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Políticas públicas de reconhecimento de saberes tradicionais no amapá: O PDSA

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Academic year: 2021

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Políticas públicas de reconhecimento

de saberes tradicionais no amapá:

O PDSA

Isis Tatiane da Silva dos Santos David Junior de Souza Silva

Resumo: Este artigo é uma análise da política pública estadual

saberes tradicionais conhecida como PDSA - Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, implementada pelo governo do estado entre os anos de 1994 e 1998. A pesquisa investiga especificamente a concepção das políticas públicas em sua dimensão de reconhecimento e salvaguarda dos saberes das comunidades tradicionais e aos efeitos desta política sobre a sociedade amapaense. Esta dimensão é denominada no Programa como Conservação da Identidade Cultural e Social das Comunidades Tradicionais do Amapá. A metodologia empregada o foi a técnica da análise documental. Como fontes, foram consultados os Anuários do GEA (1994-1998) e o Documento de Criação do PDSA (1995).

Palavras-chave: comunidades tradicionais; direitos étnicos;

território; biodiversidade.

Abstract: This article is an analysis of the state public policy

known as PDSA - Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (Amapá Sustainable Development Program), implemented by the state government between 1994 and 1998. The research specifically investigates the conception of public policy in its dimension of recognition and safeguarding of traditional communities' knowledge and the effects of this policy on amapaense society. This dimension is called in the Program for the Conservation of the Cultural and Social Identity of Traditional Communities of Amapá. The methodology employed was the technique of documental analysis. As sources, the GEA Yearbooks (1994-1998) and the PDSA Creation Document (1995) were consulted.

Keywords: traditional communities; ethnic rights; territory;

biodiversity.

Licenciada em História pela Universidade Federal do Amapá. Pós-graduanda em Estudos Culturais e Políticas

Públicas – PosCult/UNIFAP.

 Pós-Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amapá´-

Revista

Tempo

Amazônico

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INTRODUÇÃO

Este artigo é uma análise da política pública estadual do PDSA - Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá, implementada no estado do Amapá entre os anos de 1994 e 1998. O PDSA foi um amplo programa de políticas com foco especialmente no desenvolvimento sustentável de comunidades tradicionais no Amapá. Neste artigo nosso foco de análise é a dimensão do PDSA destinada aos saberes das comunidades tradicionais. Nossa referência para análise desta política pública será a dimensão dos saberes dos povos tradicionais.

Nossa referência empírica para compreensão desta dimensão dos saberes tradicionais são as benzedeiras e rezadeiras da comunidade quilombola do Criaú, quilombo localizado no município de Macapá, na borda entre a área urbana e a área rural da cidade.

As benzedeiras e rezadeiras são detentoras e guardiãs por excelência de saberes tradicionais do Quilombo do Criaú, saberes que têm dimensões de saberes sobre a saúde, o corpo, a mente e o espírito. Por consequência, são guardiães da cultura, da memória e da ancestralidade quilombola.

As benzedeiras e rezadeiras são conhecidas como as “primeiras médicas” pelas pessoas que fazem parte de suas comunidades, incumbidas de fazerem partos naturais, “rezar contra quebranto, olho gordo, fazer garrafadas, espantar encostos”, trabalhos que são feitos por pessoas que as procuram para serem curados.

Todavia, infelizmente, com o racismo presente na cultura moderna e globalizada, as benzedeiras e rezadeiras têm perdido parte de seu prestígio comunitário, apontando para uma desvalorização de seu trabalho, de sua função comunitária e dos saberes de que são guardiães, e não havendo a formação de novas rezadeiras e benzedeiras nas novas gerações.

Efeito do racismo é a invisibilização e desvalorização das rezadeiras e benzedeiras e seus saberes, colocando em ameaça de perda e delegação ao esquecimento destes saberes. Como um dos cernes da cultura quilombola, a dimensão de perda desses saberes seria uma perda irreparável para as comunidades quilombolas.

Por isso, o reconhecimento, valorização e salvaguarda dos saberes tradicionais são uma das principais pautas do movimento quilombola e dos intelectuais quilombolas. Razão pela qual têm se mobilizado para criação de políticas públicas de salvaguarda destes conhecimentos.

Benzer, rezar, orar e curar é uma tarefa cautelosa feita por pessoas que detêm um vasto conhecimento sobre as plantas e ervas medicinais, e sobre as orações e rezas. Em sua maioria mulheres anciãs utilizam-se desses meios para acalmar as dores e incômodos do corpo e da

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alma dos moradores da comunidade. Esse saber tradicional é a propriedade intelectual mais valiosa de uma comunidade, e conexão essencial da ancestralidade africana com o futuro quilombola.

A pergunta que dá existência a esta pesquisa é uma investigação sobre a natureza das políticas públicas então implementadas pelo governo estadual e seus efeitos sociais. Buscamos compreender a efetividade da política pública como estratégia de salvaguarda dos saberes das benzedeiras e rezadeiras.

Foram utilizados como fontes os Anuários do GEA (1994-1998) e o Documento de Criação do PDSA do GEA (1995). Foram feitas entrevistas dirigidas as benzedeiras e rezadeiras das comunidades de estudo e também para os gestores que participaram da implementação e execução destas políticas.

O DIREITO À EPISTEME PRÓPRIA COMO DIREITO ÉTNICO

O movimento negro e o movimento quilombola tem conseguido confrontar o racismo estrutural da sociedade brasileira e conquistado a institucionalização de direitos pela igualdade racial e pela cidadania étnica, os direitos específicos das comunidades tradicionais. Na pauta de mobilização pelos direitos étnicos, movimento negro e movimento quilombola atuam ao lado de povos indígenas, comunidades ribeirinhas, de pescadores e extrativistas.

No Amapá as comunidades tradicionais conquistaram a força política para a criação pelo governo estadual do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA), um programa que instituiu mecanismos para proteção do território das comunidades tradicionais, os recursos naturais de suas terras, propondo também meios que protegem o meio ambiente e a biodiversidade ali existente e formas de reprodução econômica para estas comunidades.

A preocupação dos movimentos sociais de povos tradicionais com a salvaguarda dos saberes tradicionais está na percepção corrente de que as comunidades tradicionais vêm perdendo, de forma significativa, preciosas informações culturais acumuladas pelas gerações anteriores, relacionadas aos saberes e medicina tradicional e à farmacopeia popular.

Às comunidades quilombolas, bem como às demais comunidades tradicionais, nunca foi estendida cidadania plena. Estas comunidades, então, salvo raras exceções, nunca foram atendidas por estrutura de saúde por parte do Estado. O cuidado social com a saúde nestas comunidades sempre foi feito por sacerdotisas e sacerdotes tradicionais: pajés, rezadores, benzedeiras, rezadeiras e parteiras.

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As comunidades reconhecem a importância que têm as benzedeiras e rezadeiras para sua gente: “seus ofícios são vistos como missão a ser cumprida”. Estas sacerdotisas entendem que é seu dever ético prestar atendimento e socorrer a todos que precisam. Em seus atendimentos, manejam propriedades terapêuticas das plantas e ervas para curarem as enfermidades de quem as procuram.

A estruturação de uma rede de serviços públicos de saúde começa a ser realizada com a criação do Território Federal do Amapá em 1943. A primeira chegada de médicos às comunidades tradicionais, é vivida sem confiança e com insegurança e incerteza por estas comunidades. O reconhecimento do oficio de benzedeiras e rezadeiras era absoluto nas comunidades.

O saber tradicional sempre foi um dos principais alvos do racismo e do colonialismo. Quando não realizava o genocídio, o colonizador realizava o etnocídio, assassinando sacerdotes tradicionais, deslegitimando-os com grandes quanta de violência simbólica, destruindo as bases dos sistemas de saberes tradicionais. O epistemicídio e o racismo são as instituições criadas pela cultura do colonizador para deslegitimar e destruir os sistemas de saberes tradicionais.

O saber tradicional, especialmente quando se trata de saberes sobre a saúde, ao lado de todos e ataques e desqualificações historicamente operados pelo racismo, com a consolidação das ciências médicas e farmacêuticas sofre novo tipo de violência simbólica, com constantes tentativas de contestação de sua legitimidade.

(...) considera-se que a medicina tradicional se vê anulada pelo declínio das atividades dos curadores populares. São poucos os que continuam essa tarefa. Fato demonstrado a partir da realidade observada em várias comunidades que antes apresentavam um número considerável de pessoas conhecedoras dos “remédios do mato” e que, atualmente estão em número reduzido (OLIVEIRA, 2001).

O reconhecimento e salvaguarda dos saberes tradicionais entra assim no rol das pautas dos movimentos sociais étnicos e tradicionais. A estratégia histórica de conquista da efetivação de pelos movimentos sociais é a institucionalização destes na estrutura estatal, por meio de pressão sobre o Estado para criação de legislação e políticas públicas.

RACISMO EPISTÊMICO

As principais estruturas de ataque e deslegitimação aos saberes tradicionais são o racismo estrutural, o racismo epistêmico e a violência simbólica realizada pelo campo disciplinar da medicina, que intenta monopolizar o campo científico sobre a saúde e o campo geral da saúde em relação a diferentes formas de saberes sobre a saúde.

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No ponto de vista da medicina institucional ainda hoje o ofício das benzedeiras e rezadeiras não é visto com bons olhos pois há um enfrentamento do conhecimento científico versus o conhecimento tradicional, com uma movimentação do primeiro em direção a desqualificação do segundo. A medicina institucional

Acredita que não precisa de meios simbólicos para intermediar o real, pois ela se crê portadora de meios técnicos para dominá-lo. Ela substituiu a intenção de dar um sentido ao mundo pela pretensão de controlá-lo. Assim, se convence de que, por meio do positivismo, obteve o controle sobre a doença e a morte; quando, na realidade, somente perdeu o domínio sobre o universo simbólico (QUINTANA, 1999, p.39).

A medicina legal tem um conjunto de ferramentas que a estrutura e se constrói com em diálogo com as outras disciplinas científicas do campo da modernidade, ambos elementos de onde aufere sua legitimação.

A concepção do Estado sobre os saberes tradicionais sempre foi o de não conferir legitimidade a estes saberes, mantê-los na informalidade.

Ao mesmo tempo, na modernidade eurocêntrica se constituiu como campo de saber e de poder, entremeando-se ao poder estatal, alimentando-se da exclusividade como a única atuação sobre a saúde legítima. Assim, o campo disciplinar da medicina, o campo científico e o campo jurídico, bem como uma dimensão do campo social e cultural que é o racismo estrutural, todos como estruturas da modernidade eurocêntrica e seu projeto colonial, atuam em conjunto em contra a existência dos saberes dos povos tradicionais, realizando o racismo epistêmico, o extrativismo epistêmico e o epistemicídio.

Os saberes tradicionais resistem em sua autenticidade. A mobilização social e política dos povos tradicionais por seu direito de existir, seu território, seu modo de vida e sua cidadania pauta como um de seus principais direitos o direito ao saber tradicional, a sua visão de mundo, sua episteme e seu projeto de futuro.

O Estado, sempre instituição que reproduz colonialidade, racismo institucional e racismo epistêmico, deve vir a tornar-se também dimensão onde os movimentos pelos direitos étnicos e às epistemes tradicionais devem atuar. O Estado, na sociedade estruturada pelo racismo, é veículo de subcidadania, e como tal precisa ser enfrentado em sua dimensão de reprodução de desigualdade.

Nesse sentido, movimentos étnicos cobram por políticas públicas para efetivação destes direitos, ou seja, pela extinção da colonialidade do Estado.

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PROGRAMA PDSA: LINHAS GERAIS

O PDSA como política pública foi inspirado nos princípios da Agenda 21, seguindo a linha do Rio 92 de conciliar meio ambiente e desenvolvimento, sob o paradigma da sustentabilidade. (BRONDÍZIO, 2003; (RUELLAN, CABRAL, MOULIN, 2007).

O PDSA foi elaborado por um grupo coordenado pela SEPLAM – Secretaria de Planejamento, e transformado em política pública a partir do Decreto nº. 2453, de 14 de agosto de 1995, sendo definidos os grandes eixos e principais projetos de realização do programa. O decreto define ainda que o PDSA é formado por todos os subprogramas, projetos e subprojetos, já existentes ou em formação, que estabeleçam vinculação entre a utilização sustentável dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico do Estado do Amapá. (BRONDÍZIO, 2003, p. 28).

Explicita-se no documento de criação do PDSA que o visa ao redirecionamento do processo de desenvolvimento estadual, incorporando a questão ambiental no planejamento da economia e implantando ações interligadas com a área social. (GEA, 1995, p. 01). A valorização das chamadas vantagens comparativas do Amapá entra como uma das estratégias principais para consolidação dos objetivos do plano, especialmente a conciliação entre a dimensão econômica, social e ambiental. São elas: diversidade de ecossistemas, alta biodiversidade, recursos pesqueiros, recursos naturais, localização estratégica em relação aos mercados internacionais.

Sobre a sustentabilidade como diretriz, o PDSA a entende como:

É resultado do equilíbrio entre os aspectos econômicos, sociais e ambientais das atividades produtivas [...]. Através do novo modelo, o Estado deve criar capacidade de utilizar os recursos naturais de forma a poder manter e não facilitar a sua destruição. A agregação de valor às atividades agrícolas e florestais, à pesca e a mineração vai fortalecer a dinâmica local e regional gerando e distribuindo renda e fixando a população. (GEA, 1995, p. 03).

Outra diretriz relacionada diretamente às comunidades tradicionais e rurais do estado foi a busca da extinção das razões e fatores socioeconômicos que levavam ao êxodo rural. Dar condições para fixação da população rural em suas comunidades foi estabelecido como objetivo. O PDSA assim

Aponta para a necessidade de reorientar o crescimento das cidades, desconcentrando a infra-estrutura de serviços básicos e criado oportunidades no interior do Estado para diminuir o fluxo migratório para a capital e o município de Santana. (BRONDIZO, p. 30, 2003).

Como estratégia para realização desta diretriz foram realizadas parcerias entre o governo do estado e as prefeituras, tendo em vista a geração de empregos e recursos financeiros nos municípios. “É uma diretriz voltada para fixar a população. As áreas prioritárias para a

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municipalização são educação, a saúde, a aquisição da merenda escolar e manutenção de obras públicas” (GEA, 1995, p. 06).

Foram traçados também dez setores prioritários de desenvolvimento, no documento que são: ecossistemas naturais e prioridades para conservação da biodiversidade; unidades de conservação, áreas indígenas e reservas extrativistas; recursos minerais; recursos pesqueiros; setor agrícola; áreas para o turismo sustentável; educação; programa de saúde ambiental; sistema energético; zoneamento ecológico-econômico e gerenciamento costeiro. (GEA, 1995). A dimensão de atuação do PDSA que nos interessa nesta pesquisa é a de proteção aos territórios e identidades culturais das comunidades tradicionais. A proteção dos territórios das populações tradicionais e seus modos de vida entra como diretriz também do PDSA. Trata-se da dimensão estratégica da criação de unidades de conservação.

O setor prioritário de desenvolvimento de unidade de conservação do PDSA tem como objetivo salvaguardar as populações tradicionais, seu modo de vida e sua identidade cultural. O programa inovou quanto à regularização fundiária de territórios das populações tradicionais, notadamente na criação da Reserva Extrativista no Sul do Estado (GEA, 1995).

A criação de unidades de conservação atende simultaneamente ao fim da proteção jurídica das populações tradicionais e da preservação de recursos naturais em seus territórios.

[...] uma parte dos recursos naturais estratégicos para o desenvolvimento do Amapá encontra-se em terras indígenas e constitui a base de sobrevivência destas populações e de comunidades tradicionais de castanheiros, pescadores e ribeirinhos que sobrevivem do extrativismo sustentável. (GEA, p. 18, 1995).

Uma das alternativas adotadas pelo PDSA para fortalecer a sustentabilidade econômica das comunidades foi criar política de fomento às reservas extrativistas, aos pescadores e ribeirinhos, buscando adicionar valor aos seus produtos através do acesso às tecnologias apropriadas, da implantação de unidades locais de processamento e do apoio à comercialização. Estas medidas também visavam garantir propriedade intelectual seja conservada e seja garantido o direito de propriedade perante suas áreas, criações, ideias, etc. (GEA, 1995).

LEIS CRIADAS PELO PDSA NO DOMÍNIO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS NO AMAPÁ

Uma das ações concretas do PDSA, no que tange a valorização da cultura tradicional do Estado, foi a criação do Museu Sacaca do Desenvolvimento Sustentável, espaço criação com

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objetivo de garantir o resguardo das memórias culturais, históricas, geográficas, seus recursos naturais e humanos do estado do Amapá. O museu ganhou esse nome em homenagem a Raimundo dos Santos Sousa (1926-1999), “Sacaca”, curandeiro local de grande importância para difusão da medicina natural junto a população amapaense. A razão de criação do Museu é parte do objetivo de valorizar o patrimônio histórico e cultural do Estado e para revitalizar a história e a cultura das populações do Amapá (RUELLAN, CARBAL, MOULIN, 2007).

Estratégias para política educacional, cultural e científica foram criadas. Nesta seara foram criadas escolas experimentais, escolas bilíngues em áreas indígenas, bolsas, valorização ao patrimônio; no que se refere ao conhecimento e pesquisas científicos.

Houve avanços nesse sentido com o trabalho desenvolvido no IEPA- Instituto de Estudos e Pesquisas do Estado do Amapá, que entre outras atividades realizou o zoneamento ecológico e econômico. (...) Mas os conhecimentos sobre o ecossistema e recursos naturais do Amapá ainda são considerados insuficientes, o que apresenta uma limitação para o desenvolvimento do PDSA (BRONIZIO, 2003, p.33).

Em outra dimensão do política Conservação da Identidade Cultural e Social das Comunidades Tradicionais do Amapá foram realizados avanços legais para proteção dos territórios das comunidades tradicionais. Estas legislações são especialmente em termos de proteção do meio ambiente e dos recursos naturais:

Foi criada uma reserva de desenvolvimento sustentável na floresta, objetivando a conservação e o desenvolvimento das atividades extrativistas. Atualmente cerca de 30% do Estado do Amapá é protegido legalmente através de unidades de conservação estaduais e federais (BRONDIZIO, 2003, p.36).

Dentro do PDSA foi criada uma lei específica para proteção do conhecimento das comunidades tradicionais, a Lei da Biodiversidade, Lei nº. 0388 de dezembro de 1997, que dispõe sobre os instrumentos do acesso à biodiversidade do Estado do Amapá. Abaixo destacamos alguns artigos da lei:

Da Proteção do Conhecimento Tradicional Associado a Recursos Genéticos.

Art.58º _ O Poder Público reconhece e protege os direitos das comunidades locais e populações indígenas de se beneficiarem coletivamente por seus conhecimentos tradicionais.

I. A compensação pela conservação dos recursos genéticos, mediante remuneração, bens, serviços, direitos de propriedade intelectual, de direitos intelectuais coletivos ou outros mecanismos será especificada no contrato de acesso, conforme o disposto no artigo 18 deste Decreto(...).

Art. 59º – As comunidades locais e populações indígenas detêm os direitos exclusivos sobre seus conhecimentos tradicionais (...).

Art. 60º – fica assegurado às comunidades locais e populações indígenas o direito aos benefícios advindos do acesso a recursos genéticos realizado nas áreas que detém, definidos na forma de contrato conexo previsto neste decreto e após consentimento prévio fundamentado segundo o dispositivo no artigo anterior.

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Art. 61º – Não se reconhecerão direitos de propriedade intelectual de produtos ou processos relativos a conhecimentos tradicional associado a recursos genéticos ou produtos variados, cujo acesso não tenha sido realizado conformidade com este decreto.

Esta lei foi criada para complementar as políticas do PDSA em relação ao conhecimento tradicional e as comunidades indígenas, cumprindo a função de conferir proteção legal de suas propriedades intelectuais. A lei resguarda também os direitos intelectuais coletivos, que são os direitos que as comunidades têm sobre seus conheicmentos tradicionais, em particular aqueles concernentes a utilização de recursos naturais. Desta forma as comunidades e os povos indígenas devem receber o pagamento quando houver acesso ao conhecimento do uso de plantas medicinais.

No que concerne aos direitos das comunidades sobre exploração econômica de recursos naturais em seus territórios, foi criada a Lei nº. 0388 de 10 de dezembro de 1997. Esta lei disciplina o acesso aos recursos naturais do Estado do Amapá, controlando toda e qualquer pesquisa sobre os recursos naturais estado de forma a evitar a biopirataria, e assegurar às comunidades tradicionais, pela primeira vez no país, remuneração pelo acesso ao conhecimento acumulado da utilização da biodiversidade.

A Lei nº. 0388 de 10 de dezembro de 1997 institui como diretriz para o uso econômico da diversidade no Estado do Amapá a participação das comunidades em cujos territórios estão estes recursos. Esta lei institui o direito de participação das comunidades na decisão sobre o uso dos recursos naturais e direito aos benefícios econômicos deste uso.

No que se refere à política de pesquisa cientifica sobre a vasta riqueza da fauna e flora na região do Amapá, “houve avanços nesse sentido com trabalho desenvolvido no IEPA, Instituto de Estudos e Pesquisas do Estado do Amapá, que entre outras atividades realizou o zoneamento ecológico e econômico, mais os conhecimentos sobre os ecossistemas e recursos naturais do Amapá” (BRONIZIO, 2003, p.33).

A Lei nº. 0388 foi regulamentada pelo Governo do Estado através do Decreto nº 1624. Em síntese, a lei buscou disciplinar o uso da biodiversidade, estabelecer regras sobre o emprego de biotecnologias e da bioprospecção, coleta de germoplasma, o acesso aos recursos genéticos, a conservação dos recursos, os direitos de propriedade intelectual, inclusive coletivos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa buscamos analisar a política pública do PDSA em sua dimensão proposta de reconhecimento dos saberes tradicionais. Esta política pública é criada como uma das respostas estatais à histórica demanda dos movimentos étnicos, de povos tradicionais e ambientalistas pelo mundo, e notadamente na Amazônia e no Amapá.

O PDSA teve hoje reconhecido pioneirismo como política pública. Contradições, todavia, para falhas consideráveis na implementação da política pública. A ausência de dados sobre acompanhamento e efetividade das políticas públicas para as populações tradicionais revelam falta de acompanhamento pelo PDSA da participação social das comunidades na política pública. Esta lacuna contradiz os princípios do programa.

Segundo dados extraídos do documento de elaboração do programa de Conservação da Identidade Cultural e Social das Comunidades Tradicionais do Amapá identificamos leis que visam proteção do território tradicional e da natureza. Todavia, os dados sobre a existência das comunidades tradicionais não constam nas informações oficiais sistematizadas pelo governo do estado.

Nesta pesquisa, consultamos os anuários pertencentes ao GEA no período de 1994 a 1998, foi observado que as ações administradas dentro das políticas do PDSA voltadas para valorização dos saberes tradicionais locais não foram incluídas nos anuários, assim como dados sobre a cartografia social destas comunidades.

Essa contradição nos fundamentos do PDSA gera uma falha no programa, por não haver registros e dados sobre a existência das comunidades tradicionais do Amapá. Não há, assim, possibilidade de extrair por meio de fontes oficiais o quanto programa alcançou os objetivos traçados para as comunidades tradicionais, pois inexistem dados e métricas sobre os resultados alcançados pelas políticas junto às comunidades.

Apesar do pioneirismo do PDSA, uma lacuna importante ficou na sistematização dos dados que permitem uma avaliação da eficiência e eficácia da política pública.

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REFERÊNCIAS

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