• Nenhum resultado encontrado

A midiatização da Fé: Religião e Comunicação no Diário de Notícias 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A midiatização da Fé: Religião e Comunicação no Diário de Notícias 1"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

A midiatização da Fé: Religião e Comunicação no Diário de Notícias1 Nayara KOBORI2

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Bauru, SP

RESUMO

Temos como proposta debater a convergência da Religião e Comunicação e a midiatização do campo religioso. Nosso foco está no Brasil e nas relações das teorias latino-americanas na comunicação e na Igreja Católica, como a Doutrina Social e a Teologia da Libertação. Essas questões vão ancorar a análise do objeto, o Diário de Notícias – jornal pertencente à Cúria de Ribeirão Preto (SP), nos anos 1960. A metodologia utilizada para compreender o processo de midiatização no Diário de Notícias foi a hermenêutica em profundidade, de John B. Thompson (1998), em conjunto com a análise de conteúdo, de Laurence Bardin (2009).

PALAVRAS-CHAVE: Diário de Notícias; Religião; Comunicação; Midiatização; Teologia da Libertação.

INTRODUÇÃO

Os estudos que abordam as relações entre mídia, comunicação e religião no Brasil têm crescido cada vez mais, ocupando espaço nas discussões em pesquisas sobre Comunicação Social. Para breve conhecimento bibliográfico, é notável as pesquisas de Ismar de Oliveira Soares, que em 1986 elaborou sua tese de doutorado intitulada “Do Santo Ofício à Libertação: o discurso e a prática do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil sobre a comunicação social”, orientada pelo Prof. Dr. José Marques de Melo. Também não podemos deixar de mencionar os avanços do grupo Eclesiocom, da Universidade Metodista de São Paulo, tendo a frente a Prof. Dr. Magali Cunha, que também explora os questionamentos entre Comunicação e Religião3. Outro importante pesquisador da área e que tem sido utilizado em nossos referenciais teóricos é Luís Mauro de Sá Martino, com a contribuição de sua obra “Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso”. A publicação de duas coletâneas que se dedicaram exclusivamente ao tema também se destacam como marcos na discussão. São elas: “Mídia e Religião”, organizado por Borelli em 2010, e “Mídia e Religião na

1

Trabalho apresentado no GT Comunicação Eclesial, do PENSACOM BRASIL 2015. 2

Mestrando do Programa de Comunicação Midiática da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), UNESP-Bauru, email: nayarakobori@gmail.com.

3

(2)

Sociedade do Espetáculo”, por Ana Cláudia Braun Endo, José Marques de Melo, Maria Cristina Gobbi, em 2007.

O reconhecimento de estudos sobre o tema mostra a importância da compreensão desse fenômeno social, que ocupa considerável espaço na sociedade moderna. Certo que a religião é uma prática anterior à modernidade, compreendemos que o seu processo de midiatização, entretanto, não pode ser compreendido em um contexto afastado dos modelos de produção capitalistas, a partir da reprodução de bens simbólicos nos meios de comunicação, onde a religião passa a ter uma ressignificação, atenuando as fronteiras entre o público e o privado (cf. MARTINO, 2012).

O desafio do estudo se dá em pensar o relacionamento da mídia e da religião em uma sociedade secularizada, pois a reestruturação da instituição religiosa nesse contexto é permeada por teias de complexidade, nos vieses da sociologia, política, comunicação e história. Mesmo assim, não pretendemos condensar e explorar todas as perspectivas de análise, correndo o risco de sermos simplistas. Da mesma forma, a abordagem da questão da Mídia e da Religião na visão comunicacional não está aqui como um reducionismo, mas sim, uma das possíveis reflexões teóricas para compreender o fenômeno. Martino (2012) já destaca que pesquisar esse fato é posicionar-se na linha de divisão entre as teorias da comunicação e a sociologia da religião, encarando a midiatização do campo religioso em um contexto de mediações histórica, sociais, políticas e econômicas.

(3)

pregadoras em ganhar novamente espaço na sociedade, mostrando que mesmo diante do processo de secularização, há de se reconhecer a presença da religião e da fé da composição da identidade latino-americana.

Para construir nossas considerações, utilizamos como metodologia a hermenêutica em profundidade de John B. Thompson (1998), em conjunto com a análise de conteúdo de Laurence Bardin (2009). Isso se faz possível, pois a hermenêutica em profundidade pressupõe três formas de análise: a sócio-histórica, a formal e discursiva e, por fim, a (re) interpretativa. Nessa última etapa, escolhemos a metodologia de Bardin para fichar os textos publicados no Diário de Notícias e a própria estrutura do jornal. Assim, ancorado pelo referencial teórico, pudemos contemplar como o termo a midiatização também pode ser aplicado em diferentes contextos históricos, atuando na sociabilidade e na cultura, muito além de aparatos técnicos.

DIMENSÃO DOS TERMOS MIDIATIZAÇÃO E MEDIAÇÕES

O conceito de midiatização não é algo compartilhado por unanimidade pelos pesquisadores, ou seja, não é um objeto de consenso. As suas definições mais contempladas carregam características em comum, sendo possível traçar um rascunho do que compreendemos com o termo para o presente estudo. Trata-se, pois, de perceber a complexidade dos fenômenos comunicacionais, em nível de produção e recepção do processo.

(4)

sustentação à consciência e à construção de identidades do indivíduo e do grupo. A midiatização, portanto, vai além da mídia, em sua dimensão técnica” (BARROS, 2012, p. 85).

Gasparetto (2013) diz que as mídias são concebidas não apenas como meios, valendo-se apenas de seu aspecto como dispositivo tecnológico, mas sim, como um sistema regulador, que por meio de suas operações de funcionamento realiza um trabalho de registro simbólico. Na mesma linha de raciocínio, Barros (2012) cita Muniz Sodré (2002)4 para ratificar seus argumentos no conceito de midiatização. Nos diz que:

Para ele [Muniz Sodré], no contexto da midiatização as relações entre sujeito e mídia se dão em uma situação de interação, em uma relação “especular”, onde o “espelho” midiático “não é simples cópia, reprodução ou reflexo, porque implica uma forma nova de vida, com um novo espaço e modo de interpelação coletiva dos indivíduos”. Então, a forma midiática “se abre a permeabilizações ou permite hibridizações com outras formas vigentes no real-histórico” (BARROS, 2012, p. 86).

Levando em conta esses referenciais teóricos, vemos que a midiatização atua na complexidade do fenômeno social, tendo reflexos no campo cultural, político, econômico e histórico que permeiam os indivíduos. Ressaltamos que a midiatização está relacionada com as mediações pelas quais perpassa a comunicação e, assim, atua nas práticas cotidianas da sociedade. Gasparetto (2013) pontua uma consideração interessante a este respeito. Diz o autor que “a sociedade em que vivemos não é só uma comunidade mediada pelos meios, mas a sociedade permeada por processos e técnicas midiáticas. Uma ambivalência da midiatização” (GASPARETTO, 2013, p.5).

As mediações podem sem entendidas como estruturas embutidas nas relações sociais que se traduzem e atuam na recepção do indivíduo – seriam, pois, as interações sociais. Martín-Barbero (1997) ao estudar a televisão nos traz essas mediações personificadas na cotidianidade familiar, temporalidade social e competência cultural. Novamente, Barros (2012) nos explica de forma didática a relação entre a midiatização as mediações, traçando um paralelo entre os dois conceitos. Para o pesquisador, as “mediações comunicativas da cultura” poderiam ser compreendidas como a

4

(5)

midiatização da cultura, visto que os dois termos não são conflitantes e apresentam definições próximas.

Enquanto “midiatização” vem sendo pensada como uma nova forma de sociabilidade, decorrente de uma lógica midiática, “mediação” traz já de algum tempo o sentido das interações sociais, que nos dias de hoje se dão essencialmente – mas não exclusivamente – por intermédio da mídia (BARROS, 2012, p. 88).

É possível encarar a presença dos meios de comunicação na sociedade muito além dos termos tecnológicos, reprodutora de ideologias e interesses comerciais, mas sim, como um local aonde se constroem e se estruturam as relações sociais, políticas e culturais. A esse propósito, conclui Martín-Barbero (1977) que é nas sociedades midiatizadas que a comunicação está no papel do protagonista. Nesse sentido, voltamos ao debate da comunicação como produtora de sentido. Vislumbramos a necessidade de destacar que é diante de tais considerações acerca de midiatização e mediações que se coloca a teoria da recepção, também muito bem articulada por Martín-Barbero (1997), embora tratemos até agora do fenômeno como um processo, abarcando produção e recepção. Assim, a produção de sentido da comunicação também se dá na esfera do receptor, que atua além da mera decodificação da mensagem. Barros (2012) conta que o sentido não está apenas no composto meio-mensagem, se faz sim “presente nas dinâmicas que envolvem os sujeitos do processo comunicacional” (BARROS, 2012, p. 90). Nas palavras de Martín-Barbero (1997), as mediações seriam, portanto, o “lugar” onde é possível vislumbrar a interação do espaço de produção e de recepção. Falamos de mediações no plural, pois não há apenas um local de interação, mas sim, múltiplas mediações. Desse modo, o que a mídia produz e reproduz não é apenas um conjunto de discursos que visam estratégias comerciais ou reprodução de ideologias, todavia, visa responder às exigências culturais da sociedade.

(6)

Adiante, iremos expor como se dá a relação entre os meios de comunicação e a religião e, consequentemente, o conceito de religião midiatizada.

COMUNICAÇÃO, RELIGIÃO E MIDIATIZAÇÃO

Pensar a comunicação e religião é reconhecer o poder exercido por ambos fenômenos na construção das identidades. Para Martino (2012), a religião tem em si mesma uma relação de comunicação, a partir do compartilhamento de símbolos e códigos de sentidos que promovem a compreensão de uma determinada realidade para o grupo a qual se destina, no caso, os fiéis. O autor ainda destaca que a instituição religiosa também é uma instituição social. Através da produção e reprodução de bens simbólicos em seu universo social, a igreja lança uma “programação da conduta individual”, e tipifica através de suas relações, diferentes papéis sociais para os atores que dela fazem parte. Mesmo com a presença de atores sociais, falamos de religião como uma instituição, pois ela independe da existência dos indivíduos, em resumo, “ a instituição surge quando um hábito, ação ou conjunto de atividades repetidas independem de um indivíduo determinado para existir” (MARTINO, 2003, p. 22). Dessa forma, ela estrutura seu espaço por meio de seu poder coercitivo e aplicação de suas regras.

Tendo em vista que a instituição religiosa é produtora de bens simbólicos, a sua relação com a comunicação irá caminhar de duas maneiras dentro da presente discussão: primeiro, a própria igreja sendo produtora e reprodutora dos discursos simbólicos; segundo, as modificações ocasionadas pela introdução das mídias e dos meios de comunicação social no ambiente religioso. Nosso foco é a mudança no contexto latino-americano, principalmente, com a Doutrina Social Cristã e da Teologia da Libertação, ambos da Igreja Católica, entendidos como práticas nascidas e desenvolvidas nesse contexto geográfico. Nas palavras de José Marques de Melo (1985), analisar as práticas de comunicação na Igreja é compreender as estruturas políticas das organizações religiosas e como elas exercem os seus mecanismos de poder – dito de outro modo: como elas exercem os seus métodos de coerção e aplicam suas regras.

(7)

comunicacional do fenômeno. Ela é organizada pelas suas relações de comunicação, que tomam corpo como prática social. O mesmo princípio da religião mediada é defendido por Borelli (2010), quando diz que esta sempre demonstrou essa relação e, atualmente, mantém uma dependência de maior ou menor grau com a mídia. De acordo com a autora,

Não se trata de uma questão puramente técnica – já que a mídia possibilita que as igrejas contatem seus fiéis sem a necessidade de presença nos templos -, pois a partir do momento em que o campo religioso reestrutura a sua prática e o seu discurso são gerados distintos sentidos. Portanto, estamos diante de uma nova religião que carrega simbólicas e marcas das lógicas da mídia e de seus processos de produção de sentidos” (BORELLI, 2010, p.17).

Apesar dessa face comunicacional da religião, não podemos deixar de mencionar que o desenvolvimento exponencial das igrejas com os meios de comunicação deu-se com o processo de secularização da sociedade. Martino (2003) caracteriza a secularização em dois aspectos: institucional (referente à perda de controle por parte da instituição) e cultural (perda da construção e imposição da representação do mundo social e opinião dominante). O autor conclui que a Igreja estaria sofrendo, de modo lento e progressivo, um processo de desestruturação e desintegração. A complexidade do fenômeno trouxe inúmeras discussões para entender e ampliar os estudos no campo5 da religião. A partir desse processo, a igreja presenciou a necessidade de ampliar seus espaços religiosos e suas estratégias de luta para permanecer no campo social.

Segundo Martino (2012), a utilização dos meios de comunicação pela igreja transformou as dinâmicas e práticas do campo religioso e comunicacional, que não está isenta de contradições e paradoxos. Destaca que as alterações no campo religioso se notam pelas religiões midiatizadas alcançarem certo destaque em relação as concorrentes, com a possibilidade de difundir a mensagem a um número maior de fiéis. É a oportunidade de reestabelecer o diálogo entre seus fiéis/receptores e modificar o processo de secularização gradativo (embora acreditarmos que não seja possível paralisar o fenômeno).

5

(8)

O uso dos meios tecnológicos de comunicação na midiatização da religião abarca muito mais do que sua utilização instrumental; há uma tensão doutrinária, que esbarra na lógica da instituição religiosa, junto com a lógica dos meios de comunicação de massa, levando as discussões teológicas para o espaço público. Destaca Martino (2012) que a laicato não é meramente uma sociedade desprovida de valores religiosos, mas um “espaço complexo e contraditório no qual elementos díspares, inclusive de origem religiosa, articulam-se no mosaico das práticas cotidianas” (MARTINO, 2012, p.116). Dessa maneira, pode-se compreender a presença dos discursos religiosos em uma sociedade laica e, além disso, reconhecer a representatividade e presença do fator religioso na estruturação social.

Na América Latina, a influência da religião nas comunidades é notável, à medida que é perceptível o crescimento de inúmeras igrejas de inúmeras religiões. No concerne ao catolicismo, 57% da população do Brasil declarou-se católica em 20136. As discussões sobre a comunicação e religião estiveram presentes na Igreja Católica desde o seu surgimento, sendo por vezes controvérsia; lembramos, pois, dos livros proibidos pelo Index, demonstrando que havia uma preocupação da instituição eclesiástica com o que era lido e distribuído aos seus fiéis, mesmo que a prática tenha sido uma jogada estratégica por parte da Igreja.

Melo (1985) enumera quatro fases históricas das relações entre Igreja e Comunicação, com foco na comunidade católica. A primeira seria orientada pelo uso da repressão ou censura, como mencionamos acima, com a promulgação de livros considerados proibidos pela Santa Inquisição. Posteriormente, na segunda fase haveria uma aceitação desconfiada dos novos meios de comunicação. O autor pontua como referenciais para esse marco o pontificado de Leão XIII e a convocação do Concílio do Vaticano II, por João XXIII. Neste momento, há uma transformação da sociedade e a Igreja se vê obrigada a adaptar-se ao novo período histórico.

A terceira fase é dita por Melo (1985) como a época em que crescem as transformações sociais e tecnológicas de maneira veloz. Há um deslumbramento ingênuo pelo campo da comunicação, denominado de aggiornamento. Em 1963, o Papa

6

(9)

Paulo VI promulga a Encíclica Inter Mirifica, que começa a discorrer sobre a importância dos meios de comunicação social, mas que acabou sendo criticada por alguns padres por não trazer uma reflexão teológica sobre o assunto. Cinco anos depois, em 1968, na Conferência de Medellín, o tema volta a pauta dos católicos, sendo que os bispos chamam a atenção por vivermos em uma nova época histórica, onde não seria possível ignorar os efeitos dos media e do processo globalizando proporcionado pela comunicação (DECOS-CELAM, 1984).

A quarta fase seria caracterizada após a Conferência Episcopal Latino-americana de Puebla, México, em 1979. Nesta etapa, haveria o descobrimento da comunicação por toda a Igreja, tomando uma postura de avaliação crítica. Inspirados pelas Doutrina Social Cristã e Teologia da Libertação, essa fase representa a integração do povo de Deus com a sociedade, levando em consideração as transformações sociais, políticas e tecnológicas.

A Igreja passa a incentivar, a patrocinar, a respaldar experiências de comunicação do próprio povo. Facilita de modo que os seus meios de comunicação sejam voz dos que não têm voz e cria condições para que o povo de Deus, organizado em comunidades, passe a ter voz através dos seus próprios meios. Em síntese, estimula a criação de meios populares de comunicação, rompendo o silêncio secular a que esteve condenado nosso povo (MELO, 1985, p.63).

A importância dos meios de comunicação também pode ser percebida com a criação do “Dia Mundial das Comunicações”, pela Comissão Pontifícia, em 7 de maio de 1966. Também aprovou-se a Instrução Pastoral da Comissão Pontifícia da Comunicação Social, pelo Papa Paulo VI, no dia 23 de maio de 1971, com o título de Communio et Progressio. O documento visava abordar todos os vieses dos meios de comunicação social, e que a Igreja deveria vê-los como “dons de Deus”, pois seriam de grande valia para os homens, comunicando entre eles a consciência da vida comunitária (SOARES, 1988).

(10)

campo religioso construído por essas mídias e um novo modo de fazer e perceber a religião: a religião midiatizada.

COMUNICAÇÃO E RELIGIÃO NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

A título de exemplo, trazemos aqui um veículo de comunicação que pontua muito bem as explanações vistas até então. Trata-se do jornal impresso Diário de Notícias, pertencente à Arquidiocese de Ribeirão Preto, entre as décadas de 1940 a 1980. Faremos uma breve caracterização do periódico, buscando relacionar a trajetória do mesmo com as relações entre Comunicação e Igreja, que vislumbramos em nosso trabalho.

Nos anos de 1960 e 1970, período em que focaremos nossa discussão, a Igreja caminhou em uma estrada de duas mãos com o regime implantado: de um lado, houveram segmentos que aplaudiram a tomada de poder pelos militares e marcharam com a “Família, por Deus e pela Liberdade”. De outro lado, percebe-se o despertar da Igreja por uma oposição aos regimes ditatoriais impostos em toda a América Latina. Junto com essa última ala, também surgiu a pregação da Doutrina Social Católica junto com a Teologia da Libertação de Leonardo Boff, a conhecida “opção pelos pobres”. A nossa pretensão é destacar a questão da Teologia da Libertação com a mídia e meios de comunicação, visto que o Diário de Notícias perpassou os anos de autoritarismo brasileiro, reverberando a favor da Doutrina Social Cristã e da Teologia da Libertação. Esse fato corresponde a uma característica notável do matutino, representado por membros eclesiásticos que se organizavam em uma ala mais progressista e, podíamos dizer, antecipando o espírito de Puebla, em 1979, contrapondo os setores da Igreja que apoiaram os militares.

O Diário de Notícias apresentava grande circulação na região de Ribeirão Preto, atendendo aos municípios adjacentes, com Brodowski, Jardinópolis, Bonfim Paulista e demais cidades. Na década de 1960, o jornal já mostrava a sua modernização gráfica e textual7, tendo uma diagramação organizada, separação entre textos informativos e

7

A modernização da imprensa no Brasil teve início nos anos de 1950, com a introdução de maquinários de diagramação e novos moldes de estruturação textual, baseados nos modelos estadunidenses. Antes desse período, o jornalismo brasileiro era baseado nos modelos franceses, com textos rebuscados, sem separação de opinião e informação. Essas mudanças aconteceram primeiro nas grandes metrópoles, chegando ao interior apenas dez anos mais tarde, em 1960. Para mais informações sobre o assunto, indicamos a leitura: RIBEIRO, A. P. G. Imprensa e

(11)

opinativos, diálogo com agências internacionais de notícias e sessões separadas por assunto. O número de páginas variava de 4 a 12 páginas, com conteúdos de política, economia, esporte, cultura, uma coluna para mulheres e, é claro, religião, com assuntos referentes à comunidade católica.

Carneiro Júnior (2002) destaca que a atuação do periódico ia muito além da veiculação de notícias – era um porta-voz da Igreja, vinculado com os princípios da Doutrina Social Cristã, nas palavras do seu diretor, Pe. Celso Ibson Sylos. O autor continua sua análise completando que o mesmo padre era também líder da Frente Agrária de Ribeirão Preto, movimento sindical rural que tinha como objetivo promover a conscientização do homem do campo através da educação, principalmente do método Paulo Freire. O posicionamento político do jornal desagradou a elite da sociedade, fazendo com que, em fevereiro de 1964, a folha fosse fechada. De início, alegou-se problemas financeiros que inviabilizaram a sua manutenção; entretanto, Carneiro Júnior (2002) diz que o havia o descontentamento político dos burgueses ribeirão-pretanos, tanto que, logo após a instauração do golpe civil-militar, o Diário de Notícias sofreu nova represália e interrompeu novamente a sua circulação.

Importante ressaltar que o Pe. Celso Ibson Sylos afastou-se da direção do jornal logo após o golpe civil-militar, devido à perseguição política que sofreu. O encargo de diretor ficou nas mãos de D. Angélico Sândalo, que promovia discussões aos moldes do Pe. Celso, porém de forma mais branda. Os comentários políticos do matutino foram perdendo gradativamente a sua força, à medida que havia o endurecimento do regime militar. Tendo religiosos presos e sendo fechado mais de uma vez, a folha abandonou aos poucos seus editoriais, focando cada vez mais na reprodução das notícias de agências.

(12)

Gomes (1987) traz um estudo sobre a relação da Teologia da Libertação com os meios de comunicação. Acreditamos que tal perspectiva se encaixe nos fatos que explicitamos sobre o Diário de Notícias, além de demonstrar como a religião midiatizada pode ser compreendida de uma forma ampla, abarcando diferentes mídias. Nos diz Gomes (1987):

(...) tanto os questionamentos à teologia tradicional quanto a revisão dos sistemas de comunicação levaram a um comprometimento com as classes marginalizadas no continente latino-americano. E dentro do âmbito eclesial, descobriu-se que tanto os postulados da TL quanto da comunicação libertadora só alcançavam sentido se não fossem um fim em si mesmos, mas buscassem um objetivo: a luta pela libertação da América Latina (GOMES, 1987, p. 63-62).

Por fim, vimos que o Diário de Notícias, na figura de seu diretor, Pe. Celso Ibson de Sylos, enxergava o importante papel da comunicação na difusão da consciência libertadora, promovida pela religião. Como já apontamos no início de nossa discussão, não se trata de apenas entender uma religião midiatizada e mediada por aparatos tecnológicos contemporâneos, mas sim, perceber em que medida a incorporação de instrumentos do campo da comunicação auxiliaram na ampliação do campo da religião.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

(13)

defender ou apedrejar o fenômeno, trata-se de compreender um dos elementos compositores da complexidade social e reconhece-lo como tal, contextualizando e problematizando.

Em nosso estudo, focamos a Doutrina Social Cristã e a Teologia da Libertação, nas suas relações com a comunicação e o processo de midiatização. Ainda há muito o que se discutir, visto que tratamos de campos dinâmicos, em uma sociedade igualmente dinâmica. Os apontamentos de Martín-Barbero (1997) e Barros (2012) foram essenciais para dar luz aos questionamentos teóricos da comunicação. Assim como os trabalhos de Melo (1985), Martino (2003; 2012) e Soares (1988) nos ajudaram a vislumbrar o desenrolar da Igreja com a mídia. A interlocução dos autores fez-se possível, demonstrando a fecundidade desse ramo de estudo e abrindo novos questionamentos para trabalhos posteriores.

REFERÊNCIAS

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009.

BARROS, L. M. Recepção, mediação e midiatização: conexões entre teorias europeias e latino-americanas. In: MATTOS, M. H. & JACKS, N. Mediação e Midiatização. Brasília: Compós, 2012.

BOFF, L. & BOFF, C. Como fazer Teologia da Libertação. Petrópolis: Editora Vozes, 1985.

BOFF, L. & BOFF, C. Da Libertação: o teológico das libertações sócio-históricas. 4ª edição. Petrópolis: Editora Vozes, 1985

BORELLI, V. (Org). Mídia e Religião: entre o mundo da fé e do fiel. Rio de Janeiro: E-papers, 2010.

CARNEIRO JÚNIOR, M. Sociedade e política em Ribeirão Preto: estratégias de dominação (1960-1964). Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de História, Direito e Serviço Social de Franda. UNESP. Franca, 2002.

DECOS-CELAM. Para uma Teologia da Comunicação na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1984.

(14)

GOMES, P. G. Cultura, meios de comunicação e Igreja. São Paulo: Loyola, 1987.

LOPES, M. I. V. Mediação e recepção. Algumas conexões teóricas e metodológicas nos estudos latino-americanos de comunicação. In: Revista Matrizes. N. 1. V. 8. São Paulo, jan/jun de 2014.

MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

MARTINO, L. M. S. Mídia e poder simbólico: um ensaio sobre comunicação e campo religioso. São Paulo: Paulus, 2003.

___________________. A religião midiatizada nas fronteiras entre o público e o privado: uma abordagem teórico-crítica. In: Revista Ciberlegenda. 2012.

___________________. Mediação e Midiatização da Religião em suas articulações teóricas e práticas. In: MATTOS, M. H. & JACKS, N. Mediação e Midiatização. Brasília: Compós, 2012.

MELO, J. M. Igreja e Comunicação. In: SOARES, I. O. & PUNTEL, J. T. Comunicação, igreja e Estado na América Latina. São Paulo: Paulinas, 1985.

MELO, J. M.; GOBBI, M. C. & ENZO, L. Mídia e religião na sociedade do espetáculo. São Bernardo do Campo: Editora Universidade Metodista, 2007.

PATRIOTA, K. R. M. Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: relação social mediatizada por imagens. XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santos. Set/2007.

SGORLA, F. Discutindo o “processo de midiatização”. In: Revista Mediação. N. 8. V. 9. Belo Horizonte, jan/jun de 2009.

SOARES, I. O. (org). Para uma leitura crítica dos jornais. São Paulo: Paulinas, 1984.

__________________. Do Santo Ofício à Libertação: o discurso e a prática do Vaticano e da Igreja Católica no Brasil sobre a comunicação social. São Paulo: Paulinas, 1988.

Referências

Documentos relacionados

Em função de leis ambientais mais restritivas e da busca por máquinas mais eficientes, a indústria global de fluidos frigoríficos tem pesquisado e desenvolvido novas soluções para

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

A Escala de Práticas Docentes para a Criatividade na Educação Superior foi originalmente construído por Alencar e Fleith (2004a), em três versões: uma a ser

AC AC TROMBONE II a VIII JLA JLA METAIS 4. AC AC

libras ou pedagogia com especialização e proficiência em libras 40h 3 Imediato 0821FLET03 FLET Curso de Letras - Língua e Literatura Portuguesa. Estudos literários

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

Após extração do óleo da polpa, foram avaliados alguns dos principais parâmetros de qualidade utilizados para o azeite de oliva: índice de acidez e de peróxidos, além