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Perspectivas para o ensino da redação: da instrução escolar à informatização da escrita

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Academic year: 2018

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Rev. de Letras v. 19 - No. 1/2- jan/dez 1997

52 Resumo

O artigo discute perspectivas para o ensino da redação face à informatização da escrita. Analisa as repercussões do advento da imprensa e da introducão do computador para o usuário da escrita, repensando o papel da escola. Mostra o que muda e o que permanece no ensino com as novas tecnologias desenvolvidas, apontando possibilidades.

Abstract

This article discusses an outlook for the teaching of composition in view of writing informatization. It analyzes the effects from both of the press and the introduction of computerization to the writing users, by reconsidering the role of school. It shows both what changes and what is preserved in education, following the new developed technologies and suggests possibilities as well.

Key-words

writing, composition, text, teaching of writing, teaching of composition.

Proponho uma reflexão sobre as perspectivas para o ensino da redação, num contexto mais amplo que o da escola. Para isso abordarei as transformações ocorridas na tecnologia da escrita com a descoberta da imprensa e do computador, repensando o papel da escola.

Algumas questões se colocam inicialmente: Qual o sentido de discutir o ensino da escrita hoje? Como se situa a escola numa sociedade informatizada, onde já se dispõe de

tecnologia para escrever através de processadores de texto? É mais fácil? É mais complexo? Por que? Para quem? O computador dispensa a instrução escolar?

Eu diria que continua sendo difícil... porque a escola não acompanha as transformações tecnológicas, mesmo nos países desenvolvidos. Além disso, o conhecimento sobre a escrita não é gerado na escola. Na verdade, ele sempre nos chegou através de especialistas da área: escribas, escritores, revisores de textos e, nos dias de hoje, as inovações são introduzidas pela imprensa, normatizadas nos imanuais dos grandes jornais. Depois da invenção da escrita, dois grandes momentos da história da humanidade merecem destaque nesta análise: a invenção da imprensa e a do computador. Em cada um desses momentos houve uma transformação radical no modo de conceber a escrita e nos padrões esta-belecidos para redigir, com profundas implicações sociais, práticas e também pedagógicas.1

Mas exatamente por que é importante focalizar estes momentos de ruptura com as formas tradicionais de escrever? Talvez porque nas inovações experimentadas, ao se trocar um meio de escrita por outro, diferentes fatores e problemas envolvidos na produção de um texto passem a ser vistos com maior clareza.

Na verdade, compor em linguagem escrita é um processo complexo. É preciso saber como expressar diferentes experiências linguísticas em diferentes moda-lidades de linguagem (fala ou escrita), fazendo isso em um veículo também novo. Assim, novas competências vão sendo exigidas do redator. E as possibilidades que surgem, se por um lado facilitam o processo (para quem já sabe redigir), por outro lado, na perspectiva do aprendiz, implicam em

* Professora do Departamento de Letras Vernáculas da UFC, Doutora em Linguística Aplicada ao Ensino de Língua (Língua Materna).

1

Kittay (1996:180) nos dá elementos para esta reflexão quando analisa os problemas de compreensão da cultura escrita, face à própria escrita. Explica ele que “(...) Quando uma cultura se transforma historicamente, o canal que usa para tipos específicos de mensagens, as relações entre a fala e a situação, são trazidos à tona e, possivelmente, reconstruídos de maneira radical. Quando os códigos ou canais que funcionam como fundo ou primeiro plano são redistribuídos em decorrência de uma mudança material nos meios de comunicação, modelos perspectivos e cognitivos também sofrem mundanças.”

PERSPECTIVAS PARA O ENSINO DA

REDAÇÃO: DA INSTRUÇÃO ESCOLAR

À INFORMATIZAÇÃO DA ESCRITA

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O papel escolar de ensinar a ler e a escrever ganhou importância. Mas na leitura se continuou a enfatizar a leitura oral e, na escrita, a privilegiar a forma. (Vejam como isto se mantém tantos séculos depois...)

A informatização do conhecimento ocorreu quase cinco séculos depois da invenção da imprensa, transfor-mando o modo de produção da escrita, que se tornou automática. A partir de então, generaliza-se o uso de processador de texto conectado a uma impressora, que passa a ser um aparelho doméstico. Além de cada um poder fazer sua própria impressão de textos2, torna-se possível trans-portar as informações em disquetes, que também podem ser “lidos” em outros aparelhos e reproduzidos rapidamente em quantas cópias forem necessárias. Com esta tecnologia a escrita dá seu segundo grande salto qualitativo.

Do mesmo modo que a descoberta da imprensa com caracteres móveis e as máquinas de escrever com teclas próprias para certas operações como separar palavras, acentuar, usar maiúsculas, sublinhar etc, possibilitaram ao usuário enxergar claramente os padrões a utilizar; assim também a introdução dos processadores de texto evidenciou subprocessos envolvidos na produção de um texto. Agora o redator pode, por exemplo, separar operações diversas, anotando idéias e deixando edição e formatação do texto para depois. Pode, ainda, ir e vir dentro do texto, revisá-lo e

transformá-lo mediante inserções, apagamentos, desloca-mentos, além de poder acessar dicionário e corretor de ortografia. Pode passar do conteúdo à visualização de sua forma, além de poder fundir dois ou mais textos num novo texto. Isto sem falar nas inúmeras possibilidades gráficas de que dispõe.

O advento da informática, tal como a descoberta da imprensa criou novas necessidades, mercados e profissões, fazendo surgir digitadores, analistas de sistema, instrutores e professores de informática. Ela transformou até mesmo a própria imprensa, chegando até a alterar a relação dos já letrados com os textos. Redatores proficientes que não dominam o computador podem chegar a se sentir como verdadeiros analfabetos. Da mesma forma, redatores medíocres com conhecimentos de informática podem, por vezes, passar por escreventes funcionais. Diferentes programas com textos preparados para atender a propósitos variados de escrita estão disponíveis. E um simples atendente pode acessar um texto, produzindo um recibo, uma decla-ração, um laudo de exame, um formulário, uma procudecla-ração, um parecer jurídico etc.

Diante desta maravilhosa tecnologia, pergunta-se: será que resta alguma coisa a nós pobres humanos? Sim... fica o principal: a criação, a composição, o manejo da modalidade escrita em todas suas nuances de significado, a resolução dos diferentes problemas que surgem na escrita de um texto, que é sempre único... Assim, os aspectos de revisão que ultrapassam a forma e a habilidade de editar o texto na perspectiva do leitor imaginado dificilmente terão soluções automáticas.

O computador não cria idéias, nem linguagem escrita, ele apenas agiliza o processo de organizá-las, permitindo-nos “navegar” e editar com maior eficácia. Sua entrada irreversível no mundo letrado longe de substituir o homem, abre espaços novos à nossa infinita capacidade de criar e gerar conhecimento. Nunca foi tão importante saber ler

e escrever como hoje! 3

O acesso à tecnologia da escrita, apesar de ter sim-plificado o trabalho de transcrição e organização do texto, ainda não resolveu a dificuldade maior do processo, que é justamente a de conciliar os diferentes fatores em jogo no ato de redigir. Num certo sentido, essa tecnologia também trouxe novos problemas para o redator. Vejam, por exemplo, os problemas que surgem na elaboração de um fax, com-parando-se a uma carta.

Em ambos os casos trata-se de enviar uma mensagem escrita, mas há novas dificuldades para o redator, pelo fato de o fax ser uma transmissão imediata, aproximando-se fortemente do meio oral em relação ao tempo da emissão, além do caráter público que assume. Enquanto uma carta é conhecimentos adicionais para a resolução de problemas de

outra natureza. Ou melhor, de velhos problemas com uma função nova...

Vejamos um exemplo. Não é simples para uma criança passar de uma conversa para uma história. E se a diferença for entre uma conversa e uma história escrita a atividade torna-se ainda mais complexa. Se além disso, a proposta for escrever a história num computador, novas convenções terão que ser aprendidas. É como se, gradativa-mente, fossem sendo criadas linguagens de linguagens. Mas o domínio de uma nova tecnologia para redigir não dispensa o principal, que é aprender a compor em linguagem escrita. E mais, diferentes convenções de escrita podiam ser adotadas, conforme a procedência do texto, dependendo do

escriptorium medieval que o tivesse elaborado.

A partir do momento em que os textos passaram a ser publicados tudo mudou. Os caracteres se uniformizaram, surgiram regras obrigatórias de uso e depois normas editoriais. Novas profissões foram criadas, como o revisor de texto medieval, que conhecia mais sobre a transcrição do texto, que o próprio autor. A liguagem escrita ganhou outro

status e a leitura privilegiada passou a ser a leitura visual. O

acesso ao conhecimento foi facilitado pela padronização da forma e pela possibilidade de reprodução e divulgação dos textos.

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O autor das marcas gráficas agora pode ser o próprio editor do texto (Ferreiro, 1996:26).

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escrita num tempo e espaço diferentes daquele em que será lida e tem um destinatário específico; um fax é recebido logo que o texto acabou de ser escrito e sua audiência é imprecisa, podendo, inclusive destinar-se a várias pessoas, na medida em que funciona como uma “carta aberta”. Esta interface entre o público e o privado é suficiente para criar inúmeros problemas na forma de tratamento, no uso de palavras indicativas de lugar, tempo e modo, nas referências aos dados da situação comunicativa,nas informações pressu-postas na mensagem etc. É curioso observar que dificuldades semelhantes ocorrem com a criança que está aprendendo a lidar com o meio escrito. Não é fácil para o redator princi-piante dirigir-se a uma audiência desconhecida e não individual (pública).

Examinemos, pois, o significado dessas conquistas tecnológicas para o ensino da escrita, tentando perceber o que cada uma delas desvela sobre este processo.

Historicamente, a passagem do manuscrito para o impresso, com o advento da imprensa, no final do século XV, foi uma revolução tecnológica tão drástica, como a que estamos vivendo hoje com a introdução da escrita auto-mática, via processadores de textos. Foi desencadeada a imposição gradativa do público sobre o privado.

Até o advento da imprensa os textos eram

manus-critos e havia uma separação nítida entre o autor do texto e

o escriba, que era quem fazia sua “transcrição” gráfica. Ainda não haviam normas padronizadas de uso e convenções fixas para a escrita. Poucas pessoas sabiam ler e a leitura privi-legiada era a oral. Para se ter idéia da flutuação existente, basta dizer que a pontuação, por exemplo, não era colocada no momento da composição, mas durante a leitura, ao arbítrio do leitor. Mas voltemos ao fio condutor de nossa reflexão, questionando o principal. E a escola? Como está respondendo a esta revolução tecnológica operada no modo de produzir textos? Estará preparada? Saberá tirar partido do imenso potencial posto a seu serviço? Estará percebendo que o próprio modo de relação com o impresso e o com-portamento leitor podem ser drasticamente afetados pelo manuseio da escrita numa tela? (Ferreiro, 1996:27) Estará consciente de que agora também lhe cabe a tarefa de ajudar a criança a entender as novas linguagens e de produzí-las?

Lamentavelmente a resposta ainda é negativa, ressal-vadas as excessões de escolas ricas que já estão aparelhadas e introduzindo seus alunos na linguagem da informática. Mas até estas ainda estão longe de aplicar a tecnologia da escrita em aulas de redação que façam sentido. Ao contrário, o que se vê é o uso do computador como acessório, ou a produção de mais teorizações, agora sobre um meio novo...

Resta a expectativa de que a instituição escolar saia de seu casulo secular e se dê conta de que os modos de

produção escrita mudaram radicalmente. E que vá além da mecânica do produto, voltando-se para as possibilidades do

processo, que certamente ficaram muito mais visíveis com

as operações que o computador possibilita.

Em termos de instrução para redigir nada se mo-dificará se os alunos apenas forem postos diante de um processador de texto, aprendendo os comandos existentes. O papel indispensável do professor continua sendo o de criar situações verdadeiras de uso da escrita, demonstrando como se redige, em tarefas voltadas para os diferentes subprocessos envolvidos na produção de um texto, trabalhando conteúdo, estrutura e estilo, mostrando como integrar diferentes níveis linguísticos (palavra, frase, parágrafo e texto). E, acima de tudo, propondo situações de ensino significativas, que mantenham o caráter comunicativo da linguagem.

Neste caminho novo cabem muitas outras questões: Por que é tão difícil para quem começa a escrever no computador produzir um texto diretamente no monitor, sem antes tê-lo escrito à mão? Como lidar com a falta de perma-nência do texto escrito numa tela de computador? Como preservar a visão de conjunto que tende a se perder na escrita automática, apesar dos recursos de visualização disponíveis? Problemas da mesma natureza se colocam para a criança que está aprendendo a redigir. Ela também fica dividida entre exigências motoras de grafar palavras e exigências formais da escrita, perdendo a visão de conjunto do texto que está compondo.

Como se vê, os novos meios tecnológicos recolocam questões básicas do aprendizado da escrita e nem tudo são expectativas positivas... Se é impossível transmitir o prazer de ler e de escrever, e ensinar a fazê-lo, sem ser usuário verdadeiro da escrita, o mesmo acontece com a tecnologia da escrita. Não é o técnico em informática da escola que deve trabalhar a escrita num processador de texto, mas o próprio professor de língua portuguesa. E este só o fará bem, se, de fato, souber usar um processador de texto. Redigir

será sempre redigir, seja numa forma manuscrita,

datilo-grafada, ou impressa; não importa se usando um estilete, uma caneta ou o teclado de um computador.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERREIRO, Emilia. “La Revolución Informática y Los Procesos de Lectura y Escritura.” In: Lectura y Vida

-Revista Latinoamericana de Lectura, Año 17, diciembre 1996-4, p. 23/30.

KITTAY, Jeffrey. “Pensando em Termos da Cultura Escrita.” In: OLSON, David R. e TORRANCE, Nancy. Cultura,

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