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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 278/19.7T8BCL.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 278/19.7T8BCL.G1

Relator: MARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO Sessão: 04 Março 2021

Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: PROCEDENTE

EXTINÇÃO DE SOCIEDADE E/OU ENCERRAMENTO DE EMPRESA

SÓCIO LIQUIDATÁRIO

RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL

Sumário

Sumário – artigo 663º, 7, do CPC

I - Após extinção da sociedade, caso subsista passivo não satisfeito ou

acautelado, os credores sociais têm ao seu alcance dois regimes de protecção distintos: a responsabilidade dos liquidatários caso se verifiquem os requisitos do 158º, CSC, ou a responsabilidade dos antigos sócios caso se verifiquem os requisitos do artigo 163º, CSC.

II – Em ambas as hipóteses, incumbe aos credores fazer a prova dos

respectivos pressupostos, entre os quais a existência de património que foi partilhado ou, de algum modo, recebido pelos antigos sócios que dele beneficiaram em detrimento dos credores.

III - O regime de responsabilidade por “falsas declarações” de inexistência de passivo ou de inexistência de activo, exaradas em acta por sócio e/ou

liquidatário tem como causa a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito. Por conseguinte, tem o credor de fazer a prova dos pressupostos que são constitutivos do seu direito, a saber: o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a ilicitude derivada das falsas declarações de

inexistência de activo/passivo e o dano de o credor não receber o seu crédito.

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Texto Integral

I. RELATÓRIO

S. B., intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra S. R., na qualidade de sócia e liquidatária da sociedade X – UNIPESSOAL, LDA, ao diante designada

“X”.

Pede que:

a) Seja declarado o despedimento da autora ilícito, por não observância dos trâmites legais exigíveis;

b) Por via disso, ser a ré condenada a pagar à autora: a quantia de €6.300,00, referente a indemnização por despedimento ilícito; os salários desde o

despedimento até à data da sentença, nos termos do disposto nos artºs 381º, 389º e 390º do CT; a quantia de €600,00, referente a férias vencidas em 01/01/2019; a quantia de €600,00, referente a subsídio de férias vencido em 01/01/2019; a quantia de €450,00, referente aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano de 2019 (€150x3); €363,30, referente a 105 horas de formação não ministradas; €1.200,00 relativo ao pré-aviso em falta (nº 4, al. c) do artº 363º); €1.000,00 referente a indemnização por danos morais; juros de mora à taxa legal desde a citação, custas e legais acréscimos.

Alega, em síntese, que: foi admitida ao serviço da “X”, em 16-08-12, para exercer as funções inerentes à categoria de costureira, sendo a remuneração (última) de €600,00; o contrato vigorou entre as partes até 09/07/2019, data em que a ré, encerrou total e definitivamente a empresa e registou na

Conservatória do Registo Comercial ..., a dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade; a relação laboral cessou por decisão unilateral da entidade empregadora, consubstanciando um despedimento ilícito, nos termos do disposto no artº 381º do CT; a sociedade empregadora não respeitou as exigências previstas no artº 346º, nº 3 e 360º e ss do CT para os casos de encerramento da empresa. Demanda a ré, na qualidade de sócia e liquidatária da referida sociedade, ao abrigo do disposto no artº 163º do

Código das Sociedades Comerciais. Dos documentos que se encontram

arquivados na CRC e que serviram de base para o dito registo de dissolução e liquidação da sociedade, consta uma “Ata”, onde se pode ler que, em

04/07/2019, a sócia- gerente da sociedade declarou que a mesma não possuía

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activo nem passivo e, como tal, não havia lugar a partilha. Com tais

declarações, designadamente de que a sociedade não tinha quaisquer dívidas, a R., signatária da dita “Ata”, faltou à verdade, uma vez que, a sociedade tinha débitos laborais decorrentes da cessação do contrato de trabalho por liquidar, pelo menos, à A. e a outros trabalhadores, a quem não pagou os montantes devidos pelo despedimento em virtude do encerramento da empresa.

Relativamente à questão do que teria a antiga sócia recebido na partilha dos bens sociais, a A desconhece com exactidão quais os concretos bens

pertencentes à extinta sociedade, mas é certo que a sociedade possuía 6 máquinas e era ainda proprietária de diverso mobiliário (mesas, cadeiras, armários) e material de escritório e informático, além do capital social. Ao que a A. julga saber, a sociedade possuía veículos automóveis. Aliás, a R. e

respectivos familiares têm sido vistos a conduzir os referidos veículos, pelo que, os mesmos se mantém na sua posse. Por último, a sociedade possuía contas bancárias.

CONTESTAÇÃO DA RÉ: alega, em síntese, que: a sociedade teve de encerrar a sua actividade, por força da ausência de encomendas e em virtude da vaga de deslocalização do fabrico de peças do Grupo Y para outras zonas do globo e por terem resultado infrutíferas as diligências encetadas pela empresa para angariar novos clientes; antes da decisão de extinção, o legal representante daquela sociedade apurou que a sociedade denominada W, estava a contratar funcionárias, mostrando-se disponível para assegurar os postos de trabalho de todas as funcionárias e respectiva antiguidade, bem como assegurar o

transporte das mesmas desde a sua residência para o local de trabalho, inclusive no horário das refeições; em Maio de 2019, a ré reuniu com as trabalhadoras da extinta sociedade e comunicou-lhes que a sociedade não tinha mais encomendas e que teria de encerrar a sua actividade; a sociedade W estava disposta a integrar nos seus quadros as referidas trabalhadoras, tendo estas aceite a respectiva transferência; como a autora não se

encontrava presente na referida reunião, o marido da ré deslocou-se à residência da autora, que, depois de esclarecida da situação, aceitou a proposta de passar a integrar os quadros da W, comunicando-lhe que assim que terminasse o seu período de incapacidade começaria a trabalhar para a referida sociedade, pelo que nenhuma quantia é devida à autora, dado a mesma ter aceite a transmissão do seu vínculo contratual à sociedade denominada W; quando a ré declarou na acta de dissolução e liquidação da sociedade que a mesma não tinha activo nem passivo, já tinha vendido o seu património a empresas que têm por objecto a venda de maquinaria e de automóveis e na convicção de que a autora, à semelhança das demais

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funcionárias, tinha iniciado funções na nova empresa; a convicção da ré alicerçou-se no facto de autora não comparecer nas instalações da extinta sociedade à data da venda da maquinaria e ter deixado de lhe entregar qualquer documento comprovativo do seu estado de saúde; não tendo a ré recebido qualquer bem na partilha do património da extinta sociedade (que aliás a autora não alegou na petição inicial), por o mesmo inexistir à data da sua extinção, não poderá ser responsabilizada pelo pagamento à autora das quantias por esta peticionadas. Concluindo pela total improcedência da acção.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO):

“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, decide-se:

1. Que o contrato de trabalho celebrado entre a autora e X – Unipessoal, Lda cessou por caducidade, nos termos dos artºs 343º, al. b), e 346º, nº 3 e 4, do CT;

2. Condenar a ré, S. R., na qualidade de liquidatária da sociedade X – Unipessoal, Lda, a pagar à autora S. B.:

a) a quantia de €1.655,12 (mil seiscentos e cinquenta e cinco euros e doze cêntimos), a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho (artº 366º, nº 1 ex vi artº 346º, nº 5, ambos do Código do Trabalho).

b) a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a título de férias vencidas em 01/01/2019;

c) a quantia de €600,00 (seiscentos euros) a título de subsídio de férias vencidas em 01/01/2019;

d) a quantia de €433,97 (quatrocentos e trinta e três euros e noventa e sete cêntimos), a título de férias, subsídio de férias e de natal proporcionais ao tempo efectivo de serviço prestado no ano da cessação do contrato;

e) a quantia de €581,70 (quinhentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos) a título de compensação por formação profissional não prestada;

f) sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa legal de 4% desde a data dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento;

g) No mais, absolve-se a ré do pedido.

*

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Custas da acção pela autora e pela ré, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 63,18% para a primeira e 36,82% para a segunda – artº 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil – sem prejuízo de isenção ou de apoio judiciário de que beneficiem. “

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ -CONCLUSÕES:

1. Por sentença datada de 11.07.2020 foi a ora Ré condenada a pagar à Autora…

2. Analisando a selecção da matéria de facto dada como provada verifica-se que nos pontos O, P, Q e R, o Tribunal a quo dá como provado que a sociedade possuía 6 máquinas de ponto corrido; 7 máquinas de corte-e-cose; 3 máquinas de recobrimento; 2 máquinas clorete; 1 máquina de casear e 1 máquina de mosque, era proprietária de diverso mobiliário (mesas, cadeiras, armários) e material de escritório e informático, possuía os veículos automóveis matrículas LB, HR e QO e contas bancárias, designadamente uma conta na Caixa ...”.

3. O Tribunal recorrido socorreu-se da documentação junta pela ora

Recorrente para dar como provado a existência do dos bens e conta bancária, nomeadamente, faturas de venda do referido património e os extractos

bancários da conta de que a Recorrente era titular na Caixa ....

4. Apesar de o Tribunal recorrido ter dado como provado a existência do referido património tendo por referência as facturas emitidas pela dissolvida sociedade a favor de K-Comércio de Máquinas Têxtil, L.da, ... Automóveis, L.da e V. M., a verdade é que, o Tribunal recorrido não deu como provada, ou não provada, a venda dos bens que integravam o património da sociedade

dissolvida, e, em caso de resposta afirmativa, em que datas, tais bens foram alienados.

5. O modo e tempo verbal usado pelo Tribunal recorrido na decisão ora em crise, mais concretamente, nos pontos da matéria de facto supra elencados, não permite concluir com certeza, e sem quaisquer margem para dúvida, se à data da sua extinção a sociedade dissolvida era, ou não, titular de quaisquer bens, e em caso de resposta positiva o destino dado aos mesmos após a dissolução.

6. O Tribunal a quo não faz qualquer menção nem na fundamentação de facto nem na fundamentação de direito da decisão ora em crise sobre o destino do património da sociedade dissolvida, sendo totalmente omissa a esse respeito.

7. A decisão ora em crise é nula, porque da lista de factos assentes e não assentes se torna impossível inferir em que concreto momento a sociedade dissolvida deixou de ser titular dos bens que integravam o seu património (na data aposta nas faturas? Na data da dissolução da sociedade?) e se, que bens,

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e de que valor, eram os bens que passaram a integrar, no entendimento do Tribunal recorrido, o património da Recorrente e completa omissa quer na fundamentação de facto quer na fundamentação o de direito sobre o destino de tais bens.

8. Face às ambiguidades patenteadas pela decisão ora em crise, evidenciadas nos pontos da matéria de facto assente e não assente acima enunciados e à omissão na fundamentação de direito da decisão de qualquer referência ao destino dos bens que integravam o património da dissolvida sociedade,

elemento que é essencial para que se possa aferir da responsabilidade da ora Ré no pagamento de quaisquer créditos laborais à ora Recorrida, mister se torna concluir que a decisão ora em crise esta ferida das nulidades previstas nas alíneas c) e d) do art. 615º, do CPC.

9. O Tribunal recorrido deu como provado no ponto P da lista de factos assente o alegado pela Recorrida no art. 46º do respectivo petitório por entender que tais bens são imprescindíveis ao exercício de atividade de qualquer empresa.

10.Não pode o Tribunal dar como provado o facto alegado no art.46º da petição inicial, sem ter por base uma qualquer documento contabilístico ou outro qualquer meio probatório, que ateste a existência, quantidade e valores dos bens elencados no ponto P da lista de factos assentes, motivo pelo qual tal ponto deve ser expurgado da lista de factos assentes.

11. O Tribunal recorrido deu como provado o alegado pela ora Recorrida no ponto 39º da petição inicial onde se pode ler o seguinte: “a sociedade tinha créditos laborais decorrentes da cessão do contrato de trabalho por liquidar, pelo menos, à A. E a outros trabalhadores, a quem não pagou os montantes devidos pelo despedimento em virtude do encerramento da empresa.”

12. O Tribunal a quo não poderia dar como provado a parte final do referido ponto da lista de factos assentes, ou seja, que outros trabalhadores eram igualmente credores da sociedade dissolvida, porquanto pese embora a menção à pendência de outros processos, nenhum documento foi junto aos presentes autos que ateste a sua existência, a identidade dos seus titulares, o valor dos mesmos, se à data da prolação da decisão ora em crise já havia sido, ou não, proferida sentença sobre as pretensões de tais trabalhadores e se a mesma havia, ou não, transitado em julgado.

13. A prova da pendência de processos judiciais e, consequentemente, da existência de créditos de outras trabalhadoras da dissolvida sociedade apenas poderia ser feita mediante a junção pela Autora das certidões extraídas dos referidos processos(art. 342º, nº 1, do CC), o que não tendo sucedido in casu, impede que a parte final do Ponto T da lista de factos dados como assente –

“quer a outros trabalhadores”- possa ser dada como provada.

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14. O Tribunal a quo deu como não provado que a ré destinou o produto da venda do património da “X” ao pagamento de salários e dívidas a credores, conforme alegado pela mesma no art. 24º da contestação oferercida, isto, não obstante a Ré ter junto com o seu articulado:

i) Facturas nº FT2019/55 emitida a 26.06.2019 no valor de € 12 915, 00 referente à venda da maquinaria que integrava o património dissolvida sociedade;

j) Factura nº FT2019/53 emitida a 26.06.2019 no valor de € 5 990, 00 referente à venda da viatura marca Fiat com a matrícula LB;

k) Factura nº FT2019/52 emitida a 26.06.2019 no valor de € 984,00 referente à venda da viatura Citroen C4 com a matrícula HR;

l) Factura nº FT2019/58 emitida a 30.06.2019 no valor de € 2 460, 00 referente à venda da viatura Citroen C4 com a matrícula HR;

m) O IES de 2019 segundo o qual a dissolvida sociedade apresentou um saldo negativo de € 34 177, 46;

n) O extracto bancário da única conta titulada pela dissolvida sociedade.

o) Listagem dos trabalhadores ao serviço da dissolvida sociedade.

p) Declaração de IVA referente ao segundo trimestre de 2019 e respectivo comprovativo de pagamento.

15. Do extracto bancário da sociedade dissolvida referente aos meses de maio a Julho de 2019 decorre que:

a) A conta bancária da sociedade dissolvida apresentava desde maio de 2019, saldo negativo, e apenas o plafond associado à referida conta permitiu que a referida sociedade tivesse pago em Junho/2019 os salários dos respectivos trabalhadores;

b) no dia 02.07.2019 foi depositado na conta titulada pela dissolvida sociedade o valor da venda da maquinaria, e foi o respectivo valor que permitiu o

pagamento dos salários das trabalhadoras ao serviço da qual a Recorrente foi sócia-gerente referente ao mês de Junho/19.

16. Face à situação financeira da Recorrente no final de 2019 melhor

espelhados no IES de 2019 e extracto bancário da sociedade dissolvida, aos elementos contabilísticos juntos aos presentes autos, comprovativo de

pagamento de impostos e transferência do valor dos salários devidos aos trabalhadores da X, Unipessoal, L.da, apresentados pela Ré, não pode o Tribunal dar como não provado que a ré destinou o produto da venda do património da “X” ao pagamento de salários e dívidas a credores, devendo tal facto, alegado pela Ré no art. 24º da contestação ser integrado na lista de factos dados como assentes.

17. O Tribunal recorrido deu como não provado que aquando da elaboração da acta de dissolução e liquidação a X não tinha ativo nem passivo.

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18. Decorre das facturas e extractos bancários juntos aos presentes autos pela ora Ré que nos dias 26 e 30 de Junho/19, a Ré vendeu todo o seu acervo

patrimonial às seguintes entidades: K-Comércio de Máquinas têxtil, L.da, ...

Automóveis, L.da e V. M. tendo pago o IVA respeitante ao segundo trimestre de 2019 a 16.08.2019 no valor de € 10 979,22( cfr doc. junto a requerimento enviado aos presentes autos a 25.05.2020).

19. A comunicação, por via electrónica, à Autoridade Tributária (cfr. art. 26º, nº 1, al

c) do Anexo III ao DL 76-A/2006 de 29.03) do registo da dissolução e

liquidação não determina as obrigações fiscais da sociedade dissolvida, pois a mesma ainda terá que apresentar a Declaração de rendimentos Modelo 22 e declaração Anual da Informação Contabilística (art. 120º, nº 3 e 121º nº 4 do CIRC) bem como apresentar a declaração de cessação da actividade em sede de IVA (art. 33º do CIVA) e liquidar os impostos em falta, o que a Ré fez, sendo certo que, caso a Ré não tivesse procedido ao pagamento do montante em dívida à AT a título de IVA referente ao 2º trimestre teria incorrido na prática de um crime de abuso de confiança fiscal (art. 105º, nº 1) do RGIT).

20. A circunstância de a Ré ter salvaguardado as quantias necessárias ao cumprimento das obrigações fiscais que se venceriam após a dissolução da sociedade, e que foram pagas com o produto da venda dos veículos

automóveis, não permite afirmar que a Ré tinha ativo no momento da

respectiva dissolução, razão pela qual, da lista de factos assentes deve constar que “na data da acta de dissolução e liquidação, a “X” não tinha activo”.

21. O Tribunal recorrido deu como não provado que a ré não recebeu qualquer bem na partilha do património da sociedade extinta sem que o mesmo tivesse em algum ponto da matéria de facto dada como provada feito constar quais os concretos bens que integravam o património da dissolvida que tivessem sido adjudicados em partilha do património da X, Unipessoal, L.da à ora

Recorrente, respectivas quantidades e valores.

22. Mostrando-se juntas as facturas de venda dos bens que integravam o

património da dissolvida sociedade, os extractos bancários e comprovativos de pagamentos realizados com o produto da venda de tais bens, nomeadamente do cumprimento das obrigações fiscais, mister se torna concluir que o

Tribunal recorrido deveria ter dado como provado que “a ré não recebeu qualquer bem na partilha do património da sociedade extinta” até porque nenhum meio de prova foi produzido em sede de audiência de discussão e julgamento que infirmasse tal facto.

23. A responsabilização do sócio-gerente por dívidas da sociedade opera num quadro legal diferente do invocado pelo Tribunal recorrido na decisão ora em crise conforme decorre, entre outros do AC da TRG de 19.11.2015 19.11.2015,

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Proc. nº 865/13.6 TTGMR.G1, publicado em www.dgsi.pt, a saber. Art. 335º do CT, 78º e 79º do CSC e 483º do CC.

24. Da decisão ora em causa ressalta que o Tribunal a quo sustentou a responsabilidade da Ré nas normas que regem a responsabilidade dos liquidatários (art. 152º e 157º do CSC).

25. O regime que disciplina a responsabilidade dos liquidatários da sociedade para com os credores sociais, não têm aplicação no caso concreto, por três motivos:

d) Porque a Recorrente não foi demandada na presente lide na qualidade de liquidatária, mas de representante da extinta sociedade comercial denominada

“X, Unipessoal, L.da”;

e) Porque a extinção da sociedade ocorreu num acto único (dissolução e liquidação) e não em duas fases- dissolução e liquidação.

f) Porque não tendo existido in casu liquidação não se pode aplicar à Ré o regime previsto no art. 158º do CSC (vide a este propósito o Ac. do STJ de 26.06.2008, Proc. nº 08B184, publicado em www.dgsi.pt)

26. Para que haja lugar à responsabilização do sócio-gerente pelas dívidas da sociedade, no quadro legal enunciado no Ac. da TRG deste Venerando Tribunal é necessário que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil enunciados no art. 483º do CC: facto, ilícito, culpa, dano e nexo causal entre o facto e o dano.

27. Se atentarmos apenas na decisão sobre a matéria de facto sem as

alterações que a Recorrente entende que devem ser realizadas verifica-se que a culpa da ora Ré não ficou sequer minimamente demonstrada, pois da

decisão ora em crise nada resulta sobre o valor e destino do património da dissolvida sociedade, designadamente se o mesmo foi dissipado, se integrou a esfera patrimonial da Recorrente ou foi usado no pagamento de débitos da sociedade, em suma, nada se provou acerca da culpa da Recorrente não estando assim reunidos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana previstos no art. 483º do CC.

28. O presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequência, improcederem os pedidos formulados pela Autora nos presentes autos.

CONTRA-ALEGAÇÕES DA AUTORA

Defende a improcedência da apelação.

Alega, designadamente, que: “Está demonstrado o crédito da recorrida e a dissolução e liquidação da sociedade. Nos termos do disposto no art.º 163.º do Código das Sociedades Comerciais, a recorrente responde pelo passivo social não satisfeito. Além disso, tendo sido ela própria a única liquidatária da

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sociedade, responde pessoalmente pela dívida nos termos do disposto no art.º 158.º do mesmo diploma, conforme se decidiu – e bem – na douta sentença em crise.”

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – propugna-se pela manutenção da decisão recorrida.

As partes não responderam ao parecer.

O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso (1)): nulidades da sentença; impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto; responsabilidade da pessoal da ré sócia/liquidatária pelas dívidas da sociedade extinta.

II. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS

Factos provados:

A. A ré S. R. é a única sócia e liquidatária da sociedade X - UNIPESSOAL LDA, sociedade unipessoal, com sede no Lugar …, Caixa Postal …, freguesia de …, concelho de Barcelos, NIPC ….

B. Através da AP. 2/20190709, foi registada na Conservatória do Registo

Comercial ... a dissolução e encerramento da liquidação da referida sociedade, encontrando-se a mesma extinta.

C. A sociedade aludida em A. dedicava-se à actividade de confecção têxtil, possuindo e explorando um estabelecimento fabril sito no local da sua sede.

D. No âmbito e desenvolvimento de tal actividade, a autora foi admitida, por contrato de trabalho denominado a termo, ao serviço da dita sociedade, aqui representada pela R., para trabalhar, como trabalhou, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta e mediante retribuição, com início em 16 de Agosto de 2012, nos termos constantes do documento de fls 12 verso a 13, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

E. Desde então, a autora trabalhou para a referida sociedade, executando as funções e serviços correspondentes e inerentes à categoria profissional de costureira, sempre com zelo, assiduidade e obediência.

F. Em Julho de 2019, a autora auferia a remuneração mensal de €600,00.

G. A autora encontrava-se de “baixa médica” desde o mês de Abril de 2019 e entregava o documento comprovativo da sua incapacidade para o trabalho nas

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instalações da sua referida entidade patronal.

H. No início do mês de Julho de 2019, verificou que as instalações daquela empresa se encontrava encerradas, pelo que,

I. Remeteu os documentos em causa por via postal, o mesmo tendo sucedido no mês de Agosto de 2019.

J. No entanto as duas cartas enviadas pela autora à empresa foram devolvidas.

K. A autora verificou, junto da Segurança Social, que já não constava como trabalhadora daquela empresa, por indicação da sua entidade patronal.

L. E verificou, junto da Conservatória do Registo Comercial ..., que a sociedade X se encontrava dissolvida e encerrada a sua liquidação, desde 09/07/2019.

M. Em 09/07/2019, foi registada, na Conservatória do Registo Comercial ..., a dissolução e encerramento da liquidação da “X - UNIPESSOAL LDA”.

N. Na acta de 04/07/2019, constante de fls 14, cujo teor se dá por

integralmente reproduzido, a ré, na qualidade de sócia-gerente da sociedade, declarou que: “Tendo a sociedade sido constituída no ano de dois mil e nove com o como objeto social o fabrico, importação e exportação de artigos têxteis e de vestuário, acessórios de moda e atividades de embalagem e etiquetagem desde janeiro do corrente ano, não recebeu qualquer encomenda por parte dos seus clientes, motivo pelo qual deixou de exercer a atividade que

constituía o seu objeto social. […] na presente data já se mostra liquidado todo o activo e passivo da dita sociedade, não existindo quaisquer bens a partilhar […]”

O. – eliminado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto

P. - eliminado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto

Q. eliminado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto.

R. A sociedade era titular de uma conta bancária na Caixa ...- alterado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto.

S. A ré, na qualidade de sócia gerente da sociedade “X” não pagou à autora:

- as férias vencidas em 01/01/2019, no montante de €600,00;

- o subsídio de férias, vencido em 01/01/2019, no montante de €600,00;

- os proporcionais de férias, do subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2019 (150,00€ x 3), no montante de €450,00;

- 105 horas de formação não ministrada;

T. Em 04/07/2019, a sociedade tinha débitos laborais decorrentes da cessação de contrato de trabalho por liquidar, pelo menos no que se refere à autora-

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alterado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto.

U. A ré, em data não apurada anterior a Julho de 2019 reuniu com as trabalhadoras da X e comunicou-lhes que iria encerrar a empresa.

V. Como a autora não se encontrava presente nessa reunião, o marido da ré deslocou-se à residência da autora e comunicou-lhe que iria encerrar a empresa.

X- A ré destinou, pelo menos, parte do produto da venda do património da “X”, mormente da venda de máquinas, ao pagamento de salários e dívidas a

credores (IVA) - aditado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto.

Factos não provados:

1- A autora teve de informar os seus familiares e amigos de que já não iria trabalhar e que a sua família teria de ficar privada de alguns hábitos.

2- Com a cessação do contrato, a autora ficou transtornada a perturbada.

3- A ré e respectivos familiares têm sido vistos a conduzir os referidos veículos, pelo que, os mesmos se mantém na sua posse.

4- No circunstancialismo aludido em W. dos factos provados, a autora aceitou integrar os quadros da W, comunicando ao mesmo que, assim que terminasse o seu período de incapacidade começaria a trabalhar para a referida

sociedade.

5- Na data da acta de dissolução e liquidação, a ré estava convicta de que a autora, à semelhança das demais trabalhadoras, tinha iniciado funções na W.

6- A autora deixou de entregar os documentos comprovativos do seu estado de saúde.

7- eliminado de acordo com a análise do recurso sobre a matéria de facto

8- Na data da acta de dissolução e liquidação, a “X” não tinha activo nem passivo.

9- A ré não recebeu qualquer bem na partilha do património da sociedade extinta.

B) NULIDADES DA SENTENÇA

Segundo o artigo 615º, 1, CPC, é nula a sentença quando:

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou

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conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;

Citamos as disposições que a recorrente alega terem sido infringidas.

Quanto à alínea c):

A contradição entre os fundamentos e decisão reporta-se a um vício de

raciocínio lógico que ocorre quando os fundamentos invocados não condizem com o resultado que é a decisão final. Trata-se de um erro de contradição lógica porque o fundamento em que a decisão final se baseia leva

necessariamente a conclusão oposta à proferida (2). Distingue-se, assim, do erro de julgamento que se reporta a uma errada aplicação do direito aos factos e que é sindicável por via de recurso.

A ambiguidade ou obscuridade são casos de ininteligibilidade que se reportam unicamente à parte decisória da sentença e não se estendem à fundamentação e que relevam quando um declaratário normal não consiga alcançar um

sentido inequívoco, ainda que por recurso à fundamentação da decisão (3).

Ocorre obscuridade quando a decisão é ininteligível e se presta a dúvidas.

Ocorre ambiguidade quando alguma passagem da decisão não é clara por comportar vários sentidos ou diferentes interpretações (4).

Quanto à alínea d):

A omissão de pronúncia sobre “questões” refere-se, não aos argumentos das partes, mas sim aos pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções, conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência (5) e acolhido pela

doutrina. Não há assim que confundir o significado de “questões” com as razões, a retórica ou os motivos invocados pelas partes para alicerçarem a sua pretensão (6).

Aplicando a teoria ao caso concreto, alega a recorrente que a matéria provada nos pontos O, P, Q e R (património que a sociedade possuía) é omissa quanto a um aspecto essencial. No entender da ré, o verbo que a sentença utiliza

(“possuía”) não permitirá concluir se, à data da extinção da sociedade

dissolvida, esta era ou não titular de quaisquer bens e, em caso de resposta positiva, qual o destino dos bens, mormente se eles integraram o património da recorrida sócia e liquidatária.

A questão não se prende com as referidas nulidades da sentença.

Por um lado a sentença não comporta obscuridade no seu sentido decisório, não se colocando dúvida que a ré foi condenado, qual o objecto da condenação e até qual a sua fundamentação(“…funda-se quer no preceituado no artº 152º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, quer no artº 483º do Código Civil, por violação do artº 157º, nº 2 do CSC que impõe aos liquidatários o dever de

(14)

declarar expressamente no relatório que estão satisfeitos ou acautelados todos os direitos dos credores, sendo para tal indiferente a demonstração de que a sociedade tinha bens, que esses bens foram partilhados e se a ré recebeu bens na partilha ”-sic). A decisão final também concorda com os seus fundamentos.

Ademais, não ocorreu qualquer falta de pronúncia sobre as questões a

resolver no sentido acima referido, pelo contrário a decisão analisou se houve ou não despedimento, enquadrou o caso como uma caducidade por

encerramento da empresa, e decidiu os pedidos submetidos à sua apreciação.

Quanto muito a questão poderia prender-se com a alínea b), do n. 1, artigo 615º, com ligação ao n. 4, do artigo 607º, CPC, onde se refere que a sentença é nula se não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

Contudo, também esta previsão é de afastar porque, além de na sentença se ter entendido que é dispensável a prova de que a ré sócia recebeu bens na partilha (cujo mérito não cabe apreciar em sede de nulidades da sentença), é pacífico o entendimento de que só há nulidade “…quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão” (7). O que não é seguramente o caso. Tal só acontece quando não são discriminados os factos provados, ou quando, de todo, não se consiga compreender quais as provas a que se atendeu, qual a sua valoração ou não se consiga minimamente seguir a linha de raciocínio percorrida pelo julgador. A deficiência de fundamentação, ao invés, não gera vício, mas mera deficiência de fundamentação que fragiliza a sentença.

Em suma, a questão terá de ser analisada em sede de impugnação da matéria de facto, caso a matéria que consta com provada não corresponda à prova feita, ou caso tenha havido excesso ou omissão de factos apurados no

confronto com os alegados, e desde que esses factos sejam relevantes para uma das soluções plausíveis de direito a aplicar ao caso. Tarefa seguinte à qual passaremos.

Improcedem as nulidades.

C) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO:

O tribunal da relação deve modificar a decisão de facto se os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diferente – art. 662º do CPC.

A autora põe em causa os factos que na sentença constam como provados nos pontos O, P, Q, R, T:

(15)

Isolamos os mesmos para melhor perceção:

O. A sociedade possuía as seguintes máquinas:

- 6 máquinas de ponto corrido;

- 7 máquinas de corte-e-cose;

- 3 máquinas de recobrimento;

- 2 máquinas clorete;

- 1 máquina de casear e - 1 máquina de mosquear.

P. A sociedade era ainda proprietária de diverso mobiliário (mesas, cadeiras, armários) e material de escritório e informático.

Q. A sociedade possuía veículos automóveis – matrículas LB, HR e QO (documentos de fls 55 a 56).

R. A sociedade possuía contas bancárias, designadamente uma conta na Caixa ....

T. Em 04/07/2019, a sociedade tinha créditos laborais decorrentes da cessação de contratos de trabalho por liquidar, quer à autora, quer a outros

trabalhadores.

Em especial quanto ao ponto P alega que inexiste qualquer meio de prova que ateste a existência de tais bens sendo uma mera extrapolação feita na

sentença, pelo que deve ser expurgado.

Em especial, quanto ao ponto T, a parte que se refere a existência de créditos de outros trabalhadores deve ser expurgada dado que não existe qualquer prova documental que ateste a sua existência, incluindo certidão de sentença dos respectivos processo judiciais.

Quanto aos pontos O, P, Q, R, alega que não obstante a documentação junta aos autos, não se dá como provado se os bens existiam ou não à data da dissolução da sociedade.

Esta matéria relaciona-se com a que se lhe opõe e não provada na sentença e que a ré pretende que seja provada sob os pontos 7 a 9:

7- A ré destinou o produto da venda do património da “X” ao pagamento de salários e dívidas a credores.

8- Na data da acta de dissolução e liquidação, a “X” não tinha activo nem passivo.

9- A ré não recebeu qualquer bem na partilha do património da sociedade extinta.

Está em causa basicamente apurar se a sociedade, à data da deliberação de

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dissolução e encerramento da liquidação (9-07-2019), era possuidora de bens e de passivo e, ainda, se a sócia recebeu bens na partilha.

Ouvimos a integralidade dos depoimentos prestados.

Em suma S. F., prima da autora, apenas sabia que a empresa encerrou quando a autora estava de baixa, o que verificou no local por ter acompanhado a

autora em julho/19. Confirmou que a autora lhe disse que antes já “tinham falado com ela e que a empresa ia fechar, embora nada ao certo”. Ouviu dizer que algumas trabalhadoras foram trabalhar para a empresa W, para ali

enviadas pela ré, o que não foi o caso da autora.

C. G., marido da autora, confirmou o encerramento da empresa e, ainda, que o marido da ré, a testemunha M. F., se deslocou à casa deles. Pese embora não tenha assistido à conversa, a esposa disse-lhe que queriam “vender os

trabalhadores à W” e que queriam que ela “deitasse a baixa abaixo” e fosse

“para a W”. O que a autora não aceitou porque estava de baixa e não podia ir trabalhar. Confirmou os créditos da autora.

M. F., marido da autora e gerente de facto da sociedade extinta, explicou a situação financeira da sociedade, que já vinha deficitária do ano anterior e que deixou de ter encomendas e por isso fechou. Antes tentou várias soluções, efectuando um acordo informal com a empresa multinacional W que

necessitava de funcionárias. Esta empresa acordou em ficar com as

empregadas (14), assegurando os mesmos direitos, o que informou a todas as trabalhadoras, com quem se reuniu, uma a uma. Sabe que algumas ficaram nessa empresa, pelo menos algum tempo, depois desconhece dado que, entretanto, teve de ir trabalhar para fora. Admite que deveria ter tido o cuidado de” fazer os papéis” de transmissão. No caso da autora deslocou-se pessoalmente a casa desta, dado que estava de baixa, tendo-lhe dito para se apresentar na W para, pelo menos, a conhecerem, desconhecendo se ela foi ou não. Admitiu que nada pagou à autora. Disse que a empresa não tinha activo, tendo antes da extinção da sociedade sido vendido tudo, incluindo as

máquinas e 3 carros, cujo produto de venda utilizou para pagar salários em atraso até Junho/19, a segurança social e o IVA. Diz que ainda tiveram de “pôr dinheiro”.

Finalmente, D. N., diretor de produção, recorria aos serviços profissionais da ré no âmbito de empresas onde trabalhou, designadamente na W que era cliente da ré e subcontratava-a para fazer peças. Confirmou que o patrão, Engº S., precisava de mão-de-obra e que, por isso, intermediou contactos entre o gerente de facto da ré que queria vender tudo e a Direção comercial da referida empresa. Contudo, não interveio nas negociações e nada mais pode confirmar, exceto que ainda viu lá algumas funcionárias, vindas da ré, a trabalhar. Entretanto, saiu da W e nada mais sabe.

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Resulta da documentação junta aos autos que a ré vinha apresentando situação deficitária (-34.1777,40€ contas de exercício de 2108, citius de 10-10-19), que as máquinas (valor de 12.915€) e carros foram vendidos no mês de junho antes da deliberação de dissolução, respectivamente à empresa K, ao “… de Automóveis” e V. M., doc.s 1 a 4 juntos com a contestação. Resulta da documentação que a conta bancária tinha saldo negativo (-4659,52€) à data de 30-06-19 (citius 4-3-20). Do extracto consta, entretanto, em 2-07-19,

movimento de entrada do crédito da venda das máquinas e, ainda,

subsequentes débitos de pagamento de diversos salários de trabalhadores, identificados na listagem junta ao extracto bancário, tendo, assim, sido pagos, salários de junho. Está também comprovado o pagamento posterior de IVA (no valor de 10.979,22€, ref. citius de 25-06-20).

Donde se concluiu: não há prova (mormente apresentada pela autora, cujas testemunhas nem se pronunciaram sobre essa matéria) de que a sociedade extinta tinha património aquando da dissolução e encerramento de liquidação.

Pelo que se determina a eliminação dos pontos provados O, P, Q. A alteração fica a contar em lugar próprio.

O ponto R fica com a seguinte redacção:

R- A sociedade era titular de uma conta bancária na Caixa .... A alteração fica a contar em lugar próprio.

Quanto à alínea T, na parte em que se refere aos débitos de outras

trabalhadoras, efectivamente não existe prova nos autos, nem documental, nem as testemunhas confirmaram essa matéria. Não obstante na

fundamentação da sentença constar que a julgadora, pelas funções exercidas, tinha conhecimento da existência de outros processos, não foi cumprido o artigo 412º, 2, CPC (junção aos autos de documento comprovativo, mormente sentença reconhecendo os créditos). O ponto ficará com a seguinte redacçao:

T- Em 04/07/2019, a sociedade tinha débitos laborais decorrentes da cessação de contrato de trabalho por liquidar, pelo menos no que se refere à autora. A alteração fica a contar em lugar próprio.

O ponto não provado 7 passa a parcialmente provado sob a alínea X, com a seguinte redação:

X- A ré destinou, pelo menos, parte do produto da venda do património da “X”, mormente da venda de máquinas, ao pagamento de salários e dívidas a

credores (IVA).

Quanto ao ponto não provado 8 (“Na data da acta de dissolução e liquidação, a

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“X” não tinha activo nem passivo): permanece inalterado, dado que se provou que, pelo menos, tinha dívidas para com a autora e quanto ao activo

desconhece-se se existiriam ou não outros bens, tendo o depoimento da testemunha gerente de facto e marido da ré de ser valorado com contenção.

Quanto ao ponto não provado 9”- A ré não recebeu qualquer bem na partilha do património da sociedade extinta”:

Permanece inalterado pelas mesmas razões - desconhece-se com rigor, tendo o depoimento da testemunha gerente de facto e marido da ré de ser valorado com contenção, atento o seu interesse na causa.

D) ENQUADRAMENTO JURÍDICO

A primeira instância condenou ré, antiga sócia e liquidatária, no pagamento de compensação por caducidade do contrato derivada de encerramento da

empregadora/sociedade, bem como em créditos de formação profissional, férias e subsídios de férias vencidos e proporcionais do ano da cessação do contrato. Não está em causa a existência do crédito da autora sobre a sociedade extinta, esta parte não é alvo de recurso.

O que a ré contesta é a sua condenação pessoal pela dívida que seria da empregadora, sociedade por quotas X – UNIPESSOAL, LDA.

Refere, em suma, que não foi feita qualquer prova nem quanto à sua responsabilização na qualidade de antiga sócia gerente, nem tão pouco é aplicável a responsabilidade dos liquidatários para com os credores sociais (158º CSC), porque a ré não foi demandada nessa qualidade e não existiu liquidação. Ademais, da decisão recorrida nada resulta sobre o valor e destino do património da dissolvida sociedade, designadamente se o mesmo foi

dissipado, se integrou a esfera patrimonial da Recorrente ou se foi usado no pagamento de débitos da sociedade.

Está em causa saber se a antiga sócia (única) responde a título pessoal pela dívida que a sociedade extinta detinha perante a autora/trabalhadora.

Por regra, pelas dívidas sociais só responde o património da sociedade que é uma pessoa jurídica distinta dos seus sócios, com patrimónios separados- 5º CSC. Só assim não será nos caso das sociedades de responsabilidade ilimitada (8) ou em caso de estipulação diversa no contrato – 197º, 3, CSC.

Contudo, existem normas de protecção dos credores sociais, mormente em caso de extinção da sociedade.

Cuidou a lei de consagrar duas previsões que, em decorrência de processo de extinção da sociedade, permitem aos credores sociais accionar: (i) os antigos sócios (163º CSC); (ii) os seus liquidatários (158º CSC). Os seus pressupostos

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são diferentes, o que justifica pequena incursão no respectivo regime.

A responsabilidade dos liquidatários

O processo de extinção da sociedade inicia-se com a sua dissolução, que pode resultar de deliberação dos sócios - 141º, 1, b),CSC.

Termina com o registo do encerramento da liquidação, momento a partir do qual a sociedade perde a personalidade jurídica - 160º/2, CSC.

A fase intermédia deste processo é a liquidação, a qual pode consistir num processo complexo e moroso ou numa simples liquidação ad hoc em que esta fase é, na prática, suprimida.

A liquidação no sentido próprio do termo, a primeira referida, obedece a uma série de operações.

Os membros da administração da sociedade passam automaticamente a

liquidatários a partir do momento em que a sociedade se considere dissolvida- 151º,1, CSC (regra supletiva). O órgão de gerência extingue-se, sendo

substituído pelo órgão de liquidação. Os liquidatários têm poderes, deveres e responsabilidades, existindo a regra geral da equiparação dos liquidatários a membros do órgão de gerência da sociedade, com ressalva das especialidades não aplicáveis- 152º CSC.

As funções de liquidatário terminam com a extinção da sociedade - 151º, 8, CSC. Permanecem, apenas, as funções de representação dos sócios (partes) em acções pendentes, em acções para liquidação de passivo ou para cobrança de créditos -162º a 164º CSC.

Umas das principais funções do liquidatário será a liquidação do passivo social. Por conseguinte, os liquidatários têm o dever de informar-se de todo o passivo, sob pena de serem responsabilizados em caso de culpa ou dolo -

154º,1, 158º, CSC. Os liquidatários devem, pois, liquidar o passivo social antes de o ativo sobrante ser partilhado pelos sócios - 156º e 159º, CSC.

A liquidação é, em suma, o leque de operações realizadas entre a dissolução e a extinção da sociedade, compreendendo, designadamente, o pagamento de dívidas para as quais haja activo social, a realização das contas finais

acompanhadas de relatório de liquidação e do projecto de partilha do activo restante pelos sócios após satisfeitos os direitos dos credores -152º e 157º, 159º, CSC.

A liquidação pode revestir a modalidade de liquidação extrajudicial (146º e ss CSC), administrativa( RJPADL (9) e 142º a 144º, CSC), ou judicial (165º, 172º, 141º, 1, e), CSC, 156º CIRE).

Ao contrário do que acontece no processo de insolvência, no caso de liquidação por dissolução da sociedade não encontramos normas no CSC

(20)

sobre a ordem/hierarquia de pagamento de dívidas, pese embora possamos encontrar regras dispersas. Entre elas destacamos o artigo 26º da LGT que impõe que na liquidação de qualquer sociedade, devem os liquidatários começar por satisfazer as dívidas fiscais, sob pena de ficarem pessoal e solidariamente responsáveis pelas importâncias respetivas.

Contudo, como já referimos, a fase e liquidação acima descrita pode não se verificar, passando-se à partilha imediata se a sociedade não tiver dívidas (artigo 147º, CSC: (“Partilha imediata), 1. Sem prejuízo do disposto no artigo 148º, se, à data da dissolução, a sociedade não tiver dívidas, podem os sócios proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais, pela forma prescrita no artigo 156º”.

Note-se que o facto de existirem dividas fiscais ainda não vencidas à data da dissolução não veda a partilha imediata, ficando, contudo, os sócios ilimitada e solidariamente responsáveis por essas dívidas (“ As dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução não obstam à partilha nos termos do número anterior, mas por essas dívidas ficam ilimitada e solidariamente responsáveis todos os sócios, embora reservem, por qualquer forma, as importâncias que estimarem para o seu pagamento”) – 147º, 2, CSC.

A fase de liquidação é assim suprimida por suposta inexistência de dívidas, utilizando-se um processo ad hoc abreviado de dissolução sem liquidação, com base em deliberação documentada em acta.

Uma vez que não há liquidação em sentido próprio do termo, há quem defenda que é dispensada, ou não é obrigatória, a figura do liquidatário, que só

naquela fase tem cabimento.

Assim:

“os sócios, por si ou por auxiliares nos serviços da sociedade, podem

perfeitamente averiguar se há ou não dívidas sociais e os eventuais credores lesados não encontram maior segurança na descoberta dos seus créditos se a busca for efetuada por um liquidatário” - Joana Alexandra Carvalho Maia, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, “ DISSOLUÇÃO E

LIQUIDAÇÃO SOCIETÁRIA: A (DES)PROTEÇÃO DOS CREDORES SOCIAIS”, tese de mestrado, setembro de 2017, p. 36-7, citando RAÚL VENTURA, Dissolução e liquidação de sociedades, Comentário das Sociedades Comerciais, 4.ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1993, pp. 270-271.

Pode acontecer o caso de os liquidatários (ou os sócios) declararem que todos os credores estão satisfeitos apesar de tal não ser verdade, por existirem dívidas da sociedade por liquidar.

Rege então o artigo 158º do CSC: “os liquidatários que, com culpa, nos documentos apresentados à assembleia para os efeitos do artigo anterior

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indicarem falsamente que os direitos de todos os credores da sociedade estão satisfeitos ou acautelados, nos termos desta lei, são pessoalmente

responsáveis, se a partilha se efetivar, para com os credores cujos direitos não tenham sido satisfeitos ou acautelados”. – negrito da nossa autoria.

Consagra-se uma responsabilidade pessoal e solidária que se adiciona à responsabilidade da sociedade ou dos antigos sócios perante os credores. A responsabilidade por “falsas declarações“ é aquiliana por violação de uma norma de protecção dos credores - 157º, 2, 158º, 1, CSC.

Esta norma tem de ser conjugada com o princípio geral de responsabilidade extracontratual por facto ilícito/aquiliana acolhida no artigo 483º, 1 CC:

“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” – sublinhado nosso.

Repare-se que, de modo lato, os liquidatários têm deveres de cuidado,

lealdade e de boa fé, sendo-lhe ainda aplicáveis os artigos 64º e 72º a 79º do CSC (responsabilidade para com a sociedade, para com credores/terceiros ou para com os antigos sócios)

A responsabilidade aquiliana acima referida para operar deve reunir os

requisitos da mencionada norma de protecção (157º, 2, 158º, 1, CSC) e, ainda, os gerais de responsabilidade civil (483º CC), a saber o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Em suma, para que esta opere é necessário:

(i) a existência de liquidatário

(ii) a indicação falsa de que os direitos dos credores da sociedade estão devidamente satisfeitos ou acautelados (o facto ilícito);

(iii) que essa falsidade consubstancie uma atuação culposa ou dolosa dos liquidatários (o que por norma sucede quando estes são os sócios/gerentes, os quais bem sabem quem são os seus credores);

(iv) a efectivação da partilha com entrega dos bens aos sócios, o que pressupõe a existência de bens à data da dissolução -158º, 1, CSC

(v) Os restantes elementos da responsabilidade aquiliana, como o dano (não pagamento da dívida ao credor) e o nexo de causalidade entre este e o facto/

actuação do liquidatário. Em particular a causalidade significa que se não fosse a falsidade da declaração o credor teria sido pago, o que pressupõe que

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haja bens da sociedade que, ou foram partilhados, ou, de algum modo, transitaram para os antigos sócios.

Há doutrina e alguma jurisprudência a defender a aplicação analógica deste preceito (158º, 2, CC) aos antigos sócios que, sob a alegação falsa de que não existe passivo, se socorrem deste processo abreviado de extinção da

sociedade, no qual não há liquidação, nem, na prática, liquidatário - Carolina Cunha, Código da Sociedades Comerciais em Comentário, Almedina, Coimbra, 2011, citada por Joana Alexandra Carvalho Maia, ob. cit, p. 48.

Ainda que assim se entenda e se sufrague a aplicação analógica, sempre terão de se verificar os demais referidos requisitos deste tipo de responsabilidade extracontratual por facto ilícito/aquiliana, mormente é “necessário demonstrar o nexo de causalidade entre a actuação dos sócios e o prejuízo dos credores, para o que é indispensável demonstrar que a sociedade tinha bens com os quais podia, ainda que apenas parcialmente, satisfazer o crédito destes.” - ac.

RP de 8-01-2015, www.dgsi.pt

A responsabilidade dos antigos sócios – 163º CSC

Os credores também podem assacar responsabilidade aos antigos sócios que respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante que receberam na partilha- 163º CSC.

A responsabilidades dos antigos sócios depende apenas de estes terem recebido bens que não deveriam ter sido distribuídos em virtude de existir passivo por liquidar (artigo 163º CSC: “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.)

A norma opera com esta simples previsão, bastando a prova da existência de bens recebidos pelos sócios. A sua ratio relaciona-se com o principio geral de que pelas dívidas da sociedade responde o património social.

Como referimos, frequentemente o procedimento simplificado de extinção tem subjacente a declaração de inexistência, não só de passivo, mas também de activo. Sendo comum os antigos sócios gerentes (automaticamente na veste de liquidatários, ainda que não haja liquidação), declararem em acta que nada partilharam ou receberam.

Já fizemos menção de que este tipo de declarações, se falsas, poderão

preencher a previsão de outra forma de responsabilidade prevista no artigo 483º CC, ou conjugada com o recurso analógico ao artigo 158º, CSC.

Relembramos que, tratando-se de uma responsabilidade aquiliana, terão de

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verificar-se os demais requisitos a ela inerentes, mormente o nexo de causalidade entre a actuação ilícita (declarações falsas) e o dano (não pagamento do crédito). O que pressupõe sempre a prova da existência de património que deveria ter respondido pelo passivo e, ao invés, veio a

beneficiar pessoalmente os antigos sócios, quer por partilha formal, quer por outra forma, designadamente porque serviram para pagar despesas ou

adquirir bens pessoais ou foram transferidas verbas para contas pessoais.

A questão que a este propósito mais tem sido debatida é a de quem compete o ónus da prova da existência de bens da sociedade que passaram para o

patrimonial pessoal dos antigos sócios.

Esta problemática do ónus da prova estende-se também à acima referida responsabilidade do liquidatário em caso de partilha imediata subsequente a declaração de inexistência de passivo social.

A maioria da jurisprudência entende que o ónus da prova de que os sócios receberam bens da sociedade compete ao credores e não as antigos sócios, por se tratarem de factos constitutivos do direito daqueles e não de factos impeditivos a cargo dos antigos sócios ou liquidatários – STJ acórdãos de 15-11-2007, de 23-04-2008 (com um voto de vencido), 26-06-2008, de

7-02-2013 e de 12-03-2013 ; TRP acórdãos de 8-01-2015 ; TRG acórdãos de 18-01-2011 e de 4-04-2019; TRC acórdãos de 21-03-2013; TRL acórdãos de 12-07-2012 e de 24-06-2014, www.dgsi.pt.

Contra: o voto de vencido no acórdão do STJ de 23-04-2008, e acórdãos da RL de 9-03-2010 e de 15-03-2011, este centrando-se na argumentação de que a relação jurídica que se traz à lide é a constituída com a sociedade da qual há uma simples substituição pelos sócios, logo o credor só terá de provar os factos constitutivos do direito sobre a sociedade.

Subscrevemos a jurisprudência maioritária. Na verdade, não está apenas em causa a relação creditícia estabelecida entre o credor e a sociedade, em que ao credor bastaria a prova da relação jurídica contraída e dos seus termos e ao antigo sócio competiria a prova das excepções extintivas de pagamento ou doutras, mormente as impeditivas como a ausência de património.

A responsabilidade dos antigos sócios é pessoal e, pese embora pressuponha a existência do crédito sobre a sociedade, tem “um mais” como causa de pedir.

Que é precisamente a extinção da sociedade e a existência de património que passou para a esfera patrimonial pessoal dos antigos sócios e, nos casos de

“falsas declarações” culposas, ainda os demais requisitos da responsabilidade aquiliana, mormente a causalidade.

Se é certo que a declaração dos antigos sócios/liquidatários de inexistência de passivo ou activo não tem qualquer força probatória, a lei não refere que desse facto resulta uma qualquer inversão de ónus de prova – 344º CC. Sendo

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uma prova mais difícil para os credores, a mesma é possível, existindo instrumentos ao dispor como o pedido de junção pela parte contrária de extratos bancários, de facturas de vendas, de contratos de vendas- o que de resto aconteceu nos presentes autos

O raciocínio é aplicável à responsabilidade dos antigos sócios e, bem assim, dos liquidatários.

Em suma, encerrada a liquidação e extinta a sociedade, caso subsista passivo não satisfeito ou acautelado, os credores sociais tem ao seu alcance duas hipóteses de protecção distintas: a responsabilidade dos liquidatários caso se verifiquem os requisitos do 158º, CSC, ou a responsabilidade dos antigos sócios caso se verifique os requisitos do artigo 163º, CSC. Em ambas as hipóteses, os credores têm de fazer prova dos supra referidos pressupostos, entre os quais se conta a prova da existência de património que foi partilhado ou de algum modo recebidos pelos antigos sócios.

Caso dos autos

No caso concreto a autora trabalhadora, a quem competia o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito (342º, 1, CC), não demonstrou que a ré antiga sócia recebeu quaisquer bens, nem por partilha formal, nem por

qualquer outro acto informal que de algum modo a beneficiasse pessoalmente.

Aliás, comprovou-se que a sociedade vendeu património (máquinas e veículos automóveis) antes da deliberação da dissolução, que posteriormente pagou salários a trabalhadores e o IVA (10) em valor elevado (10.979,22€), conforme consta também da decisão do recurso da matéria de facto. A titularidade da conta bancária que ficou provada é irrelevante, porque o que importaria era que se comprovasse a existência de saldo positivo.

Não pode, consequentemente, ser a ré condenada nem ao abrigo disposto no artigo 163º CSC (responsabilidade dos sócios), nem ao abrigo do disposto no artigo 158º CSC (responsabilidade dos liquidatários).

Diga-se, aliás, que a autora havia accionado a ré nos termos do artigo 163º CSC, isto é, enquanto antiga sócia da sociedade extinta, a qual, nos termos acima expostos, se considera representada pela liquidatária (no caso a mesma pessoa física).

Na decisão recorrida responsabilizou-se a ré como liquidatária - artigo 158º CSC. É certo que o tribunal não está limitado pela alegação das partes no que se refere à interpretação e aplicação do direito – 5º, 3, CPC. É certo que não houve liquidação atenta a declaração de inexistência de passivo e de activo para partilhar.

(25)

Contudo, não se pode subscrever o segmento da decisão na parte em que refere:

“a responsabilidade da ré no pagamento das quantias devidas à autora e

apuradas nos autos, funda-se quer no preceituado no artº 152º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais, quer no artº 483º do Código Civil, por violação do artº 157º, nº 2 do CSC que impõe aos liquidatários o dever de declarar

expressamente no relatório que estão satisfeitos ou acautelados todos os direitos dos credores, sendo para tal indiferente a demonstração de que a sociedade tinha bens, que esses bens foram partilhados e se a ré recebeu bens na partilha. “- sublinhado nosso.

Poder-se-á recorrer às normas de protecção de credores e, atentas as “falsas declarações” de inexistência de passivo, responsabilizar a antiga sócia através do regime de liquidatária de que se encontrava automaticamente investida (embora não o chegasse a desempenhar).

Contudo, nos termos acima expostos, sempre teria a autora de comprovar que a declaração de inexistência de activo não correspondia à verdade e que, ao invés, restavam bens e foram partilhados ou, pelo menos, a sócia de algum modo deles beneficiou pessoalmente, em prejuízo do seu crédito (nexo de causalidade).

É de julgar procedente o recurso.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso absolvendo a ré do pedido.

Custas a cargo da autora/recorrida, sem prejuízo de isenção subjectiva de que beneficia.

Notifique.

4-03-2021

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga

Alda Martins

1. Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza

(26)

oficiosa.

2. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol.

II, 2ª ed., p 434-5.

3. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2, 4ª ed., p.

734-5.

4. António Santos Abrantes Geraldes, CPC Anotado, vol. I, p. 738.

5. Por exemplo, vd STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.

6. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol.

II, 2ª ed., p 437.

7. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, Vol 2º, 4ª ed., p.

735-6.

8. Nas sociedades em nome coletivo e em comandita os sócios respondem também “pelas obrigações sociais subsidiariamente em relação à sociedade e solidariamente com os outros sócios” -175º, 1 e 465º, 1, CSC.

9. artigos 15.º e seguintes do Regime jurídico dos procedimentos

administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais, Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de março- programa SIMPLEX.

10. O que é lícito, conforme acima referimos- 147º, 2, CSC, e 26º LGT.

Referências

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