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Professor Ubiratan D Ambrosio: sua Vida e suas Influências na Minha Vida Acadêmica

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Academic year: 2022

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Journal of Mathematics and Culture January 2022 16(1)

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Professor Ubiratan D’Ambrosio: sua Vida e suas Influências na Minha Vida Acadêmica

Tatiana de Andrade Aguilar Delfiol Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) Ouro Preto-MG-Brasil aguilar.tati@gmail.com Resumo

Neste artigo conto um pouco da história de vida do Professor Ubiratan D’Ambrosio. Procurei enfatizar as suas principais contribuições para a Educação Matemática e os seus principais desafíos como professor, marido, pai, acadêmico, líder e educador. Essa homenagem explicita os caminhos exemplares de D’Ambrosio de que o amor pelo trabalho, o respeito, a gratidão e a determinação podem romper barreiras pessoais, profissionais e acadêmicas.

Neste artigo, relatei como o profesor D’Ambrosio influenciou em meu interesse pela Etnomatemática e em minha pesquisa sobre a Humanização dos Profetas de Aleijadinho através da utilização da Etnomodelagem. Desse modo, D’Ambrosio contribuiu para o avanço das pesquisas em Educação Matemática, através de seu legado, para que essa evolução permaneça na busca pela paz e pela transcendência.

Palavras-Chave: Ubiratan D’Ambrosio, Etnomatemática, Etnomodelagem, Educação Matemática, Profetas de Aleijadinho.

Professor Ubiratan D’Ambrosio: his Life and his Influences on my Academic Life Abstract

In this article I tell a little about the life story of Professor Ubiratan D’Ambrosio. I tried to emphasize his main contributions to Mathematics Education and his main challenges as a teacher, husband, father, academic, leader, and educator. This tribute explains D’Ambrosio's exemplary ways in which his love for work, respect, gratitude, and determination can break personal, professional, and academic barriers. In this article, I reported how professor D’Ambrosio influenced my own interest in relation to Ethnomathematics and in the development of my research on the Humanization of Aleijadinho's Prophets through the use of Ethnomodeling. In this way, D’Ambrosio contributed to the advancement of research in Mathematics Education, through his legacy, so that this evolution remains in the search for peace and transcendence.

Keywords: Ubiratan D’Ambrosio, Ethnomathematics, Etnomodelling, Mathematics Education, Prophets of Aleijadinho.

Profesor Ubiratan D'Ambrosio: su Vida y sus Influencias en mi Vida Académica Resumen

En este artículo cuento un poco la historia de vida del profesor Ubiratan D’Ambrosio. Traté

de enfatizar sus principales aportes a la Educación Matemática y sus principales desafíos

como maestro, esposo, padre, académico, líder y educador. Este homenaje explica las formas

ejemplares de D’Ambrosio en las que el amor por el trabajo, el respeto, la gratitud y la

determinación pueden romper las barreras personales, profesionales y académicas. En este

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artículo informé cómo el profesor D’Ambrosio influyó en mi interés por las etnomatemáticas y en mi investigación sobre la humanización de los profetas de Aleijadinho mediante el uso del etnomodelado. De esta forma, D’Ambrosio contribuyó al avance de la investigación en Educación Matemática, a través de su legado, para que esta evolución permanezca en la búsqueda de la paz y la trascendencia.

Palabras Clave: Ubiratan D’Ambrosio, Etnomatemáticas, Etnomodelación, Educación Matemática, Profetas de Aleijadinho.

Introdução

Como não se lembrar do semblante sereno e das palavras de paz e amor que professor Ubiratan D’Ambrosio transmitia em todos os congressos, palestras, seminários e entrevistas dadas? Quem teve o prazer de ouvi-lo em vida sabe exatamente do que estou me referindo, pois era impossível que um professor saísse de um evento com D’Ambrosio sem se sentir entendido, consolado, esclarecido e renovado, através de seus brilhantes esclarecimentos e conselhos sobre a vida, a Matemática, a Educação e a Educação Matemática.

Os amigos mais próximos de D’Ambrosio costumavam chamá-lo carinhosamente de Ubi e há quem diga que ele era conhecido por Ubiratur, na Universidade Federal de Campinas (UNICAMP), devido às inúmeras viagens profissionais que realizava durante a sua carreira docente. Os familiares de D’Ambrosio o chamavam de Bira em sua infância (Borges, Duarte, & Campos, 2014), um apelido muito carinhoso que, em minha opinião, expressava o brilho e a simpatia de seu olhar.

A sabedoria que D’Ambrosio transmitia a todos que cruzavam o seu caminho era admirável e inspiradora, sendo que a sua humildade transcendia a tudo e a todos, pois ele influenciou pesquisadores e educadores da área de Educação e Educação Matemática a buscarem novos caminhos para o processo de ensino e aprendizagem da Matemática em sala de aula. Nesse sentido, D’Ambrosio também promoveu uma busca incansável pela inovação dos processos de ensino e de aprendizagem de conteúdos matemáticos relacionados com a sua perspectiva cultural.

De acordo com Borges et al. (2014), desde o início de sua carreira, ainda bem jovem, D’Ambrosio procurava expor as suas ideias em eventos, congressos e seminários que participava junto com seu pai, Nicolau D’Ambrosio e, em seus discursos, sempre buscava a melhoria do processo de ensino e aprendizagem em Matemática em salas de aula.

Certa vez, D’Ambrosio foi chamado de sonhador pelo professor Osvaldo Sangiorgi,

em um encontro de professores, por expressar as suas ideias inovadoras durante a realização

desse evento, comentando com o pai de Ubiratan que o “seu filho é muito sonhador, quando

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ele estiver firme em sala de aula as ideias dele não vão ser as mesmas, ele é muito sonhador”

(Borges et al., 2014, p. 1067).

Conforme esse contexto, este artigo objetiva homenagear o professor Ubiratan D’Ambrosio através de um breve relato sobre sua história de vida e, também, a sua influência no desenvolvimento inicial de meu projeto de pesquisa de mestrado em Educação Matemática intitulado: Humanizando os Profetas de Aleijadinho: um estudo qualitativo de suas proporções por meio da Etnomodelagem, orientado pelo Professor Doutor Milton Rosa, do Departamento de Educação Matemática, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Breve História do Professor Ubiratan D’Ambrosio

Ubiratan D’Ambrosio nasceu no dia 8 de dezembro de 1932, no distrito de Belenzinho, na cidade de São Paulo, no estado de São Paulo. Os seus pais, Nicolau D’Ambrosio e Albertina Graciotti casaram-se em 1932 e Ubiratan foi o primeiro filho do casal. Em junho de 1939, Ubiratan ganhou uma irmã chamada Iara (D’Ambrosio, 2020).

Nicolau D’Ambrosio ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco em 1927 e obteve o título de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1932. Nicolau era um excelente aluno de Matemática e tinha gosto por essa disciplina e, por esse motivo, exerceu a profissão de advogado por pouco tempo, começando a lecionar na escola particular:

Academia Chester. Nesse local, Nicolau conheceu Albertina que foi sua aluna enquanto cursava Contabilidade e, apaixonando-se por ela, casaram-se posteriormente (D’Ambrosio, 2020).

Nicolau começou a lecionar na escola Liceu Coração de Jesus e o pequeno Bira foi estudar no Colégio Dante Alighieri, onde não conseguiu cursar a pré-escola por não conseguir ficar longe de sua mãe, mesmo tendo como companhia sua tia Maria (Borges et al., 2014).

Em 1939, mesmo ano em que teve a sua segunda filha Iara, Nicolau mudou-se com sua família para a cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, no interior do estado de São Paulo (Borges et al., 2014) e, nesse local, foi nomeado professor de Matemática da Escola Normal e do Ginásio Estadual de Santa Cruz do Rio Pardo. Nessa cidade, Nicolau também montou o seu escritório de advocacia, por ter bastante tempo ocioso, sendo bem sucedido nesse campo profissional (D’Ambrosio, 2020).

Após morar um ano em Rio Claro, o pai de Ubiratan resolveu retornar à cidade de São

Paulo com a família por não terem conseguido se adaptar ao interior, retomando seu cargo de

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professor no Liceu Coração de Jesus. Com o retorno à cidade de São Paulo, D’Ambrosio ingressou no segundo ano primário (atual terceiro ano), com oito anos de idade, e desta vez conseguiu se adaptar à nova rotina (Borges et al., 2014).

Ubiratan contava que a presença dos alunos no colégio era conferida, inclusive nas missas obrigatórias aos domingos, e que todas as quintas-feiras eram obrigatórias devido ao Dia do Oratório Festivo, no qual a escola era aberta para toda a comunidade para a participação da missa depois de um farto café da manhã e, posteriormente, eram realizados jogos e brincadeiras (Borges et al., 2014).

Em novembro de 1942, D’Ambrosio ganhou mais um irmão que foi chamado de Ubirajara. Em 1943, completando quatro anos no Liceu Coração de Jesus, D’Ambrosio participou do exame de admissão para ingressar no Ensino Secundário Ginasial, sendo aprovado nas provas realizadas. É importante destacar que, atualmente, esse período escolar se inicia no sexto ano do Ensino Fundamental e termina no nono ano desse ciclo. Nesse período, D’Ambrosio cursou as disciplinas de História, Latim, Geografia, Francês, Matemática, Desenho Geométrico, Música e Religião (Borges et al., 2014).

D’Ambrosio permaneceu no Liceu Coração de Jesus até o segundo ano ginasial (atual sétimo ano do Ensino Fundamental). Em 1945, ele começou a frequentar o Curso Ginasial da Escola Caetano de Campos, localizada na Praça da República, na cidade de São Paulo. Nessa escola, D’Ambrosio também cursou as terceira e quarta séries (atual oitavo e nono anos do Ensino Fundamental), finalizando a sua trajetória ginasial nessa escola (D’Ambrosio, 2020).

Em 1946, o jovem D’Ambrosio ingressou no Curso Científico (atual Ensino Médio), no Colégio Visconde de Porto Seguro, na cidade de São Paulo. Naquela época, os alunos poderiam escolher entre cursar o Curso Clássico, que era composto pelas áreas de Direito, Filosofia e Letras; ou cursar o Curso Científico, que tratava das áreas de Exatas ou Engenharia (Borges et al., 2014).

Nessa perspectiva, nas palavras de Ubiratan, esse período de três anos foi muito rico e importante para sua formação profissional, pois:

(...) era um colégio excepcional. E eu acho que isso foi decisivo na minha formação.São os três anos importantes, quer dizer, nunca mais tive um curso de História, nunca mais tive um curso de Geografia, nunca mais fui olhar num microscópio, mas tudo aquilo marcou a minha vida [...] Então foi um período riquíssimo na minha formação (Borges et al., 2014, p.1061).

No ano de 1950, D’Ambrosio se inscreveu para o vestibular do Curso de Licenciatura

e Bacharelado em Matemática, sendo que cursou no período de um ano, as disciplinas

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complementares de licenciatura, que eram Didática Geral e Psicologia da Criança e do Adolescente (Borges et al., 2014). Assim, D’Ambrosio se diplomou como Bacharel em Matemática, no ano de 1954, e como Licenciado em Matemática, no ano de 1955, iniciando, em seguida, a sua vida docente em cursos ginasiais e colegiais em diversas escolas de São Paulo (D’Ambrosio, 2020).

Em 1955, a família D’Ambrosio se mudou para a Avenida Pompeia e a vida do jovem Ubiratan tomou rumos diferentes. Eles foram morar ao lado de uma família que veio de uma cidade chamada de Espírito Santo do Pinhal, interior do estado de São Paulo, com quatro filhas solteiras: Maria Ester, Maria Francisca, Maria Auxiliadora e Maria José. As famílias vizinhas, D’Ambrosio e Silva, se tornaram amigas e, posteriormente, o jovem D’Ambrosio se apaixonou por Maria José, ficaram noivos e se casaram no ano de 1958 (D’Ambrosio, 2020).

Contudo, um pouco antes do casamento, D’Ambrosio recebeu um convite para ser professor assistente/instrutor em tempo integral do professor catedrático Jaurès Cecconi, da cadeira de Cálculo, da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP). Com essa oportunidade, Maria José e D’Ambrosio estabeleceram a sua primeira residência na cidade de São Carlos, no interior do estado de São Paulo e, em janeiro de 1960, eles tiveram sua primeira filha, Beatriz (D’Ambrosio, 2020).

No entanto, os professores assistentes deveriam concluir o doutorado no prazo de cinco anos, haja vista que naquela época não existia o mestrado. Assim, em seu doutorado, D’Ambrosio foi orientando do professor Jàures Cecconi, e trabalhou com a Teoria dos Corpos de Classe, desenvolvida pelo francês Claude Chevalley na década de 1930 (Borges et al., 2014). É importante destacar que D’Ambrosio desenvolveu a sua tese de doutorado sobre a temática das: Superfícies Paramétricas Generalizadas e Conjuntos de Perímetro Finito (D’Ambrosio, 2020).

Quando estava iniciando o seu doutorado, Cecconi recebeu uma proposta irrecusável para retornar à Itália e solicitou a D’Ambrosio que continuasse conduzindo a sua pesquisa.

Desse modo, Cecconi destacou que assim que ele se estabilizasse na Itália, convidaria D’Ambrosio para desenvolver e avançar em sua pesquisa naquele país. Com o afastamento de Cecconi da Universidade de São Paulo (USP), D’Ambrosio retornou para a cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo. O período que D’Ambrosio residiu em Rio Claro foi muito importante para a sua carreira e para a Educação Matemática (Salandim, Bordignon, Souza &

Vianna, 2020).

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Posteriormente, conforme Borges et al. (2014), D’Ambrosio soube que Claude Chevalley ministraria um curso no Japão sobre a teoria que estava pesquisando e, com isso, ele escreveu para a Sociedade Japonesa de Matemática solicitando uma cópia desse curso.

Em seguida, o matemático Yukiosi Kawada enviou-lhe uma cópia desse curso por meio postal através de uma carta. Esse fato colaborou para que Kawada ministrasse, posteriormente, alguns cursos no Instituto de Matemática e Física na Universidade Federal da Bahia.

Em seguida, D’Ambrosio foi convidado para ser professor visitante na Universidade Federal da Bahia por um período de um mês, na qual ele ministrou um curso sobre a Teoria das Distribuições. Por conseguinte, a proximidade com Kawada possibilitou que D’Ambrosio fosse apresentado ao matemático Shoichi Yanaga, em um Congresso Internacional de Matemática. Então, Yanaga demonstrou um interesse especial pela Educação Matemática, elegendo-se presidente do Internacional Congress in Mathematical Education (ICME), fato que se constituiu como uma contribuição benéfica para o avanço da Educação Matemática (Borges et al., 2014).

Em 1960, D’Ambrosio era professor das disciplinas de Álgebra Superior e Análise Superior no Curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), na cidade de Rio Claro, no estado de São Paulo. Quando D’Ambrosio soube que o professor Caleb Cattegno visitaria a Argentina, escreveu uma carta convidando-o para palestrar sobre uma proposta de renovação do ensino da Matemática baseada na psicologia e com a utilização de números com cores (Borges et al., 2014).

Professor D’Ambrosio tinha uma preocupação constante em reduzir a distância entre os assuntos discutidos nas pesquisas acadêmicas e na escola básica. Em 1961, D’Ambrosio publicou o artigo intitulado: A Álgebra Moderna e a Escola Secundária, na revista Atualidades Pedagógicas, sobre um curso destinado aos professores do estado de São Paulo, que foi promovido pela Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES)

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. Nesse mesmo ano, D’Ambrosio intermediou a visita do matemático George Springer, da Universidade do Kansas, na UNESP de Rio Claro, onde realizou uma conferência sobre o Movimento da Matemática Moderna (MMM) que estava se concretizando nos Estados Unidos (Borges et al., 2014).

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A CADES era responsável por promover cursos para professores leigos e padres não licenciados que tinham

experiência em ministrar aulas de matemática (Borges et al., 2014).

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Em agosto de 1962, nasceu Alexandre, filho mais novo de Ubiratan, no Brasil (D’Ambrosio, 2020), sendo que, foi nesse período que o orientador de D’Ambrosio entrou em contato com ele convidando-o para morar um ano na Itália conforme prometido por Cecconi. Então, D’Ambrosio solicitou afastamento em Rio Claro e se mudou com Maria José, Alexandre e Beatriz, para a Itália, para continuar com a sua pesquisa de doutorado.

Na Itália, apesar de toda a dificuldade financeira que enfrentou com a sua família, D’Ambrosio teve a oportunidade de ministrar seminários que envolviam o cálculo de variações. Com o auxílio de seu orientador, D’Ambrosio sempre era convidado para ministrar palestras em eventos. Em 1963, retornando ao Brasil, Ubiratan já estava com sua tese bem desenvolvida (Salandim et al., 2020).

Posteriormente, D’Ambrosio foi convidado para participar do Movimento da Matemática Moderna no Brasil como representante oficial dos Estados Unidos, contudo, ele recusou esse convite por ter recebido outra oportunidade de trabalho. Assim, a National Aeronautics and Space Administration (NASA) realizou um processo seletivo para recém- doutores ou quase doutores através de um congresso denominado: Space Mathematics, que oferecia residência permanente para os participantes que tinham todas as suas despesas pagas.

D’Ambrosio se candidatou e foi aprovado para atuar no Summer Institute on Space Mathematics com direito a bolsa de estudos da American Mathematics Society (Borges et al., 2014).

Esse projeto teve uma duração de 2 (dois) meses, pois era um curso intensivo de verão que tinha como objetivo trabalhar com problemas espaciais com a utilização da Teoria do Controle e Cálculo de Variações. Através dessa viagem, D’Ambrosio conheceu Wendell H.

Fleming, da Brown University, na cidade de Providence, em Rhode Island, que o convidou a retornar para os Estados Unidos para participar de sua pesquisa em conjunto com o italiano Ennio De Giorgi, no mês de janeiro de 1963 (Salandim et al., 2020).

Nesse período, em 1963, D’Ambrosio ainda não havia terminado a sua pesquisa de

doutorado, apesar de estar bem adiantada e, então, avançou em seus estudos para terminar a

sua tese e marcar a data de sua defesa. Para isso, teve auxílio de seus colegas e dos

professores da USP para que fosse dispensado de algumas disciplinas. Assim, D’Ambrosio

defendeu a sua tese no dia 8 (oito) de dezembro de 1963, no dia de seu aniversário e, em

janeiro de 1964, ele se mudou para os Estados Unidos com a sua família (Borges et al.,

2014).

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A trajetória de Ubiratan nos Estados Unidos não foi muito diferente de seus caminhos no Brasil. Ao mesmo tempo em que ele estava em um local, recebia uma nova oportunidade e já partia para outro local. Professor Ubiratan começou sua carreira nos Estados Unidos como pesquisador associado na Brown University na cidade de Rhode Island e permaneceu lá por dois anos (Salandim et al., 2020). Nessa mesma época, o governo americano criou um mestrado direcionado a professores do ensino secundário chamado de Master of Arts in Teaching e Ubiratan lecionou as disciplinas de Geometria e Álgebra (Borges et al., 2014).

Em 1965, D’Ambrosio recebeu um convite para lecionar na Universidade Estadual de Nova York, na cidade de Buffalo, nos Estados Unidos, decidindo seguir com a sua carreira docente ao permanecer trabalhando nesse local até que os seus filhos se tornassem adolescentes (Salandim et al., 2020). No entanto, com o decorrer dos anos, em 1972, D’Ambrosio começou a pensar em retornar para o Brasil para que os seus filhos ficassem mais próximos de sua família (Borges et al., 2014).

No período em que D’Ambrosio pensava sobre o seu retorno ao Brasil, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) convidou-o para ser professor de Análise Matemática em um programa de pós-graduação, a nível de doutorado, do Centre Pédagogique Supérieur, de Bamako, na República do Mali, junto à École Normale Supérieur (ENS) com o objetivo de formar professores para o ensino secundário desse país.

A reação imediata de D’Ambrosio foi recusar essa proposta, pois não era possível se mudar para Bamako com toda a sua família. Contudo, D’Ambrosio propôs a sua ida e o seu retorno para República do Mali, quatro vezes por ano para permanecer em Bamako por duas ou três semanas durante as suas visitas. Essa proposta foi aceita pelos responsáveis por esse programa de doutorado (Baptista, 2020).

Em um dos retornos de suas viagens para a África, a esposa de D’Ambrosio, Maria José, mostrou duas cartas para a ele: a) a primeira carta era de Heitor Gulino de Souza, que era o reitor da Universidade Federal de São Carlos (na época, era uma universidade nova), convidando-o para participar de seu corpo docente e b) a segunda carta era de Zeferino Vaz, reitor da UNICAMP, naquela época, solicitando que D’Ambrosio não aceitasse o convite da nova universidade, pois era para ele aceitar o seu convite para ministrar aulas na nova UNICAMP (Salandim et al., 2020).

De acordo com Zeferino Vaz, a nova UNICAMP era direcionada para o desenvolvimento tecnológico e científico e possuía uma área de humanas muito especial.

Conversando com a sua esposa, D’Ambrosio decidiu solicitar um afastamento nos Estados

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Unidos e se mudou para a cidade de Campinas, no interior do estado de São Paulo, para participar de uma experiência de dois anos na nova UNICAMP (Salandim et al., 2020).

Dessa maneira, D’Ambrosio gostou muito dessa experiência inicial com os filhos no Brasil. Então, ele e a sua esposa Maria José perceberam que os seus filhos estavam muito satisfeitos por estarem próximos de sua família (Salandim et al., 2020). Além disso, sua experiência de trabalho na UNICAMP era bem sucedida, pois D’Ambrosio atuava como diretor do Instituto de Matemática, Estatística e Ciência da Computação (Borges et al., 2014).

Nesse contexto, Zeferino Vaz atribuía muita autonomia para D’Ambrosio e que essa era a única universidade que não havia interferência militar, pois o reitor tinha apoio e respeito junto aos militares e não precisava da autorização deles para a realização de projetos diversos (Salandim et al., 2020).

Em um relato de entrevista concedido ao professor Carlos Roberto Vianna (Salandim et al., 2020), D’Ambrosio relatou que a sua melhor experiência de ensino em programas de pós-graduação foi na UNICAMP devido à criação do Mestrado em Ensino de Ciências e Matemática nessa instituição como parte do Projeto Multinacional para Melhoria do Ensino de Ciências (PROMULMEC) que tinha um convênio com a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o apoio do Programa para Melhoria do Ensino (PREMEM).

A duração desse programa de mestrado era de dois anos e recebia alunos latino- americanos com bolsas da OEA, que cursavam a primeira etapa do mestrado no Brasil ao cursarem disciplinas sensibilizadoras

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, bem como para iniciarem a elaboração de seus projetos de pesquisa. Por outro lado, a segunda etapa desse programa foi realizada no país de origem com o intuito de desenvolver a pesquisa de acordo com a realidade vivida pelos alunos em seu próprio contexto sociocultural.

Posteriormente, esses alunos retornavam ao Brasil para terminarem o desenvolvimento de seu projeto de pesquisa. Para D’Ambrosio, esse programa de mestrado rompeu barreiras e formou excelentes profissionais (Borges et al., 2014).

Quando Ubiratan D’Ambrosio retornou ao Brasil, ele começou a se interessar pela área de História da Matemática, principalmente, por ter frequentado o melhor departamento dessa área na Brown University. Por isso, convidou Luis Santaló e Alfred Tarsk para organizarem o Primeiro Seminário de História da Matemática no Brasil.

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As disciplinas sensibilizadoras tinham o intuito de fazer o aluno ter motivação para estudar sobre algo a partir

de discussões sobre os problemas que a sociedade sofria relacionados com a educação e que muitas vezes o

próprio aluno ou a família tinha passado durante a vida (Salandim et al., 2020).

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Desde então, o interesse de Ubiratan pela História da Matemática superou o interesse pela Matemática Pura. Logo depois, Ubiratan começou a sentir falta de cursos de licenciatura direcionados para a formação de professores, o que resultou em seu interesse pela Educação Matemática (Salandim et al., 2020).

No ano de 1978, D’Ambrosio foi convidado para uma reunião no México de um grupo denominado PUGWASH, que foi fundado por Bertrand Russell e Albert Einsten no ano de 1955 com o nome de Manifesto PUGWASH, que busca a paz mundial por meio da ciência e dos governantes do mundo inteiro. Depois dessa reunião, D’Ambrosio começou a se envolver com mais intensidade nessa associação ao participar, em 1986, do comitê diretor desse grupo que era composto por trinta e cinco cientistas do mundo todo que lideravam esse movimento (Salandim et al., 2020).

No ano de 1995, o grupo diretor que D’Ambrosio participava do PUGWASH ganhou o Prêmio Nobel da Paz, sendo que, D’Ambrosio ficou muito feliz e orgulhoso por essa conquista. Em seguida, os membros desse grupo começaram a se preocupar com o meio ambiente, além de lutarem pela conquista da paz mundial (Salandim et al., 2020).

Em 1980, D’Ambrosio se exonerou do cargo de diretor do Instituto da UNICAMP para retornar aos Estados Unidos com o objetivo de assumir o cargo de chefe da Unidade de Melhoramento de Sistemas Educativos da OEA. A função de D’Ambrosio nesse instituto foi coordenar todos os programas de educação da América Latina, sendo que, em 1982, ele retornou para o Brasil para assumir o cargo de Pró-Reitor de Desenvolvimento Universitário, da Universidade Estadual de Campinas a convite do reitor da UNICAMP, José Aristodemo Pinotti, onde exerceu esse cargo até 1990 (Borges et al., 2014).

Ao comentar sobre Ubiratan D’Ambrosio é impossível não se lembrar do Programa Etnomatemática, criado por ele durante a sua jornada acadêmica. O movimento da Etnomatemática foi criado no Brasil por volta dos anos de 1970 e, em 1985, o International Study Group on Ethnomathematics

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(ISGEm) foi oficializado (Borges et al., 2014).

Conforme essa perspectiva, Rosa e Orey (2014) comentam sobre a relevância de D’Ambrosio para o desenvolvimento do Programa Etnomatemática, pois ele é o teórico e o filósofo mais importante desse campo de estudo. Para esses autores, D’Ambrosio é o líder internacional e o disseminador mundial das ideias envolvendo a Etnomatemática e as suas aplicações em Educação Matemática ao estabelecer uma relação significativa entre a Matemática, a Antropologia e a Sociedade.

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Grupo Internacional de Estudos em Etnomatemática.

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Em 1997, D’Ambrosio foi considerado como o Pai Intelectual do Programa Etnomatemática, sendo que em 2001 foi eleito como um dos mais importantes matemáticos do século XX por suas contribuições em investigações de cunho social, cultural, político e etnomatemático na busca pela paz e pela justiça social (Rosa & Orey, 2014)

É importante ressaltar que, nesse contexto, D’Ambrosio legou diversas contribuições para área da Educação Matemática, como, por exemplo, os livros: Educação Matemática: da Teoria à Prática (1996), Uma História Concisa da Matemática no Brasil (2011), Etnomatemática: Elo entre as Tradições e a Modernidade (versões em português (2001) e em inglês (2006) ), Da Realidade à Ação: Reflexões sobre Educação Matemática (1986), Transdisciplinaridade (1997) e a A Era da Consciência (1997). Além disso, D’Ambrosio publicou diversas obras sobre Etnomatemática, Cultura, Sociedade, Paz e Justiça Social, de 1985 até 2021.

Destaca-se também que D’Ambrosio foi condecorado com o Prêmio Kenneth O.May, pela Comissão Internacional de História da Matemática, no ano de 2001, por suas contribuições para essa área de estudo e investigação. No ano de 2005, não menos importante, ele foi contemplado com a Medalha Felix Klein pela Comissão Internacional de Instrução Matemática por suas importantes contribuições na área de Educação Matemática (OLIVEIRA, 2016).

Finalizando essa parte histórica, é necessário enfatizar que a história de vida de D’Ambrosio, de cunho pessoal, profissional, educacional e acadêmica foi encerrada no dia 12 de maio de 2021, com o seu falecimento, contudo, esse educador etno(matemático) legou contribuições importantes para a Educação Matemática, bem como deixou eternas saudades para aqueles e aquelas que tiveram a honra de conhecê-lo.

Influências de Ubiratan D’Ambrosio em Minha Vida

Meu primeiro contato com as obras de Ubiratan D’Ambrosio foi quando eu estava elaborando o trabalho de conclusão de meu curso de Licenciatura em Matemática. Em uma das minhas buscas no Google pelas teorias que estava utilizando, encontrei o livro Educação Matemática: da Teoria à Prática.

Lembro-me como se fosse hoje: eu estava procurando uma fundamentação teórica

para fortalecer as teorias que estava utilizando sobre nos colocarmos no lugar dos alunos em

seus contextos cultural e econômico. Assim, foi nesse momento que encontrei esse livro que

mudou a minha trajetória profissional. Através desse primeiro contato, experimentei uma das

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principais características das obras de Ubiratan D’Ambrosio: “se você começa a ler, não consegue mais parar até que o livro termine”.

Antes de me formar no curso de Formação Pedagógica em Matemática, curso pelo qual adquiri o título de Licenciada em Matemática, estava procurando um programa de pós- graduação stricto sensu nessa área. Um dia, em uma das conversas com minha colega Amanda, que também é professora de Matemática, ela me revelou que estava participando de uma disciplina isolada do Mestrado de Educação Matemática, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), e que estava estudando para participar do próximo processo seletivo.

Além disso, essa colega me informou que não se adaptou muito bem em um programa de Mestrado Profissional em Matemática, PROFMAT, na Região de Inconfidentes, pois estava em busca de melhorar as suas práticas didáticas e pedagógicas, sendo que esse programa era focado para a Matemática acadêmica Então, ela me forneceu informações referentes ao Mestrado em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e resolvi pesquisar sobre esse Programa.

Nesse meio tempo, ainda antes de me formar, consegui lecionar umas aulas de reforço de Matemática para o nono ano do Ensino Fundamental e para o primeiro ano do Ensino Médio, na Escola Estadual Geraldo Bittencourt, na cidade em que moro, até os dias de hoje, Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais.

Essa foi a primeira vez que lecionei a disciplina de Matemática no Ensino Regular.

Isso foi no final do ano de 2019 e, estava muito empolgada e, assim, foi quando me deparei com situações comportamentais e de aprendizagem diferentes das que estava acostumada quando lecionava para o Ensino Técnico.

Nesse sentido, como uma professora que tinha experiências anteriores em lecionar disciplinas, como, por exemplo, Programação Orientada a Objetos, Redes de Computadores, Programação Web, Estatística Aplicada, Banco de Dados e Lógica de Programação, vivenciei experiências educacionais marcantes, como, por exemplo, alunos com depressão, desinteressados nas aulas, atraso em conteúdos básicos e, também, alunos com necessidade de comentar sobre os seus problemas, bem como alunos com insuficiência alimentar.

Com o choque de realidade que tive com minha primeira turma de Ensino Regular,

percebi que o conhecimento pedagógico que tinha adquirido não era suficiente para que

pudesse ensinar os conteúdos curriculares matemáticos propostos, mesmo dispondo de um

domínio da disciplina e ter desenvolvido um conhecimento didático que possibilitasse que os

alunos fossem bem-sucedidos no atendimento às suas necessidades educacionais.

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Contudo, as minhas experiências prévias não foram suficientes para que eu pudesse atingir os objetivos propostos para minha prática pedagógica em sala de aula. Com isso, lembrei-me da minha colega Amanda comentando que a prática de sala de aula era muito mais do que simplesmente saber Matemática e, foi assim, que percebi que minha caminhada acadêmica não poderia findar-se ali na graduação e que eu precisava saber mais sobre o Mestrado em Educação Matemática da Universidade Federal de Ouro Preto, no qual ela estava cursando as disciplinas isoladas.

Comecei a pesquisar as dissertações de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da UFOP e a primeira delas que resolvi baixar no meu computador para ler foi a investigação conduzida por Rogério Braga Soares que pesquisava sobre os carrinhos de rolimã, desde a montagem até a competição e, também, as relações com a Matemática de sala de aula na perspectiva da Modelagem Matemática (Soares, 2018). Como de costume, fui até a parte das referências para verificar os autores que Rogério utilizou em sua pesquisa e me deparei novamente com Ubiratan D’Ambrosio. Lembrei-me, nesse exato momento, do quanto havia gostado de ler aquele livro desse autor quando estava desenvolvendo o meu trabalho de conclusão de Curso da Licenciatura em Matemática.

Continuei verificando as referências e observei que havia muitas investigações de Rosa e Orey e, assim, observei que eles também pesquisavam sobre a Etnomatemática.

Comecei a me animar e resolvi retornar à capa da dissertação e vi que o orientador do trabalho de Rogério foi Daniel Clark Orey e fiquei pensando: “Será que isso é um sinal?”.

Em seguida, resolvi abrir uma próxima dissertação que o título me chamasse a atenção e desta vez abri a dissertação do Diego Pereira de Oliveira Cortes que relatava sobre as práticas cotidianas de um feirante e a sua relação com os conceitos de função (CORTES, 2017). Coincidentemente ou por ser realmente um sinal divino, o orientador era o mesmo, Daniel Clark Orey e, dessa vez, a presença de D’Ambrosio nas referências era muito maior bem como a presença de Rosa e Orey, que eram, também, professores desse programa de mestrado: Milton Rosa e Daniel Clark Orey.

Desse modo, a leitura, mesmo que incompleta, dessas duas dissertações, motivou-me

a me matricular na disciplina isolada de Etnomatemática, do Mestrado de Educação

Matemática, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), com esses professores tão

citados nessas dissertações que eu tanto me identifiquei. Além disso, enxerguei uma

oportunidade de saber mais sobre a Etnomatemática de Ubiratan D’Ambrosio.

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No dia que participei da entrevista para cursar a disciplina de Etnomatemática, no início do ano de 2020 e com o diploma da licenciatura em mãos, foi difícil não me emocionar com os professores Milton Rosa e Daniel Clark Orey na minha frente, pois eles traziam muito do que eu sempre procurei nas minhas leituras e esses pesquisadores são pessoas que me inspiram desde a primeira vez que tive contato. No fim da entrevista para essa disciplina isolada, quando o professor Milton Rosa disse: “Seja bem vinda e te esperamos no dia 6 de março!”, senti uma alegria indescritível naquele momento e foi assim que a Etnomatemática entrou na minha vida.

À medida que fui cursando a disciplina, fui me interessando cada vez mais pelas obras de Ubiratan D’Ambrosio. Os professores Milton e Daniel sempre nos indicavam bons livros para entender sobre o que estavam comentando nas aulas. No primeiro dia de aula, nos deram de presente o livro intitulado: Influências Etnomatemáticas em Salas de Aula: Caminhando para a Ação Pedagógica, de sua autoria. Eu, que já tinha adquirido e já estava lendo o livro intitulado: Etnomodelagem: a Arte de Traduzir Práticas Matemáticas Locais, indicado pelo professor Daniel no dia da minha entrevista, alegrei-me imediatamente.

Fiquei muito feliz por ganhar mais um livro de autoria dos meus professores que já admirava naquela época. Esses dois livros estavam repletos de práticas e ideias etnomatemáticas que foram todas explicadas nas aulas, mesmo com toda a dificuldade que tivemos com a pandemia COVID-19. Confesso que retornei várias vezes nesses livros à medida que os professores explicavam a diferença de êmico, ético e dialógico e até hoje recorro a eles e, obviamente, estão repletos de citações de trabalhos de D’Ambrosio.

Os professores Milton e Daniel indicaram outros livros de Ubiratan D’Ambrosio para lermos durante o transcorrer da disciplina, dentre eles: Uma História Concisa da Matemática no Brasil e Etnomatemática: Elo entre as Tradições e a Modernidade. Eu adquiri e li esses livros durante a disciplina e já tinha o livro Educação Matemática: da Teoria à Prática, a minha coleção D’Ambrosio já estava crescendo e continuou crescendo.

Ao término da disciplina de Etnomatemática, professor Milton pediu para

elaborarmos um trabalho e pesquisei o tema: Conexões da Etnomatemática com a

Insubordinação Criativa e, assim, decidi adquirir mais um livro para minha coleção

D’Ambrosio: Vertentes da Subversão na Produção Científica em Educação Matemática, que

tinha como autoras organizadoras Beatriz Silva D’Ambrosio (filha de Ubiratan) e Celi

Espasandin Lopes.

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Trata-se de um livro composto por vários artigos de pesquisadores do campo da Educação Matemática que discorre sobre as diversas áreas de pesquisa, dentre elas, a Etnomatemática; inclusive, o professor Milton Rosa, Ubiratan D’Ambrosio e Gelsa Knijnik possuem capítulos nesse livro.

Para a surpresa de todos, os professores Milton e Daniel nos deram mais um presente:

Ubiratan D’Ambrosio participou do nosso encontro ao proferir uma palestra no primeiro dia das apresentações do trabalho proposto. Éramos 6 (seis) alunos nessa disciplina, 3 (três) desses alunos apresentaram o seu trabalho no dia 3 de setembro de 2020, sendo que eu e mais 2 (dois) alunos apresentamos o nosso trabalho no dia seguinte, mas todos deveriam participar do encontro nos dois dias.

Ficamos muito ansiosos para esse dia com o Ubiratan D’Ambrosio e eu nem estava acreditando até a hora que ele apareceu na tela, ao vivo, conversando conosco. Na época da apresentação desse trabalho final, eu já estava pensando em pesquisar os aspectos culturais da Matemática existentes nos Profetas de Aleijadinho na perspectiva da Etnomodelagem. Eu era a única aluna especial da disciplina, os demais já estavam no programa e tivemos que falar sobre o que estávamos pesquisando, no meu caso, o que eu pretendia pesquisar.

Professor Ubiratan, como de costume, entrou na sala do Google Meet, com muita simpatia e alegria, e o Professor Milton pediu para que cada um de nós se apresentasse, por ordem alfabética. No meio das apresentações, Ubiratan perguntou se todos eram do mestrado e o professor Milton explicou que sim, mas que eu, Tatiana ainda não estava no programa, foi então que Ubiratan D’Ambrosio se dirigiu a mim pela primeira vez e disse carinhosamente:

“Olá, Tatiana!”. Meu coração bateu forte e se encheu de alegria!

Por ter sido em ordem alfabética, fui a última a me apresentar. Lembro-me que ele confundiu algumas vezes que eu iria começar a me apresentar e foi muito divertido, eu estava muito ansiosa e nervosa para conversar com ele. Por ter sido um momento mais que especial para mim, prefiro transcrever o que foi dito:

Professor Milton: E...Tatiana?

Professor Ubiratan: Tatiana...agora ela fala!! [risos]

Professor Milton: Agora é a Tatiana! [risos]

Tatiana: Professor Ubiratan, eu sou fã do senhor e de meus professores!

Olha só...eu estou começando a minha coleção aqui [mostrando os livros de Ubiratan] [risos]

Todos: [muitos risos]

Tatiana: Estou comprando um monte de livros...estou viciada![risos]

Brincadeiras a parte, mas eu sou muito fã do senhor, assim como do Milton

e do Daniel, já tinha falado no dia da minha entrevista, mas o senhor veio

primeiro por causa do meu TCC! [gargalhadas] Eu não estou no programa

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ainda, mas já tenho em mente e já estou trabalhando na pesquisa que pretendo fazer para entrar no programa que é sobre as ligações da Etnomatemática com os Profetas do Aleijadinho. Eu vou tentar descobrir alguns conhecimentos que ele tinha da época, tanto êmico quanto ético, para estar fazendo as obras dos Profetas.

Professor Ubiratan: Não entendi...a ligação da Etnomatemática com os...

Tatiana: Profetas de Aleijadinho!

Professor Ubiratan: Ahh...do Aleijadinho...agora eu entendi!

Tatiana: [risos]

Professor Milton: Os Profetas lá de Congonhas...

Professor Ubiratan: A história da arte, né...

Tatiana: Exatamente, é uma pesquisa intensa, né...eu vou falar de arte, arquitetura, mas tenho certeza que vai sair coisa boa.

Professor Ubiratan: Muito, muito bom!

Em seguida, o Professor Ubiratan começou a comentar sobre o tema da palestra que ele iria realizar sobre Etnomatemática e o Momento Atual e de repente, se referiu ao meu futuro projeto de pesquisa, naquela época, no meio de sua palestra e me deu um conselho:

“quem vai trabalhar com Aleijadinho, você vai fazer uma pesquisa sobre história e filosofia das artes, como eram interpretadas pelo próprio Aleijadinho”.

Antes de escutar esse conselho, estava muito preocupada em conseguir realizar cálculos exatos e avançados para comprovar que os Profetas eram desproporcionais e procurar arquivos com as dimensões aferidas pelos especialistas no escaneamento em três dimensões das doze estátuas.

A partir disso, comecei a direcionar minha pesquisa para a história de Aleijadinho para que o contexto social e cultural em que o artista vivia fosse valorizado e respeitado no processo de matematização que eu iria utilizar para a humanização dos Profetas para que meus etnomodelos buscassem valorizar a cultura e o conhecimento do artista Antônio Francisco Lisboa. Eu estava deixando de estudar o ponto mais importante de uma pesquisa em Etnomodelagem, ou seja, estava me esquecendo de investigar os conhecimentos tácitos do artista Antônio Francisco Lisboa.

Meses depois, no ano de 2021, com meu anteprojeto pronto, me inscrevi para o processo seletivo do Programa de Mestrado Acadêmico em Educação Matemática, da Universidade Federal de Ouro Preto, e fui aprovada. Fui agraciada com uma bolsa de estudos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) para me dedicar inteiramente ao programa e fui aceita pelo professor Milton Rosa como sua orientanda.

Não tenho palavras para agradecer aos meus professores Milton e Daniel por terem

me proporcionado esse momento tão especial e único que tive com Ubiratan D’Ambrosio e

por terem me guiado pelos caminhos da pesquisa em Etnomatemática.

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Considerações Finais

Ao conhecer a história de D’Ambrosio é possível sentir o quanto ele acreditou e sonhou com uma Matemática mais igualitária e humana, pois ele nunca desistiu da luta por um conhecimento matemático inovador que direciona os alunos para a transcendência.

Contudo, para Rosa (2010), D’Ambrosio também argumentava sobre a necessidade de que os professores precisam ser flexíveis e que a pesquisa deve ser direcionada para que o processo de ensino e aprendizagem em Matemática seja contextualizado nas práticas culturais. Nesse sentido, D’Ambrosio sempre valorizou os saberes e fazeres de seus alunos desde o início de sua carreira docente.

Conhecendo a história de vida de D’Ambrosio, é possível verificar que por mais que a sua vida acadêmica fosse importante, ele sempre consultava a sua esposa Maria José para as suas decisões, bem como sempre pensou na educação de seus filhos e no bem estar de sua família (Salandim et al., 2020).

Ao ler as entrevistas utilizadas como fonte para esse trabalho, percebi o quanto D’Ambrosio valorizou as pequenas coisas da vida, como, por exemplo, uma boa refeição, a alegria dos filhos, os encontros em família, as reuniões com os amigos e a sua felicidade em participar de seminários e congressos. Nessas leituras, compreendi que ele se considerava uma pessoa de sorte e sempre era grato por tudo e por todos que cruzaram o seu caminho.

Certamente, D’Ambrosio é uma inspiração!

Nos seminários e palestras que assisti, D’Ambrosio sempre estava sorrindo e brincando e, durante as suas apresentações, nunca perdia o foco, pois sempre estava preocupado em oferecer o melhor que ele tinha para aquele momento. Como disse no início deste artigo, era impossível assistir a uma palestra com D’Ambrosio e não ficar motivada, esclarecida e/ou inspirada com essa interação.

As conquistas, as contribuições e o legado que D’Ambrosio nos deixa vai além da Educação Matemática, pois ele continua nos incentivando a lutar por uma Matemática mais humana e contextualizada, nos mostrando que a humildade e o amor por nossas ações e realizações transcende qualquer limite imposto pela dominação, pois ele nos ensinou a resistir, bem como compreendermos o processo de transição da subordinação para a autonomia.

Referências

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Baptista, A. M. H. (2020). Ubiratan D’Ambrosio: memórias esparsas em movimento. E-book Kindle. São Paulo, SP: Big Time Editora Ltda.

Borges, R. A. S., Duarte, A. R. S., & Campos T. M. M. (2014). A Formação do Educador Matemático Ubiratan D’Ambrosio: trajetória e memória. Bolema, 28(50), 1056-1076.

Cortes, D. P. O. (2017). Re-significando os conceitos de função: um estudo misto para entender as contribuições da abordagem dialógica da etnomodelagem. Dissertação de Mestrado em Educação Matemática. Departamento de Educação Matemátia. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Ouro Preto, MG: Universidade Federal de Ouro Preto, MG.

D’Ambrosio, U. (2020) Breve nota autobiográfica.(2020). In A. M. H. Baptista (Org.).

Ubiratan D’Ambrosio: Memórias Esparsas em Movimentos (pp. 136-298). São Paulo, SP: BT Academia. E-book Kindle.

Oliveira, C. C., Amaral, E., Santana, I. P., Neves, J. A. , Mattos, J. R. L., Silva, L. P., Brito, M. L. B., Mesquita, M., Sousa, O. S., Mattos, S., Liberal, S., & Coelho, S. R. (2016).

Edição Especial. Jornal Dá Licença. Recuperado de http://dalicenca.uff.br/wp- content/uploads/sites/204/2020/05/Jornal67.pdf. Acesso em 06 de setembro 2021.

Rosa, M. (2010). A mixed-methods study to understand the perceptions of high-school leaders about ELL students: the case of mathematics. College of Education.

Sacramento, CA: California State University, Sacramento (CSUS).

Rosa, M., & Orey, D. C. (2014). Fragmentos históricos do programa etnomatemática. In NOBRE, S. (Org.). Anais/Acta do 6º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática (pp. 535-558). São João del Rey, MG: SBHM.

Salandim, M. E. M., Bordignon, F., Souza, L. J., & Vianna, C. R. (2020). In A. M. H.

Baptista (Org.). Ubiratan D’Ambrosio: memórias esparsas em movimento (pp. 305- 882). E-book Kindle. São Paulo, SP: Big Time Editora Ltda.

Soares, R. B. (2018). Modelagem matemática como um ambiente de aprendizagem para o desenvolvimento das competências em modelagem matemática de um grupo de estudantes ao transformar uma brincadeira em uma prática esportiva. Dissertação do Mestrado em Educação Matemática. Departamento de Educação Matemática.

Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Ouro Preto, MG: Universidade Federal de

Ouro Preto.

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