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Conflitos, Direitos e Moralidades em perspectiva comparada

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Academic year: 2021

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Conflitos, Direitos e Moralidades

em perspectiva comparada

Volume I

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Conselho Editorial Bertha K. Becker Candido Mendes Cristovam Buarque Ignacy Sachs

Jurandir Freire Costa Ladislau Dowbor Pierre Salama

Garamond

U N I V E R S I T Á R I A

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Roberto Kant de Lima, Lucía Eilbaum

e Lenin Pires (orgs.)

Conflitos, Direitos e Moralidades

em perspectiva comparada

Volume I

NUFEP/UFF – FINEP-PRONEX (FAPERJ/CNPq)

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Copyright © dos autores, 2010

Direitos reservados para esta edição Editora Garamond Ltda

Rua da Estrela, 79 - Rio Comprido - RJ 20251-021 – Rio de Janeiro, Brasil Tel/fax: (21) 2504-9211

www.garamond.com.br editora@garamond.com.br

Revisão

Carmem Cacciacarro

Editoração Eletrônica Luiz Oliveira

Capa

Estúdio Garamond

G198d

Garcia, Antonia dos Santos, 1948-

Desigualdades raciais e segregação urbana em antigas capitais: Salvador, cidade D’Oxum e Rio de Janeiro, cidade de Ogum / Antonia dos Santos Garcia. - Rio de Janeiro : Garamond, 2009. 14X21cm; 544p.

Apêndices Inclui bibliografia ISBN 978-85-7617-157-7

1. Discriminação racial - Salvador (BA). 2. Discriminação racial - Rio de Janeiro (RJ). 3. Segregação - Salvador (BA). 4. Segregação - Rio de Janeiro (RJ). 5. Pobreza urbana - Salvador (BA). 6. Pobreza urbana - Rio de Janeiro (RJ). 7. Negros - Salvador (BA) - Condições sociais. 8. Negros - Rio de Janeiro (RJ) - Condições sociais. I. Título.

09-0163. CDD: 307.760981

CDU: 316.334.56(81)

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

DO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.

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Sumário

Apresentação · 7

Roberto Kant de Lima, Lenin Pires e Lucía Eilbaum

Concepções de igualdade e (des)igualdades no Brasil (uma proposta de pesquisa) · 19

Luís Roberto Cardoso de Oliveira Parte I

As mercadorias e seus estabelecimentos:

um olhar comparativo sobre o comércio ambulante nos trens do Rio de Janeiro e de Buenos Aires · 37 Lenin Pires

“Choque de ordem na Lapa”: uma análise sobre as lógicas e práticas de policiamento no ‘centro cultural’ do Rio de Janeiro · 71

Haydee Caruso

Policiamento das incivilidades e demandas por segurança em Montreal (Canadá): percepções da comunidade e práticas policiais · 111

Marie-Eve Sylvestre

Engenharias do policiamento em Portugal.

No campo com os policiais de segurança pública · 143 Susana Durão

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As delegacias especializadas de atendimento à mulher no Estado do Rio de Janeiro na visão de suas delegadas · 163 Lana Lage da Gama Lima, Sabrina Souza da Silva,

Paula de Carvalho Neves e Leonardo Mendes Barbosa Parte II

Administração de conflitos judiciais em mercados

metropolitanos brasileiros: consequências e dissonâncias na atualização de modelos avançados de Estado e de Mercado · 193 Maria Stella Amorim

Sentidos de justiça e reconhecimento em formas

extrajudiciais de resolução de conflitos em Belo Horizonte · 221 Daniel Simião, Vitor Barbosa Duarte,

Natan Ferreira de Carvalho, Pedro Gondim Davis

Acesso à justiça e resolução de conflitos.

Os serviços dos Centros de Integração da Cidadania na percepção de seus usuários · 251

Jacqueline Sinhoretto e Liana de Paula

Fábrica de carimbos: mediação de conflito e papel do judiciário no JECRIM-Belo Horizonte (MG) · 275 Andreia dos Santos e Eduardo Batitucci

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Apresentação

Esta coletânea constitui o primeiro volume de uma série que reúne produtos acadêmicos de um conjunto de iniciativas realizadas por uma rede de pesquisadores que, há vários anos, vem se dedicando de forma conjunta ao estudo dos processos de administraçxão institucio- nal de conflitos em perspectiva comparada. Tal rede foi formalizada em 2002, com a criação da Rede Internacional de Investigação sobre a Justiça e a Criminalidade (RIEC), na qual vêm colaborando pesquisadores nacionais e internacionais na realização de estudos empíricos comparados sobre questões vinculadas à administração policial e judicial dos conflitos no espaço público.1

Com o passar dos anos, a organização contínua de mesas- redondas, palestras e grupos de trabalho em eventos acadêmicos reconhecidos na área das ciências sociais e humanas,2 a organização de seminários nacionais e internacionais, a participação de pesqui- sadores doutores em bancas de mestrado e doutorado e a realização de publicações conjuntas, entre outras atividades, permitiram a divulgação do trabalho desenvolvido pela Rede. Assim, ela foi, progressivamente, incorporando outros grupos de pesquisa e pes- quisadores que partilhavam não apenas uma temática, mas também a convicção de que o trabalho comparativo e em rede era o caminho para produzir um entendimento sociológico dos significados e o funcionamento dos sistemas de justiça criminal e segurança pública,

1 Atualmente a rede reúne pesquisadores da Argentina, Angola, Brasil, Canadá, França e Portugal.

2 Os pesquisadores da rede têm participado sistematicamente das reuniões da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), da Associação Nacional de História (Anpuh), na Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM), dos encontros da Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), da Associação Latino-americana de Antropologia (ALA), do Congresso Luso-Afro Brasileiro de Ciências Sociais, das Jornadas de Investigación en Antropologia Social organizadas pela Sección de Antropologia Social da FFyL-UBA.

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das percepções por parte dos diversos atores que neles interagem e das lógicas distintas de administração institucional de conflitos nesses espaços.

Nesse caminho, em meados de 2006, apresentamos uma proposta de pesquisa em rede no âmbito da Chamada em Ciências Sociais lançada pela Finep. O projeto tinha como foco o estudo dos pro- cessos de descentralização da administração de conflitos na área da segurança pública e da justiça criminal a partir da realização de pesquisas com guardas municipais no Estado do Rio de Janeiro, nos Juizados Especiais Civis e Criminais no Rio, em Minas Gerais e Distrito Federal e nos Centros de Integração da Cidadania em São Paulo. Também foi proposto, no âmbito do projeto, como parte do trabalho de extensão universitária, a elaboração de diagnósticos e planos de segurança pública e social municipal em parceria com municípios do Estado do Rio de Janeiro. Aprovado o projeto pela Finep, em novembro de 2006, tendo o Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas (Nufep) da UFF como instituição sede, participaram como grupos de pesquisa associados o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília, o Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas da Universidade Federal de Pernambuco, o Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Gama Filho, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim-SP), o Instituto de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (ISP-RJ) e a Fundação João Pinheiro (FJP-MG).

Alguns meses depois, recebemos também a notícia da aprovação de uma outra proposta dirigida à constituição de um Núcleo de Excelência no âmbito do Edital Pronex-2006, lançado pela Faperj e pelo CNPq. O projeto, denominado “Sistemas de Justiça Criminal e Segurança Pública, em uma perspectiva comparada: administração de conflitos e construção de verdades”, encaminhado pelo Nufep, somou à nossa rede a participação de dois núcleos de pesquisa emer- gentes, o Núcleo de Estudos e Pesquisas de Mulher do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade de Minas Gerais e o Núcleo da Exclusão e da Violência da Universidade

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Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, como também o já consolidado Equipo de Antropologia Política y Jurídica da Universidade de Buenos Aires, tradicional parceiro de pesquisas e publicações conjuntas. O Núcleo de Excelência articula um con- junto de pesquisas que têm como foco a análise e compreensão das diversas lógicas de funcionamento das agências dos sistemas de segurança pública e de justiça criminal e a natureza dos conflitos envolvidos nelas.

No contexto destes projetos, foram organizados seminários en- tre os pesquisadores participantes, com o objetivo de apresentar e discutir os avanços e resultados das pesquisas envolvidas nos dois projetos mencionados. O primeiro deles foi realizado em Porto Alegre, na sede da PUC-RS,3 em julho de 2007, por ocasião da re- alização nessa cidade da VII Reunião de Antropologia do Mercosul (RAM). O segundo, em junho de 2008, logo após a 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, em Porto Seguro (BA). Aproveitando as circunstâncias desses congressos, ambos os encontros se bene- ficiaram também da participação de outros pesquisadores afins às temáticas discutidas. O segundo encontro também contou com a participação dos consultores internacionais integrantes do projeto financiado pela Finep, professores Sofia Tiscornia, da Universidade de Buenos Aires, e Daniel dos Santos e Fernando Acosta, ambos da Universidade de Ottawa, Canadá. Eles comentaram os trabalhos apresentados durante o seminário, aportando uma visão compara- tiva fundamental para o desenvolvimento das pesquisas e para as reflexões sobre elas, sugerindo também novos caminhos a serem explorados.

Os volumes I e II desta coletânea são parte dos resultados desses dois encontros, combinando trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho Sistemas de Justiça Criminal e Segurança Pública, em uma perspectiva comparada: processos institucionais de administração de

3 Para tanto, contamos com o apoio do professor Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, dos programas de Pós-graduação em Ciências Criminais e em Ciências Sociais dessa Universidade, que foi convidado e aceitou agregar-se ao Núcleo de Excelência.

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conflitos, coordenado por Roberto Kant de Lima e Sofia Tiscornia na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia, com aqueles discutidos durante o seminário. Reunimos, então, um conjunto de artigos que discutem, a partir dos resultados de pesquisas empíricas, processos e lógicas de administração institucional de conflitos em diversos espaços sociais. Pesquisas realizadas em cidades do Estado do Rio de Janeiro, em Belo Horizonte (MG), em São Paulo (SP), no Distrito Federal e no Brasil, no âmbito nacional, se articulam e debatem com outras desenvolvidas em Buenos Aires, Montreal e Lisboa.

A perspectiva comparada adotada, seja a partir do trabalho em rede, seja também a partir das experiências de internacionalização dos próprios pesquisadores da rede,4 tem se mostrado um recurso fundamental na produção de conhecimento e na compreensão das realidades sociais pesquisadas. Esse exercício tem contribuído para a desnaturalização das rotinas, práticas e valores da própria sociedade, grupo ou instituição, a partir dos possíveis contrastes com outras sociedades, grupos ou instituições.

Por outro lado, a perspectiva comparada também tem se revelado fundamental em outros dois sentidos: a partir da participação de profissionais provenientes de diferentes disciplinas e da participação

4 A rede, sob coordenação do Nufep e do PPGA, tem participado e participa dos seguintes convênios internacionais: Capes-SPU – Programa de Centros Associados de Pós-graduação Brasil-Argentina (2005-2009); Programa de pesquisa e inter- câmbio com o departamento de Criminologia da Universidade de Ottawa, Dr. Daniel dos Santos; idem, com o CERAL – Professor Pierre Teisserenc – Convênio entre a Universidade de Paris XIII e UFF; idem, com o Groupe de Sociologie Politique et Moral da École des Hautes Études en Sciences Sociales; “S’engager à partir d’un ancrage territorial. Une perspective comparatiste sur les (im)mobilités territoriales, les mobiles de l’action publique et les mobilisations pour le Bien commun”, coordenado por Marc Breviglieri e Laurent Thévenot; idem, com o GERN – Groupe d’Études sur les Normativités, coordenado por M.René Lévy; idem, Programa CNPq – Pró-África (Brasil e Angola), com a Universidade Agostinho Neto (Angola); idem, Programa Capes – Cofecub/Brasil – França – Universidade Federal Fluminense/Universidade de Paris X (1998-2002; 2005-2008); idem, Capes – Secyt Universidade Federal Fluminense (Nufep) e Universidade de Buenos Aires

(Equipo de Antropologia Política e Jurídica) (2005-2007).

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de pesquisadores em distintos níveis de sua formação acadêmica. Ambos os aspectos, de fato, têm caracterizado, desde sua fundação, o modo de produção acadêmica do Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas e dos projetos a ele associados. Em relação ao primei- ro aspecto, pesquisadores com formação, além da antropologia, nas áreas da história, do direito, da biologia, da criminologia, da ciência política, da economia, entre outras, têm contribuído, por um lado, na produção de um conhecimento mais abrangente das realidades sociais pesquisadas e, por outro lado, na socialização de profissionais de outras disciplinas na produção de pesquisas empíricas conforme o método próprio da antropologia. De forma semelhante, em relação ao segundo aspecto, a participação de estudantes em nível de ensino médio, graduação e pós-graduação junto com pesquisadores doutores seniores e recém-doutores tem favorecido a formação e integração dos alunos em experiências de pesquisa e de produção do conhecimento, especialmente em uma área de grande e crescente relevância sociológica como a segu- rança pública e a justiça criminal. Assim, formou-se um corpus de material empírico sobre formas de administração institucional de conflitos e se delinearam reflexões teóricas sobre os processos de reconhecimento e legitimação da cidadania, dos direitos civis e sociais, sobre os mecanismos que caracterizam e dão vida ao funcionamento das burocracias estudadas e sobre a natureza dos conflitos que elas pretendem ou devem administrar.

São vários os aspectos do funcionamento das agências dos sistemas de segurança pública e de justiça criminal e das formas e lógicas de administração institucional de conflitos que têm aparecido de forma recorrente nas pesquisas realizadas pelos pesquisadores da Rede. Gostaríamos aqui de apenas mencionar alguns deles.

Em primeiro lugar, a falta de articulação, no Brasil, entre as instituições da segurança pública e da justiça criminal. Isso porque, embora elas sejam pensadas como constituindo um “sistema”, as análises sobre o funcionamento de cada uma delas têm demons- trado que elas agem de forma fragmentada. Assim, representam- se mais como segmentos de corporações em defesa de interesses

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particulares do que como instituições organizadas dentro de uma rede integrada de serviço público. Isso tem levado também a uma permanente tensão entre formas universalistas e particularistas, igualitárias e hierárquicas, de autonomia e subalternidade, de in- terpretação e aplicação da lei e de exercício do poder público nas lógicas de administração institucional de conflitos por parte dos agentes públicos intervenientes.

Nesse contexto, as sucessivas etapas que os conflitos percorrem no sistema de justiça criminal, além de estarem reguladas por leis e normas específicas, possuem lógicas de atuação diferenciadas, informadas por tradições e práticas próprias de cada uma das ins- tituições e atores envolvidos. Assim, longe de existir uma lógica universalista orientadora das políticas e dos serviços públicos, é possível visualizar formas particulares e desarticuladas de adminis- tração institucional de conflitos, prevalecendo lógicas corporativas, mais do que institucional e sistêmica, de tratamento dos conflitos e de elaboração e implementação de políticas públicas no setor.

Isso conduz a um segundo aspecto ressaltado por nossas pesqui- sas: a falta de articulação entre as formas e lógicas que orientam a administração institucional de conflitos e as diferentes naturezas dos conflitos envolvidos. No âmbito das políticas públicas, a violência que se instaura na sociedade tem sido ora atribuída ao incremento da chamada “criminalidade violenta”, caso em que a repressão aos “criminosos” seria a política mais eficiente para controlá-la ou combatê-la, ora tem sido considerada como o resultado final de um longo processo de inadequadas administrações institucionais de conflitos, que minam a credibilidade das agências de justiça e segurança pública, consolidando terreno fértil para o surgimento de mecanismos de socialização e de formas de sociabilidade violenta entre os membros da sociedade.

Contudo, tais agências, destinadas legal e formalmente a admi- nistrar condutas definidas juridicamente como crimes e classificadas midiática e socialmente como eventos de uma crescente violência, lidam na maior parte do seu tempo de trabalho com conflitos sociais que não necessariamente infringem a lei penal, mas que, em sua

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maioria, são o resultado de relações de proximidade entre pessoas conhecidas entre si, seja por laços de parentesco, vizinhança, traba- lho ou amizade. Paradoxalmente a essa constatação, pouca atenção institucional tem sido dada a esses conflitos, constatando-se uma ausência de estratégias e mecanismos de administração e prevenção. Recorrentemente mais preocupados com o “combate” ao “tráfico de drogas” ou, mais recentemente, com os crimes associados às denominadas “milícias”, este desinteresse institucional parece corresponder também ao valor negativo que policiais militares e civis, funcionários do Judiciário e guardas municipais outorgam, nas suas rotinas de trabalho, ao atendimento e tratamento de conflitos de natureza “menor”, classificados geralmente por estes agentes como questões externas ou impróprias às atribuições da polícia ou do Judiciário.

Acreditamos que essas características institucionais estejam ligadas, por um lado, à formação profissional que é ministrada nas instituições de justiça criminal, ora voltada para as representações jurídico-punitivas do direito penal, ora para as instruções opera- cionais de cunho militar, onde há missões a cumprir e inimigos a combater e derrotar; por outro, às representações jurídicas hierarqui- zadas sobre a estrutura da sociedade brasileira, fortemente presentes na cultura jurídica do processo penal e que em muito diferem dos

“princípios jurídicos” que orientam o direito constitucional. Tal ambiguidade, na prática, naturaliza a aplicação de diferentes meios para administrar institucionalmente conflitos entre iguais e conflitos entre desiguais, independentemente da natureza dos conflitos, mas fortemente dependente do status dos envolvidos.

Ora, isso não só naturaliza a distribuição desigual da justiça, da punição e da sujeição criminal (Misse, 1999, 2005) – legitimando a crença de que “bandidos” são os “outros” –, ao mesmo tempo que cria forte sensação de impunidade – de novo, porque os “outros” não foram punidos! –, mas também produz, no espaço público, um ambiente de desigualdade explícita que impede a normalização, em público, dos comportamentos sociais e a valorização da civilidade como opção orientada pelo princípio estruturante das relações em

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público, aplicando-se as regras de forma universal, igualmente a todos os que ocupam o espaço público, e não apenas entre aqueles que dele se apropriam particularizadamente.

Sobre estas questões, formuladas e desenvolvidas a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas e em andamento, é que se debruçam as discussões dos artigos aqui publicados, organizados, inicialmente, em dois volumes. Neste primeiro, os trabalhos são introduzidos com o artigo inicial de Luís Roberto Cardoso de Oliveira, que apresenta uma discussão sobre concepções de igual- dade, sugerindo as noções de isonomia jurídica e desigualdade de tratamento para refletir e compreender as peculiaridades do exercício da cidadania no Brasil, em perspectiva comparada. Essas questões, propostas pelo autor a partir das pesquisas realizadas desde a década de 90 no Brasil, no Canadá e na França, oferecem um quadro teórico e reflexivo importante para mergulhar na leitura dos artigos seguintes.

Estes, organizados em duas partes, apresentam etnografias sobre processos de administração judicial de conflitos nos quais as noções de igualdade e desigualdade jurídicas, cidadania, direito e justiça estão presentes ora como instrumentos analíticos, ora como catego- rias nativas. Na primeira parte, os artigos enfatizam os processos de administração policial institucional de conflitos no espaço público, a partir da apresentação de pesquisas empíricas e reflexões sobre diversas experiências sociais envolvendo a instituição policial, ou outras agências de controle social, e sua relação com as formas de interação de setores da população com esses agentes.

No primeiro artigo, Lenin Pires apresenta uma descrição e análise comparativa entre os mecanismos formais e informais de controle institucional (policial, judicial ou de segurança privada) da atividade de vendedores ambulantes nas cidades de Buenos Aires e do Rio de Janeiro, buscando captar lógicas distintas de representação e relacio- namento com as regras e normas instituídas nas duas sociedades.

Já o artigo de Haydée Caruso explora o policiamento em um bairro distintivo da região do centro da cidade do Rio de Janeiro – a Lapa –, procurando compreender como a chamada “preservação da

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ordem pública” é constituída e negociada entre policiais, moradores e frequentadores que conformam o campo do controle e regulação social naquela região.

Em uma direção semelhante, encontram-se os artigos de Marie- Eve Sylvestre e Susana Durão, sobre o policiamento em Montreal e Lisboa, respectivamente. No primeiro, Sylvestre analisa as formas de policiamento dos comportamentos antissociais relacionados à ocupação dos espaços públicos em Montreal, no contexto da adoção de uma política contra as chamadas “incivilidades”. No segundo, Durão analisa a denominada Polícia de Segurança Pública, dese- nhada para a polícia urbana portuguesa, buscando demonstrar a existência de um paradoxo nesta política que sublinha a dimensão de atividade anticriminal da polícia num país que tem manifestado fracos índices criminais.

O artigo conjunto de Lana Lage, Sabrina Souza da Silva, Paula de Carvalho Neves e Leonardo Mendes Barbosa analisa as práticas de administração de conflitos envolvendo violência doméstica, a partir da pesquisa em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) e em delegacias distritais em diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro. Focalizam neste artigo as representações e opiniões das delegadas responsáveis por essas agências sobre os casos atendidos.

Na segunda parte, os artigos focalizam os processos de admi- nistração institucional de conflitos, mas desta vez com ênfase nas descrições e problematizações sobre a atuação de suas instâncias judiciárias. Os artigos têm em comum a análise do funcionamento de instituições criadas após a Constituição de 1988 com o objetivo de desafogar os tribunais comuns e gerar mecanismos mais céle- res de administração da justiça. Essas diversas reformas na área judiciária tiveram como foco, inicialmente, a implementação de mecanismos de administração que atendessem à natureza específica de conflitos de “menor potencial ofensivo”. Seguindo essa linha, os quatro artigos descrevem os processos de criação de algumas dessas instâncias e o seu funcionamento, chamando a atenção para a manutenção de lógicas de administração de justiça tradicionais e

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para a falta de correlação entre as estratégias desenvolvidas pelos agentes e a natureza dos conflitos envolvidos.

Particularmente, o artigo de Maria Stella Amorim analisa as demandas apresentadas em relação aos direitos do consumidor nos Juizados Especiais Cíveis no Rio de Janeiro. Nessa dinâmica, destaca, por contraste com outras sociedades de mercado, as especificidades das relações de direito contratual e do direito do consumidor na sociedade brasileira, chamando a atenção para a interferência do Estado nessas relações. Segundo Amorim, tal interferência estatal é associada à categoria “hipossuficiência”, vigente no direito brasileiro, que bloqueia a normatização igualitária das partes nos contratos e a socialização de responsabilidades mútuas entre atores participantes de mercados livres. O artigo, nesse sentido, é mais uma contribuição para refletir sobre as noções de igualdade e desigualdade jurídicas presentes no direito brasileiro.

O artigo de Daniel Simião, Vitor Barbosa Duarte, Natan Ferreira de Carvalho e Pedro Gondim Davis apresenta iniciativas recentes do poder público e da sociedade civil organizada de criação de instâncias alternativas de resolução de conflitos, focalizando a análise etnográfica nas práticas de mediação em atendimentos feitos por Núcleos de Mediação e Cidadania, do programa Polos de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais, em duas favelas de Belo Horizonte. Assim, o artigo busca explorar, por meio de uma perspectiva etnográfica, os limites e os potenciais em jogo na implantação de espaços de resolução mediada de conflitos.

O artigo de Jacqueline Sinhoretto e Liana de Paula visa discutir questões do acesso à justiça a partir da perspectiva dos usuários dos Centros de Integração da Cidadania (CIC) na cidade de São Paulo. Nesse sentido, explora este novo serviço, criado com o objetivo de disponibilizar serviços estatais de resolução de conflitos nas áreas da periferia metropolitana, a partir da avaliação que os usuários dos centros fazem em relação ao atendimento e às soluções obtidas.

Por último, o artigo de Eduardo Batittucci e Andréia dos Santos propõe uma mudança de perspectiva sobre problemas semelhantes, isto é, a análise do funcionamento de novas instâncias de acesso a

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justiça. Neste caso, a partir da análise quantitativa e estatística dos dados colhidos junto aos processos em julgamento, em 2006, no Juizado Especial Criminal de Belo Horizonte, buscam traçar o fluxo dos processos que foram julgados, os condicionantes organizacionais desse Juizado Especial e as características de vítimas e agentes dos processos julgados naquele ano. A análise dos dados levantados mostra que, junto a uma maior procura desse tipo de serviço en- tre a população, muitas vítimas desistem do prosseguimento dos processos sem que o Judiciário tenha desenvolvido procedimentos substantivos em prol da administração desses conflitos.

Esperamos com estas breves palavras ter despertado a curio- sidade dos leitores, atraindo-os para que partilhem de discussões cada vez mais amplas, provocativas e estimulantes com os autores desta coletânea e pesquisadores da nossa rede.

Roberto Kant de Lima Lenin Pires Lucía Eilbaum

Referências

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