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e então surgiu a atitude que eu considero ter sido a pior que tive

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Academic year: 2023

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2ª U

NIDADE DE

A

NÁLISE

T

EMA

:

PERCURSO BIOGRÁFICO DE REINSERÇÃO SOCIAL

C

ATEGORIA

I - D

ESCRIÇÃO DO PERCURSO DE PASSAGEM DE UMA VIDA DE EXCLUSÃO E TOXICODEPENDÊNCIA PARA UMA VIDA REINSERIDA SOCIALMENTE E LIVRE DA DEPENDÊNCIA DE DROGAS

.

1ª SUB-CATEGORIA - DIMENSÃO DA EXCLUSÃO SOCIAL ATINGIDA, ANTES DA PASSAGEM EFECTIVA PARA O PERCURSO DE REINSERÇÃO SOCIAL: UNIDADE DE REGISTO

FORMAL SEMÂNTICO

UNIDADE DE CONTEXTO

EXCLUSÃO

SOCIAL

SEPARAÇÃO/SAÍDA DE CASA

E4 – «(…) a separação começou aí... Ou antes... a 2º atitude... Porque antes já havia saído

de casa, mas depois voltei, porque aparentemente eu tinha mudado...(…) a Fernanda viu que estava tudo igual e disse-me:” – Fernando, não dá!”. Então fui-me embora para casa dos meus pais...»

E4 – «(…) e então surgiu a atitude que eu considero ter sido a pior que tive... que foi

então, no dia anterior a eu ter saído de novo de casa, da minha separação que veio dar origem ao divórcio no ano seguinte, em 2002...(…) Foi num Domingo à tarde, eu tinha combinado sair com a Fernanda e a João irmos ao Porto passear... Só que eu comecei a ressacar... E depois de almoço eu disse que já não ia... Então a Fernanda disse: “ - Bem, se não vais, eu vou com a João. Não vamos ficar aqui em casa nesta tarde de Domingo... Ainda mais agora que nunca saímos...”. E saíram. Mas a Fernanda, que me conhece bem (tivemos casados 20 anos e quando casamos já namorava-mos há 5 anos), ela estranhou o facto de não querer ir com elas e... voltou atrás. E o que é que tinha acontecido neste espaço de tempo? O Hugo (outro filho) ainda estava a dormir, pronto, era um jovem, que se deitava tarde... E que é que eu fiz? Fui pegar no cartão Multibanco do Hugo e ia levantar dinheiro da conta dele... Eu sabia o código e ia levantar dinheiro... A Fernanda chegou, foi ao quarto do Hugo e viu que ele não tinha o cartão Multibanco... e veio ter comigo e disse-me: “ – Fernando, tu tens o cartão Multibanco do

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DIVÓRCIO

PROBLEMAS COM A

JUSTIÇA

Hugo. Tu não faças isso!”. E realmente eu... Dei-lhe o cartão Multibanco... E a Fernanda disse-me assim: “ – Não dá!”.

E1 – «Com a segunda [2º divórcio], é assim, não somos amigos, não temos nenhum tipo de

relação... Até porque na segunda, as coisas... aí eu consumia... E portanto, eu meti o pé na argola... Aí eu tenho culpas... E demorou muito tempo para ela me perdoar, se é que me perdoou... A princípio quando eu fui preso estava casado com ela e foi um choque muito grande... E a família dela rompeu comigo completamente...»

E4 – «E a Fernanda disse-me assim: “ – Não dá!”. Pronto, eu então saí, a Fernanda pediu o

divórcio, eu aceitei-o, foi um divórcio amigável, em que eu em termos patrimoniais não reivindiquei a parte a que tinha direito, não quis prejudicar nem a Fernanda, nem o Hugo, nem a João... (...). Portanto, abdiquei da parte do meu património para não lhes criar problemas... Aliás o Juiz do processo de divórcio disse-nos: “ – Bem, não percebo porque é que vocês se divorciam... Estão sempre de acordo... Eu nunca fiz um divórcio assim...”. Mas a realidade é que o divórcio era para se concretizar...»

E1 – «Problemas com a Justiça tive... Foi no princípio... (…) e o Juiz mandou-me para

Custóias. Tive lá 3 meses mas poderia ter estado lá 8 ou 9 meses... (…) Foi uma época da minha vida difícil para mim, um choque para a família... (…) Mas foi um facto isolado que nada teve a ver com a decisão final de encarreirar para um tratamento.»

E2 – «Não. Por acaso nunca tive, assim em tribunais, nunca tive nada, nem problemas

nenhuns. Às vezes ia à GNR mas nunca foi... eram coisas que aconteciam...»

E3 – «Conhecia uma miúdo cigano que andava por aí a roubar, na altura eu tinha vinte e

poucos anos e ele mais ou menos uns 17 ou 18 anos... e prontos, fomos os 2 presos.»

E6 - «(…) o momento chave que eu acho que foi decisivo foi um problema que eu tive com a

lei… (…) Eu esperei um julgamento, fui a um julgamento e depois o facto de ver a minha mãe… de estar em Tribunal e ver a minha mãe… aquele filme todo (…) depois acabei por apanhar como pena 14 meses… Foi 14 meses de pena suspensa…»

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PERDER TUDO

ARRUMADOR DE CARROS

PROBLEMAS NO

LOCAL

TRABALHO

(DESPEDIMENTOS, RESCISÕES, ETC.)

E3 – «E a dada altura comecei a tirar [furtar] algumas coisas ali, outras acolá...»

E6 - «Foi um esticão… Fiz um esticão e nunca tinha feito nada parecido e então… isso desenrolou-se normalmente…(…) e o esticão tinha sido feito a uma senhora já de idade de muletas…»

E2 – «Na altura, o máximo foi perder tudo e desligar-me de todos, os meus amigos, a

família... até chegar a um ponto e olhar para o lado e não ter ninguém. Nem tinha humildade para pedir ajuda a alguém... Mesmo quando estava a entrar em casa, via as pessoas a fugir de mim e senti muito essa separação... (...) Cheguei a um ponto em que olhei para o lado e não tinha ninguém...(…) Para a rua não cheguei a ir... Não faltou muito tempo mas prontos, mas não cheguei a ir...(…) Também, comecei a ver-me ficar sozinho.»

E3 – «…só faltou começar a prostituir-me... Nos últimos tempos em que trabalhava, o dinheiro que recebia ía todo no próprio dia para a droga...(…) cheguei a um ponto que comecei a estacionar carros...(…) Depois de sair da prisão tinha tudo o que precisava para me refazer na vida... tinha uma conta no banco recheada, e deitei tudo fora, foi tudo para a droga...»

E3 – «…foi até... até ao ponto de começar a estacionar carros lá na Póvoa de Varzim. (…) Depois na altura, como os meus tios têm um estabelecimento comercial na Póvoa de Varzim, e eu andava a arrumar carros mesmo em frente, pronto toda a gente me conhecia...»

E2 – « (…) eu trabalhava com os meus irmãos que têm uma carpintaria. Eu trabalhei com eles até chegar a um ponto em que eles não quiseram que eu trabalhasse mais com eles.»

E3 – «…às vezes ia para lá depois de beber, mais drogas e tudo misturado dava uma grande confusão…[no local de trabalho]»

E3 – «…comecei a descair outra vez e... comecei a não conseguir conciliar o trabalho e os consumos...»

E3 – «E na altura ele despediu-me (…) Depois meti baixa e arranjei lá um problema, até que

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me despediram...»

E4 - «(…) depois de ter rescindido amigavelmente o meu contrato com a EFACEC, que era onde

eu trabalhava como técnico comercial... mas como a minha actividade profissional era nenhuma, estava completamente agarrado à heroína e só fazia disparates, não visitava os clientes, chegando mesmo ao ponto de lhes pedir dinheiro, assinava documentos da empresa para adiantamentos de pagamentos de despesas, almoçava fora, jantava fora, às vezes ficava fora e então a empresa concedia aos comerciais uns vales para pagamento de despesas e no final do mês acrescentava-se as despesas e se as despesas fosse superiores ao vale a empresa pagava o valor da diferença, se eventualmente as despesas fossem de um valor inferior ao vale, a empresa retirava esse valor e pagaria dentro do ordenado...

Então eu comecei a fazer vales de uma maneira estúpida... era capaz de à segunda-feira, no início do mês fazer um vale de 40 contos e no final da semana já estava a fazer outro de mais 20 contos... até que chegou a um ponto que o director comercial me chamou e disse-me, bom... Houve 2 ou 3 vezes que eu acabei por não receber dinheiro porque o diferencial entre as despesas que eu apresentava e os vales que eu tinha obtido levavam- me o ordenado e às vezes já ficava ainda com um valor para descontar no ordenado do mês seguinte. Então o director comercial chamou-me e disse-me: “ – Olhe Sr. Pereira, o amigo já há 2 meses que não recebe dinheiro!”, e eu disse-lhe com uma grande lata: “ – Bom, eu tenho outras fontes de rendimento! O Sr. Engº não se preocupe!”, então ele respondeu-me

“ – Não, eu só não entendo, estranho, é apenas uma preocupação...”. E isto tudo também está relacionado com o facto de eu ser um funcionário da casa com muitos anos, ter tido sempre uma atitude correcta, profissional, e que a partir de determinado momento começou a ser diferente... Bom, continuando, eles desconfiavam que algo de mal se passava comigo o director comercial disse-me: “ – Se o Sr. Pereira precisar de ajuda, nós estamos aqui para o ajudar...(…) os clientes telefonavam para a empresa a reclamar que eu já não passava por lá há muito tempo, depois eles verificavam que as minhas deslocações andavam sempre pelos mesmos sítios – Porto, V. N. Gaia e Matosinhos e depois perguntavam-me porque é que deixei de ir a Braga, a Guimarães... E eu dizia-lhes que... pronto, os meus negócios são aqui... Então em determinada altura o Director Comercial disse-me: “ –

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ACIDENTE

DESCALABRO TOTAL

Pronto, a partir de agora vamos fazer assim: o Fernando Pereira faz um vale e quando tiver despesas que cubram esse vale, faz outro vale.” E eu disse-lhe que estava bem, mas a pensar para dentro de mim: “ – Estou feito num 8!”, pois era com esse dinheiro que eu ia comprar droga... Então o que é que comecei a fazer? Passei a assinar vales pelo nome do Director... Porque eu fazia os meus vales e estes tinham de ser assinados por ele...

Então pegava no vale anterior, punha por cima do outro vale e assinava por ele, indo logo de seguida levantar... Quer dizer, disparate por cima de disparate... Passado pouco tempo, a empresa colocou cá fora um comunicado dizendo que estava aberta à rescisão amigável de contratos... E eu disse-lhes logo que estava interessado... Porquê? Eu na altura vivia numa situação limite... Por exemplo, quando eu ia com o vale assinado por mim na vez do Director Comercial, imagine que aqui era o departamento financeiro (os gabinetes eram todos separados por vidros)... E eu estava com a funcionária da contabilidade para lhe dar o vale e a ver se eventualmente o director comercial não chegaria lá de repente e descobrir a situação... Ás vezes tocava o telefone, e eu estava lá e temia que fosse do gabinete do Director ou da contabilidade... Então a rescisão amigável do contrato foi uma oportunidade para eu sair a bem e levar algum dinheiro...

Repare, na rescisão amigável a empresa tem de pagar uma indemnização pelos anos de trabalho... E eles indemnizaram-me pelos 16 anos que eu trabalhei lá... Na altura foi um mês por cada ano... pronto, ainda recebi uma boa quantia...».

E4 - «(…)na empresa do Porto não me renovaram o contrato, porque eu não estava a funcionar

bem...(…) nunca deixei de estar agarrado, e na Tyssen os disparates voltaram a acontecer e na Tyssen também não me renovaram o contrato... »

E3 – «(…) tive um acidente de mota»

E3 – «Pagaram-me os direitos e a partir daí é que foi o descalabro total...»

E6 - « E começou de tal maneira que foi como esticar a corda até ela arrebentar… E depois nessa altura mesmo, foi um descalabro! Mal recebi os 2 primeiros ordenados, comecei outra vez… [a consumir]»

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ABANDONO DOS AMIGOS

DÍVIDAS E GRAVES PROBLEMAS ECONÓMICOS NO AGREGADO FAMILIAR

PERCURSO DE DEGRADAÇÃO

E3 – «Eles sempre foram meus amigos, mas no tempo dos meus consumos eu é que os

abandonei...(…) E depois, prontos, começaram a distanciar-se...»

E4 – «(…) esse dinheiro [proveniente da rescisão amigável na EFACEC] serviu para pagar ao meu sogro, a quem já devia 2000 contos... Porque, claro, chegava ao fim do mês sem dinheiro, e a Fernanda (1ª esposa) que na altura não trabalhava, só eu é que trabalhava... Claro, ela sentia necessidade de dinheiro... e depois acabou por ter necessidade de arranjar emprego, porque eu deixei de assumir as minhas responsabilidades... e o meu sogro e o meu pai emprestaram-nos dinheiro... Da indemnização recebi cerca de 4000 contos, 3 mil foram para pagar dívidas – 2 mil ao meu sogro e mil ao meu pai... Depois, mais algumas dívidas que tinha, foram mais 100 contos, 400 contos foram depositados na conta da minha ex-mulher, eu fiquei com 300 contos que gastei num mês... Ao fim do mês já estava a pedir dinheiro à Fernanda, para ela me passar para a minha conta 100 contos dos 400 que lhe havia depositado na conta dela...

Claro que a Fernanda afirmou que então estava tudo na mesma, foi uma cena que nunca mais me esqueci... A Fernanda não queria faze-lo e eu com agressividade disse-lhe: “ – Não, tu vais dar-me esse dinheiro, porque fui eu que depositei na tua conta e agora estou a precisar dele...”. Então ela foi ao banco, levantou os 100 contos, chegou ao carro, entrou no carro e atirou-me à cara e disse-me: “ – toma, vai gastá-los!».

E4 – «(…) quando recomecei a trabalhar nessa empresa já estava a recair... Já estava a

levantar dinheiro da conta conjunta que tinha com a Fernanda e...»

E4 – «(…) Portanto, eu separei-me em Agosto de 2001... foi quando eu sai de casa... e o

divórcio aconteceu em Julho de 2002... Portanto, eu tinha também ficado sem o emprego na Tyssen, mas fiquei com um subsídio de desemprego e portanto, enquanto eu tive o subsídio de desemprego fui-me aguentando, mal, mas fui-me aguentando... Só que a minha vida foi- se sempre degradando, porque entretanto o meu pai foi viver para o Lar do Comércio...

Porque depois da morte da minha Mãe nós ainda vivemos os dois... Mas depois o meu pai

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SOBRE O FUNDO DO POÇO

ficou doente, teve de ser operado ao coração, a um aneurisma, e ficou debilitado fisicamente... eu já não tinha condições para tratar dele... (…) Então eu fiquei sozinho em casa... A partir desse momento a minha degradação ainda foi maior... Comecei a levar pessoas lá para casa, como eu tinha carro as pessoas procuravam-me para eu os levar ao Bairro S. João de Deus... Eu assim obtinha a minha dose pelo facto de os levar...

Deixava-os usarem a minha casa para também obter a minha dose... quer dizer, comecei a levar arrumadores da Maia ao Porto para obter a minha dose... Quando eu tinha dinheiro fazia a minha vida, mas quando não tinha era assim que fazia... Como eu nunca tive habilidade para roubar, nem habilidade, nem se calhar coragem, arrojo para isso... Então o que é que eu fazia? Enquanto tinha possibilidade de pedir a amigos e a vizinhos, fui pedindo a este amigo... àquele vizinho... Depois chega-se a uma altura em que já não há mais ninguém a quem pedir... E então comecei a levar os arrumadores lá para casa...

Claro, depois o meu apartamento era quase em frente ao da minha mulher e filhos, e portanto os meus filhos assistiam a todo este movimento... E já me evitavam, tinham vergonha, toda a gente via... Entretanto o subsídio de desemprego acabou... Fiquei sem meios de sobrevivência... Vi-me encurralado... Pensei: “ – O que é que eu faço agora?”... Ou vou para o Bairro S. João de Deus e passo a viver lá como “capiador” (“ – Olha vai comprar a este!”)... E eles dar-me-iam a droga para eu... Comeria um pão de vez em quando para não morrer à fome... e dormia lá num canto qualquer... Ou ia arrumar carros... Quer dizer, as alternativas eram essas, não é...»

E6 - «Depois houve ainda algumas chatices [refere-se por ex. a uma compra de um automóvel a crédito e consequente incumprimento do mesmo] e foi quando aconteceu isto. Posso dizer que o meu pior momento começa lá na Alemanha e culmina com o esticão…»

E4 – «Sobre o facto de ter atingido “o fundo do poço”: Eu acho que sim, que realmente, num trajecto de dependência, enquanto se for conseguindo gerir a crise, enquanto se for conseguindo arranjar alternativas, vai-se mantendo a dependência... Digamos que, realmente, quando não há alternativas então há que fazer alguma coisa... Ou deixar-se ficar no fundo do poço, ou então começa a escalada. Eu pessoalmente precisei ir ao fundo do poço... Eu uma vez disse a um psiquiatra do Porto: “ – Não, Sr, Dr. Eu tenho de fazer

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AUSÊNCIA PARA PARTE INCERTA

alguma coisa, porque eu estou encostado à parede!”. E então ele respondeu-me: “ – Não chega estar encostado à parede... Sabe porquê? Porque você está encostado à parede mas vai empurrando a parede para trás, não chega estar encostado à parede!...”. Portanto, nós estamos encostados à parede mas vamos empurrando-a para trás... Continuamos encostados mas vamos ganhando ainda algum espaço, empurrando-a. e portanto, necessitei de estar sem alternativa, sozinho em casa, sem rendimento, sem ter onde me agarrar e pensar: “ – Agora o que é que eu faço? Vou para capiador, vou arrumar carros ou vou dar uma volta?».

E5 – «Efectivamente foi o mais fundo que atingi, antes da minha entrada no Projecto Homem.

Abandonei tudo! Estava em casa da minha mãe, trabalhava (embora consumisse)... E conheci um traficante de droga (principalmente de cocaína) e envolvi-me e larguei tudo...

Larguei o meu filho, larguei a minha mãe, larguei o trabalho e fiquei praticamente a viver na rua e... até que um dia o pai do meu filho soube que não estávamos juntos (o filho e a mãe), soube da situação e foi-me buscar... Tanto que naquele dia arrombou-me a porta, veio com a Policia e com toda a gente, vizinhos... tudo... e passado dois dias estava cá no Projecto Homem... Eu estava num caos, estava completamente... eu tinha chegado a um ponto em que tinha abandonado tudo. Exclui-me completamente... (…) A vergonha era tanta e o mal-estar era tanto que a minha vontade era tipo um ciclo... ou seja, eu conseguia estar consciente das coisas... O facto de ter abandonado tudo incomodava-me imenso... Mas estava num ciclo... tinha de consumir para esquecer o que estava a fazer... e ainda durou 2 ou 3 meses assim...até que tive que alterar a situação...»

E6 - «E depois já estava num ponto em que não ia a casa e já andava na casa deste ou daquele lá fora… Até chegar ao ponto em que a minha família que estava lá na Alemanha andava atrás de mim pelas ruas da cidade, porque eu andava desaparecido… (…) Deixei de aparecer em casa… Vivia com o meu primo e deixei de aparecer e andava toda a gente à minha procura, porque ninguém sabia de mim… Eu andava por lá a fazer asneiras…»

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NÃO ATINGIU O FUNDO DO POÇO

PIOR MOMENTO

E1 – «(…) não atingi o fundo do poço (…) bater no fundo nunca bati mesmo... Pronto, nunca

roubei ninguém, nunca prejudiquei assim directamente ninguém, lidei bem com clientes, fornecedores, com muita gente... nunca prejudiquei ninguém.»

E7 - « O pior momento foi quando comecei a notar que estava a deixar de conseguir

funcionar, estava a deixar de trabalhar, estava a perder os meus amigos, estava a perder a vida social que sempre tive… Estive sempre ligado à Paróquia, à freguesia e essas coisas todas… Estava a ver isso tudo de certa forma a fugir… A fugir por causa de não conseguir funcionar, por causa da droga… Comecei a ver tudo: faltava ao trabalho, começava a não conseguir funcionar com o trabalho, tudo me começava a assustar… Começava a ver que ía acabar como muitos colegas meus, como muitas pessoas amigas que tinha, e então isso assustava-me… Isso fez com que eu antes que chegasse a essa situação dissesse

“Não”. Tinha de alterar a situação.»

E1 passou por duas situações de divórcio na sua vida, mas só o 2º divórcio esteve directamente relacionado com um processo de exclusão social na sua vida, conforme já foi possível verificar. Quanto ao 1º divórcio disse o seguinte:

E1 – «(…) depois do meu 1º divórcio comecei a viver sozinho, e pronto, comecei a ter uma vida social diferente, mais intensa... (…)Eu quando me separei desta minha primeira mulher ainda não consumia drogas nenhumas, a não ser haxixe de vez em quando... A causa do divórcio foram problemas do nosso relacionamento, diferentes mentalidades, formas de estar... Aguentei sete anos o casamento mas não deu...»

Será interessante focar o caso do E1, que nos afirma não ter atingido a decadência total:

E1 – «Eu consumi drogas mas sempre a trabalhar. Portanto, eu trabalhei na Shell por muitos anos, depois fui empresário numa sociedade com a minha irmã...(…) durante uma década mais ou menos, eu consumi drogas. É assim, eu consumo drogas leves desde os 18 anos, mais ou menos...(…) ... Conheci muita gente... e dentro

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desses conhecimentos, conheci alguns consumidores de drogas duras e também enfim, dealers (que vendiam)...

Acabei por, pronto, convidá-los a vir a minha casa, etc e acabei por começar a experimentar e tal e ficar agarrado à cocaína e à heroína... Mas é assim, isso nunca me impediu de trabalhar, nunca me impediu de ter as responsabilidades mínimas para com a minha família, para com os meus filhos... Naturalmente que me prejudicava não só em termos financeiros, embora eu ganhasse muito bem, trabalhava na Shell, era inspector, tinha um belíssimo ordenado, boas condições, nem sempre me chegava o dinheiro para os consumos... A cocaína era muito cara, era a minha droga de eleição e portanto nem sempre gastava o que tinha, depois pedia ao meu irmão o dinheiro, à minha mãe, etc, passava cheques à família...Portanto, se eu prejudiquei alguém em termos financeiros durante essa época foi a minha família... Sobretudo o meu irmão e a minha mãe... Pronto, isso foi-se arrastando até que houve um tempo em que foi pior... O consumo começou a aumentar e tive (sei lá se foi sorte ou azar!) de conhecer um rapaz de Barcelos que estava aqui na Póvoa... Estava sozinho, partiu uma perna, era consumidor de cocaína, tinha muito dinheiro, tinha mesmo muito dinheiro, e era meu amigo, éramos amigos e ele gastava o meu dinheiro comigo... Portanto eu não precisava gastar muito dinheiro, mas mesmo assim, gastei alguns milhares de contos ao longo de 6 meses...(…)[Sobre as reacções da família] não se manifestavam muito porque eu não fazia muitas asneiras, digamos assim... Era a minha vida privada, pessoal, etc. Como as coisas corriam, eu ainda dava apoio à empresa, a tudo o mais, pronto, as coisas corriam. »

Sobre o problema com a Justiça que E1 teve importa destacar o que afirmou sobre o mesmo:

E1 – «Foi pouco, foi um equívoco, quase um equívoco... hoje não seria bem assim...Foi uma situação quase caricata, porque eu estava precisamente a fazer um programa para deixar de consumir e no final dessa semana iria com os meus pais para o Algarve e como é hábito, quando se quer deixar faz-se sempre uma despedidasita e tal, néé. E então comprei umas gramas e andava com elas. Embora se tivesse consumido alguma coisa, pronto, mas na altura, numa tarde aqui em Vila do Conde encontrei um amigo meu num café, sentei-me ao lado dele, disse-lhe que tinha produto bom comigo, o azar foi que tive 2 polícias ao lado também... Claro, que a ouvirem a conversa... Depois eles perseguiram-me e tal, quando eu sai dali... Dispensei-lhe um pacote, porque nunca fui dealer na minha vida, dispensei-lhe um pacote e mais tarde, mas abaixo, encontro um outro meu amigo com um saco de compras...que ia para casa. E eu disse-lhe para vir comigo, pois sabia que ele era também consumidor, e ofereci-lhe também para consumirmos. Fomos consumir para perto das piscinas... Na

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altura aquilo era um descampado... Estávamos a consumir e aparece-nos a Policia, armados até aos dentes, julgando que eu era um grande traficante. Na altura trabalhava na Shell, por questões profissionais vestia fato e gravata, tinha um bom carro... Pronto, estavam à espera de encontrar um grande traficante... Na altura, tinha meia-dúzia de pacotes, eram precisamente 4 pacotes, aquilo dava ½ grama no máximo. A Policia não me conhecia de lado nenhum... Um fez para lá um relatório super exagerado, que era um pequeno traficante, não sei quantos... Levou-me ao Juiz que face a um relatório daqueles... O Juiz não me fez quase pergunta nenhuma... A Polícia também não quis fazer muitas perguntas, não acreditou naquilo que eu lhe disse, e portanto fez o relatório que entendeu e o Juiz mandou-me para Custóias. Tive lá 3 meses e mas poderia ter estado lá 8 ou 9 meses... Mas tive um advogado bom da minha família, que conseguiu marcar o julgamento em 3 meses e mandaram-me embora. Tive uma pena suspensa, naturalmente, não era inocente, era consumidor, e provou-se que era traficante, pronto, que tinha dispensado aos amigos e tal, mas essas coisas da lei, na altura... agora não, está diferente. Mas na altura a lei era muito severa, porque o facto de se dar ao amigo um pacote, segundo a lei, era como se fosse tráfico.»

2ª SUB-CATEGORIA - CONTEXTUALIZAÇÃO ESPACIAL, TEMPORAL, SOCIAL E PSICOLÓGICA DO MOMENTO-CHAVE DE PASSAGEM DA EXCLUSÃO PARA A REINSERÇÃO SOCIAL:

REGISTO

FORMAL SEMÂNTICO

CONTEXTO

CONTEXTO PSICOLÓGICO

EXAUSTÃO/PERTURBA-

ÇÃO/MAL-

ESTAR/DEGRADAÇÃO/SATU RAÇÃO

E1 – «Pronto o ambiente à volta das tropas não era... Pronto, era

desagradável e andava exausto... Portanto, houve uma altura em que pedi ajuda... Pedi ajuda à minha mãe. (…) pouco antes de entrar na comunidade, eu estava exausto e a consumir muito, andava muito perturbado (…) andava mal (…) O meu mal-estar aumentou, portanto porque me sentia mais degradado (…) Atingi um cansaço em termos psicológicos, fiquei exausto... A palavra exacta é mesmo exaustão...»

E6 - « (…) para além da saturação e de tudo isso que veio com o tempo»

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INSATISFAÇÃO/IRRES-

PONSABILIDADE

COMPORTAMENTOS, SENTIMENTOS E EMOÇÕES

CONSCIÊNCIA DA SITUAÇÃO

E1 – «Depois, há outros aspectos de ordem mais psicológica, não é? Como é o

caso de no passado existir uma insatisfação, de alguma irresponsabilidade, de ser um bocado radical em tudo, era de extremos... Portanto, havia uma série de comportamentos que eu tinha, embora não fugissem muito dos valores, eram em termos pessoais irresponsáveis. E que me levavam a consumos, a minimizar os efeitos das drogas, do álcool, de determinados comportamentos... (…) Pronto, e sentia muita insatisfação, muita insatisfação... Nada me satisfazia...»

E1 – «... E isso também se refere um pouco, (…)[aos](…) sentimentos e

emoções, que (…) não conseguia gerir... Portanto, dantes geria às três pancadas... Instintivamente, com agressividade, com intolerância, com orgulho...»

E1 – «...eu era uma pessoa com algumas dificuldades... dificuldades essas que

se resumiam à agressividade, era um tipo muito orgulhoso, tinha muitas dificuldades na relação com hierarquias, chefias, etc... Nomeadamente quando eles erravam, quando ouvia que as directrizes de cima... Não era um tipo disciplinado, tinha dificuldades nisso...»

E5 – «Mesmo na infância, sempre tive uma auto-estima baixa... Sempre tive

dificuldade de gostar de mim... Mesmo agora, acho que vai ser sempre o meu problema, a auto-estima-baixa. E penso que foi um dos motivos principais que me fez recorrer às drogas...»

E7 – «Eu estava a atingir esse ponto [o ponto mais grave da situação de

consumidor e dependente de drogas], estava a ver as coisas caminharem para isso de certa forma… Tomei de certa forma consciência da situação, do que se estava a passar e então eu tentei mudar e procurar alternativas para o que se estava a passar.»

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CONTEXTO TEMPORAL

CONTEXTO SOCIAL

IDADE

PREOCUPAÇÕES E ANSIEDADES NA FAMÍLIA

PRESSÃO FAMILIAR E

SOCIAL

E1 – «Eu tinha 45 anos...»

E1 – «Se bem que no meio disto tudo, acabava por haver umas preocupações

fortes da família, porque havia noites em que não ia para casa, criava-lhes grandes problemas e ansiedades, o que também me custava muito... Mas eu próprio sentia-me realmente exausto...»

E2 – «Cheguei a um ponto em que a família começou a encostar-se a mim,

prontos a incentivar-me a ir para algum lado, que era o melhor para mim...

Prontos, já que nos estávamos a separar, mais cedo ou mais tarde creio que o meu destino era esse... para a rua ou sabe-se lá o que fosse ou o que poderia acontecer... E prontos, foi quando eu pensei nisso, mas... não foi fácil, custou-me sempre muito a aceitar...(…) Sim a minha família também me pressionou um bocado... Prontos... Mas faziam isso para o meu bem, prontos... a família estava toda bem e o caraças e agora eu era o único filho que... prontos, às vezes a falar com as pessoas até, prontos, as pessoas a comentar comigo... “... já tem uma certa idade”, “...aquele seu filho mais novo foi o que saiu mais torto...”, prontos e a família começou a unir-se e a fazer-me pressão...»

E3 – «(…)o meu avô faleceu e aí os meus tios, pronto... tentaram proteger a

minha avó... e aí retiraram-me o dinheiro (…) E claro, sofri uma pressão tal lá em casa que... esta minha tia disse-me que se eu queria realmente a cura, que fosse à Segurança Social ou não sei o quê...»

E3 – «…Tive muita pressão externa...»

E6 - « E depois o filme de estar a ver a minha mãe em Tribunal, em frente à

senhora, a explicar-lhe os problemas que eu tive, de que tinha sido por causa da droga, não sei o quê… E então ver as duas quase que uma a chorar por um lado e a outra pelo outro e já a uma certa altura a mulher a dizer

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PSICOLÓGICO E TEMPORAL

DESENCONTROS/DISCRIMI NAÇÃO

DESEMPREGO

ARRUMADOR

PERMANENTES RECAÍDAS

VONTADE PRÓPRIA,

QUERER

SURPRESA E MOMENTO DA DECISÃO

que perdoava tudo e que só esperava que eu saísse da droga, não sei o quê…»

- analisa-se a situação referida como tendo sido fortemente responsável pela decisão de mudança no rumo da vida de E6, pois logo a seguir ele afirma que:

«E foi nessa altura que eu decidi acabar com tudo, tentar o tratamento.»

E3 – «Só que a maior parte já estava casada, tinham mudado de casa, outros

que sabiam do meu problema tentavam afastar-se, ou as suas vidas não combinavam com a minha...»

E3 – «(…)eu na altura estava desempregado, pois tinha saído da cadeia...»

E3 – «(…)foi até... até ao ponto de começar a estacionar carros lá na Póvoa de Varzim.»

E7 - « Eu já andava no CAT há 2 anos e conclusão… recuperações, já tinha feito

não sei quantas que até já tinha perdido a conta… E estava aquelas semanas mais ou menos bem e voltava a recair outra vez… Voltava tudo ao mesmo…(…) Onde se estivesse ou onde se andasse os caminhos iam todos dar ao mesmo sítio [local de tráfico e consumo de drogas]. Não se funcionava, ou melhor, só se funcionava assim… Eu não conseguia estar aqui em Alvarelhos se não fumasse, se não andasse nesses meios, se não estivesse metido nessas coisas».

E7 - « Eu acho que sempre tive uma certa capacidade de querer… Porque a própria decisão de entrar para a comunidade fui eu que a tomei. Não foi ninguém que me disse: “-Olha, podias tentar ir… ou não sei o quê”… Tanto que quando cheguei a casa e disse que queria ir para a comunidade foi… ninguém estava bem dentro do assunto ou à espera…(…) Foi uma decisão minha, sozinha, fui eu que a tomei e decidi na altura que tinha de sair daqui, de fugir

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daqui… Só eu podia arranjar uma alternativa para me libertar destas coisas todas. Nessa altura eu estava decidido a ser ou caio de vez e vou até à última consequência e então que se lixe isto tudo… Ou então, se há uma luz ao fundo do túnel, vamos lá a ver se lá chegamos. Se chegar lá muito bem, se não conseguir chegar, se chegar à conclusão que realmente a minha consciência, a minha cabeça não funciona, para eu atingir os fins que quero e gostava… Se tal não funciona, então não estou aqui a fazer nada!».

Sobre o mal-estar manifestado por E1 é interessante verificar que o próprio dizia:

E1- “Especialmente andava mal, porque como eu sempre tive a noção da responsabilidade, da minha responsabilidade perante os meus filhos, perante a minha família, etc...”

3ª SUB-CATEGORIA FACTORES PROMOTORES DO PROCESSO: REGISTO

FORMAL SEMÂNTICO

CONTEXTO

FACTORES PROMOTORES DO

PROCESSO

VIDA SAUDÁVEL E

FAMÍLIA

TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA SITUAÇÃO

E1 – «(…) eu queria ter uma vida mais saudável em termos psicológicos e

portanto... ter mais disponibilidade para os meus filhos, para a minha família, procurando ter uma atitude diferente.»

E2 – «Porque, prontos, sabia que estava a... depois de pensar melhor um

bocado sabia como era, onde é que ia parar... Via o que acontecia aos outros amigos que tinha (no mundo das drogas), uns faleciam, outros iam presos, o caraças. (…) Por outro lado também queria uma coisa melhor, e influenciou-me um bocado mas nunca, prontos ao princípio não estava bem limpo, não sabia bem para o que é que vinha...(…) E antigamente a gente estava a ver tudo a desaparecer... (...) Pelo menos tentar a ver se conseguia parar para fazer um futuro melhor, não é? Não andar até um ponto em que uma pessoa se sentia mesmo mal, pois toda a gente me expulsava, a família, qualquer pessoa...

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CONSCIÊNCIA DO MUNDO A FUGIR A SEUS PÉS

(...) parar um bocado, a família a pressionar e prontos, foi nessa altura que eu sai... Pelo menos disse para mim, vou tentar! Não sei se consigo, mas tentar vou!»

E4 – «E eu não me queria ver nessa posição, nem a arrumar carros, nem andar a

“capiar”... pronto, ficar a viver no Bairro S. João de Deus, miseravelmente... Então pensei que tinha que fazer alguma coisa... E essa alguma coisa eu sabia o que era: voltar ao Projecto Homem... Fazer o programa de reabilitação, reabilitar-me, sair da droga e voltar a refazer a vida em Braga... Nem sequer queria voltar à Maia... Quando eu vim, entreguei as chaves de casa ao meu irmão e disse-lhe: “ – Olha, eu não quero voltar à Maia!”. O meu irmão veio trazer-me ao Programa e pronto, deixou-me...»

E5 – «A consciencialização do ponto em que eu tinha descido, em que eu

estava... Eu estava num caos... Mesmo a passar na rua (em Amarante), as pessoas que me viam e conheciam... eu até tinha vergonha. Foi uma desgraça para mim e para eles. Mas a consciencialização das coisas, o mal-estar era tanto tanto tanto que, quer dizer... eu estava viciada em cocaína, mas que no fundo não queria estar ali...(…) Eu sabia também que de qualquer maneira não ia aguentar muito tempo assim... Mesmo a nível psíquico estava muito abalada... a cocaína dá muito mais cabo da cabeça que a própria heroína.»

E7 - « [Na prossecução da alusão aos tratamentos anteriores e falhados e à tomada de consciência da situação grave em que se encontrava] No entanto comecei também a achar que falhou de certa forma o conseguir-me libertar e livrar do que se estava a passar… Tinha mesmo que sair daqui, que esquecer o meio onde vivia… Tinha que deixar aquelas coisas, aquelas rotinas que eu tinha…»

E7 - « O que me fez mexer foi sentir que estava tudo a fugir dos pés, como se costuma dizer. E o facto de eu achar que a vida não é só isso, de eu ter os meus sonhos, os meus ideais, de saber e estar consciente de que se

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RESPONSABILIDADE S SOCIAIS

PRESSÃO DOS AMIGOS

PRESSÃO FAMILIAR

continuasse assim não conseguiria atingir nada disso… Não conseguiria atingir aquilo que gostava e sonhava… É claro que eu na altura já andava a fazer um estudo sobre mim há muito tempo…»

E7 - « (…)gosto de trabalhar, de fazer pelos outros, de estar metido nas coisas e eu tinha essa vida antes de entrar no Meilão… E até estava responsável por certas coisas e tudo o mais e as pessoas com quem eu fazia parte sabiam do problema que eu tinha… Acho que isso foi decisivo para a minha mudança, para chegar à decisão que tomei… Sinto-me bem a fazer parte do coro, sinto-me bem estar no grupo de jovens, a fazer coisas com eles, a apresentar trabalhos, a fazer isto e aquilo… tou a perder isso tudo… Fazia também política, era vice-presidente da JSD da Trofa, tínhamos um grupo de trabalho que até fazíamos umas coisitas… E o PSD aqui até tinha algum peso e consegue juntar muita gente…»

E2 – «Eles chegavam à minha beira e diziam “ – António deixa-te disso pá, isso não é bom para ti! Deixa o pessoal com quem tu andas, pensas que eles são teus amigos mas não são!”. Eram bons conselhos, mas... entravam por um lado e saíam pelo outro...»

E2 – «Cheguei a um ponto em que a família começou a encostar-se a mim,

prontos a incentivar-me a ir para algum lado, que era o melhor para mim...

Prontos, já que nos estávamos a separar, mais cedo ou mais tarde creio que o meu destino era esse... para a rua ou sabe-se lá o que fosse ou o que poderia acontecer... E prontos, foi quando eu pensei nisso, mas... não foi fácil, custou-me sempre muito a aceitar...(…) Sim a minha família também me pressionou um bocado... Prontos... Mas faziam isso para o meu bem, prontos... a família estava toda bem e o caraças e agora eu era o único filho que... prontos, às vezes a falar com as pessoas até, prontos, as

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PRESSÃO EXTERNA

BOA SITUAÇÃO ECONÓMICA

ATITUDE

pessoas a comentar comigo... “... já tem uma certa idade”, “...aquele seu filho mais novo foi o que saiu mais torto...”, prontos e a família começou a unir-se e a fazer-me pressão...»

E3 – «(…) o meu avô faleceu e aí os meus tios, pronto... tentaram proteger a

minha avó... e aí retiraram-me o dinheiro (…) E claro, sofri uma pressão tal lá em casa que... esta minha tia disse-me que se eu queria realmente a cura, que fosse à Segurança Social ou não sei o quê...»

E4 – Sobre o 1º internamento - «Na altura eu estava a fazer o programa como...

digamos... uma necessidade de mostrar, de dizer à Fernanda que eu tinha vontade... mas não partiu de uma vontade própria, de uma iniciativa própria...»

E3 – «…Tive muita pressão externa... (…) Vinha para contentar o povo, continuar o programa…»

E4 – Sobre o 1º internamento - «(…)tinha rescindido com a EFACEC, tinha um subsídio de desemprego que era um bom subsidio, que na altura permitiu que a nossa vida continuasse com normalidade... realmente era um bom subsidio... posso dizer que em 1997 eu recebia 133 contos por mês... portanto permitia que nós continuássemos a nossa vida... portanto eu podia estar no Projecto Homem a fazer o programa, porque a nossa vida podia continuar com normalidade...

Entretanto a Fernanda na altura já trabalhava, onde trabalha agora, que é num dos infantários da Santa Casa da Misericórdia da Maia e portanto, a minha atitude no Projecto Homem e perante o programa era completamente diferente daquela que eu tive quando vim na 2ª vez...»

E4 – Sobre o 2º internamento - «Enquanto na 2ª vez, eu vim por uma necessidade, de realmente fazer alguma coisa por mim... E portanto a minha atitude no programa foi completamente diferente... Eu vim com vontade, com vontade de

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NASCIMENTO DO FILHO, CONSCIÊNCIA

APOIO DA FAMÍLIA

VERGONHA E

SOFRIMENTO

fazer aquilo que é preciso, de realmente mostrar as minhas fragilidades, de me mostrar tal qual eu sou, para também eu poder ao mesmo tempo conhecer-me e saber, digamos, o que fazer, conhecendo os meus pontos fracos, aceitando- os, admitindo-os, sabendo que os tenho e valorizando também os pontos fortes, podendo assim também fazer uma defesa maior perante, digamos, a droga, não é... resumindo, a diferença este na atitude.»

E5 – «Houve um querer muito grande!

E5 – «(…) depois de o meu filho nascer a consciência das coisas começou a ser

muito mais forte... e a culpa! E... e...mas.. pronto... isto a acrescentar o apoio da família. A minha família no fundo apesar de não saberem o que fazer nunca me largaram...e sempre soube que tinha ali apoio. E foram eles que me foram buscar. Foi o pai do meu filho, foi a minha mãe, a minha irmã... na altura foi uma confusão... E isso ajudou-me imenso. Quer dizer, se não fossem eles nessa altura, eu... não sei como teriam sido as coisas...mas de certeza não teriam sido como foram. Portanto foi principalmente a minha mãe no meio disto tudo, foi o apoio dela sem dúvida.»

E5 – «(Suspiro) Não sei se teria, não sei... Mas teria sido muito mais

difícil sem dúvida... Não sei se teria conseguido... Não sei por causa do miúdo... Ia ser muito complicado... Depois para o recuperar... Quer dizer, a minha família foi... Se eu não tivesse filho talvez... Agora com o miúdo ia ser muito complicado, ia ser complicado para mim, quer dizer eu saber que o meu filho estava a (...) todos os fins-de-semanas e saber que estava entregue à Segurança Social... Não é a mesma coisa... Não ia ser a mesma coisa... Seria outra...»

E6 - « Foi a vergonha e o sofrimento que eu estava a causar à minha família…

Não só à minha mãe… Mas mais na figura da minha mãe… Mas era com toda a gente. Foi mesmo isso…» E depois claro, acreditar no fundo que eu podia ser

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ACREDITAR EM SI PRÓPRIO

alguém… Que me estava a desperdiçar, basicamente…»

E6 - « E depois claro, acreditar no fundo que eu podia ser alguém… Que me estava a desperdiçar, basicamente…»

¾ Ainda sobre a descrição do percurso de passagem de uma vida de exclusão e toxicodependência para uma vida reinserida socialmente e livre da dependência de drogas será de referir as diversas tentativas realizadas pelos entrevistados:

E1 – «(…) tinha feito tentativas anteriores, tinha ido a uma psicóloga no Porto que me atenuou de certa maneira... Mas nunca consegui, nunca recorri aos CAT’s... Na psicóloga o que consegui foi alguns períodos de abstinência, mas nem sequer eram muito longos, de meses... Mas voltava a recair, digamos nas mesmas dificuldades, tinha falta de personalidade, na época a minha insatisfação levava-me a querer consumir e a necessidade também...(…) eu queria deixar a droga, sim senhora... Andei assim uns tempos, para ai 3 anos com ela. Mas tinha uns períodos em que andava abstinente, outros nem tanto e tal, e eu próprio também cansei da ajuda... Foi uma ajuda que efectivamente não aceitava... Andava a gastar muito dinheiro...

gastava mais na psicóloga que nos consumos.»

E2 – «(…) este foi o primeiro e único, não fiz mais nenhum. (...) Uma vez tentei uma cura a frio em casa, mas sem programa ou qualquer apoio... mas prontos, não tive sucesso nenhum. Saí à rua e estava3a consumir outra vez.»

E3 – «(…) já tinha feito tantas desintoxicações que esta última para vir para o Projecto Homem era só mais uma... Fiz um programa particular de um mês, tinha mais ou menos 23 anos, fiz um no Porto que era à base de entrevistas...e depois, prontos, se não tivéssemos possibilidades ou capacidades... tipo alguém tomar conta de nós, como era o meu caso ...). depois ia lá fazer umas consultas e uns testes de urina para ver se estava a consumir, tinha lá uma psicóloga... Era uma clínica que se chamava... Depois fiz mais 2 ou 3 numa clínica do Porto, depois estive no Hospital Magalhães Lemos...»

E4 ao longo do seu percurso de tentativas de tratamento passou 2 vezes pelo Projecto Homem. Sobre a 1ª tentativa de tratamento afirmou o seguinte:

« – (…) a 1ª vez que eu estive neste programa foi realmente uma passagem “teórica”, eu estive só cá 18 meses e foi uma passagem “teórica” que não teve qualquer resultado prático no meu problema.(…) Levei o programa até à fase final de Comunidade (2ª fase), tendo estado 18 meses em programa... Tive 6 meses na 1ª fase

(21)

(acolhimento), depois fui para a comunidade onde estive 9 meses... E quando estava já com 17 meses no total, à espera para passar para 3ª fase (Reinserção Social), desisti e vi-me embora... Vim-me embora e pouco depois já estava a recair...»

E4 – De referir que E4 nunca tentou outros tratamentos para além dos aqui referidos anteriormente. Nunca recorreu aos CAT’s, afirmando que nunca acreditou nas suas propostas de tratamento, que conhecia através do que lhe contavam parceiros de consumos. Afirmou que « – A metadona de substituição foi uma coisa que eu sempre rejeitei pessoalmente... Então vou largar a heroína e ficar dependente da metadona... Vou ter de lá ir todos os dias tomar a metadona? Nunca me pareceu uma boa solução para mim..»

E5 – «Eu cheguei a estar 6 anos sem consumir. E depois recaí com o pai do meu filho. Ele também tinha sido ex-toxicodependente e recaímos os dois. Eu só tinha feito desintoxicações! Nunca tinha feito programas tão compridos como os do Projecto Homem... Mas eu acho que isso hoje me ajuda no dia-a-dia... saber que é possível recair passados muitos anos... Mas a nível do número de tratamentos que fiz, nunca fiz nenhum programa... Agora tratamentos de desintoxicações físicas fiz imensos e nunca recorri a CAT’s, nem a metadona ou outra medicação de substituição...»

E6 resume de forma muito pertinente e eficaz o seu percurso de degradação, que culminou na decisão de mudança: «Posso dizer que o meu pior momento começa lá na Alemanha e culmina com o esticão…».

CATEGORIA II-“PROJECTO DE REINSERÇÃO SOCIAL (APREENSÃO E COMPREENSÃO DO CUMPRIMENTO DO CONTEÚDO DESSE PROJECTO)

1ª SUB-CATEGORIA - REFLEXÃO SOBRE O SIGNIFICADO DA EXISTÊNCIA DE PROJECTO(S)” E DE UM FIO CONDUTOR PARA O FUTURO, NUM PERCURSO DE REINSERÇÃO SOCIAL:

REGISTO

FORMAL SEMÂNTICO

CONTEXTO

(22)

SIGNIFICADO ATRIBUÍDO

FIO CONDUTOR

RETOMAR /RECUPERAR O TEMPO PERDIDO

PRINCÍPIOS/VALORES/MO DOS

CUMPRIMENTO DE UM PROJECTO

“O aqui e agora!”

E1 – «No meu caso, sinceramente, não havia muito a trabalhar... Foi mais um retomar, tendo havido uma interrupção...»

E6 - « É também o ter sentido que perdi muitos anos a fazer uma coisa que não devia ter feito… Mais a vontade de querer recuperar isso tudo o que perdi…

Aceitar o facto de isso ter acontecido e saber que também há um lado bom no meio disso tudo… Veio a experiência, veio o conhecimento e agora é tentar recuperar o tempo perdido e daqui a 5 anos dizer que consegui também estas coisas, um bocadinho mais tarde porque perdi estes anos a fazer isto, mas acabei por conseguir porque acho que estava destinado a consegui-las… Não é destinado, é que tinha as capacidades para conseguir… Acreditava nisso.

E1 – «Aquilo que eu considero que é mais importante na minha personalidade,

na minha forma de estar e que me apercebi, que no programa, para além de outras coisas, aquilo que eu tinha pessoalmente e que me garante alguma segurança cá fora sem comportamentos de risco, é o facto de eu ter os meus princípios, os meus modos... São os meus valores que me mantêm à tona. Eu se perder alguns desses valores, vou consumir outra vez. Não tenho a mínima dúvida. Esse é um aspecto fundamental! São os meus valores.»

E3 – «…A base é esta que tenho em mãos, a que vivo actualmente. (…) a ideia

que eu tenho é que o facto de ter feito o programa cumpri um projecto e é isso o que actualmente tenho, o cumprimento desse projecto. Eu sempre projectei aquilo que consegui até agora (…)»

E4 – «(…) quando fiz o programa havia até um lema que é “O aqui e agora”, que

significa que o importante, quando se entra no programa é centrarmo-nos no momento preciso, ou seja, “o aqui”, o local onde estamos e “o agora”, o momento preciso em que estamos. Ou seja, o importante é centrarmo-nos na

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realidade que nos trouxe ali e viver o momento presente que é a vontade de, digamos, fazer o corte com o passado. Aliás, numa 1ª fase do programa é importante é nem falar do passado, principalmente em termos de consumos... É um assunto que não interessa no momento. Isso vai ser posteriormente falado na 2ª fase, na Comunidade Terapêutica, ai sim, vamos buscar tudo o que se passou connosco. Mas na 1ª fase, no “Acolhimento” não... fazemos um corte com o passado e o importante é o momento, “o aqui” e “o agora”. (…)É na Comunidade (2ª fase). É na Comunidade que se começa a pensar no futuro...

Não é logo no início de Comunidade, é... digamos, depois de se passar a 1ª fase de Comunidade, aquela em que se vai trabalhar o primeiro “Grupo Estático”, ou seja, em que se vai falar exactamente do passado e tentar através de falar do passado, tentar reconhecer ou identificar “os porquês”... Normalmente, o primeiro estado que se trabalha, que se fala e chega aos “porquês”, fala-se de assuntos que não são alteráveis, não é...

Vai-se falar de um passado, daquilo que se fez, de atitudes, de comportamentos que se tiveram e que não são alteráveis, porque já foram feitos, por isso é que é estático. E portanto, depois de se fazer esse

“Grupo Estático”, que é o familiar, portanto em que se vai falar de como nos relacionamos com as famílias, desde putos, não é?... (...) A família não está presente, mas depois, depois de se fazer esse “Estático Familiar” há uma “Grupo Familiar” em que realmente, aí já há a intenção de se transmitir à família, de se assumir os actos, digamos aquilo que se fez, embora à partida tenham conhecimento, porque se passou com eles... Mas é um grande desafio pessoal, perante a família, sobre essas atitudes e comportamentos, e transmitir aquilo que se sente pelo facto de se ter tido essas atitudes... E também ao mesmo tempo, os sentimentos que se viviam nessa altura, desses comportamentos e dessas atitudes... Isso no fundo para quê, para tentar com que a partir dai o relacionamento seja mais aberto e mais franco, não é...

Porque a partir do momento em que a família verifica que a pessoa assumiu as

(24)

PROJECTO =SONHO

ACREDITAR EM SI E NO PROJECTOI/AUTO-ESTIMA

META (= FIO CONDUTOR)

suas atitudes e revela aquilo que sentiu e que sente no momento perante essas atitudes, há a possibilidade de a partir dai existir um relacionamento mais aberto e mais frontal, mais franco.»

E5 – «Quando é que eu comecei a acreditar nisso? De que podia mudar de vida?... Não sei... Talvez a meio da comunidade [2ª fase].... Só a meio da comunidade comecei a acreditar que era possível. Pelo menos comecei a ter...

a visualizar algo... Por exemplo, o facto de me tornar autónoma... eu acho que nunca iria conseguir viver sozinha com o meu filho. Achava que era impossível, que nunca iria conseguir. Não era capaz de viver por mim, tinha sempre que viver com os outros... A minha auto-estima estava verdadeiramente em baixo... Eu não acreditava em nada! Eu lembro-me de passar muitas vezes no centro de Braga e ver os jovens a sair de suas casas e nunca pensei que eu viesse a poder ter o meu próprio apartamento... Para mim não, era impossível... A minha auto-estima estava num caos. Foi então mais ou menos a meio da comunidade que comecei a elaborar objectivos para o meu futuro...

Pelo menos a acreditar neles um bocadinho... Não quer dizer que pensasse que ia consegui-los mas pelo menos já conseguia ver qualquer coisa.»

E6 - « Não desistir… Não querer desistir. E acreditar que posso fazer…»

E7 - «Tinha esta meta e se não atingisse esta meta, se as coisas normalmente não progredissem ou não houvesse aquele progresso que desejava, escusava de estar aqui por nada…»

E7 - «De certa forma o meu sonho e aquilo que eu queria sempre tive. Eu gosto e sempre gostei do meu trabalho… Já antes de ir para a comunidade trabalhava nisto… E era o meu sonho trabalhar nisto e fazer os meus próprios trabalhos… apresentá-los e essas coisas todas…»

(25)

¾ Quanto ao Projecto de reinserção social, será curioso verificar a observação do E2: «Nunca tinha ouvido falar no Projecto Homem... Fiquei assim naquela... E depois como nunca tinha frequentado um centro... o que é que será isto, o que não será... Chegaram a falar-me de terapia e eu fiquei assim um bocado... (...) E prontos, comecei... Só sei que nem sei se foi fácil ou não carago...»

Sobre o percurso de chegada à fase de “Reinserção Social” do Projecto Homem, E4 faz-nos a seguinte descrição:

E4 - « Portanto, quando se vem para a “Reinserção Social”, há uma primeira fase, que é a fase A, em que há, digamos, de certo modo, uma preparação para a fase B, que é a fase em que se vai procurar emprego...

Portanto, faz-se o acompanhamento no “Acolhimento”, vai-se ao “Acolhimento” acompanhar os grupos das pessoas que estão no “Acolhimento”, como chefe de grupo... No fundo, transmitir aos outros a experiência tida no programa até ao momento... Quer a passagem no “Acolhimento” quer a passagem na “Comunidade”... E também para os outros verificarem, digamos, a mudança que existe entre a entrada no programa e a chegada à “Reinserção”... Porque quem chega ao “Acolhimento” como chefe de grupo, é uma pessoa que também esteve lá no “Acolhimento” onde eles estão, que passou por essa fase, que passou pela “Comunidade” e que está a iniciar um trabalho de reinserção social. Portanto no fundo, é um testemunho àqueles que estão a começar o programa, de que é possível chegar a essa fase de voltarmos a tentar, de trabalhar no sentido de nos reintegrarmos na sociedade. Portanto, a intenção do programa é essa... É transmitir às pessoas que estão na 1ª fase do programa, que chegaram ao programa, de que houve outros que também tiveram essa iniciativa de começar o programa e que já estão numa fase mais adiantada, uma fase em que já vão tentar recomeçar um modo de vida. Depois também é preciso levar em conta, que quem está no “Acolhimento” vem com uma certa rebeldia, com uma certa rejeição àquilo para que vem... e depois eles vêem que quem já passou por lá, quem já esteve na “Comunidade”, quem já está na fase de “Reinserção” já tem uma atitude diferente perante as coisas... Uma atitude mais serena, mais pensada, mais objectiva, pronto, tudo isso, não é...»

E5 – «(…) eu soube do Projecto Homem através de uma associação que a minha chefe (de onde trabalhava, e que soube do problema através da minha mãe, porque ela perguntou-lhe por mim e claro esta teve de lhe dizer) e ela estava ligada a uma associação que era a Fundação Jorge Antunes (Vizela) e eles estavam ligados ao Projecto Homem... Então ela falou-me e à minha mãe e na altura fui... e encaminharam-me para o Projecto Homem...»

(26)

PERCURSO PECULIAR DE E4 ATÉ À FASE DE REINSERÇÃO SOCIAL:

E4 - «(…) devo dizer-lhe que nesta minha segunda entrada no Projecto Homem, eu só estive uma semana no

“Acolhimento” (1ª fase). Digamos que foi uma semana para eu assentar um pouco... E porque estava a fazer tratamento com medicação (Paxilfar para as dores e Serenal para a ansiedade)... E portanto estive uma semana a tomar isso, para não sentir a ressaca física... Depois fui logo para a Comunidade terapêutica (2ª fase)... E como já tinha estado em programa, sabia o que se pretendia no “Acolhimento” e portanto, o programa considerou que eu não tinha necessidade de mater o tempo habitual da 1ª fase que andava (na altura!) à volta de 6 meses... Actualmente... bom, isso é tudo muito variável... Mas portanto tive apenas uma semana e fui logo para a Comunidade. Na Comunidade é que estive 8 meses... O facto de já lá ter estado não invalidou de ter de fazer um trajecto de 8 meses... embora, de qualquer modo... hoje, habitualmente, um trabalho de Comunidade nunca se faz em menos de 9 ou 10 meses... De qualquer modo estive muito perto disso... (...). Na 1ª vez que fiz o programa estive 9 meses e desisti... embora estivesse mesmo no final, estava mesmo à espera de ir para a reinserção social (3ª fase)... Já tinha feito todos os grupos, inclusive o último, que é o “Grupo de Auto-Conhecimento”... Já tinha feito esse grupo e depois desse, passa-se para a

“Reinserção”, uma semana ou duas depois... Esse grupo é composto por uma sessão, um momento, portanto, normalmente é feito por 2 utentes... na altura fui eu e a Catarina, éramos nós que estávamos para vir para a “Reinserção”... Estávamos ambos na fase final de “Comunidade”... O grupo dura à volta de 2 ou 3 horas...

Aliás, normalmente o grupo começa num dia e acaba noutro... Porque normalmente, num dia faz um elemento e no outro o outro...»

CATEGORIA III-PARTICIPANTES NA ELABORAÇÃO DO PROJECTO DE REINSERÇÃO SOCIAL

1ª SUB-CATEGORIA A IMPORTÂNCIA ATRIBUÍDA AOS PAPÉIS DESEMPENHADOS PELOS SUJEITOS INTERVENIENTES: REGISTO

FORMAL SEMÂNTICO

CONTEXTO

FAMÍLIA E TODOS E2 – «Tinha acompanhantes… (…) Foi a família, amigos, tinha amigos, 6 ou 7, que eram meus acompanhantes… (…) Eles sempre foram meus amigos, mas no tempo dos meus consumos eu é que os abandonei...(…) Todos de uma forma geral.»

(27)

SUJEITOS INTERVENIENTES E

PAPÉIS DESEMPENHADOS

MÃE

ADVOGADO

E7 - «Sempre tive o seu apoio, sempre me ajudaram, sem dúvida nenhuma.(…) Também tive muito a ajuda do meu pai, dos meus amigos e dos meus irmãos! (…)e sempre tive o apoio de toda a gente. Da minha família, dos meus amigos, daquelas pessoas que me apoiavam e estiveram comigo nesses momentos, foram uma grande base, uma grande ajuda, um suporte de base. Eu no início, quando estava aqui… foram muito importantes… Claro que com aqueles receios naturais próprios de uma família, vamos tentar fazer bem aquilo, os caminhos que estávamos a pisar, onde nos estávamos a meter… Se valia a pena… Mas eu também tinha a certeza e a convicção de que sabia o que queria… E eles [família]

nunca foram lesados em nada! Eles estavam sempre lá quando era preciso…»

E1 – «(…) o papel realmente mais importante de todos foi o da minha mãe! Ajudou-

me não só em termos familiares e afectivos... (…).(…)é uma pessoa que gosta muito de mim...(…) ela sempre esteve no meu lado... E embora sofresse muito (…). (…) eu massacrei a minha mãe com tantos problemas (…). a minha mãe ajudou-me em termos afectivos e financeiros...».

E5 – «A minha mãe, sem dúvida! (…) a minha mãe estava sempre ao lado...»

E6 - « A minha mãe e o meu irmão. O resto do mundo não chega lá perto. Sei lá, não consigo saber o que seria o dia de hoje se não houvesse a minha mãe e o meu irmão. Apesar de sentir que está na pessoa ter força de vontade e… A minha dúvida é se essa força de vontade existiria se eles não existissem… (…) E essa maturidade do meu irmão e a segurança da minha mãe, as qualidades que eu vejo num e noutro é que também me dão motivação e apoio.»

E1 – «Por outro lado, também tive o advogado que era uma pessoa excepcional, com uma inteligência fora do comum, e uma sensibilidade muito grande e que me ajudou mesmo muito a resolver muitos problemas. (…) Tive um belíssimo advogado, uma pessoa muito culta e também muito boa... Ajudou-me muito»

(28)

EQUIPA TERAPÊUTICA

PAI

FILHOS

E1 – «(…) a Sara e outros terapeutas, mas mais a Sara deram-me muito, sempre

estiveram disponíveis para mim, para me ouvir... A Sara acompanhou-me desde o início da fase da Reinserção... (…) a Sara nesse aspecto sempre me ajudou muito, sempre esteve disponível, sempre que precisei, sempre me ouviu. E isso ajudou-me...»

E4 – «E depois toda a equipa terapêutica que sempre me apoiou e sempre me

incentivou...».

E7 - «No início foram todos os profissionais que trabalhavam na C. T. do Meilão… Com a ajuda e credibilidade que de certa forma também senti, acreditei. E é assim, foi muito importante porque o que custa mais é o 1º passo. E eles fizeram-me acreditar de certa forma… Eu sonhava muito ir para Barcelona [para fazer um curso de formação profissional na área dos vitrais]

e nunca pensei que isso fosse possível. Com a ajuda da C. T. Meilão isso foi possível.»

E1 – «(…) o meu pai durante toda a vida...nós nunca tivemos uma relação muito

próxima... O meu pai tem um feitio muito especial, é uma pessoa muito conservadora... Pronto, com muitos preconceitos... Apesar de tudo e sobre o meu problema de toxicodependência ele sempre se preocupou muito, é meu amigo, pronto, etc... Mas também nunca soube demonstrá-lo muito bem. (…) Nós temos uma relação de afecto mas não vai para os problemas... (…) Até mesmo porque ele tem um problema de coração (…) E portanto o pai não tem um papel assim activo...»

E4 – «(…) foram os meus filhos, o Hugo e o João. Porque... portanto, eu fui para

a “Comunidade” mais ou menos ao fim de 2 meses comecei a sair... Ia à Maia para estar com eles... Portanto, eu logo na 1ª saída assumi perante eles a culpa por tudo aquilo que eu fiz, pelo que os fiz passar, pela realidade que

(29)

IRMÃOS E IRMÃS

eles têm actualmente, que seria diferente se eu não tivesse tido esse trajecto, não é... Eles, digamos reafirmaram isso... Devolveram-me, confirmaram que passaram por isso por minha causa...Mas disseram-me que o importante era que realmente eu mudasse e que voltasse a ser o pai que realmente já tinha sido para eles... Eles também viram-me de um modo diferente...(…) Portanto eles viam o pai com uma outra atitude... e portanto para eles era importante que eu voltasse a ser o homem responsável que já tinha sido... E portanto, isso foi importante...Por outro lado, verificar também que a Fernanda acreditava que eu era capaz, se quisesse que era realmente capaz.»

E5 – «O meu filho, embora ele fosse pequenino (…)».

E1 – «O meu irmão teve um papel importante... (…) o meu irmão também me ajudou

em termos afectivos, de apoio. Ele era também uma das pessoas com quem partilhava alguns problemas...(…) ele também me ajudou bastante, também me apoiou durante o programa todo... E até a minha cunhada. (…) partilhei com ele sobre as dificuldades e problemas... Ele é uma pessoa muito sensata, experiente nos negócios e também tive daí uma boa ajuda... (…) sei sempre que ele está disponível para mim...»

E1 – «(…) não quero deixar de referir o papel da minha irmã na minha

recuperação... (…) a minha irmã era uma pessoa muito afectiva e sempre gostou muito de mim, apesar dos problemas todos (…). (…) sempre me apoiou muito no programa... Até vivia com ela antes de ir para o programa... Teve um papel muito importante, portanto ajudou-me muito, mesmo muito em termos pessoais...

Não posso deixar de referir que ela me ajudou muito...»

E2 – « (…) mas a minha irmã, o meu irmão tiveram um papel primordial...(…) mais

importante foi a minha irmã mais nova. Essa foi sempre... também era a que...

quando ia para casa dos meus pais era a que estava a viver com eles e me acompanhou mais de perto. E a minha irmã e o meu irmão a seguir, com umas

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