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L KOA’E * LUÍS SERGUILHA:UMA NOVA APRESENTAÇÃODA POESIA, A PROPÓSITODO LIVRO

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Academic year: 2021

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Resumo: Luís Serguilha é um poeta que pode ser considerado como a mais importante revelação recente, sendo a sua poesia a mais consistente e inovadora do atual panorama literário português. A sua poesia interessa-me, não só porque é uma poesia diferente mas porque, não acreditando na lógica do sen-tido, propõe textualmente uma não-lógica dos sentidos. É uma poesia que desafia e seduz, pelo jogo sem rede em que lança o leitor, propondo-lhe um experimentalismo semântico que se realiza no texto através da utilização das palavras como objetos manipulados, muito para além dos seus significados dicionáricos.

Palavras-chave: Luís Serguilha. Lírica experimental. Criação seminal.

L

uis Serguilha, este poeta pode ser considerado como a mais importante revelação re-cente, sendo a sua poesia a mais consistente e inovadora do atual panorama literário português. A sua poesia interessa-me, não só porque é uma poesia diferente mas por-que, não acreditando na lógica do sentido, propõe textualmente uma não-lógica dos sentidos. É uma poesia que desafia e seduz, pelo jogo sem rede em que lança o leitor, propondo-lhe um ex-perimentalismo semântico que se realiza no texto através da utilização das palavras como objetos manipulados, muito para além dos seus significados dicionáricos.

Mas, como nota preliminar que não posso deixar de fazer quando se trata de apresentar a poesia de um poeta, quero referir que nos dias de hoje, quando algum crítico, ou paracrítico, ou simplesmente um comentador, deseja falar sobre uma obra de poesia, fala de tudo o que sabe, ou julga saber, menos de POESIA ...

* Recebido em 22.07.2015. Aprovado em: 15.09.2015.

** É doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, professor, engenheiro pela Universidade de Bra-dford, escritor, poeta experimental, crítico literário, ensaísta e artista plástico. Criou a seção de Páginas Especiais dedicada à poesia experimental, no Jornal do Fundão e no Jornal Notícias, de Luanda.

E. M. de Melo e Castro**

UMA NOVA APRESENTAÇÃO

DA POESIA, A PROPÓSITO

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Fala de filosofia, de psicologia, de sociologia, de história, de antropologia, de estudos cul-turais, de música, de artes plásticas, de algum ramo das ciências exatas, como física atômica, ou engenharia genética, etc., etc., menos de poesia ! Ou seja, o específico do poético aparece-nos então timidamente diluído num discurso híbrido, em que muitas vezes a poesia é o parente pobre ... onde a hipérbole metafórica impera mascarada de rigor...

Outras vezes surge a teorização insipiente de um comparatismo, de uma interdisciplinari-dade, de uma trans- qualqer coisa, onde a poesia se perde.

Chega a parecer que a especificidade do discurso poético é apenas um pretexto, mesmo até um pré-texto, gerando um pós-texto que lhe é alheio!

Chega mesmo a parecer que não existe um metatexto, característico e até rigoroso para tratar criticamente o discurso da Poesia, de uma forma adequada e eficaz. Eficaz, neste caso é o que produz significados e emoções.

Chega mesmo a parecer que a invenção que a poesia é, nunca foi devidamente estudada nas suas características e especificidades, heurísticas, lingüísticas ou signícas, mesmo semióti-cas, e que até a função poética da linguagem e da comunicação nunca foi definida nem estuda-da por gente competente como Roman Yakobson, Roland Barthes, Charles Sanders Peirce ou mesmo Umberto Eco, Jean Baudrillard, Gilles Deleuze ou Mario Perniola ... de entre tantos outros ao longo da história da escrita e da criação poética, como Baltazar Grácian, Goethe, Shelley, Fernando Pessoa ... e tantos, tantos poetas que sobre a poesia escreveram tentando teorizar a sua prática de invenção de poesia, na sua época e na sua agoridade! Ou tantos outros que fizeram desse impulso urgente de escrever poesia, a sua própria teoria poética, muitas vezes inseparável da poesia em si própria. É esse o caso, por exemplo, de Jorge de Sena e dos poetas experimentais portugueses dos anos 60, mas também de Oswald de Andrade, de Haroldo de Campos, e já agora, recentemente, também de Luís Serguilha, como um mais novo e até ines-perado poeta da inovação e da transgressão, agora principalmente ancorada na pesquisa dos valores semânticos ou significativos, de um caos contemporâneo e agoramente vívido e vivido... ou então avidamente vivido!

Porque a poesia vem sempre antes da invenção teórica. Esta tem como função, não explicar nem justificar, mas sim, encontrar as razões obscuras e seminais daquela, isto é, da poesia ma-terializada em texto... muitas vezes sem o próprio poeta saber como ... o que não quer dizer que o poeta seja ignorante do que escreve ou que escreve automaticamente, mas sim que, de onde a poesia vem, como ela chega e ao que ela vem, não é necessário saber conscientemente. É apenas necessário saber verificar que ela vem, ou que chegou e está ali, diante de nós, na forma de texto. Por isso a surpresa, ou seja a capacidade de provocar surpresa ou até estranhamento, é uma das características emocionais da poesia e, por isso, da estética poética. A inovação, ou o dizer do que nunca foi dito daquela maneira, é sinal da presença da poesia.

Mas o crítico, esse, é que deve ter consciência disso, sem o que nunca ultrapassará os um-brais do entendimento do discurso poético... e então falará doutra coisa, julgando que está a falar de poesia!

É que a hermenêutica da poesia não é o conhecimento do significado das palavras que fazem um poema ... mas sim a descoberta do que essas palavras poderão significar no contexto

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diferente em que se encontram no poema. Aquilo a que se poderá chamar a especificidade do discurso da poesia é isso mesmo, ou seja, a capacidade de ultrapassar tanto a denotação das palavras, como até as possíveis e já conhecidas conotações dessas mesmas palavras, de que o poema se faz.

Mas o poema não é só uma máquina de dar novos e inesperados significados. O poema deve ter a capacidade imaterial de transportar o leitor, tanto ao encontro das intenções mais obscuras e não expressas do seu autor, como em sentido oposto, conduzir o leitor até às suas mais remotas capacidades de intelecção e fruição sensorial do texto que lhe é proposto. Mas, no entanto, as conscientes intenções do autor de um poema devem ser consideradas como irrelevantes, pois só o que está escrito, é o poema. Ler um poema é por isso um exercício de magia, em que autor e leitor podem até desencontrar-se. Talvez até esse desencontro seja a verdadeira natureza da fruição po-ética. O que as palavras de um poema dizem é tão irrelevante como o que o leitor por elas entende, numa leitura denotativa e funcional que é sempre apoética.

Mas falar da poesia não é poesia. Por isso ouçamos um fragmento de um poema de KOA’E: livro aberto ao acaso na página 211:

O encadeamento das bocas aformoseia-se ao sobressaltar nas ataduras do tímpanos principais do chão

como as persianas das alfaias vertiginosas a suportarem os ascendentes nórdicos do sol

Os patins nativos dos olhares fingem-se de circunvoluções inexactas ao serpentearem na explo-siva engrenagem do silêncio

é nas extremidades medulares dos abismos

que a linguagem monumental da destilação se instala emparedando radiosamente o fluxo intercalado das obsessões dos pássaros

Incontrastável compromisso dos corpos atraindo os domicílios investidos da dilatada vegetação

para electrizarem os degraus rústicos das faces diurnas (SERGULHA, 2011, p. 211) Este fragmento assim violentamente descontextualizado, revela à evidência a autonomia da palavra poética, com toda a estranheza que o desprendimento do sentido lógico nos provoca acompanhado de uma inestabilidade que se aproxima do fruir de uma erótica do texto, tal como Susan Sontag sugeriu há muitos anos no livro “Contra a Interpretação” e que tão mal compreen-dida foi pela crítica da época.

É precisamente essa erótica do texto que Luís Serguilha nos propõe em longos textos de uma radicalidade quase absoluta, transferindo a gramaticidade para um nível absurdo do sentido e dos sentidos.

Nível esse em que a prosódia, ou seja os sons de que a fala se faz, ganham uma autonomia surpreendente e encantatória que o linguajar quotidiano há muito perdeu, mas que nos pode transportar a uma simulação da comunicação oral primordial, antes da língua se prostituir nos usos utilitários com que todos os dias, hoje, é assassinada a comunicação oral e escrita.

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Por isso, na poesia de Luís Serguilha, comunicar é um ato tanto absoluto como absurdo, sem princípio nem fim, no qual toda a intromissão gramatical é destruidora das suas próprias regras, sendo o que se comunica, a própria comunicação. Ato total. Igual à própria Poesia.

Mas Interessa-me a poesia de Luís Serguilha, não só porque é uma poesia diferente, mas porque, não acreditando na lógica do sentido, propõe, textualmente uma ilógica dos sentidos. É de fato uma poesia que desafia e seduz, pelo jogo sem rede em que lança o leitor, propondo-nos um experimenta-lismo semântico que se realiza no texto através da utilização das palavras como objetos manipulados. O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA TAMBÉM NÃO TEM CO-MEÇO / O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA VEM DE AQUEM PARA ALÉM / O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA EXTENDE--SE POR AQUI PARA PODER SER LIDO / O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA É UM CONTÍNUO FRAGMENTO QUE SE REPETE DIFERENCIA-DAMENTE DIFERENTE / O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA É UM ORGANISMO CELULAR ORGÁSTICO IMITANDO A VIDA ORGÂNICA / O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA COMPÕE-SE TEXTUALMEN-TE ASSIM (citação ao acaso ) :

“ Uma tripulação de condores desmantela a espessura dos puxadores de colares ao arrasarem as janelas das órfãs estações que sustentam as amarras dos avulsos venenos nas tíbias seculares dos reciclados frutos ….”

Ou seja:

aaaa + DE + bbbbbbbb + DE + cccccc + DE + dd…….

Fórmula esta em que a , b , c , d .… são tropos variavelmente compostos por substantivos / adjectivos / verbos … e raramente complementos, onde podem aparecer preposições e conjun-ções auxiliares.

Trata-se de uma cadeia interminável de substantivos adjectivados com activação verbal geralmente intransitiva (que não são acompanhados de complementos) e tropos copulativos ou de qualificação circunstancial, ONDE O TESÃO IMPERA …

Para sabermos de que trata o O INTERMINÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA de-vem portanto ser catalogados os substantivos e os verbos que regem as células intervalares entre as preposições DE e suas variações DA, DAS, DO, DOS. Estas preposições estabelecem entre os tropos intervalares uma relação de dependência ou de derivação, que tornam O INTERMI-NÁVEL TEXTO DE LUÍS SERGUILHA uma espécie de série de caixas chinesas, encaixando sucessivamente umas nas outras, LUBRICAS E LUBRIFICADAMENTE …

Verifiquemos, num outro texto, por exemplo, um fragmento do poema XI, de A Singradura do Capinador, o funcionamento desta concepção textual que, não sendo a única empregue pelo autor é, no entanto, paradigmática:

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“Pássaro de transições fluviais

timidamente a pique na curiosidade bêbeda dos triângulos Pássaro vermelho das éclogas procurando os estalidos dos fórceps da claridade

sobre os cingidouros extravagantes dos noticiários que empavoam as patrulhas do relâmpago

nos ascensores vigilantes dos polvos implacáveis As asas esplendorosas protegem as confidências disponíveis nos cais enrouquecidos

Outro elemento de análise estrutural é o uso das maiúsculas sem que haja qualquer pon-tuação, a não ser a distribuição espacial do texto onde não parece verificar-se nenhuma regra ou motivo, a não ser um sentido intuitivo do ritmo da leitura e da respiração ANCIOSA …

Vem isto a propósito do mar de palavras que é a poesia do Luís Serguilha. Mar de palavras, imagens, metáforas, intermináveis e diferentemente sempre iguais, podendo os poemas começar e terminar em qualquer delas, em qualquer lugar ou tempo. Um interminável magna de sugestões, um escaldante rio de lava (sémen ?) é o que o leitor recebe, ao ler os poemas deste livro... Mar, magma, rio, lava, ebulição, sémen, energia em transformação, são certamente as metáforas que eu, como leitor, recolho destes textos, sem que elas estejam necesariamente explícitas e escritas. A isso mesmo chamo de POESIA. E a contrario senso recordo-me do Ezra Pound dos excessivos CANTOS ou CANTARES, ele que tinha por norma ‘condensare’ e que entendia que poesia era dizer ‘o máximo no mínimo de palavras’... Mas, e se poesia for também, redundantemente, dizer ‘quase o mesmo no máximo de palavras’ repetitivamente ?

E se ‘quase o mesmo’ for um princípio de autossemelhança, como no caso das imagens frac-tais, como no caso do mar, como no caso do rio de lava em ebulição, COMO NO CASO DO SÉ-MEN PROCURANDO SER VIDA NO OVO que se criará?

E se ‘o máximo de palavras’ for o inesgotável repertório de uma língua, tendendo assintoti-camente para o infinito ?

Estamos assim, perante uma inesperada recuperação das origens orais da poesia, que nas repetições, não já apenas paralelísticas, ritmicas e rímicas, típicas do verso, mas sim complexa-mente estruturais e sintácticas, se reencontram consigo mesmas, como fenómeno genésico de co-municação e de encantamento, para além dos sentidos denotativos das palavras e, principalmente até para além dos vários sentidos conotativos e metafóricos.

Poderá até dizer-se que se trata de uma trans-semântica, o que nos autoriza a pensar numa “língua poética” diferente da língua pragmática da comunicação quotidiana, mas sim, talvez a forma de comunicação que remonta às origens da humanidade …

Este procedimento repete-se, em variações subtis e surpreendentes, constituindo um inter-minável revolutear sobre si próprio...

Mas já Décio Pignatari disse que a poesia não faz parte da “literatura” por que é “cocaína em estado puro”.

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Esse estado fluido de fruição interminável, enfaticamente não automático, mas estrutu-rado no texto, julgo ser a natureza própria da poesia que aqui vos proponho para leitura de inadiável prazer !

LUÍS SERGUILHA: A NEW PRESENTATION OF POETRY BASED ON THE BOOK KOA’E

Abstract: Luís Serguilha is a poet who can be considered the most important revelation of recent years,and whose poetry is the most consistent and innovative on the current Portuguese literary scene. His poetry interests me, not only because it is different, but also because, not believing in the logic of sense, textually it proposes a non–logic of the senses. It is poetry that challenges and seduces, in the game without a safety net into which it hurls the reader, offering him a semantic experimentationalism that culminates in the text through the use of words as objects that are manipulated far beyond their dictionary meanings.

Keywords: Luís Serguilha. Experimental Lyricism. Seminal Creation.

Referências

SERGUILHA, Luís. Koa’e. Belo Horizonte: Anome Livros, 2011. _____ Embarcações. Vila Nova de Gaia: Ausência, 2004.

Referências

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