALVES, Alaor Caffé. Planejamento metropolitano e autonomia municipal no direito brasileiro, p. 42.

(34)

2.2.3 Etapas do processo de planejamento

Segundo Jos G. M. Hilhorst, planejar consiste no ato de determinar, em um plano:59

a) Especificação dos objetivos da situação desejada após conhecer as características de dada situação. A situação desejada sempre se situa em um momento do futuro, considerando as características de dada situação presente. O planejamento deve ter eficácia na realidade presente, porque é essa realidade que se pretende mudar;

b) A seleção dos instrumentos que estejam ou possam estar à disposição do agente responsável para a realização das mudanças desejadas. Essa escolha é importante porque deve considerar a realização de determinado objetivo, pois não seria medida eficaz propor a utilização de um instrumento que não possa ser usado pelo agente no momento da aplicação; e

c) A utilização dos instrumentos pelos agentes responsáveis na implementação do plano, depois de selecionadas as metas e escolhidos os instrumentos.

O sucesso do planejamento depende da relação dos instrumentos escolhidos com os objetivos traçados. A utilização de um determinado instrumento deve garantir certo resultado que se deseja. Não existindo essa relação, não há planejamento, mas improvisação. Porém, se existir, não foi elaborado de acordo com as características da situação presente.

Dessa forma, a eficácia e a eficiência da atividade humana, em regra, dependem de um planejamento condizente com a realidade, com a situação desejada e como se quer mudar essa realidade. O planejamento só produzirá os resultados desejados se foi feito de forma adequada à realidade presente, de modo que, consequentemente, produzirá efeitos reais com o mínimo de erros e dispêndio de tempo e recursos financeiros.

Em cada uma das etapas do processo de planejamento há escolhas feitas pelo Poder Público. Essa decisão sobre quais objetivos devem ser colimados,

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