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GT 11 - Antropologia da Saúde e Direitos Humanos na América Latina: políticas públicas e agenciamentos sociais em saúde

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XIII Reunião de Antropologia do Mercosul 22 a 25 de Julho de 2019, Porto Alegre (RS)

GT 11 - Antropologia da Saúde e Direitos Humanos na América Latina: políticas públicas e agenciamentos sociais em saúde

A Categoria Identitária Lésbica e as Políticas Nacionais de Saúde

Camila Rocha Firmino (UFSC)

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A Categoria Identitária Lésbica e as Políticas Nacionais de Saúde Camila Rocha Firmino (UFSC)

Resumo

Este texto apresenta uma discussão inicial sobre o tema de minha pesquisa de doutorado que visa investigar como os direitos lésbicos são mobilizados nas Políticas Públicas no Brasil, sobretudo na Política Nacional de Saúde Integral LGBT e na Política Nacional de Atenção Integral à Mulher. Essas políticas inserem-se em um contexto de ampliação das Políticas Sociais ocorrida no período dos governos petistas na Presidência da República (2003 a 2016). A pergunta que se coloca é: como as lésbicas tornam-se sujeitos de direito das políticas de saúde? No Brasil o movimento lésbico conseguiu alguma inserção nas políticas de saúde, mas pouca ou nenhuma assimilação pelas políticas de trabalho, de educação ou de segurança pública. Assim, a partir do conceito de biolegitimidade (FASSIN, 2003) pretende-se problematizar o porquê de ser na Saúde que as demandas por direitos LGBTs são mais ‘facilmente’ incorporadas em comparação com outras políticas setoriais. Se por um lado o dispositivo da biolegitimidade desloca direitos sociais e econômicos para o genérico ‘direito à vida’, por outro opera como meio de reivindicação e conquista de direitos (MALUF, 2018).

Palavras chaves: Lésbicas, Políticas de Saúde, Políticas Públicas, Biolegitimidade

1. Apresentação

Este texto apresenta uma discussão inicial sobre o tema de minha pesquisa de

doutorado que visa investigar como os direitos lésbicos são mobilizados nas Políticas

Públicas no Brasil, sobretudo na Política Nacional de Saúde Integral LGBT e na Política

Nacional de Atenção Integral à Mulher. O foco nas políticas de saúde se justifica pela

relação estabelecida, frente a epidemia de Aids nos anos de 1990, entre Ministério da

Saúde (MS) e o que se configurou como movimento LGBT, resultando na inserção do

segmento LGBT enquanto público-alvo de políticas públicas. O MS foi responsável pelo

financiamento do primeiro Seminário Nacional de Lésbicas (Senales), em 1996, cujo tema

foi “Visibilidade, Saúde e Organização” e que estabeleceu o dia 29 de agosto como dia

nacional da visibilidade lésbica. Outro elemento interessante para pensar essa relação é o

de que o MS tem atuado na captação de dados sobre violência interpessoal e auto

provocada, com recorte de orientação sexual e identidade de gênero, via Sistema de

Informação de Agravos de Notificação (Sinan). Conforme previsto na ação 1 do eixo 2 da

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Política de Saúde Integral LGBT a qualificação da violência com esses recortes visa “dar visibilidade à violência sofrida pela população LGBT (BRASIL, 2013, p.29)”. Assim, observa-se que as políticas de saúde vêm ocupando lacunas de outras políticas setoriais.

O conceito de biolegitimidade de Didier Fassin (2003) traz elementos que podem contribuir para pensarmos o porquê da saúde ser a porta de acesso às políticas públicas para as lésbicas no Brasil. A biolegitimidade mascara desigualdades socioeconômicas ao adotar a vida como valor central. No Brasil o movimento lésbico conseguiu alguma inserção nas políticas de saúde, mas pouca ou nenhuma assimilação pelas políticas de trabalho, de educação ou de segurança pública. Para Sônia Maluf (2018) a biolegitimidade pode ser compreendida como um aspecto das biopolíticas contemporâneas na medida em que informa as práticas de governo, as políticas públicas e as demandas sociais. Se por um lado o dispositivo da biolegitimidade desloca direitos sociais e econômicos para o genérico ‘direito à vida’, por outro opera como meio de reivindicação e conquista de direitos (MALUF, 2018).

A incorporação dos direitos lésbicos na agenda das políticas de saúde pode indicar que essas vidas importam mais como força produtiva para o Capital, pois as condições sob as quais estas vidas existem tornam-se problemas secundários para as Políticas Públicas que pouco ou nada apresentam de ações em áreas como trabalho, educação ou segurança pública. Com isso não quero contestar a legitimidade de uma política de saúde voltada para as lésbicas – cuja necessidade tem sido demonstrada por uma série de estudos, mas problematizar o porquê de ser esta a frente mais consolidada de atuação do Estado no que tange às políticas públicas voltadas ao enfrentamento das desigualdades que atingem a população LGBT.

Assim inicio apresentando como a discussão proposta se insere no debate sobre Direitos Humanos, Políticas Sociais e de Saúde no contexto do Estado brasileiro. No tópico seguinte discorro sobre a relação entre identidade lésbica e luta por direitos para, na sequência, apresentar um panorama de como os direitos lésbicos têm sido mobilizados nas Políticas Públicas e de Saúde. Por fim, relaciono o conceito de biolegitimidade com a luta por direitos lésbicos nas Políticas de Saúde.

2. O Estado Brasileiro, Direitos Humanos e Políticas Sociais e de Saúde

A noção de direitos humanos, consolidada pela Conferência Mundial de Direitos

Humanos de Viena em 1993, deriva de um processo de desdobramento e de

diferenciação do sujeito (Vianna e Lacerda, 2004) que possibilitou o reconhecimento da

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violação de direitos de determinados segmentos populacionais como o de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).

Considerando que historicamente a porta de entrada da população LGBT enquanto público-alvo de políticas públicas foi o Ministério da Saúde

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(MS), a análise do meu projeto enfoca a Política Nacional de Saúde Integral LGBT e na Política Nacional de Atenção Integral à Mulher; mas também considerará os programas e documentos das

‘pastas’ de Direitos Humanos e Mulheres a fim de refletir acerca da seletividade por parte do poder público no que tange às demandas do movimento lésbico. Por que, por exemplo, o tema do enfrentamento à violência contra LGBTs não foi absorvido pelo poder público na mesma medida que as demandas da área da saúde? Por que foi possível a criação de uma Política Nacional de Saúde LGBT mas o mesmo não se deu em relação à criação de uma política de enfrentamento à discriminação e violência lesbotransbifóbica? Ou ainda, por que os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação

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(Sinan) no que dizem respeito às notificações compulsórias ao MS de violências por motivações lesbotransbifóbicas não são publicizados? Esta última questão é bastante interessante para pensarmos o protagonismo do MS nas políticas voltadas à população LGBT que via Sinan visa ocupar uma lacuna deixada pela segurança pública no que diz respeito à coleta de dados sobre os casos e índices de violências contra LGBTs.

Houve um crescimento exponencial de Políticas Sociais nos governos petistas - do Presidente Luís Inácio Lula da Silva (de 2003 a 2011) e da Presidenta Dilma Vana Rousseff (de 2011 a 2016). As Políticas de Saúde enfocadas neste projeto, o PNAISM e a Política Nacional de Saúde LGBT, foram criadas nesses mandatos, respectivamente, em 2004 e em 2011. Durante esses governos muitas políticas sociais e de saúde foram criadas ou ampliadas. Na mesma toada, Sônia Maluf e Érica Silva (2018), no livro Estado, Políticas e Agenciamentos Sociais em Saúde: etnografias comparadas, observam um aumento no número de pesquisas antropológicas no campo da saúde.

1 Isso se deu em função da epidemia de HIV/AIDS.

2 Em matéria veiculada pelo MS observa-se que o campo de orientação sexual e identidade de gênero foi incluído na na ficha de notificação compulsória e que o Ministério reconhece estar preenchendo uma lacuna da Segurança Pública neste tema: “A oficina teve como objetivo capacitar gestores e profissionais de saúde quanto aos critérios de análise de dados da Ficha de Notificação de Violências Interpessoais e Autoprovocadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (VIVA/SINAN), apresentar o panorama do VIVA Inquérito 2017 e sensibilizar para a importância da Rede de Atenção e Proteção às Pessoas em Situação de Violências.

Na programação, a oficina deu destaque à ficha, que tem o campo para coleta dos dados de identidade de gênero, orientação sexual e motivação da violência por homofobia/lesbofobia/bifobia/transfobia. Essa coleta procura atender a demanda de dados oficiais sobre as violências contra LGBTs, os dados disponíveis atualmente são coletados por ONGs LGBTs, que tem atuado na lacuna deixada pelos serviços da segurança pública, assistência social e de saúde (grifo meu).” Fonte:

http://portalms.saude.gov.br/noticias/sgep/43599-saude-lgbt-e-tema-durante-a-oficina-viva

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É importante destacar que integro a Carreira Nacional de Desenvolvimento de Políticas Sociais. Sou Analista Técnica de Políticas Sociais lotada na Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. A carreira, criada no governo Lula e iniciada

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no governo Dilma em 2013, representou um importante avanço para a institucionalização das Políticas Sociais. Até então, não havia nenhuma carreira no Poder Executivo Federal voltada exclusivamente às políticas sociais. Trago este fato para ilustrar as mudanças que estavam em curso no bojo do Estado em função do projeto de governo petista de crescimento econômico aliado às políticas sociais.

No primeiro ano do governo Lula (2003) foram criadas as Secretarias Especiais de Políticas para as Mulheres, de Direitos Humanos e de Promoção à Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, vinculadas à Presidência da República. Pela primeira vez na história do país as temáticas racial, de mulheres e de direitos humanos são alçadas ao mais alto nível na estrutura administrativa ministerial. Assim, pretende-se verificar como esse projeto político mobiliza os direitos lésbicos e de que maneira as demandas dos movimentos lésbicos chegam e são incorporadas nas ações governamentais.

No ano de 2016, a Presidenta Dilma Rousseff sofre um golpe jurídico-parlamentar com apoio midiático (SOUZA, 2016) e se inicia o desmonte das políticas sociais realizadas pelos governos petistas. As Secretarias citadas sofrem um rebaixamento na estrutura administrativa e passam a ser esvaziadas em termos orçamentários e de

3 A carreira é criada pela Lei nº 12.094, de 19 de novembro de 2009. O primeiro concurso ocorre em 2012 e as/os primeiras/os cargos são preenchidos em 2013. Conforme art. 3º são atribuições da carreira:

I - executar atividades de assistência técnica em projetos e programas nas áreas de saúde, previdência, emprego e renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar, assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à infância, à juventude, ao portador de necessidades especiais, ao idoso e ao indígena, que não sejam privativas de outras Carreiras ou cargos isolados, no âmbito do Poder Executivo;

II - verificar, acompanhar e supervisionar os processos inerentes ao Sistema Único de Saúde, ao Sistema Único de Assistência Social e aos demais programas sociais do governo federal objeto de execução descentralizada;

III - identificar situações em desacordo com os padrões estabelecidos em normas e legislação específica de atenção à saúde, previdência, emprego e renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar, assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à infância, à juventude, ao portador de necessidades especiais, ao idoso e ao indígena, quando não sejam privativas de outras carreiras ou cargos isolados, no âmbito do Poder Executivo, proporcionando ações orientadoras e corretivas, promovendo a melhoria dos processos e redução dos custos;

IV - aferir os resultados da assistência à saúde, previdência, emprego e renda, segurança pública, desenvolvimento urbano, segurança alimentar, assistência social, educação, cultura, cidadania, direitos humanos e proteção à infância, à juventude, ao portador de necessidades especiais, ao idoso e ao indígena, considerando os planos e objetivos definidos no Sistema Único de Saúde, no Sistema Único de Assistência Social e demais políticas sociais;

V - proceder à análise e avaliação dos dados obtidos, gerando informações que contribuam para o planejamento e o aperfeiçoamento das ações e políticas sociais;

VI - apoiar e subsidiar as atividades de controle e de auditoria; e

VII -colaborar na definição de estratégias de execução das atividades de controle e avaliação, sob o aspecto

da melhoria contínua e aperfeiçoamento das políticas sociais.

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recursos humanos. O desmantelamento das políticas de bem estar social, próprio do modelo político-econômico neoliberal, continuam em curso com a eleição do governo Jair Bolsonaro. Em função disso, certamente muitas das ações e políticas abordadas pela pesquisa foram esvaziadas ou deixaram de existir antes que atingissem sua ‘maturidade’.

Por esse motivo, a pesquisa em curso foca nas ações, programas e políticas dos governos petistas, quando ocorre uma ampliação das políticas sociais que são, em sua maioria, pautadas pelos movimentos sociais por meio das Conferências Nacionais.

3. Identidade lésbica e luta por direitos

Stuart Hall (2000) defende que identidade seja um conceito a operar sob rasura, ou seja, que não é mais útil em sua forma original de criação, mas que deve ser reconstruído na ausência de outro melhor. Isso se deve ao fato das identidades estarem sujeitas à historicização e à transformação. Para o autor, identidade não seria, portanto, “um conceito essencialista, mas um conceito estratégico e posicional (HALL, 2000, p. 108)”. A concepção defendida pelo autor não é aquela vinculada a ideia de um eu coletivo “que um povo com uma história e ancestralidade partilhada, mantém em comum (Hall, 1990 apud Hall 2000)”; mas inclui os processos de globalização e os processos de migração forçada ou livre no mundo pós-colonial:

As identidades parecem invocar uma origem que residiria em um passado histórico com o qual elas continuariam a manter uma certa correspondência. Elas têm a ver, entretanto, com a questão da utilização dos recursos da história, da linguagem e da cultura para a produção não daquilo que nós somos, mas daquilo no qual nos tornamos. Têm a ver não tanto com as questões “quem nóo somos”

ou “de onde viemos”, mas muito mais com as questões “quem nós

podemos nos tornar”, “como nós temos sido representados” e “como

essa representação afeta a forma como nós podemos representar a

nós próprios”. Elas têm tanto a ver com a invenção da tradição

quanto com a própria tradição, a qual elas nos obrigam a ler não

como incessante reiteração mas como “o mesmo que se transforma

(Gilroy, 1994): não o assim chamado “retorno às raízes”, mas uma

negociação com nossas “rotas”. Elas surgem da narrativização do

eu, mas a natureza necessariamente ficcional desse processo não

diminui, de forma alguma, sua eficácia discursiva, material ou

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política, mesmo que a sensação de pertencimento, ou seja, a

“suturação à história” por meio da qual as identidades surgem, esteja em parte, no imaginário (assim como no simbólico) e, portanto, sempre, em parte, construída na fantasia ou, ao menos, no interior de um campo fantasmático. (HALL, 2000, p. 108 e 109)

Identidades são construídas dentro do discurso. São resultantes da marcação de diferença e da exclusão e não signo de uma unidade idêntica. Hall argumenta que embora Michel Foucault, em seu trabalho arqueológico, descreva a construção de posições-de- sujeito, ele não revela as razões pelas quais essas posições e não outras são ocupadas pelos indivíduos. Ou seja, deixa de analisar como as “posições sociais dos indivíduos interagem com a construção social de certas posições-de-sujeito discursivas vazias”

(HALL, 2000, p. 120). Sua mudança para o método genealógico introduz o poder na análise, considerando o duplo caráter do processo de formação do sujeito:

sujeição/subjetivação. Desse modo, Hall aponta para a relação entre identidade e subjetivação.

Uma dentre as grandes contribuições da obra de Foucault é a investigação dos modos de sujeição, ou seja, a maneira como os indivíduos se relacionam com as regras morais e como elaboram a si mesmos. O autor também aponta para os laços que se estabelecem entre as proibições e a obrigação de dizer a verdade sobre a sexualidade.

Dessa maneira, com o advento do cristianismo a sexualidade passa a fazer parte da constituição do sujeito. No século 19 os jogos de verdade que orientam a constituição do sujeito em torno da sexualidade são deslocados da esfera da moral para esfera médica e criminal.

Em A vida Psíquica do Poder Butler (2017) examina a constituição ideológica do

sujeito partindo da teoria da interpelação de Althusser. Se para ser interpelado o sujeito

precisa existir, ela questiona se ele pode existir antes de ser nomeado. Assim, Butler

aponta para a relação da linguagem com o processo de subjetivação, de modo que a

linguagem é condição para constituição do sujeito. Aquilo que não pode ser nomeado não

pode existir. Dessa maneira, configura-se um processo de ontologização do sujeito que

apaga seu processo de produção e confere-lhe a aparência de um dado a prioristico. A

reprodução do sujeito depende da reprodução das habilidades linguísticas e, nesse

sentido, as regras da fala oferecem ou negam respeito, possibilitam ou inviabilizam a

existência. A linguagem é, então, central no processo de performatividade.

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Em Butler o processo de subjetivação advém da subordinação do sujeito ao poder, de sua sujeição a um discurso que, embora lhe seja externo, é sua condição de existência. Dessa maneira, a interpelação é um processo contínuo de produção de sujeitos e o desejo de ser interpelado é o desejo pelo reconhecimento e, portanto, o desejo de existir.

No que tange à relação da força da moral na produção dos sujeitos, Butler (2009, 2017) afirma que a norma se concretiza no ato da interpelação que é, por excelência, o lugar do conflito, da violência mas também da dissidência. Retomando seu argumento acerca do processo de sujeição no qual se faz necessário nomear o indivíduo para torná- lo sujeito, a articulação do movimento em torno da identidade lésbica parece estar de acordo com seu objetivo de busca por visibilidade como estratégia para consecução do acesso aos direitos fundamentais. Entretanto, acompanhando a discussão sobre sujeição de Butler, propor atendimento a um tipo específico de sujeito não teria como consequência sua ontologização? Em outras palavras, uma política de saúde voltada às lésbicas não implicaria legitimar e naturalizar os termos que geram sua condição de vulnerabilidade social?

Se por um lado, conforme apontou Adrienne Rich (2010), a invisibilidade lésbica é um mecanismo necessário ao regime da heterossexualidade compulsória; por outro, ao se instituir tal categoria em uma política pública corre-se o risco de deixar incólume o processo pelo qual o poder age para tornar determinados sujeitos marginalizados, odiados e potenciais vítimas de extermínio.

Entretanto, Butler também indica que o processo de sujeição é uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em que age para subordinar ele também gera poder para o sujeito. Assim, a política identitária do movimento lésbico gera o poder de criar e disputar os termos discursivos em que a existência das sujeitas dessa politica estão circunscritas.

A identidade lésbica no Brasil remete a um processo de afirmação identitária nas

décadas de 1980 e de 1990, no interior de organizações mistas do movimento

homossexual brasileiro, de organizações feministas e do movimento negro (Almeida e

Heilborn, 2008). A “incorporação” de lésbica enquanto identidade específica nos encontros

nacionais homossexuais ocorre em 1993 e tem relação com uma agenda internacional na

qual tal mudança estava em curso (Facchini, 2006). Contudo, alguns trabalhos têm

apontado que lésbica não é necessariamente o termo que articula as identidades de

homossexuais femininas. Andrea Lacombe (2006) observa em sua etnografia em um bar

no centro do Rio de Janeiro frequentado por mulheres que se relacionavam social e

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eroticamente com outras mulheres que elas se autodenominavam como entendidas, do babado e sapatão (com menor frequência).

No entanto, é em torno da categoria identitária lésbica que se organiza o movimento social e suas demandas por políticas públicas. Uma das reivindicações mais consolidadas junto ao poder público é por políticas de saúde que considerem as especificidades desse segmento frente ao reconhecimento de sua vulnerabilidade (Ministério da Saúde, 2013). Em 2013 foi instituída, por meio da Portaria nº 2.836 de 2011 do Ministério da Saúde, a Política Nacional de Saúde Integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Outros documentos como o Relatório da Oficina Atenção Integral à Saúde de Mulheres Lésbicas e Bissexuais (Ministério da Saúde e Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2013) e Mulheres Lésbicas e Bissexuais:

Direitos, Saúde e Participação Social (Ministério da Saúde, 2013) versam apenas sobre a saúde de mulheres lésbicas e bissexuais.

A literatura internacional indica menor freqüência de realização de exames preventivos ginecológicos e de câncer de mama entre as mulheres que fazem sexo com mulheres; menor ocorrência de solicitação desses exames pelos profissionais de saúde a essas mulheres e a existência de discriminação nos serviços de saúde, bem como o despreparo dos profissionais para lidar com as “especificidades” desse segmento populacional (Facchini e Barbosa, 2009). O termo epidemiológico utilizado na abordagem dessas questões é “mulheres que fazem sexo com mulheres” (MSM), no entanto, tal termo não aparece na Política Nacional LGBT. Conforme apontam Almeida e Heilborn (2008) o movimento lésbico rejeita tal categoria temendo a possibilidade de mais uma subdivisão que enfraqueceria o movimento e que dificultaria sua consolidação nos moldes atuais.

Carole Vance (1995) argumenta que a sexualidade é uma área simbólica e política em disputa na qual o Estado tem participado de sua regulação desde o século XIX.

Estudos de diversas áreas de conhecimento apontaram que práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo ocorrem em diversas culturas e contextos históricos sem, no entanto, corresponderem às identidades lésbica e homossexual, que inserem-se em um contexto urbano de subculturas sexuais. Os estudos antropológicos de 1920 a 1990 em sua maioria desconsideraram a sexualidade como um campo específico, conforme defendeu Gayle Rubin, e a abordaram a partir de análises de reprodução e parentesco.

Embora os relatos também apresentem ‘outras’ práticas sexuais, estas não adquirem

centralidade nas etnografias. Os estudos vinculados à abordagem da influência cultural

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apesar de considerarem a sexualidade como universal e transcultural, se contrapunham à tendência da medicina e psicologia de definir a sexualidade como uma função biológica e apontavam para sua maleabilidade dadas as diversas configurações em que ela se apresenta em diferentes grupos sociais. No entanto, é com a abordagem da construção social que os estudos antropológicos passam a focar na sexualidade.

Com epidemia de Aids os estudos sobre a sexualidade – até então escassos – passam a ser financiados, resultando na medicalização da sexualidade. A autora alerta sobre os riscos, frente a essa demanda, de antropólogas/os desenvolverem suas pesquisas sobre a base dos termos biomédicos.

No Brasil, afirmam Lance Arney, Marisa Fernandes e James N. Green (2003) que os estudos sobre sexualidade na área de História e Ciências Sociais têm como berço a Unicamp, onde lecionaram os autores de trabalhos pioneiros e de referência no tema, Peter Fry e Luis Mott. É também na Unicamp que se encontra o PAGU, um dos mais antigos Núcleos de Estudos de Gênero do país e o Arquivo Edgard Leuenroth que abriga o maior acervo público sobre homossexualidade no Brasil. Contudo, a autora e os autores reconhecem que a produção sobre lesbianidade é ainda incipiente.

4. Políticas Públicas e de Saúde

Na perspectiva das políticas públicas as lésbicas são consideradas de maneira mais concreta nas políticas de saúde

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, pois conforme mencionado anteriormente, documentos governamentais que tratam exclusivamente de lésbicas e bissexuais foram encontrados apenas no MS, sendo um deles em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Os documentos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, por exemplo, são voltados a todos os públicos que compõe a sigla LGBT.

O Programa de Assistência Integral à Mulher (PAISM), fruto da luta das organizações de mulheres, foi criado em 1984 e incorpora ideários feministas na medida em que rompe com a concepção materno-infantil, foca na saúde reprodutiva e considera a atenção integral. Posteriormente o PNAISM incorpora o conceito de gênero e as

4 Em 2003 foi criada a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República cujo escopo

envolvia as políticas voltadas à população LGBT. Após diversas reconfigurações ministeriais a

Secretaria hoje se encontra no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. Entretanto, a

secretaria tem uma atuação mais de coordenação e articulação do que de execução. À exceção do

Disque 100, um serviço de informação e denúncias, as políticas voltadas à população LGBT são

executadas pelos outros Ministérios, em especial o da Saúde que já realizava politicas voltadas a esse

segmento.

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especificidades das mulheres (negras, indígenas, lésbicas, rurais, entre outras). Se uma política de saúde para mulheres já se desenhava com a participação do movimento de mulheres desde 1984, uma política de saúde LGBT só ocorrerá a partir de meados da década 1990, mas de maneira focalizada no enfrentamento à epidemia de HIV/Aids. De acordo com Regina Facchini (2003), nos anos de 1990 refloresce o movimento homossexual no Brasil após o período que ela denomina primeira onda, quando surgem os primeiros grupos organizados em torno de identidades político-sexuais

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. Este primeiro momento é, segundo a autora, o de surgimento e expansão e é marcado pelo caráter antiautoritário e comunitarista. Após o declínio, no período da retomada democrática e da epidemia de HIV/Aids, o movimento chega a:

(…) segunda metade da década de 1990 com uma presença marcante na mídia, ampla participação em movimentos de direitos humanos e de resposta epidemia da AIDS, vinculação a redes e associações internacionais de defesa de direitos humanos e direitos de gays e lésbicas, ação junto a parlamentares com proposições de projetos de lei nos níveis federal, estadual e municipal, atuação junto a agências estatais ligadas aos temas DST/AIDS e Direitos Humanos, formulação de diversas respostas frente a exclusão das organizações religiosas, criação de associações de grupos/organizações em nível nacional e local como a Associação Brasileira de Gay, Lésbicas e Travestis ou o Fórum Paulista de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros e a organização de eventos de rua, como a manifestação realizada por ocasião do dia do Orgulho Gay na cidade de São Paulo, que, no ano de 2002, contou com a presença estimada pelos organizadores de cerca de 500.000 pessoas (p. 85).

Silvia Aguião (2018) investiga o processo de reconhecimento dos direitos LGBT pelo Estado Brasileiro. O reconhecimento dos direitos LGBTs, bem como de demais direitos humanos, tem como pressuposto a admissão do desdobramento e diferenciação do indivíduo e das violências e discriminações específicas por ele sofridas. Esse

5 O Grupo SOMOS - Grupo de Afirmação Homossexual foi fundado em São Paulo em 1978 e é

considerado por Facchini (2003) o primeiro a se organizar a partir de uma politização da

homossexualidade. Em 1979 a antropóloga também encontra registros da atuação de outros grupos “

SOMOS, RJ; Auê, RJ; SOMOS, SP; Eros, SP; SOMOS, Sorocaba, SP; Beijo Livre, Brasília, DF; Grupo

Lésbico Feminista, SP; Libertos, Guarulhos, SP; Grupo de Afirmação Gay, Caxias, RS e mais um

representante de Belo Horizonte, MG, futuro fundador do Grupo 3” Ato (p. 90)”.

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reconhecimento se inicia no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) que em um contexto pós regime ditatorial, a reboque das convenções e conferências internacionais, buscava inserir-se no sistema mundial como nação democrática. A autora mostra que nas políticas públicas o termo homossexualidade é substituído pelos conceitos de orientação sexual e de identidade de gênero, redundando não apenas em uma inclusão, mas, também, em uma transmutação de sujeitos de direitos. Além disso, revela como um determinado tipo de Estado é produzido, não sendo um ente precisamente delimitado mas uma ideia que leva a uma determinada atuação.

5. Biolegitimidade e Políticas de Saúde para Lésbicas

O conceito de biolegitimidade de Didier Fassin (2003) traz elementos que podem contribuir para pensarmos o porquê da saúde ser a porta de acesso às políticas públicas para as lésbicas. Fassin (2003) ao discutir a política para refugiados na França aponta que a legitimidade do pedido de asilo passou a ser balizada pelo sofrimento. O corpo enfermo é acionado quando todos os outros fundamentos de legitimidade são negados.

Constata-se, portanto, a existência de uma economia moral da ilegitimidade, no qual submissos a relação de poder os dominados usam seus corpos como fonte de direitos.

Os princípios de desigualdade econômica sustentam a lógica da ilegitimidade, uma vez que corpos imigrantes são dispensados quando não mais necessários. O conceito de biolegitimidade permite pensar o valor e significado da vida, como seres humanos são tratados e suas vidas avaliadas.

Nesse sentido, o corpo lésbico é tratado como um corpo que tem direito à saúde.

No entanto, um exame mais detalhado da questão mostra que esse corpo não tem seu direito à vida garantido conforme denuncia o Dossiê sobre o Lesbocídio (CARNEIRO, SOARES e MARQUES, 2018). O Dossiê constata a existência de um tipo específico de feminicídio direcionado às lésbicas. As autoras argumentam que nem a Lei Maria da Penha nem a Lei 13.104/2015 (Lei do feminicídio) abordam esse tipo de violência. A pesquisa que gerou o dossiê é inovadora tanto por ser mundialmente uma das primeiras a se debruçarem sobre o assassinato de lésbicas quanto ao emprego do conceito lesbocídio.

A demanda por políticas de saúde se justifica frente as piores condições de saúde

mental e ginecológicas das lésbicas. Ou seja, são as demandas mais normalizadoras as

que são passíveis de serem reverberadas. Assim, quais valores morais estão em questão

nessa seletividade? Ao propor o conceito de biolegitimidade Fassin (2003) busca refletir

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sobre como as sociedades contemporâneas tratam seus membros, sobre o valor que atribuem à vida em geral e ao valor que atribuem às vidas em particular. Nesse sentido, percebemos que a existência lésbica é garantida apenas até o ponto em que não afronte a masculinidade

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. Desse modo, ainda que a vida seja um valor central nas acepções ocidentais modernas, esse valor não é absoluto e mascara o valor atribuído a determinadas vidas. As vidas lésbicas e, sobretudo, as vidas de lésbicas negras e não- feminilizadas são indesejáveis e o silenciamento em torno de seus assassinatos é sintomático do valor a elas atribuído.

Fassin (2003) alerta para o perigo de se limitar a definição de vida, uma vez que ao fazê-lo coloca-se em risco aquelas/es outros seres humanos cuja economia moral não reconhece enquanto tal. Assim, recuperando a teoria de Foucault que considera a vida a partir da perspectiva da conduta, o biopoder em termos das disciplinas exercidas sobre os indivíduos e a biopolítica em termos de tecnologias que normalizam as populações (Fassin, 2009); e intentando avançar em questões sobre a produção de desigualdades, Fassin propõe o conceito de biolegitimidade observando o significado da vida em vez das estratégias de controla-lá. Contudo, Sônia Maluf (2018) argumenta que a biolegitimidade pode, também, ser compreendida como efeito e figura das biopolíticas contemporâneas.

Isso porque a biolegitimidade informa as práticas de governo, as políticas públicas e as demandas sociais.

Maluf (2018) discute a biolegitimidade enquanto “dispositivo de produção de direitos, de reconhecimento e de acesso a serviços e a atendimento por parte do Estado, e também como meio de reivindicação e de conquista de direitos (p. 15)” nas políticas de saúde mental no Brasil. Para a antropóloga, a medicalização e psiquiatrização do sofrimento e das demandas sociais torna evidente o deslocamento dos direitos sociais e econômicos para o genérico ‘direito à vida’. Esse deslocamento não ocorre apenas no Estado, está presente nos “enunciados científicos, na produção tecnológica e nas plataformas de movimentos sociais e de pressão, assim como nos agenciamentos individuais e coletivos em relação à luta por direitos, justiça e reconhecimento (p. 16)”.

A autora destaca que para Michel Foucault a sexualidade e a medicina envolvem os aspectos disciplinar e biopolítico do biopoder. A sexualidade envolve um poder disciplinar, pois é dirigida aos corpos e indivíduos, e também envolve um poder político que se dirige à população. A sexualidade dependeria tanto de disciplina quanto de

6 As autoras do Dossiê sobre o lesbocídio (CARNEIRO, SOARES e MARQUES, 2018) elaboraram uma

tipologia de assassinatos de lésbica sendo um dos mais frequentes o denominado lesbocídio por

masculinidade ultrajada.

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regulamentação. A medicina para Foucault “é um saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre os organismos e os processos biológicos, e que vai, portanto, ter efeitos disciplinares e regulamentadores” (FOUCAULT, 2005, p. 302 apud MALUF, 2018, p. 20).

O biopoder agiria sobre as vidas lésbicas na medida em que conformam uma população a ser medicalizada e normalizada por meio das políticas de saúde. Contudo, ao se colocarem como afronta à masculinidade e à heterossexualidade essas vidas tornam-se ilegítimas. A desigualdade atrelada a essa ilegitimidade relaciona-se com a manutenção da heterossexualidade enquanto regime de dominação das mulheres, conforme denunciaram autoras como Adrienne Rich (2010) e Monique Wittig (2010).

Sônia Maluf (2018) também expõe definição de biopolítica proposta por Frederic Gros (2013) na qual ela seria uma forma de submeter indivíduos para produção de riquezas e poder para as classes dominantes. A versão mais recente da biopolítica, necessária ao capitalismo, contaria com a cronopolítica que transforma tempo de vida em tempo produtivo (MALUF, 2018, p. 22 apud GROS, 2013). Além disso, a autora retoma a discussão de Foucault em torno do capital humano e de como as biopolíticas contemporâneas “aproximariam o sujeito humano das formas do capital, seja como empresário de si mesmo, seja como espaço ou ponto de fluxos” (MALUF, 2018, p. 23).

Desse modo, Maluf afirma que o foco do capitalismo contemporâneo é a produção de sujeitos e subjetividades.

Traçando um paralelo com as questões sobre biopoder, biopolítica e subjetividades que Maluf (2018) traz para a discussão do campo da saúde mental, seria possível pensar a política de saúde para lésbicas como parte dessa nova configuração das biopolíticas na figura da biolegitimidade. O que significa uma política de saúde lésbica em um contexto em que elas, sobretudo as negras e as não feminilizadas, apresentam maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho e são potenciais vítimas de lesbocídio? Me parece que a política de saúde para lésbicas caracteriza a centralidade da vida enquanto valor social no prisma da cronopolítica. A vida lésbica é preservada com vistas a integrar a produção capitalista. Entretanto, que tipo de vida está sendo garantida? A vida assegurada pelo Estado às lésbicas é uma vida precarizada e marginalizada. Não existem, por exemplo, políticas públicas de enfrentamento à discriminação no trabalho e à violência lesbofóbica. Sequer existe uma política de enfrentamento à violência LGBT.

Como mostra o Dossiê sobre o lesbocídio a Lei do Feminicídio não aborda o assassinato

(15)

de lésbicas, confirmando a lésbica como uma não mulher conforme diversas autoras lésbicas – sendo Wittig (2010) a primeira delas- apontaram.

6. Considerações finais

Ao longo do texto apresentei algumas discussões iniciais suscitadas pela minha pesquisa, ainda em curso, que visa investigar os Direitos Lésbicos nas Políticas Públicas e de Saúde. Reconhecendo a identidade como um conceito sob rasura (HALL, 2000), para o escopo desse trabalho interessa considerar como a identidade opera, ou é operada, para tornar as lésbicas sujeitas de direitos. Em outras palavras: como as lésbicas tornam-se sujeitos de direito das políticas de saúde? Embora essa questão não tenha sido desenvolvida nesse texto ela está presente na investigação e constitui o pano de fundo que relaciona Políticas de Saúde, direitos lésbicos e biolegitimidade.

No Brasil temos as Políticas de Saúde como porta de acesso da população LGBT às Políticas Públicas. É no campo da saúde que políticas voltadas a esse segmento encontram-se relativamente consolidadas, ao passo que são inexistentes ou pouco expressivas nas áreas de educação, trabalho ou segurança pública, por exemplo. Existe uma Política Nacional de Saúde LGBT, mas não existe uma Política Nacional nestas outras áreas citadas.

A demanda por políticas de saúde para lésbicas se justifica por diversos fatores, entre eles evidências de piores condições de saúde mental e ginecológicas em relação às heterossexuais, evidências de um perfil epidemiológico específico de infecções sexualmente transmissíveis, além da necessidade de um atendimento não heterocentrado. Assim, não se trata de discordar da legitimidade da demanda por uma política de saúde lésbica, mas de problematizar o porquê de ser nesta seara que o movimento lésbico encontrou maior possibilidade de interlocução junto ao poder público.

Ao olharmos para os dados sobre lesbocídio no Brasil (CARNEIRO, SOARES e

MARQUES, 2018) percebemos que a existência lésbica é garantida apenas até o ponto

em que não afronte abertamente a heterossexualidade e a masculinidade. Desse modo,

temos que i) ainda que a vida seja um valor central nas acepções ocidentais modernas,

esse valor não é absoluto e mascara o valor atribuído a determinadas vidas; ii) as vidas

lésbicas importam como força produtiva, na medida em que são público-alvo de uma

determinada Política de Saúde, mas as condições sob as quais estas vidas existem

tornam-se problemas secundários para o Estado brasileiro e iii) a biolegitimidade opera

como meio de reivindicação e conquista de direitos (MALUF, 2018).

(16)

7. Referências

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