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Por que o Grande ABC se levantou, mas as bandeiras do PT não puderam ser erguidas? Considerações sobre o dia 29 de maio

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Academic year: 2021

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Por que o Grande ABC se levantou, mas as bandeiras do PT não

puderam ser erguidas? Considerações sobre o dia 29 de maio

Gisele Costa1

São Bernardo do Campo

O dia 29 de maio de 2015 entrará para a história como o dia em que a classe trabalhadora brasileira reagiu contra os ataques do Governo Dilma e dos grandes capitalistas, que tentam socializar a crise e privatizar os lucros, por meio do Projeto de Terceirização–Projeto de Lei 4330, das Medidas Provisórias 664 e 665, além do ajuste geral que corta verbas das áreas sociais.

Como parte desse dia Nacional de Luta e Paralisações, a região do ABC paulista protagonizou uma das maiores mobilizações do país e uma das maiores mobilizações da região nos últimos tempos. Entretanto, antes de entrar nos fatos ocorridos na região do ABC no último dia 29 de maio, é preciso entender o significado dessa região para a luta de classes no Brasil e na América Latina.

As cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano – ABC, e suas vizinhas – as cidades de Mauá e Diadema - representam juntas um dos maiores polos industriais brasileiros e latino-americanos. É a região em que se concentram expressivamente os trabalhadores mais especializados na cadeia de produção capitalista (operários e operárias de grandes montadoras e da indústria petroquímica). Entretanto, contraditoriamente pode-se dizer que a região do Grande ABC é marcada por um alto grau de exploração e espoliação da força de trabalho. Dessa região é extraída uma imensa quantidade de riqueza produzida sob custos baratos e enviada pelas grandes multinacionais para a Europa e EUA, com o aval explícito dos políticos e partidos da ordem, que são capazes de trocar nosso povo por qualquer caminhonete 4X4 ou um prato de caviar em Paris.

1 Graduada em Pedagogia – Universidade Estadual Paulista (UNESP). Mestranda em Estudos

Latino-Americanos pelo Programa de Integração da América Latina – Universidade de São Paulo (PROLAM-USP). Integrante do grupo de pesquisa América Latina e Marx: Movimentos Sociais, Partidos, Estado e Cultura – Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) e pesquisadora da Rede de Estudos Latino-Americanos de Trabalho Docente (Red Estrado).

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Mas para além do papel econômico do Grande ABC, esse canto do Brasil guarda também uma importância política na história recente do país. Foram as heroicas e gigantescas greves dos operários dessa região que aprofundaram a crise do regime civil-militar no final da década de 1970 e 1980. Ademais, também foi aqui que se construiu o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), na época instrumentos importantes de luta da classe trabalhadora. Por isso no ABC, como em nenhum outro lugar, a ligação histórica dos operários com o petismo se deu por laços orgânicos. Ou seja, durante muitos anos os trabalhadores não apenas votaram no PT, mas se sentiam parte do próprio partido. Aqui Lula nunca foi um simples candidato de oposição ao nefasto FHC e PSDB, mas sim a figura que representaria os operários e operárias, pois ilusoriamente Luiz Inácio Lula da Silva seria um dos nossos.

Por essas razões político-econômicas, os detalhes na região do Grande ABC dizem mais do que as coisas que aparentemente estão explícitas. Os detalhes revelam a realidade em movimento como continuidade, mas, sobretudo, como expressão de rupturas conjunturais, estruturais e históricas.

A classe trabalhadora se movimenta e para o Grande ABC

Embora a chuva tenha dominado o céu do Grande ABC, a disposição de luta dos trabalhadores no dia 29 de maio, anunciou que as máquinas, as ruas e ônibus parariam porque a luta de classes no Brasil está em movimento. Em Mauá e Diadema, os trabalhadores de duas grandes empresas do transporte coletivo paralisaram antes das 05h30min da manhã, seguidos pela paralisação parcial do transporte coletivo municipal de Santo André. Em São Bernardo do Campo, os operários da Volkswagen, da Mercedes-Benz, Scania e outras fábricas também paralisaram suas atividades.

O ápice da mobilização foi a marcha desde a sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) até a histórica Praça da Matriz, no centro de São Bernardo do Campo, onde milhares de servidores municipais em greve uniram-se aos operários, em um total de 20 mil trabalhadores. Durante o ato, e mesmo durante o percurso da passeata, um detalhe significativo chamou a atenção: a ausência gritante das bandeiras do PT na maior mobilização de trabalhadores realizado no ABC nos últimos tempos, somada

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à vaia recebida por Wagner Freitas, presidente nacional da CUT, ao tentar defender o Governo Dilma. Mas qual seria a razão das bandeiras do Partido dos Trabalhadores não tremularem no céu da cidade, que durante muitos anos foi considerada o bastião do petismo? A resposta para essa pergunta tem múltiplas determinações, mas algumas delas se sobressaem a olho nu.

A crise no coração política e econômica no coração do petismo

Por ser uma região industrial, o Grande ABC produz para as multinacionais uma grande quantidade de lucro. Calcula-se que somente em 2013, a remessa de lucro das montadoras alcançou a cifra de R$ 7,2 bilhões, enquanto o valor investido por essas empresas no Brasil foi de R$ 4,4 bilhões. Ou seja, uma margem de lucro de R$ 2,2 bilhões que saiu da superexploração perpetrada contra os trabalhadores brasileiros2.

Entretanto, a região do Grande ABC é estruturalmente um dos elos débeis do desenvolvimento subalterno e dependente da industrialização brasileira frente às grandes corporações estrangeiras. Por essa razão a região é também sensivelmente atingida pelas oscilações da economia mundial.

Frente à crise do capital em nível mundial, a remessa de lucro das multinacionais automobilísticas despencou, ainda que isso não signifique o fim da política parasitária que essas empresas mantêm contra os trabalhadores. Segundo o Dieese, de janeiro a abril, o valor da remessa de lucro que os capitalistas estrangeiros ligados às montadoras levaram do Brasil foi de US$ 86 milhões, o que significa 21,7 % a menos do valor do lucro extraído no mesmo período de 2014. E agora em maio, as multinacionais tiraram dos trabalhadores brasileiros US$ 12 milhões contra US$ 115 milhões do mesmo mês no ano passado3. É esse o motivo real das inúmeras demissões

que a GM, Ford, Mercedes-Benz provocaram e que outras como a Volks preparam-se para fazer na região do Grande ABC. E também o real motivo da tentativa patronal e governamental de aplicar a terceirização geral dos serviços e as Medidas Provisórias que atacaram permanentemente os direitos trabalhistas – garantir a manutenção de

2 Sindicato dos Metalúrgicos do ABC: http://www.smabc.org.br/smabc/materia.asp?id_CON=34149 3 Jornal O Valor Econômico – versão online:

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lucro do grande capital estrangeiro e dos setores empresariais nacionais que orbitam em torno dele.

A crise nas montadoras instaladas no Grande ABC, que atingem também as pequenas fábricas, provocou o desemprego de 29 mil trabalhadores no setor industrial, nos últimos doze meses4. Rapidamente essas demissões transformaram-se em um

efeito cascata que toma as ruas da região. De acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) realizada pelo Seade e Dieese, somente em abril a região fechou 23 mil postos de trabalho, o equivalente a 767 demissões por dia. Ainda segundo a pesquisa, essas demissões são desdobramentos das demissões no setor industrial que afetam os ramos imobiliários, financeiros e do pequeno comércio5.

Diante desse cenário assustador para a classe trabalhadora, sobretudo para os setores mais empobrecidos, as respostas do Governo Dilma é favorecer mais e mais o lucro da patronal. Primeiro o governo do PT agraciou as montadoras por meio da desoneração fiscal e do Programa Inovar Auto, que garantiu que essas empresas deixassem de pagar cerca de R$ 27 bilhões ao Estado. Ademais, a parceria do Governo Dilma com as multinacionais garante para as aves de rapina estrangeiras dinheiro público para o cofinanciamento da política de lay-off (pré-demissão), adotada pelas montadoras para não perder sua lucratividade. Agora juntamente com a burocracia sindical da CUT, os homens e mulheres de confiança do Governo Dilma propõem redução dos salários dos trabalhadores justamente em um momento de alta da inflação.

Apesar de aterrorizante, a crise nas montadoras não é o único elemento de desgaste do PT no Grande ABC; a ela se soma a insatisfação popular frente à política de ajustes. O corte de mais de R$ 8 bilhões que o Governo Dilma fez na pasta da educação, por exemplo, provoca indignação de uma parte expressiva da juventude da região que encontra dificuldade para manter-se no ensino superior por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), uma vez que as alterações no programa dificultam a renovação da matrícula de milhares de estudantes-trabalhadores. Não por acaso nos últimos dias, São Bernardo do Campo protagonizou a mobilização de mais de mil

4 Fonte: Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED: http://portal.mte.gov.br/caged

5 Jornal Diário do Grande ABC:

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estudantes que tomou a porta da Faculdade Anhanguera, devido à dificuldade que a juventude mais pobre encontra para estudar na “pátria educadora”.

Questões de cunho regional também agravam a crise petista. Nesse sentido, a greve dos servidores públicos municipais de São Bernardo do Campo choca-se contra a política austera do prefeito e ex-presidente nacional da CUT, Luiz Marinho (PT), pois demonstra não apenas o crescente descrédito do Partido dos Trabalhadores na região, mas evidencia a falsa dicotomia entre o PT e os partidos de oposição de direita. O prefeito petista e ex-sindicalista não vacilou em ameaçar descontar os dias de greve dos trabalhadores, política semelhante à postura do PSDB frente à greve dos professores estaduais paulistas.

É esse cenário de acirramento geral da luta de classes e da definição petista pela defesa incondicional dos grandes empresários e seus lucros, que deve ser compreendido o detalhe revelador da ausência das bandeiras do PT na região que até então era considerada seu baluarte. A histórica e heroica classe trabalhadora do Grande ABC, que um dia entregou seu suor e sangue para fundar as estruturas iniciais do petismo, parece ter uma única convergência com os sindicalistas cutistas que desesperadamente tentam evitar a crítica popular e classista ao Governo: ambos sabem da incompatibilidade entre a estrela que brilha no Planalto Central e as lágrimas que caem no chão da fábrica. Por essa razão os operários desse rincão lutam como sempre o fizeram, mas já não carregam a bandeira do PT, tampouco permitem que as burocracias sindicais a levantem em seu nome.

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