P O R U M A
FILO S O FIA
C O N TR A
A
R E S IG N A Ç A O :
G IA C O M O
LE O P A R D I C R íTIC O D A M O D E R N ID A D E '
A
(F O R A P H IL O S O P H Y A G A IN S T
P E S IG N A T IO N '
G IA C O M O
L E O P A R D I)
CBA
R E S U M O
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A o p ro p o r u m a "filo so fia d esesp era d a " (''filo
-so fia d isp era n te"}, L eo p a rd i p ressu p õ e o p rin cíp io d o
n a d a , q u e co n stitu iria o n to lo g ica m en te to d a s a s co
i-sa s. E le recu i-sa en tã o to d o o p en i-sa m en to q u e b u sq u e,
a in d a , u m a su sten ta çã o a p a rtir d e u m a "ra zã o u n
i-versa l e a b so lu ta ", a o recu p era r e rein teg ra r - n o
â m b ito d o co n h ecim en to - o u tra s fa cu ld a d es lig a d a s
à exp eriên cia sen sível h u m a n a (estético ). Isso p o
ssi-b ilita ria co m p reen d er, a o m esm o tem p o , a co n d içã o
h u m a n a q u e se a p resen ta m a rca d a p ela exp eriên cia
d a in felicid a d e. E ste texto p reten d e exp licita r o s
ele-m en to s q u e p o ssib ilita ra m este p en sa m en to
"d esm istifica d o r" e "co m b a tivo " co n tra a s fa lsa s ela
-b o ra çõ es filo só fica s d e u m "sécu lo a ltivo e to lo ".
P a l a v r a s - c h a v e : F ilo so fia d esesp era d a , n a d a , fu n d a m en to , p rin cíp io sen su a lista , in felicid a d e.
A B S T R A C T
W h en L eo p a rd i p ro p o ses a "d esp era te
p h ilo so p h y" (''filo so fia d isp era n te"), h e p resu p p o ses
th a t th ere is a n o th in g n ess p rin cip le co n stitu tin g a li
th in g s o n to lo g ica lly. T h en , h e refu ses every th o u g h t
th a t is still su p p o rted b y a "u n iversa l a n d a b so lu te
rea so n ", A s [a r a s kn o w led g e is co n cern ed , h e tries
to resto re a n d in teg ra te so m e fa cu lties lin ked to h u m a n
sen sitive exp erien ce (a esth etics). A t th e sa m e tim e, th is
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
FÁBIO ROCHA TEIXEIRA2w o u ld m a ke p o ssib le th e u n d ersta n d in g o f h u m a n
co n d itio n m a rked b y th e u n h a p p in ess exp erien ce. T h is
text in ten d s to e xp la in s th e el em en ts o f th is
"ch a llen g in g " a n d "d ism istifyin g " th o u g h t w h ich
fig h ts th e p reten d ed p h ilo so p h ica l ela b o ra tio n o f a
so ca lled "a rro g a m a n d fo o lish " c e n tu rv .
K e y - w o r d s : d esp era te p h ilo so p h y, n o th in g n ess,
fo u n d a tio n , sen su a list p rin o ip le , u n h a p p in ess.
P o d eria , a q u i n o p rin cíp io a lo n g a r-m e b a
s-ta n te so b re a s em u la çõ es. a in veja . a s cen
-su ra s a cerb a s, a s ca lú n ia s. ap a rcia lid a d e.
a s p rá tica s, o m a n ejo o cu lto e evid en te co n
-tra a tu a rep u ta çã o , e o s o u tro s in fin ito s o b
s-tá cu lo s q u e a m a lig n id a d e d o s h o m en s
o p o r-te-ã o n o ca m in h o q u e in icia stes
LEOPARDI (OPÚSCULAS MORAIS)
Giacomo Leopardi ' (1798-1837) - numa carta endereçada a De Sinner" (24 de maio de 1832) - ex-põe o seu protesto contra os homens de sua época que insistiam em atribuir o conteúdo dos seus pensamen-tos filosóficos a seus "so frim en to s p a rticu la res". O autor diz de sua coragem de não ter se influenciado por vãs esperanças de um futuro feliz e nem ter se restringido a uma "b a n a l resig n a çã o " frente à vida, assumindo, todavia, uma postura de enfrentamento
diante desta, algo que teria contribuído, no decorrerSRQPONMLKJIHGFEDCBA
IUma primeira versão deste texto foi apresentada na forma de comunicação (D o p rin cíp io d o n a d a àco n d içã o h u m a n a : a crítica d e . G ia co m o L eo p a rd i a o fu n d a m en to ), em São João Dei Rei (Minas Gerais), em 27 de outubro de 1999. na V Semana de Filosofia da
FUNREI
!Aluno do Curso de Graduação em Filosofia da Universidade Estadual do Ceará. Desenvolve pesquisa como bolsista (estética e herrnenêutica) sob a orientação do professor Expedito Passos
3Uma das grandes controvérsias em torno do poeta e pensador G. Leopardi é, na verdade, aquela que problernatiza sobre o estatuto filosófico de sua obra: "Leopardi é ou não é filósofo?" Certamente, ele atacou a presença do "esp írito d e sistem a " C 'L a p estifera sm a n ia d e [a r sistem i") no interior da filosofia, considerando como uma herança da tão odiada Escolástica. Para este autor, o "a m o r a sistem a s" é algo prejudicial para o acesso ao verdadeiro. O verdadeiro pensador, no seu entender, não deveria seguir e tampouco elaborar sistemas. Trata-se de pensar por si mesmo, seguindo as próprias faculdades e com os próprios passos, ao apreender as coisas. 4 G. Leopardi, L a vila e le lettere, Milano, Garzanti, pp. 514-515.
, 10SRQPONMLKJIHGFEDCBAe m d W e ç 3 1 0
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d esesp era d a "? .obre o opo ito - que 'e ra m ,II[1ilJ~
"condiçõe materiai ' do que ao o n te ü de suas idéias - ele re ela que o fundamento das ríti que lhe foram dirigidas, derivam muito mai da ne-ce idade dos homens de erem per uadido pelo mérito da existência e pela sua lassidão do que pro-priamente em relação a seu entendimento, uma vez que, terminariam reduzindo todo o teor de seus pen-samentos a uma "determinação particular". Longe de se tratar de uma "revo lta in d ivid u a l" perante a vida, Leopardi reitera o seu ponto de vista em relação ao
"d estin o h u m a n o ", e conclama a todos os seus leito-res a considerarem a destruição de suas observações e raciocínios em vez de acusar as suas mazelas.
Na mesma carta, o autor fala de seus sentimentos em relação ao "d estin o h u m a n o " e indica uma poesia
contida nos"C a ru i'" , intitulada "B ru to M in o re"! [1824],
que, por sua vez, expressaria através de elementos auto-biográficos a sua posição frente à vida, ou mesmo, os seus sentimentos face a um mundo injusto, que o teria conduzido, portanto, a uma "filosofia desesperada".
Nesse sentido, vem revelada, em "B ru to M in o -re", a completa recusa leopardiana a toda circunstância resignativa por parte do indivíduo em relação à própria existência, pois está exposta a resistência que deve ter o homem em admitir sujeitar-se passivamente a qual-quer tirania, seja moral, política e inclusive a "forças ultraterrenas" que lhe afastem de uma experiência vi-tal, mais vigorosa, que reduza a presença do "desejo" e "ilusões", terminando por lançar o homem na mais in-fame indiferença e acomodação em relação a sua pró-pria infelicidade e "destino". Diz Leopardi: "Ignorantes da culpa e próprias dores,! as feras venturosas,! Calma ao portal extremo as acompanha! A velhice'" .
Leopardi identifica-se com "B ru to " ao propor uma alternativa de resistência e luta em relação à vida, contrapondo-se a esta de forma corajosa e, porque não dizer, heróica, como exprimem os versos seguintes: "Dor não sentei Quem de esperança é nu?/ Guerra
e.Ó rte ingrata,! O bravo se agiganta./ . e a mão tirana'!Que vencedora es-tendes aesmagá-10 JIndômito evitando se levanta"? . Recusando toda e qualquer sujeição humana em
rela-.. o rça s" terrenas ou extraterrenas, é e ele ropõe. te canto, a reação e o enfrentamento diante ircunstãn ias do acaso, (que é indiferente ao bome e recbaça, portanto, toda atitude de su-bordinação a garantias em relação a um futuro feliz. Trata- e aqui de sua negação a promessas de uma "vida extraterrena" já que conduziriam os homens à acomodação e ao e aziamento da ilusões e desejos a serem realizados ou concretizados neste mundo.
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N A D A : A "D E S C O N S TR U Ç Ã O " D ETO D O FU N D A M E N TO Ú LTIM O
Mas, as reflexões leopardianas que expressam uma "filo so fia d esesp era d a ", ou seja, de atitude e enfrentamento corajoso por parte do indivíduo fren-te à realidade, revela, todavia, outro elemento a ser abordado e, igualmente, considerado em termos de seu pensamento filosófico, a saber, a problemática do nada. "Tudo é nada no mundo", diz ele, "também o meu desespero, do qual todo homem, mesmo sá-bio, embora mais tranqüilo, e certamente eu mesmo numa hora mais quieta conhecerei a inutilidade, a irracionalidade e o imaginário ... , é vã, é o nada tam-bém esta minha dor que num certo tempo passará e se anulará, ..."10
Nesse sentido, o nada se apresenta, segundo o autor, como algo que primeiramente fundamenta a existência das coisas, dos "fenômenos", tanto natu-rais como humanos, e ao nada se conduzem, pois dele partiram. O nada é elemento primeiro e originário da natureza de todas as coisas existentes, éo que as cons-titui, o que as permeia e o que as espera ao final de todo processo constitutivo do existente. Como explicita Leopardi: "Cada parte do universo apressa-se, infatigavelmente, para a morte com solicitude e celeridade admiráveis"!' .
5 Leopardi associa tal filosofia a conseqüências de sua coragem e, ao mesmo tempo, a resultados de suas pesquisas filosóficas.
6Esta obra exprime, segundo Bandini, a posição leopardiana em relação às discussões literárias de seu tempo: o problema da poesia. Como se poderia fazer ainda poesia, numa determinada fase da história humana dominada pela teoria da utilidade, postulada pelas obras literárias dos liberais-moderados? Leopardi recusa esta concepção, na medida em que nela identifica um signo eminente de morte da poesia. Numa carta dirigida a Pietro Giordani, ele afirma que lhe dá náusea ao se deparar "com o soberbo desprezo que aqui se professa em relação a todo belo e a toda literatura: não me entra, na mente, que o máximo do saber humano seja conhecer política e estatística". (G. Leopardi, L a vita e le le tte re , p. 430). Ver aqui, também, G. Leopardi, C a n ti, Milano, Garzanti, p. XI).
7G. Leopardi, C a n ti, pp. 59-67. Momento de ruptura na postura leopardiana na qual "a s ilu sõ es" são submetidas à crítica e os deuses são julgados para responder sobre a condição humana. Aqui, a hostilidade da natureza se esconde no comportamento das "cria tu ra s"
(sol, pássaros ...) indiferentes ao destino humano.
x G. Leopardi, P o esia e P ro sa , trad. bras. Alfonso Félix de Souza, Alexei Bueno et aI., Rio de Janeiro, Nova Aguilar, p. 200. ~ Ibidem.
1 0G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I, Milano, Mondadori, p. 71.
I I G. Leopardi, Cântico do Galo Silvestre, in: O p ú scu lo s' M o ra is, p. 418. Destaca-se aqui a relação entre o nada e a morte. Ele
identifica o nada porque reconhece a inutilidade do todo.
Desta maneira, o nada é
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p rin cíp io o rig in á riod e to d a a existên cia , no qual, todas as coisas estão
entrelaçadas, e no seu desenrolar caminham em sua direção.SRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ considerado pelo autor como um princípio autônomo em relação às coisas mesmas, pois não de-pende delas para existir, não está sujeito à existência
das mesmas. Ao contrário, a única certeza, e por sua vez, realíssima, de que se tem ao se julgar as coisas
existentes é a de que uma vez existindo também se aproxima o dia do seu fim: "Não podendo morrer o
que não existia, porque do nada emanaram as coisas que SãO"12.
Neste contexto, onde o nada se evidencia,
Leopardi afirma, ainda, que esse "princípio" não se limita apenas às coisas, mas o princípio "de Deus
mesmo é o nada". Ele se contrapõe, portanto, a toda idéia de "fundamento último e absoluto",
descons-truindo, assim, todo princípio absoluto e funda-mentador da realidade, "já que nenhuma coisa é
absolutamente necessária" 13.
Ele termina - no desenvolvimento de sua
ex-posição sobre o princípio do nada - operando,
tam-bém, a desmistificação do "ca rá ter d e
n ecessid a d e" 14 que pretensamente existiria na
re-lação entre as coisas, ou na rere-lação do fundamento e
eu objeto. Na verdade, este caráter não se eviden-ia no seu pensamento, já que o nada é pensado, pelo
autor, como um princípio independente do seu objeto, ou melhor, nem mesmo existe para esse princípio um
objeto específico, pois ele é totalmente indiferente a
todo objeto existente.
Desta maneira, Leopardi, ao negar o "ca rá ter
d e n ecessid a d e" entre as coisas, desconstrói também
a idéia de algo fundamentado, ou seja, de um
princí-pio que fundamenta as coisas, tanto em sua dimensão particular, como também em sua dimensão universal
e absoluta.
O autor afirma - ao negar qualquer princípio
universal e absoluto - que não há nada que se
interpo-nha ou determine as coisas por antecipação (em
rela-ção ao modo em que elas se apresentam), pois uma
vez presentes, não haveria nenhuma razão de não ser, e devido ao fato de serem, uma coisa e não outra, é
que se pode falar da existência nelas mesmas de "uma
razão suficiente de ser ("u n a ra g io n su fficien te d i
essere") e ser de um determinado modo: "justamente
porque elas podiam não ser ou ser todas as outras'"> ,
e se são da forma que se apresentam, e não de outra forma, que razão explicaria o não ser, ou aquilo que não se apresentou, que não se configurou, que não
chegou a existir?
É , neste sentido, que se exprime em Leopardi,
a negação de toda e qualquer pretensão de "funda-mento" e "explicação última" em relação ao
existen-te, pois compreende a impossibilidade de tal princípio e problematiza-o quando postula a seguinte pergunta: "pode existir uma razão universal de todas as coisas
que são ou podem ser, e do seu modo de ser - mas a razão desta razão qual será?" 16
Ora, é precisamente através desta
argumenta-ção que ele reforça a negaargumenta-ção do caráter de
necessida-de ontológica no que concerne ao que existe, ao mesmo
tempo em que desconstrói, também, toda idéia de fun-damento baseado nestarazão, opondo, desta forma, o
nada, e eliminando a necessidade, pois "não preexiste, . portanto, a necessidade" 17. Mas, todavia, preexistindo
o nada, "p reexiste a p o ssib ilid a d e".
"Quer dizer que um primeiro e universal prin-cípio das coisas, ou não existe, nem jamais existiu",
diz o autor, "ou se existe ou existiu não podemos de
modo algum conhecê-Io, já que não temos nem
pode-mos ter o mínimo dado para julgar as coisas diante
das coisas, e conhecê-Ias para além do puro fato real" 18. Portanto, "nós não podemos conceber nada para além da matéria" 1 9 , no entender de Leopardi.
Confirma-se, nesse momento, a dimensão ma-terialista-? do pensamento leopardiano, na medida em
que se nega todo e qualquer princípio primeiro
fundamentador, de caráter universalista e absoluto
(metafísico), baseado numa relação de necessidade
L Ibidem, p. 417.
1 G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I, p. 484. 1 Ibidem.
15 Ibidem. p. 580. 16lbidem.
1 Ibidern. 1 Ibidem, p. 484. 19 Ibidem, p. 580.
Cabe no momento, enfatizar a recusa leopardiana tanto ao C o g ito ca rtesia n o quanto às "id éia s in a ta s". Leopardi afirma que "o homem não pode nem com o intelecto, nem com a imaginação, nem com nenhuma faculdade ... nenhuma espécie de idéia ultrapassar Dum único ponto a matéria, e se ele acredita ultrapassá-Ia e conceber ou ter uma idéia de uma coisa qualquer não material, engana-se totalmente; assim, ele não pode com o desejo passar de um único ponto os limites da matéria" (Cf. G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. li, p. 936). A reflexão leopardiana conduz também à chamada "d esp la to n iza çã o " do pensamento e a uma crítica em relação ao cristianismo (Ibidem, pp. 931-938).
entre as coisas. O nada que preexiste ao objeto, termi-na, agora, evidenciando-se enquanto um conjunto de possibilidades-' que, na verdade, são indeterminadas e indiferentes ao objeto. Este ultimo, por sua vez, se liberta de todo princípio absoluto e necessário, e está livre para constituir-se ou não, para ser ou não ser, quando e onde, desta forma ou daquela, não impor-tando qualquer discussão sobre um pretenso caráter de anterioridade àquilo que se manifesta. Importa, apenas, a material idade do objeto em questão, segun-do explicita o autor.
HGFEDCBA
A FIR M A Ç Ã O D O "POÉTICO' E C R iTIC A
À R A C IO N A LlD A D E A B S TR A TA
-O P R IN C iP I-O S E N S U A LlS TA
Mostra-se, aqui também, o
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"p rin cíp io sen -su a lista " leopardiano, uma vez abandonada apergun-ta sobre a essência das coisas e de sua origem. Ele parte, ao contrário, das coisas e da sua material idade, pois essência e aparência estão unidas numa só coisa, no existente. "Ora, a aparência não apenas basta, mas é a única coisa que basta, e é necessária e a única necessária. Porque a substância sem a aparência não produz qualquer efeito e nada obtém, e a aparência com a substância não faz nem obtém nada mais que sem essa: onde se vê a substância ser inútil, e o todo está apenas na aparência'V? .
Leopardi quis, referindo-se ao todo da realida-de enquanto aparência, deslocar ou diminuir a "supe-rioridade" da razão para colocá-Ia numa dimensão de "equilíbrio" em relação às outras "fa cu ld a d es'F ' . Ele
buscou, assim, resgatar a importância de outras "fa -cu ld a d es" que também são constituidoras, diz ele, do indivíduo, e que proporcionam ao mesmo, uma forma de contato e relação com o mundo, diversa daquela exercida pela razão.
Uma vez que o todo se revela ao homem materi-almente, ou seja, a partir da realidade concreta e efeti-va, Leopardi considerou, assim, essência e aparência enquanto unidade. Nesse momento, prioriza-se a dimen-são mais concreta dos objetos, e se configura, no pen-samento leopardiano, uma compreensão do mundo a
partir de um ponto de vista "m a teria lista -sen su a lista ",
Ele se contrapõe, dessa forma, à supremacia da razão frente a outras faculdades do indivíduo, asa b er,ja n ta -sia e sen sib ilid a d e, uma vez que, segundo o autor, elas compõem uma dimensão da realidade da natureza, já que estão ligadas ao que é sensível.
Compreende o autor, portanto, a diferença e a oposição entre ra zã o e ciên cia de um lado (fazendo
parte da ordem dos conceitos) e[a n ta sia e sen sib ili-d a ili-d e ili-de outro (como algo da ordem sensível-material da natureza). "Além disso a razão e a ciência, tendem evidentemente a igualar o mundo sob qualquer aspec-to e extinguir ou diminuir a variedade'v". Ora, para Leopardi, "não há algo mais uniforme do que a razão, nem mais diversa do que a natureza; e assim a ciência promove totalmente a indiferença, porque arranca ou diminui também as diferenças reais e, portanto, os motivos de determinação'v".
Ele recusa, então, uma "razão exata e geomé-trica"26 ("ra g io n e esa tta e g eo m etrica ") - dada a sua
indiferença em relação à natureza - uma vez que ela ignora em seu julgamento, a utilidade das coisas que não se adequam ao seu propósito e que termina igua-lando o mundo a si mesma. Nesse sentido, ela promo-ve, explicita o autor, a extinção ou a diminuição da variedade real presente na natureza. Trata-se de um limite dela mesma na sua apreensão da realidade, tor-nando-se limitada, inclusive, em relação às minúcias, os detalhes, e o movimento intrínseco em seu conjun-to, que compõem a realidade.
Ora, para Leopardi: "nada de poético se avista nas suas partes, separando-as uma da outra, exami-nando as mesmas uma a uma, com a simples luz da razão exata e geométrica"?". A razão, portanto, em seu propósito de satisfazer a si mesma, isola-se, se-gundo o autor, de outras dimensões igualmente constituidoras da realidade.
Ele sustenta, agora, a impossibilidade desta for-ma de racionalidade em lidar com outras faculdades. a saber: sen tim en to , im a g in a çã o , fa n ta sia ... , que por
sua vez se encontram presentes na experiência huma-na, dado que em seu processo de conhecimento, tal
racionalidade, separa os objetos, decompondo-os emSRQPONMLKJIHGFEDCBA
2 1 Cf. G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I,p. 484. Trata-se da recusa do autor a todo pensamento que busque, ainda, justificar a existência das coisas a partir de uma necessidade lógico-metafísica. Disto decorre a sua recorrência àcategoria de "possibilidade", fragilizando, assim, toda pretensão de "fundamentação", a partir de uma "razão última e universal".
22 G.Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. 11, p. 1075.
23 C f.Zibaldone di Pensieri, vol. I, pp. 374-376; vol. 11, pp. 878-889. Leopardi critica a forma do procedimento moderno - quanto a uma razão que se basta a si mesma - ao recorrer na sua retlexão àafirmação de outras faculdades, a saber: a imaginação, a fantasia. o sentimento ... na medida em que possibilitam um acesso, segundo ele, mais concreto em relação à natureza.
24 Ibidem, vol. I, p. 246. 25Ibidem.
26 Cf. Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. 11, pp. 878-889. 27lbidem.
partes "sem corpo e sem vida" não podendo, assim,
ptar o que há de
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
"p o ético 'P ' na natureza.Segundo a crítica leopardiana, a natureza ao ser preendida pela "ra cio n a lid a d e a b stra ta e g eo m
étri-ca - que em seu proceder, tudo divide e separa - é
decomposta de forma fria e isolada, desagregada de u processo e movimento reais. Essa razão destitui
rodo o que tem vida e, ao mesmo tempo, tudo enfra-quece, através de "exa m es", "o p era çõ es", "in
vesti-a çõ es" e "exp erim en to s", submetendo, assim, a
natureza ao seu próprio proceder (da razão), e aos seus
propósitos. Essa "racional idade" , no entanto, julga tal
procedimento conveniente e necessário. Dessa forma, ela opera a diminuição da variedade e diversidade de
lementos que se encontram na natureza. Uma tal ra ionalidade termina, então, extinguindo toda vitali-dade e todo movimento presentes na natureza.
Perguntaria então Leopardi: como avistar, ain-da, o "poético" sob o jugo desta razão? "Nada de
po-ético puderam, nem poderão descobrir jamais a pura e imples razão e a matemática'v". O autor denuncia,
aqui o limite dessa faculdade no que concerne ao co-nhecimento do "poético" presente na natureza, pois o
mesmo não poderia jamais ser objeto de conhecimen-to de uma "razão abstrata", uma vez que este conhecimen-toca ao
homem na sua dimensão sensível, e não na "pura es-peculação racional".SRQPONMLKJIHGFEDCBA
É ,justamente, a partir dasen sib ilid a d e, daim a
-g in a çã o e d a fa n ta sia que, segundo explícita ele, o
'poético" torna-se compreensível ao homem.
Somen-te através dessas faculdades é que se torna possível concebê-Ia, uma vez que o mesmo só é apreendido
através da sensibilidade: algo que se mostra impossí-el pimpossí-ela atividade da "p u ra ra zã o a b stra ta ".P o r
con-eguinte, não se pode compreender o que há de "poético" na natureza através de um procedimento
racionalizante, por tratar-se de uma operação que se limita exclusivamente ao que se "conhece" e se
"en-tende" racionalmente. Ao afirmar o "poético",
Leopardi se contrapõe, então, a todo procedimento racionalizante; "já que tudo o que ép o ético se sente,
ao contrário do que se conhece e se entende, aliás,
queremos dizer sentindo-o se conhece e se entende,
de outra forma não poderia ser conhecido, descoberto
e compreendido, mas apenas com o sentir"3o.
A
"ULTRAFILOSOFIA" -
HGFEDCBA
C O N T R A T O D AU N IL A T E R A L lD A D E D A S F A C U L D A D E S
H U M A N A S
Trata-se, aqui, da afirmação leopardiana em relação à dimensão "estética":'! presente na
experiên-cia humana - e contra toda uni lateral idade do
proce-dimento da "ra zã o a b stra ta " - em que o autor
recupera uma dada "in teg rid a d e a n tro p o ló g ica "
(desta experiência) na busca de um conhecimento mais
concreto da realidade. Disto decorre, no seu entender, a exigência de se pensar, também, a seguinte relação: "é tão admirável quanto verdadeiro, que a poesia a
qual busca por sua natureza e propriedade o belo, e a
filosofia que essencialmente procura a verdade, isto é, a coisa mais contrária ao belo ... sejam as faculdades
mais afins ...".32
Leopardi se exprime a favor da conciliação en-trefilo so fia e p o esia , na medida em que reconhece,
apesar de seus diferentes propósitos, um campo de possibilidades a partir desta relação. Assim, em todo
grande poeta há a disposição a ser grande filósofo, e neste último, a disposição a ser um grande poeta. Ele
assevera, ainda, que um e outro não podem ser
gran-des e perfeitos isolados no próprio gênero (sem levar em consideração, e de forma não medíocre, o gênero
do outro), tanto no que diz respeito à "índole primiti-va da inteligência", quanto à "disposição natural" e a
"criatividade". A sua reflexão enfatiza, também, que
tanto a poesia como a filosofia, são as duas faculda-des mais nobres e mais difíceis às quais possa se
dedi-car o espírito humano.
Leopardi postula, assim, o que ele denomina de uma "u lira filo so fid 'P , na medida em que esta atinge
o íntimo das coisas e aproxima o homem da natureza, em sua totalidade, pois ele compreendeu os limites
que tocavam a filosofia de seu tempo, que estava fun-dada em bases eminentemente racionalistas e,
portan-28 Ibidem. Através do poético, Leopardi se contrapõe à forma da racionalidade ("ra zã o exa ta e g eo m étrica ") na medida em que esta destrói toda unidade na natureza - através de a b stra çõ es e a n á lises - e ele' reafirma as faculdades ligadas à experiência humana. capazes de apreender de forma mais viva e intensa a realidade.
29Ibidem. 301bidem.
31 Compreende-se aqui, por este termo, a retlexão que tem por objeto oco n h ecim en to sen sível e a sfa cu ld a d es a este d irig id a s. Nesse sentido, não se limita ao tratamento filosófico sobre o belo e a arte (filo so fia d a a rte).
32 G. Leopardi, Z sb a ld o n e d i P en sieri, vol. II, p. 908; cf. vol. I, p. 463.
33 Trata-se aqui, de uma filosofia que rompe toda unilateralidade (de faculdades e saberes), toda antinomia e que busca apreender a coisa na sua interioridade e totalidade. Cabe, ainda, ressaltar o diálogo que este autor estabelece entrefilo so fia e p o esia , contrapondo-se, desta forma, à maneira na qual a filosofia racionalista se exprimia.
to, distanciava os homens daquilo que representa a
natureza, a saber:
mlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a s virtu d es, o s en tu sia sm o s, a s ilu -sõ es .... É esta "ultrafilosofia" que, segundo aconcep-ção leopardiana, "deveria ser o fruto das luzes extraordinárias desse século">".
O autor expressou, também - em obras como os
"O p ú scu lo s M o ra is"3 5 (1836) - toda uma suspeita em relação ao século XIX ("sécu lo d e m o rte"), na medida
em que o mesmo fora marcadamente influenciado por sistemas filosóficos que exprimiam um "fa lso o tim is-m o " diante do curso da humanidade. Leopardi explicitou, nessa mesma obra, uma crítica ao presente e à sua cultura. Ele denunciou todo um estado de "fa lsa s esp era n ça s" diante da decadência de uma civilização que se conservou através de idéias conformadoras e dissimuladoras da real condição humana. Trata-se, por-tanto, da sua recusa às "p seu d o -filo so fia s" que conser-varam um "o tim ism o irrefreá vel" em relação a um "futuro melhor": a humanidade não caminha para o melhor, segundo o pensamento leopardiano.
HGFEDCBA
S O B R E A "C O N D iÇ Ã O H U M A N A " - U M A
C R iTIC A A O D IS C U R S O M O D E R N O
Todavia, o que marcaria esta "real condição humana" para Leopardi? Segundo a sua reflexão, a condição humana estaria marcada pela égide de um
"u n iversa l e m iserá vel esta d o d e in felicid a d e", do qual
não pode fugir nenhum ser humano - tanto particular, quanto genericamente - pois aquilo que determina e funda necessariamente a existência do ser humano é a infelicidade. E isso ocorre de tal forma, que ele con-duz até as últimas conseqüências a sua reflexão, afir-mando: "segue que a vida ... [de] todos os seres do universo, seja por sua natureza e por virtude da or-dem eterna e modo de ser das coisas, inseparável e quase um todo com a infelicidade e importante infeli-cidade, onde vivo e infeliz sejam quase sinônimos'v" .
Trata-se aqui, portanto, do reconhecimento, por parte do autor, da identidade expressa através da
rela-ção entre infelicidade e a própria ordem de existência das coisas, e de tudo o que é vivo, onde não é possível pensar a vida isolada do sentimento de infelicidade, ou melhor, existir consiste em "ser in feliz". Ele
pros-segue, ainda, no seu questionamento, uma vez que, não se satisfaz unicamente em constatar a identidade
ser-in felicid a d e. Disto resulta, a exigência de com-preender o que, na verdade, origina essa infelicidade.
"Mas que outra coisa indica o grau da perfeição ... senão a felicidade? E qual outro é o fim, ou melhor, a perfeição da existênciaj''F questiona, assim, Leopardi. Mas a felicidade não é realizável. Todavia, aquilo que se apresenta é um estado de infelicidade - compreendido pelo pensador - co m o co n tra d içã o à fin a lid a d e in eren te à n a tu reza h u m a n a e à sua perfeição. Porém, esta con-tradição se mostra no desenvolvimento do pensamento leopardiano em dois momentos: num primeiro momen-to, a contradição é identificada, por Leopardi, na ordem da "razão"; e num segundo, ele reconhece como perten-cente ao "sistem a d a n a tu reza ".
No primeiro momento, ele parte da considera-ção de que a natureza representa eq u ilíb rio , o rd em , h a rm o n ia e, por sua vez, teria destinado o homem -que é dela parte integrante - à felicid a d e. Constitui-se, dessa maneira, a perfeição do homem enquanto ser na-tural, destinado à realização da felicidade. Para o autor, a felicidade representa a grande fin a lid a d e d a n a tu reza
em relação ao homem e a todo ser vivo, pois "todos os seres ... saíram perfeitos no seu gênero'v" das suas mãos. Por conseguinte, a perfeição consistiria na "felicidade, quanto ao indivíduo, e na reta correspondência à or-dem das coisas, quanto ao restante'P" .
Leopardi afirma, ainda, que a felicidade do homem consiste, também, na "ignorância do verdadeiro'r'", conseqüentemente, o estado de "p er-feiçã o n a tu ra l" humano está associado a tal
ignorân-cia, uma vez que "o mundo está dirigido para a felicidade, porque a natureza fez o homem feliz. Ora, ela o fez também ignorante, como os outros ani-mais"41 . Neste sentido, ele rejeita a possibilidade da
34G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I, pp. 99-100.
35 Esta obra demarca a chamada "co n versã o filo só fica " leopardiana (do amor pelo belo ao conhecimento do verdadeiro), que tem início em 1819. Numa carta endereçada a Giordani, ele comenta, de forma sucinta, este momento de sua vida e de elaboração de seu pensamento. Diz Leopardi: "Quanto ao gênero dos estudos que eu faço, como mudei em relação aquilo que fui, assim mudaram os estudos. Toda coisa que conserve algo de afetuoso e de eloqüente me aborrece, me dá a impressão de brincadeira e de ridícula criancice. Não busco outra coisa além do verdadeiro, que tanto já odiei e detestei. Contento-me de cada vez melhor descobrir e tocar com a mão a miséria dos homens e das coisas, e horrorizar friamente, especulando este arcano infeliz e terrível da vida do universo" (G. Leopardi, L a
A
v ila e le le tte re , pp. 281-282).36 G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. 11. p. 1087.
37Ibidem, vol. I, pp. 172-173.SRQPONMLKJIHGFEDCBA 3 K Ibidem, pp. 218-219.
3~Ibidem, p. 219.
4 0 Cf.Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I, p. 218.
4 1 Ibidem.
perfeição do homem se constituir através da "cognição do verdadeiro", uma vez que esta cognição o conduz
a um distanciamento da
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"o rd em n a tu ra l"."Mas, nós consideramos esta ordem num modo, e a natureza num outro. Nós num modo com o qual a ignorância é incompatível: a natureza num modo com o qual é incompatível aciência=". Ao prosseguir, neste raciocínio - que a "cognição do verdadeiro"
("co g n izio n e d ei vero ") não realiza a perfeição huma-na - o autor acusa a dimensão racional do homem de promover o estado de imperfeição e infelicidade des-te, uma vez que, tal "cognição" é contrária ao ordenamento da natureza em relação aos seres vivos.
Ora, se a natureza, segundo ele, determinou como finalidade a felicidade dos seres vivos, e no que concerne ao homem, este fim visava a "cognição do verdadeiro", isto não resultaria, portanto, numa con-tradição do próprio "sistema da natureza"? Porque ela "escondeu", questiona Leopardi, "este verdadeiro de forma tão ciumenta'r'! que o transcorrer dos séculos não seria suficiente para alcançá-lo? Seguem-se, ain-da, outros questionamentos: "Não seria este um vício orgânico, fundamental, radical e uma contradição no eu sistema? Como tornou tão difícil o único meio de obter aquilo que ela queria sobretudo, e se prefigurava como fim, isto é, a felicidade'i't'"
Assim, ele põe em dúvida, momentaneamen-te, a finalidade da natureza no que concerne ao ho-mem, dada a "co g n içã o d o verd a d eiro ", pois, caso contrário, esta "finalidade natural"seria contraditó-ria consigo mesma, já que ela própria destinara os
eres vivos àfelicidade, consistindo nisso a sua per-feição. Mas, não poderia ser da responsabilidade da natureza destinar o homem à felicidade na "cognição" - uma vez que esta última não se realizou jamais de forma absoluta - lançando-o num estado de imper-feição e infelicidade.
Desta maneira, compreende Leopardi, que seme-lhante estado presente de infelicidade dos homens, não pode ser inferido a partir da natureza, pois não constitui uma relação necessária e intrínseca à"o rd em n a tu ra l",
por conseguinte, um tal estado deve ser considerado "( ...) como uma exceção, um inconveniente, um erro aciden-tal no curso e no uso do dito sisterna'r" .
Mas, o homem não deveria ter se colocado como absolutamente fora da "o rd em n a tu ra l d a s co isa s" e
nem se distinguido, segundo a concepção leopardiana, em relação aos outros seres pelo uso da racionalidade, pois tal distinção ocorreria naturalmente. Do mesmo modo, não deveria ter se considerado como perten-cente a uma outra categoria, regulando-se, portanto, por leis próprias e particulares em relação ao seu gê-nero, e guiando-se, também, por leis universais inde-pendentes da natureza.
No entender do autor, devido ao predomínio no homem da racionalidade - abandonado o seu estado na-tural primário - isto determinou não somente o seu distanciamento em relação à natureza, mas, também, promoveu a corruptibilidade humana quanto ao seu es-tado de "p erfeiçã o n a tu ra l ep rim u ivo 'tt'' .Desse modo, alterou-se, por assim dizer, a sua condição primeira (ao tornar-se social), conduzindo-o, devido a um excesso de civilização e aperfeiçoamento da racionalidade, à barbárie, que aqui se compreende por "corrupção e não estado absolutamente primitivo enatural?"? .
Neste sentido, ele explicita que o"o rd en a m en to n a tu ra l" ao qual pertencia antes o homem, tornou-se-lhe agora impossível, após a sua corrupção, uma vez que ele compreende, nesse momento, o maior grau de felicidade humana possível a ser alcançado na vida, orienta-se pela "perfeição da razão" ("p erfezio n d ella ra g io n e"), embora a mesma tenha sido responsável por esta corrupção. Ora, mas será compatível pensar - a partir do tratamento leopardiano - a rela çã o en tre a p erfeiço a m en to d a ra zã o e felicid a d e?
Enfim, "a perfeição da razão não é absoluta-mente a perfeição do hcmem'r" ,assegura Leopardi, porém, é o máximo de perfeição possível ao homem em seu estado de corrupção ("sta to d ell' u o m o co rro tto "). Um retomo ao estado de perfeição natural e primitivo é, no seu entender, algo impossível após tal distanciamento. Por conseguinte, a perfeição da razão revela-se ao homem como totalmente insufici-ente à realização de sua felicidade: "(. .. ) estas coisas ... não as teria conhecido no seu estado primitivo", asse-gura o autor, "mas prevalecida a razão, ele (o homem) não pode atingir a maior perfeição do que conhecer a impotência e o dano da razão'"? .
42 Ibidem, p. 219. 43Ibidem. 44 Ibidem.
45 Ibidem, pp. 237-238.
46 Seguindo os paralogismos deR o u sseo u , Leopardi inicia a sua retlexão, em relação à infelicidade, a trib u in d o b o n d a d e
A
àn a tu reza e m a lva d eza à ra zã o , enquanto faculdade, diz ele, hostil à felicidade do homem.47 G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I, p. 257. 48 Ibidem, p. 258.
49 Ibidem, p. 259.SRQPONMLKJIHGFEDCBA
A IN F E L IC ID A D E - U M A C O N TR A D iÇ Ã O
IN E R E N TE A O "S IS TE M A D A N A TU R E ZA "
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Num momento posterior de sua reflexão, Leopardi identificará a problemática da infelicidade
como pertencente àprópria
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"o rd em d a n a tu reza ", umavez que "contradições inumeráveis, evidentes e con-tínuas se encontram na natureza, considerada", reco-nhece assim, o autor, "não só metafisicamente e racionalmente, mas também, materialmente'<" .
Disto resulta que semelhante "co n tra d içã o " que agora se apresenta na natureza - no que toca à infelici-dade - não se limita apenas, de acordo com Leopardi, à reflexão sobre a relação h o m em -n a tu reza -in felicid a d e,
mas trata-se de algo que se determina ontologicamente, ou seja, é inerente ao próprio "sistema da natureza"
Ç 'sistem a d ella n a tu ra "). Ela é, portanto, intrínseca à própria constituição humana e de todas as coisas.
"Quem sabe me explicar esta contradição na naturezav'"" , pergunta então Leopardi. Ora, a grande finalidade da natureza em relação ao homem, é a rea-lização da felicidade, como já se explicitou anterior-mente, porém, este fim destinado naturalmente termina irrealizável. Mas, como a natureza estabeleceu um fim que, na verdade, não se realiza? A resposta a esta per-gunta implica, aqui, em compreender a contradição no interior do seu "sistem a ".
O homem é, segundo a reflexão leopardiana, na-turalmente destinado àrealização da felicidade - enquan-to tendência da vida, da alma ... - e sendo esta mesma finalidade irrealizável, torna-se então contraditório todo o "sistema da natureza". Mas, o homem terminou lança-do num estalança-do de constante desejo de realização, e quanto maior for o desejo de felicidade (o que está de acordo com a constituição do ser, enquanto uma tendência natu-ral) maior é o grau do sen tim en to d e in felicid a d e.
Ora, para Leopardi, o sentimento de possível rea-lização da felicidade - compreendido enquanto tendên-cia da vida - é posto pela natureza, não somente, enquanto desejo natural (em relação ao gênero humano), mas como necessidade da própria existência, "esta necessidade ela nos deu sem a possibilidade de satisfazê-Ia, sem ao me-nos ter posto a felicidade noSRQPONMLKJIHGFEDCBAm u n d o '< ? .
Neste sentido, ao desvelar a origem da contradi-ção fundamental da existência - identificada pelo autor
50 Ibidem, vol. lI, p. 1109.
5 1 lbidem, p . 1073. 52 Ibidem, p. 1187.
53 Ibidem, p. 1095.
54lbidem. 55lbidem.
56 Cf. Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol lI, p. 1167.
57lbidem.
como intrínseca à"o rd em d a n a tu reza " - a
problemáti-ca da infelicidade perde o seu ca rá ter p a rticu la r e a ci-d en ta l (no que se refere ao gênero humano) para assumir uma dimensão universal e necessária, na medida em que, "a existência, por sua natureza e essência própria e ge-ral", se apresenta agora para ele como "uma imperfei-ção, uma irregularidade, uma monstruosidade'P'' .
Diante da compreensão de que o "a n d a m en to n a tu ra l d o u n iverso " expressa "im p erfeiçã o e irreg u
-la rid a d e", Leopardi conclui dizendo que "a existência é um mal e ordenada para o mal,,54 . Desse modo, ele reconhece que aquilo que prevalece é, na verdade, "o não-ser", pois não há outro bem: "Todas as coisas são nocivas. O todo existente; o complexo dos tantos mun-dos que existem; o universo; não é que um sinal, um risco na metafísica" ("u n b ru sco lo in m eta jlsica ")5 5 .
M IS A N TR O P IA E R E S IG N A Ç Ã O ?
R E S P O S TA A U M A Q U E R E LA
Uma vez explicitada - seguindo o percurso da filosofia leopardiana - a irrevogável miséria da con-dição humana - ao mesmo tempo em que se fala dos diversos males inerentes a esta espécie - e sendo o seu pensamento essencialmente contrário a qualquer princípio otimista em relação ao "d estin o h u m a n o " e a to d a id éia d e "p ro g resso " (baseada no aperfeiçoa-mento do processo civilizatório), caberiam, aqui, in-dagações: n ã o h a veria , n a verd a d e, n a filo so fia d e G ia co m o L eo p a rd i a p resen ça d e u m a d im en sã o
m isa n tro p ica ? C a so co n trá rio , a q u em o a u to r a
tri-b u iria a o rig em d e to d o s o s m a les q u e to ca m ta n to a o
h o m em co m o a to d a s a s co isa s?
Para Leopardi, o seu pensamento não exprime nenhum sen tim en to m isa n tro p ico í'", nem tampouco conduz a tal posição aqueles que dele tomam conhe-cimento. A sua filosofia tende, ao contrário, " a sa
-n a r", e, ao mesmo tempo, a apagar todo mau-humor e todo ódio (não sistemático) presentes no convívio cotidiano dos indivíduos.
Ele recusa, portanto, as acusações - fruto de uma consideração superficial e leviana de sua refle-xão - que o identificam como misantropo: algo muito mais presente naqueles que "n ã o sã o filá so fo st'" (que certamente recusariam esta denominação de
po) e que habitualmente conduzem de forma
cordi-uas relações com os seus semelhantes.
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A su a filo so fia n ã o fa z réu o p ró p rio h o m em ,
como bem indica Leopardi nos "P en sieri= ê
1-1835) a sua inclinação nunca foi a de "o d ia r o s
n s, m a s a m á -lo s't'", O autor encaminha, então, a
rítica contra, a natureza - na medida em que ele
-ge o ódio ou senão outro lamento, a princípio mais - que vem identificada, agora, como "a ori-'erdadeira dos males dos vivos ..."61.
...isso consistiria o "vero sa b er" - conforme a
esta 62 (1836) - na medida em que, os homensSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m ,definitivamente, reconhecer como culpada por
própria condição de infelicidade a natureza: aquela
gundo os versos leopardianos, "mãe é no parto querer madrasta't=' . Este reconhecimento,
em-e prima todo um pem-essimismo de ordem
cósmi-n ã o in d u z n ecessa ria m en te o s h o m en s à
ig n a çã o , Tais versos conclamam a todos a formar
aliança contra as forças da natureza:
=
"T a is fa to s, q u a n d o in teiro s
D eles so u b er, e d e o u tro s m a is, o vu lg o ,
E a q u ele h o rro r q u e o u tro ra
C o n tra a m á n a tu reza
C o n stra n g eu o s m o rta is n u m a ca d eia ,
S e recu p ere em p a rte
P elo vero sa b er, o h o n esto e 'reto
C o n só rcio cita d in o ,
E ju stiça e p ied a d e o u tra ra iz
T erã o en tã o , n ã o a s so b erb a s cren ça s
E m q u e b a seia o vu lg o a p ro b id a d e
C o m o tem seu su sten to
A q u ele q u e co n serva n o erro o a ssen to . " 6 4
Trata-se, certamente, de uma "filo so fia d
eses-ra d a ", mas verdadeira, diversa daquelas que
con-servam e reproduzem mitos de perfectibilidade oti-mista (seja cristã o o u la ico ) fundados na fé numa
natureza privilegiada do homem. Leopardi
expri-me, assim, toda uma dimensão poético-moral ao
re-nunciar toda grandeza e otimismo de um "sécu lo
a ltivo e to lo " em que "humanidade", "delicadeza"
e "refinamento" se aproximam muito mais à
incivi-lidade e conduzem, por conseguinte, à "b a rb á rie
d a so cied a d e'íV ' ("b a rb a rie d ella so cietà ") própria
ao homem moderno.
"Su, mortali; destatevi. I Idi rinasce: torna Ia verità in sulla terra, e partonsene le immagini vane. Sorgete; ripigliatevi Ia soma della vita; riducetevi dai mondo falso nel vero."
LEOPARDI, O p erette M o ra li
HGFEDCBA
R E FE R Ê N C IA S B IB LIO G R Á FIC A S
LEOPARDI, G.C a n ti [1831]. Milano, Garzanti, 1975.
___ o O p erette M o ra li [1827]. Milano, Rizzoli,
1976.
___ oD isco rso so p ra
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10sta to p resen te d ei co stu m id eg l'ita lia n i [1906]. Milano, Feltrinelli, 1991.
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___ o P o esia e P ro sa , trad. bras. Affonso Félix de
Souza, Alexei Bueno et aI., Rio de Janeiro,
Aguilar, 1996.
Trata-se de uma obra escrita, através de aforismas. em que o autor reelabora a sua reflexão sobre a"esp écie h u m a n a ". A sua redação realizou entre 1831-1835.
G_ Leopardi, P en sieri, Milano, Mondadori, 1993, p. 19. G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, p. 1167.
Jbidem.
- Leopardi constrói uma analogia entre a giesta (arbusto das leguminosas com flores amarelas e perfumadas, com os cachos e folhas reduzidas) que resiste às intempéries naturais e uma postura ético -m o ra l d e resistên cia humana diante das vicissitudes do homem e
ameaças que lhe atormentam. 1G. Leopardi, P o esia e P ro sa , p. 291.
Ibidem, pp. 291-292.
Cf. G. Leopardi, Z ib a ld o n e d i P en sieri, vol. I. p. 452.