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PROPRIEDADE DE ESCRAVOS E TERRAS NA CAPITANIA DE SÃO PAULO (BRAGANÇA, ATIBAIA E NAZARÉ, C.1816 C.1820) 1

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PROPRIEDADE DE ESCRAVOS E TERRAS NA CAPITANIA DE SÃO PAULO (BRAGANÇA, ATIBAIA E NAZARÉ, C.1816 – C.1820)

1

Déborah Oliveira Martins dos Reis

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Esta comunicação pretende deter-se sobre a posse e a distribuição da terra entre proprietários e não proprietários de escravos, assim como observar o uso de escravos pelos possuidores de terras e as diferenciações e hierarquias advindas da presença da mão-de-obra cativa nas propriedades rurais da região do entorno da capital paulista compreendida pelas localidades de Bragança, Atibaia e Nazaré em 1816-1820.

Para tal lançamos mão das listas nominativas de habitantes (maços de população) das localidades em tela nos anos de 1816 e 1820 e, em maior escala, dos registros de terras (tombamento de bens rústicos) de 1818.

Desde o início de seu povoamento, a região estudada foi agrícola, produzindo essencialmente produtos de subsistência, visando ao autoconsumo e/ou o mercado regional. Em economias cujos produtos principais são típicos de subsistência ter onde produzir e não necessariamente ser o proprietário das terras onde se está produzindo era o mais importante. E, ainda mais importante, era ter braços para que essa terra pudesse ser trabalhada. A terra, como fator de produção, valia proporcionalmente pouco e mesmo diante de um evidente mercado de terras, os maiores investimentos tendiam a concentrar-se na força de trabalho: escravos. Assim, nessa economia, a policultura viu-se associada, em grande medida, à propriedade de menores extensões de terras e os escravos definiam o ponto a partir do qual era possível crescer produtivamente.

O cadastramento de bens rústicos aponta para Bragança em 1818 um total de 530 propriedades que juntas conformavam uma área de 73185,143 alqueires paulistas. Essas propriedades estavam nas mãos de 523 indivíduos (excluindo-se os casos em que havia mais de um proprietário para o mesmo terreno). A sua vez, foram descritas no tombamento atibaiense 246

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NÃO TENHO INTERESSE EM PUBLICAR ESTE TEXTO NOS ANAIS

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Professora adjunta da FACE/UnB. Contato: deborahreis@unb.br

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propriedades, sendo que para duas delas não foi mencionada a área. Todas as propriedades foram arroladas por indivíduos, a nenhuma correspondia entidades, ainda que houvesse “Campos pertencentes aos moradores que se acham situados juntos a capela de N. Senhora do Carmo”; e juntas somavam 128816,40 alqueires paulistas. E por fim, para Nazaré, o inventário de bens rústicos apresentou descrição para 271 propriedades, que ocupavam uma área total de 28478,250 alqueires paulistas. Ao todo, estamos a tratar de 1047 propriedades e uma área total de 128816,793 alqueires paulistas.

Essas terras, se observadas a repartição por faixas de tamanho, caracterizavam-se por uma forte concentração, cerca de 52% das propriedades que correspondiam a terras de até 50 alqueires paulistas, com uma área média de 17,9 alqueires, apropriavam-se de tão somente 7,6% da área total declarada. Em contrapartida, as 11 maiores propriedades (1,1%), com áreas acima de 1000 alqueires, média de 2433 alqueires, respondiam por 20,8% das terras da área considerada, ou seja, a uma área de 26760 alqueires paulistas. Grande parte das propriedades estava nas faixas intermediárias de tamanho: propriedades entre 100 e 300 alqueires respondiam por 24,2% das do número de propriedades e por 32,6% da área arrolada, ou seja, 42024,3 alqueires paulistas. (cf.

Tabela 1)

Tabela 1

Distribuição das propriedades de acordo com faixas de tamanho

(Bragança, Atibaia e Nazaré -1818)

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Considerando as localidades isoladamente observamos que o índice de Gini para Bragança foi de 0,688; Atibaia 0,645 e Nazaré 0,776; todos bastante elevados, apontando para a forte concentração já adiantada e ainda mais pronunciada no caso de Nazaré. Nesta última, o contingente das propriedades de até 50 alqueires era bastante significativo, as quais – sendo 69,5% das glebas arroladas (42,8% delas com até 10 alqueires) –, respondiam por pouco mais da décima parte (11,6%) da superfície nazareana. Podemos notar, por outro lado, que três propriedades, entre as 269 declaradas, dominavam, conjuntamente, 37,9% de toda a área descrita.

Tal constatação não surpreende, pois já foi anotado por Canabrava (1972) que a estrutura fundiária da Capitania de São Paulo era bastante concentrada. Seja no conjunto da área – Gini igual a 0,86, com 70,23% das propriedades nas mãos de 5% dos proprietários com as maiores porções de terra – seja considerando diferenciações regionais: 0,69 na região da Capital, 0,92 na região fortemente vinculada à pecuária, 0,82 no Vale do Paraíba, 0,88 a 0,90 ao longo do litoral e 0,82 na região açucareira.

Ademais de Canabrava, os valores por nós calculados, no que tange à considerável concentração das terras, vão na mesma direção daqueles apresentados para as propriedades paulistas por Nozoe (2008), que explicitou a recorrente concentração encontrada:

O índice de Gini de 0,87 evidencia uma estrutura fundiária marcada por uma concentração elevada em São Paulo. É importante ressaltar que, apesar das ligeiras variações, altos níveis de concentração foram observados em regiões com diferenças bastante nítidas, tanto do ponto de vista econômico como da antiguidade do povoamento. Índices abaixo daquele apurado para o conjunto da Capitania foram encontrados na periferia da grande São Paulo (0,70) e nas regiões Açucareira (0,82) e Vale do Paraíba (0,83). Observamos os maiores níveis de concentração no Litoral Centro-Norte (0,88), no Litoral Sul (0,90) e na região da pecuária (0,94).

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Ou seja, não fugiu ao modelo concentrador de terras a área por nós estudada.

O número de propriedades de até 50 alqueires era tão significativo, que determina a moda para o total de propriedades bastante inferior à média; evidentemente a presença de poucas propriedades com grandes áreas eleva o valor da média, que atingiu 105,9 alqueires paulistas. A

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NOZOE, N. A apropriação de terras rurais na Capitania de São Paulo. Livre docência. São Paulo: FEA/USP,

2008.

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propriedade típica tinha oito alqueires, demonstrando a importante presença dos proprietários de terras bastante pequenas na economia do período.

Podemos considerar que um grande número de pequenas propriedades é um estímulo à ampliação da produção de autoconsumo, necessária ao menos para o sustento da unidade familiar, visto que diminui a possibilidade de áreas não cultivadas dentro das propriedades. Por outro lado, consideradas as condições de produção extensivas da época, deveria haver dificuldades no próprio sustento da família e menos excedentes gerados – excedentes eram necessários ainda que utilizado no escambo, para aquisição de gêneros obtidos necessariamente no mercado, a exemplo do sal.

Warren Dean (1977, apud RANGEL, 1998, p.359) aponta que para uma família de seis prover adequadamente a sua subsistência seria necessária uma área de 40 ha, o equivalente a cerca de 16,5 alqueires paulistas.

Dentre todas as propriedades, a maior e a menor encontravam-se em Bragança: a menor fatia de terra tinha apenas 0,03 alqueires e a maior 7200 alqueires, ou seja, a maior propriedade era inimagináveis 240 mil vezes maior que a menor extensão de terras registrada. Essa grande diferença entre as propriedades reflete as distintas realidades de seus proprietários. Enquanto os 0,03 alqueires pertenciam a Domingos da Silva, um negro forro de origem Mina que vivia de seus jornais, detinha direitos sobre a maior propriedade Jacinto Rodrigues, capitão-mor da vila de Bragança.

O capitão-mor era senhor de 7200 alqueires localizados no Curralinho, onde possuía também uma outra propriedade anexa que se estendia por 600 alqueires, ambas tinham como vizinho Lourenço Justiniano Freire. Ou seja, na prática havia uma única propriedade de 7800 alqueires, referidas como sesmaria e adquiridas por compra.

A maior propriedade divisava a leste e a norte com a capitania de Minas Gerais e ao sul

“com outra sesmaria dos moradores da Freguesia de Nazaré”, situada que estava no Morro do Lopo, que ainda hoje é marco divisório entre São Paulo e Minas Gerais.

A menor sesmaria foi comprada a João Rodrigues Antunes “no lugar denominado fazenda do Lopo” e a maior das propriedades tinha “2000 braças e por compra que fez do capitão Antonio Leme da Silva e João Francisco de Oliveira tem mais 4000 braças que por todo preenche todo o terreno desta sesmaria em 6000 braças de frente, e 6000 de fundo [7200 alqueires – DOMR]”

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Relação dos habitantes que possuem seus terrenos na vila Nova de Bragança. 1818 – AESP, Tombamento/C09868

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Juntos, Jacinto, Antonio e João Francisco, moradores em Atibaia (que àquele tempo compreendia Bragança, então denominada Jaguari) – foram sesmeiros, após apossarem-se, de sertão ao pé do Morro do Lopo contíguo às terras de João Rodrigues Antunes – total ou parcialmente foram os 600 alqueires supracitados a ele adquiridas por Jacinto –, cuja carta de sesmaria foi passada em 12 de novembro de 1789.

[...] achando-se com seus escravos sem terras suficientes em que os pudesse ocupar, se apossaram de um sertão ao pé do morro denominado Lopo, contíguo as terras de João Rodrigues Antunes, cujo sertão estão possuindo os suplicantes sem contradição de pessoa alguma, fazendo pião as mesmas terras onde findam do Sr. João Rodrigues Antunes, correndo duas léguas de testada, uma para sul e outra para o Norte, e duas de sertão para leste e oeste. Pelo que me pediam lhes concedesse por sesmaria as ditas terras em que se acham de posse [...]

com a declaração que as cultivarão, e mandarão confirmar esta carta de sesmaria por Sua Majestade dentro em dois anos.

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Ainda que o prazo para confirmação fosse de dois anos, a “Carta de sesmaria confirmada por Sua Alteza Real a Jacinto Rodrigues Bueno, Antonio Leme da Silva e João Francisco de Oliveira de 3 léguas de testada e 2 de sertão para o leste no distrito da Vila Nova de Bragança” foi passada aos 8 de agosto de 1806.

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Já Antonio Leme da Silva, sesmeiro de quem parte das terras foram compradas, era Capitão no bairro do Rio Abaixo onde possuía uma propriedade que ocupava 132 alqueires paulistas. A propriedade foi adquirida por compra, todavia originou-se igualmente de uma sesmaria, desta feita que recebeu o sargento mor Jose Garcia, cujos títulos não pudemos localizar. As terras estavam todas em cultura e existiam ali 24 escravos.

A propriedade de Jacinto, em 1818, contava com o trabalho de 18 escravos, dele mesmo e agregados – o que se corrobora com os dados apresentados no censo populacional, que aponta o dito Jacinto com 19 escravos em 1820; e Salvador Bueno de Oliveira: “Reside em uma gleba de terras que lhe conferira seu sogro o capitão mor Jacinto Rodrigues Bueno para trabalhar nas mesmas terras; esta dentro de sua mesma fazenda. Tem ali 18 escravos entre alguns pupilos”

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No entanto, seus escravos: “[...] vários pertencem a sua família pelo inventário a que procedeu por morte de sua mulher.”

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Salvador, anteriormente ao matrimônio com a filha de Jacinto, Gertrudes, foi casado com Jacinta que faleceu aos 31 anos em 1808. Com ela Salvador teve

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AESP, Sesmarias, patentes e provisões/C00369, Livro 25

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AESP, Sesmarias, patentes e provisões/C00373, Livro 33

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Relação dos habitantes que possuem seus terrenos na vila Nova de Bragança. 1818 – AESP, Tombamento/C09868

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Relação dos habitantes que possuem seus terrenos na vila Nova de Bragança. 1818 – AESP, Tombamento/C09868

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três filhos, o mais velho tinha, quando falecida a mãe, três anos, ou seja, a partilha não foi efetivamente levada a cabo e os filhos tem participação nos escravos que possui desde aquele tempo, mas que, na lide agrícola compunham um único plantel sob as ordens do capitão Jacinto.

Além dos supracitados outros proprietários detinham cativos, declarados em cerca de 34,5%

das propriedades em 1818, sendo de apenas 21,1% o percentual de propriedades de até 50 alqueires nessa condição. No outro extremo, encontramos entre aquelas terras muito grandes, com 500,1 a 1000 alqueires, 87,5% vinculadas ao trabalho cativo.

Como mostram as Tabelas 2 e 3, o número médio de escravos elevou-se ao longo das faixas de tamanho das propriedades, considerando-se as propriedades com escravos. Entre aquelas propriedades de até 50 alqueires a média de cativos relacionada ficou em 4,2, elevando-se a 5,6 entre as terras de 100,1 a 300 alqueires e a 14 entre as propriedades com mais de 500 alqueires.

Tabela 2

Distribuição das faixas de tamanho das propriedades entre propriedades com e sem escravos

(Bragança, Atibaia e Nazaré – 1818)

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Tabela 3

Distribuição das propriedades com e sem escravos de acordo com faixas de tamanho das propriedades (Bragança, Atibaia e Nazaré – 1818)

No entanto, a correlação entre número de cativos e área foi reduzida: 0,39. Apesar de as grandes extensões possuídas, a quatro daquelas onze maiores propriedades não correspondia nenhuma escravaria. É dizer, as grandes propriedades nem sempre estavam ligadas à posse de cativos, entretanto, quando o vínculo existia, o plantel correspondente era, em regra, composto por vários indivíduos. Ademais, havia propriedades realmente pequenas com menção à presença de cativos.

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A menor propriedade com escravos em Bragança tinha apenas 0,25 alqueires e Florentino Paes “emprega nesta fazenda 3 escravos este terreno é cultivado”. Assim como chama atenção a quantidade de cativos na gleba de Antonio Alves de Oliveira, naquela mesma localidade que

“possui 185 braças de frente e de fundo 400 [14,8 alqueires – DOMR] emprega nesta fazenda 13 escravos no lugar chamado Lopo este terreno é todo cultivado tem seus títulos de carta de venda e comprou do coronel Luis Antonio”.

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No outro extremo de extensão das propriedades escravistas estavam os dois maiores plantéis declarados no tombamento de bens rústicos: 37 escravos pertencentes ao sargento-mor Fernando

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Esses fatores, observados para o Vale do Ribeira por Agnaldo Valentin (VALENTIN, A. Uma civilização do arroz:

agricultura, comércio e subsistência no Vale do Ribeira (1800-1880). Tese de doutoramento. São Paulo: FFLCH/USP, 2006), levaram o autor a concluir que na região analisada não havia uma correlação clara entre área possuída e número de escravos.

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Relação dos habitantes que possuem seus terrenos na vila Nova de Bragança. 1818 – AESP, Tombamento/C09868

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Dias Paes Leme e 35 deles compondo a escravaria de Francisco de Lima Bueno, que foi identificamos como o segundo maior escravista da vila de Bragança em 1816, com 31 cativos.

Fernando possuía terras com 900 alqueires de área, e Francisco mantinha seu plantel cultivando em seus 1560 alqueires.

Em Atibaia, o capitão Nicolau tinha pequenas propriedades entra suas diversas glebas. A maior delas, onde residia e mantinha em cultura com 22 escravos, estendia-se por 225 alqueires de área no bairro do Mato Dentro e a menor de suas propriedades eram apenas 0,320 alqueires arrematados em praça. Havia ainda, entre a menores propriedades, uma propriedade de 8 alqueires, duas de 28,130 e duas de 30 alqueires. Conjuntamente, suas propriedades somavam 590,330 alqueires paulistas.

Ainda nessa localidade, vale destacar a presença de uma propriedade de 900 alqueires pertencente a Lucas de Siqueira Franco, em que estão empregados 35 escravos. E duas propriedades com 675 alqueires que empregavam 22 e 21 cativos. A primeira pertencia a Jerônimo Godois Moreira, e a segunda, localizada no bairro de Itapetinga, pertencia a Josefa Rodrigues da Cunha e seus herdeiros.

Josefa e seus herdeiros receberam as terras por herança. Em 1816 localizamos na lista nominativa Josefa, então com 59 anos, casada com Angelo Franco Correa, então com 71 anos e possuidor naquela ocasião de 36 escravos. Entre 1816 e 1818 Angelo deve ter falecido, legando terras e escravos à mulher e aos filhos José (15 anos) e Gertrudes (19), possivelmente os herdeiros referidos no tombamento.

Quanto a Nazaré, a maior das propriedades, única situada no Ribeirão de Santo Agostinho,

pertencia ao “reverendo padre vigário colado” Luis Manoel de Souza Freire, natural de São Paulo,

cujas terras foram obtidas por carta de sesmaria. Como sabido, a possibilidade de adquirir uma

sesmaria estava ligada à capacidade de cultivá-la. Luis Manoel em 1799 já se encontrava em Nazaré

e, naquele ano, possuía um único cativo. Nos anos seguintes mencionou nas listas nominativas três

escravos, e em 1812 este número já era de 18, chegando ao limite de 24 em 1816, que acrescidos

em um indivíduo correspondem àqueles declarados como trabalhando em suas extensões, que

ademais da sesmaria incluía 48,75 alqueires de terras comprados pelo padre e onde “é sua chácara”.

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Em sendo as menores propriedades, com até 50 alqueires paulistas, aquelas presentes em maior número (546), que representam mais de 52% das propriedades arroladas, como apontado anteriormente, são também responsáveis por maior percentual de terras com escravos 32,7%, sendo seguida pela faixa de 100,1 a 300 alqueires: 30,7%

É dizer, as menores propriedades eram a maioria das terras descritas e respondiam pela maior parcela das unidades produtivas que contavam com o trabalho cativo, porém, consideradas em seu conjunto, era relativamente pequeno o percentual dessas menores propriedades com a presença de escravos.

Mas nem todos os indivíduos proprietários de escravos e/ou ligados à agropecuária possuíam terras. Observando todas as propriedades registradas no tombamento de 1818 (no total de 2091), verificamos para cerca de 34,5% delas menção à presença de cativos, ou seja, cujos proprietários declararam recorrer à lide escrava para a sua produção agrícola.

Tabela 4

Fogos de acordo com a posse de terras e escravos (Bragança, Atibaia e Nazaré – 1816, 1818, 1820)

O total de 2091 escravos arrolados, no entanto, é consideravelmente inferior à quantidade

encontrada nas listas nominativas. Considerando os anos 1816 e 1820, o número total de cativos foi

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de 2812 e 3050, respectivamente, indicando a presença de muitos donos de escravos não proprietários de terras.

Da mesma maneira, as propriedades arroladas no tombamento representam tão somente 38,2% do total de fogos listados na lista nominativa de 1816 e 37,3% na lista de 1820. Se considerarmos apenas aqueles fogos ligados exclusivamente ao setor agricultura, esses percentuais elevam-se a 70,7% e 77,4%, mas ainda assim indicam importante presença de lavradores sem terras próprias. Estamos diante, então, de um grande contingente populacional que vivia e mantinha sua atividade produtiva principal em terras de outrem, havendo imóveis rurais com vários domicílios em seus domínios.

Podemos supor que alguns desses indivíduos chegaram a tornar-se proprietários dessas terras que cultivavam. Isto pode ter ocorrido com os sítios situados na propriedade do Sargento mor Lucas de Siqueira Franco dono de terras “que em parte há mais largura, e em parte muito menos de largura; pois tem três sítios pequenos no meio das terras, que vem a ser um de Antonio Rodrigues Tibaia, outro de Maria Francisca, e outro de Salvador Preto.” (Relações dos Sítios e terras de Atibaia. 1818 – AESP, Tombamento/ C09868) Maria Francisca e Salvador Preto Cubas têm, cada um seu “sitio e terras de nome Pinha que houve por herança de seus pais”, onde moram. A sua vez, Antonio tinha um “pedaço de terras” que foi herdada por sua mulher.

Olhando mais de perto os dados, conforme apresentado na Tabela 4, podemos unir as informações do tombamento com a lista nominativa e estabelecer uma aproximação para a composição dos fogos no que respeita à posse de terras e de escravos. Havia indivíduos sem terras e sem escravos, sem terras e com escravos, sem escravos mas proprietários de terras e alguns atibaienses detinham terras e escravos.

O maior percentual era devido àquela parcela de chefes de fogo sem terras e sem escravos,

pouco inferior a 54%. É dizer, parcela majoritária da população da região em tela contava com

trabalho familiar, eventualmente de agregados, para produzir, e o fazia em terras que não eram de

sua propriedade. Conjuntamente com outros cerca de 24-25% dos fogos, situados em terras

próprias, mas que também utilizavam trabalho familiar, esses domicílios deveriam constituir um dos

segmentos menos abastados da região no Oitocentos, somente se diferenciando daqueles mais

pobres a viver em terras alheias devido ao acesso à propriedade fundiária.

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Os chefes de fogo com terras e escravos, eram cerca de 13% do total e possivelmente representavam a parcela mais abastada da sociedade local. Como bem mencionou Maria Luiza Marcílio, a terra

é ao mesmo tempo um meio de produção e um meio de definição social, o suporte do status’. Aumentando a superfície possuída, o grupo doméstico tem aumentada sua capacidade de produção que só será conseguida com o aumento da força de trabalho. Assim, ele tem necessidade de aumentar o número de seus membros, agregando novos braços, comprando escravos, ou então recorrendo ao sistema de arrendamento de porções de suas terras que ele não tem condições de cultivar. À medida que a extensão de suas terras aumenta, o chefe do fogo aumenta concomitantemente sua superfície social, seu status, sua segurança e a de seus herdeiros.

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Mas, se em tese esses senhores seriam os indivíduos mais abastados por possuírem riquezas na forma de capacidade produtiva (terras mais escravos), vale lembrar propriedades realmente pequenas onde foi mencionado o trabalho de cativos e, o número de cativos encontrado nessas terras era, mais comumente, bastante reduzido, com moda 1 e mediana 2.

Muitos desses minúsculos plantéis possuíam escravos em idades não tão produtivas e/ou com problemas de saúde, implicando que não necessariamente, por possuir um cativo, esses indivíduos estavam em melhores condições que aqueles não escravistas, porém em domicílios com número maior de livres que possam representar, na prática, maior potencial produtivo. Apesar dessa possibilidade, o trabalho escravo ainda era essencial em grande parte das terras que declararam estar em cultura.

A convivência entre trabalho livre, trabalho escravo e posse de terras pode ser observado nas terras de “Antonio de Souza Furtado possui uma propriedade de terras em o bairro denominado Vicente Nunes [Nazaré – DOMR] que terão de extensão três quartos e de fundo e testada trezentas braças cujas possuiu por herança de onde existe em cultura com vinte e oito herdeiros e sete escravos”.

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Assim, podemos aventar também, a idéia de que produzir em terras alheias não era prerrogativa exclusiva dos detentores de pequenas escravarias, ainda que os maiores escravistas, provavelmente, produzissem em terras de parentes que, em algum momento, herdariam. Vide o caso do já citado de Salvador Bueno, que trabalhava com seus 18 cativos nas terras de seu sogro, o capitão mor Jacinto Rodrigues.

11

MARCÍLIO, Maria Luiza. Caiçara, terra e população: estudo de demografia histórica e da história social de Ubatuba. São Paulo: Edusp, 2006, p.65)

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Relação da primeira companhia da Freguesia de Nazaré e dos habitantes que possuem seus terrenos no ano de 1818.

1818 – AESP, Tombamento/C09868

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Ademais do acima exposto, a presença de proprietários de escravos e sem terras deveria ser situação especialmente válida para aqueles possuidores de uma menor escravaria: arrendatários, agregados, casais jovens que receberam de seus pais cativos como dote e que residiam em casas cedidas pela família

Os escravos adquiridos pelos pequenos proprietários, em muitos casos, possivelmente objetivavam complementar a mão-de-obra doméstica. Possuir escravos poderia estar relacionado à ação conjunta de necessidades econômicas e demandas sociais. Uma parte dos escravos adquiridos seria destinada às atividades agropastoris das localidades, mas outra atenderia a tipos distintos de atividades, como serviços pessoais, por exemplo. De uma maneira geral, possivelmente nas atividades artesanais os escravos poderiam estar ligados à própria produção; no comércio urbano, poderiam ser utilizados em diversos tipos de atividades como carregamento de mercadorias ou atendimento nas lojas, o que não os liga necessariamente à terra.

Concordamos com a afirmação posta por Rangel para a vila de Taubaté em 1798, e ousamos estendê- la, como padrão, às localidades por nós consideradas:

[...] parcela substantiva da população – denominada de agregados – era destituída de propriedade imobiliária e vivia em terras alheias ou casas alheias, contraindo, portanto, algum tipo de relação de dependência e subordinação com relação aos proprietários de imóveis urbanos e/ou rurais. [...] Os agregados constituíam os elementos mais humildes da população livre, pois além de viver a favor, em sua maioria não possuíam escravos [...] No entanto, os agregados não envolviam somente estranhos e pobres, mas, também, parentes e amigos. [...] Nesse segmento, os que viviam em terras de parentes pareciam compor um segmento mais favorecido pela riqueza ‘com padrões semelhantes aos estratos mais altos’

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Por fim, como temos tratado ao longo de todo o texto, um dos grandes fatores a impulsionar a utilização da terra era a presença de mão-de-obra que, como vimos em outro momento, era caracterizada pelo trabalho familiar e pela conjugação deste com a força de trabalho cativa. Dados a esse respeito foram conseguidos, em alguma medida, apenas para Atibaia. Como mostra a Tabela 5, entre as propriedades com escravos 77% explicitaram estar em cultura.

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RANGEL, Armênio de Souza. Dilemas da Historiografia paulista: a repartição da riqueza no município de Taubaté no

início do século XIX. Estudos Econômicos 28(2): 351-368, abr./jun, 1998, pp.356-357

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Tabela 5

Distribuição da área das propriedades de acordo com o uso da terra e presença de cativos

(Atibaia – 1818)

As propriedades escravistas explicitamente dedicadas à cultura correspondiam a 67,6% da área onde residiam escravos e eram três vezes maiores que aquelas dedicadas ao mesmo tipo de atividade, porém com mão-de-obra exclusivamente livre. Sendo a média de escravos na cultura de 6,5 é necessário que se tenha uma área suficiente para que esses indivíduos exerçam atividades, posto que aumentar o trabalho, mantendo constantes os outros fatores produtivos leva a reduções na produtividade marginal do trabalho, não justificando, então, a manutenção dessa mão-de-obra. O percentual de propriedades em que foi identificada cultura era de apenas 25,2% nas propriedades sem cativos. Por outro lado, apenas dois fogos escravistas (1,9%) não realizavam nenhuma atividade ligada à agropecuária, número que se elevava a 17 (12,2%) entre aqueles sem cativos.

Parece claro, novamente, que a mão-de-obra escrava impulsionava a produção. Da mesma maneira,

as propriedades sem escravos apresentaram maior percentual de omissão na declaração, 52,5%

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mencionaram estar as terras com algum tipo de cultivo ou incultas, provavelmente por serem estas propriedades produtoras apenas para seu próprio consumo.

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Menção a criação localizamos em apenas 12 propriedades, com até 300 alqueires paulistas.

Nenhuma delas contava com o trabalho de cativos, o que é compreensível visto ser essa atividade menos intensiva em mão-de-obra.

Fontes

AESP - Arquivo Público do Estado de São Paulo

Maços de população – completos

 Atibaia e Nazaré: 1816 (rolo 17); 1820 (rolo 17)

 Bragança Paulista: 1816 (rolo 26); 1820 (rolo 27)

Tombamento de bens rústicos

 Atibaia: 1818 (C09868 - Relações dos Sítios e terras de Atibaia. 1818)

 Bragança Paulista: 1818 (C09868 - Relação dos habitantes que possuem seus terrenos na vila Nova de Bragança)

 Nazaré: 1818 (C0968 - Relação da primeira companhia da Freguesia de Nazaré e dos habitantes que possuem seus terrenos no ano de 1818)

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Na comparação do arrolamento de terras com o arrolamento populacional de 1816, em que pese a grande dificuldade na identificação dos indivíduos, foram localizados 153 proprietários de terras, que respondiam por 174 propriedades, 70,7% das propriedades arroladas. As ocupações foram declaradas para 143 indivíduos e, como esperado, esses proprietários de terras estavam majoritariamente ligados ao setor agricultura: 62,9%. Havia considerável percentual de chefes de fogo ligados a múltiplos setores, 32,9% (47 pessoas), mas destes 35 tinham o setor agricultura como uma das atividades desenvolvidas, conjugada, em especial com cargos militares, conforme anotado em capítulo anterior. Quatro indivíduos declaram-se apenas como “pobre”. Entre aqueles arrolados no setor agricultura, 26 (28,9%) declararam ser lavradores para seu sustento. Entre eles, 19 proprietários tinham terras de até 100 alqueires, 18 não possuíam escravos e 13 eram proprietários de terras até 100 alqueires e não possuíam escravos. Logo, 50% dos lavradores “para seu passar”

enquadram-se no padrão de proprietários de pequenas áreas de terra, não escravistas.

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Bibliografia

CANABRAVA, Alice Piffer. A Repartição da terra na capitania de São Paulo, 1818. Estudos Econômicos 6(2):77-129. 1972.

GUTIÉRREZ, Horacio. A Estrutura fundiária no Paraná antes da imigração. Estudos de História.

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Referências

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