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As dificuldades na inclusão da mobilidade em bicicleta no planeamento urbano em Portugal

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Academic year: 2021

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João Luis Caetano Vidal

Instituto Superior de Engenharia de Coimbra

Joaovid@gmail.com

As dificuldades na inclusão da mobilidade em bicicleta no planeamento

urbano em Portugal

Mário Martins Instituto Politécnico de Coimbra, ISEC, Rua Pedro Nunes, 3030-199, Coimbra, Portugal

mariomm@isec.pt

Silvino Capitão

Instituto Politécnico de Coimbra, ISEC, Rua Pedro Nunes, 3030-199, Coimbra, Portugal

capitao@isec.pt

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8º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL (PLURIS 2018)

Cidades e Territórios - Desenvolvimento, atratividade e novos desafios

Coimbra – Portugal, 24, 25 e 26 de outubro de 2018

AS DIFICULDADES NA INCLUSÃO DA MOBILIDADE EM BICICLETA NO PLANEAMENTO URBANO EM PORTUGAL

J. Vidal, M. Martins, S. Capitão

RESUMO

Em Portugal as referências à mobilidade por bicicleta, nos diversos níveis de planeamento territorial, apenas surgiram nas últimas décadas. A crescente perceção dos impactos ambientais, e não só, da preponderância do automóvel particular para deslocações urbanas, bem como a disseminação do conceito de mobilidade suave, têm tido um papel decisivo para que tais referências tenham começado a ocorrer.

As lições que podem ser importadas para a promoção, em Portugal, de soluções de mobilidade em bicicleta, a referência a algumas experiências já implementadas, a aspetos como orografia e largura das vias, que caracterizam muitas das suas cidades, bem como alguns casos de soluções de ‘bike sharing’ que têm sido implementadas, são abordados. Procura-se, assim, apresentar um contributo no sentido de realçar a importância que tem a inclusão de diretrizes relativas a infraestruturas destinadas aos modos suaves quer de requalificação das rodovias existentes, no âmbito dos diversos instrumentos de planeamento territorial.

1 INTRODUÇÃO

O crescente uso do automóvel foi, em especial desde a segunda metade do século XX, visto como um sinal de desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida, em inúmeros países pelo mundo fora, e Portugal não foi exceção. Fruto de tal visão, os diferentes instrumentos de Planeamento territorial, a diferentes níveis, fomentavam a mobilidade terrestre em modo rodoviário, quase exclusivamente associada ao uso do automóvel, ou, quando muito, referindo a necessidade de promover o uso de transportes coletivos. Sinal disso é a total ausência no Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território – PNPOT (MAOTDR, 2006), de qualquer referência concreta ao uso de bicicletas como modo de transporte. A tal situação não será, provavelmente, alheio o facto de, no nosso país, o uso de bicicleta estar entre os mais reduzidos na Europa (Wittnik, 2001).

Também à semelhança do que se verificou em grande parte do mundo, nos aglomerados urbanos intensificaram-se os fenómenos de deslocações pendulares das populações, em cada vez maior número por automóvel em rodovias congestionadas. Tipicamente estes problemas decorrem de um desequilíbrio entre a capacidade das infraestruturas de transportes e a procura dos utilizadores, para a realização de deslocações. A título de

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exemplo, nos EUA, durante a segunda metade do século passado, verificou-se um aumento de 145% no número total de km de rodovias, enquanto os km-percorridos×veículos aumentaram 724% (Handy, 2002).

As consequências em termos de prejuízos ambientais (emissões gasosas e ruído), a nível de saúde pública, bem-estar das populações e de ordem económica, são bem identificadas, e a tomada de consciência desses efeitos tem contribuído para que a necessidade de alterar tal situação seja cada vez mais apontada como inadiável. A título de exemplo, entre os compromissos anunciados na conferência das Nações Unidas “Rio+20”, que decorreu no Rio de Janeiro em 2012, é reconhecida a importância de encorajar a mobilidade não-motorizada, também conhecida por mobilidade suave, nomeadamente apostando na promoção de infraestruturas pedonais e cicláveis (UN, 2012).

Em grande medida, esta conjuntura poder-se-á relacionar com o conhecido dilema nas áreas do planeamento territorial e dos sistemas de transportes, relacionado com as opções entre privilegiar a mobilidade ou a acessibilidade. De facto, apesar de opções para aumentar a mobilidade geralmente aumentem a acessibilidade, facilitando o acesso aos destinos, casos há em que é possível ter boa acessibilidade com pouca mobilidade. Por exemplo, uma comunidade com situações de congestionamento grave, mas onde os moradores vivem a uma curta distância de todos os destinos necessários e desejados tem baixa mobilidade, mas boa acessibilidade. Também é possível ter boa mobilidade, mas pouca acessibilidade. Por exemplo, uma comunidade com boas rodovias e baixos níveis de congestionamento, mas com relativamente poucos destinos para determinadas atividades ou com destinos indesejáveis ou inadequados, tem boa mobilidade, mas pouca acessibilidade. Boa mobilidade não é condição suficiente nem necessária para uma boa acessibilidade. (Handy, 2002).

Muitas das situações de congestionamento que se verificam ainda hoje, serão devidas a uma preocupação desproporcional, no sentido de promover a mobilidade, em especial para o automóvel particular, descurando os aspetos subjacentes à acessibilidade. Tal lógica, documentada desde as últimas décadas do século passado (Schaeffer & Sclar, 1975), conduziu, especialmente em cidades de média e grande dimensão, a uma expansão das redes viárias urbanas, com vias rápidas com cada vez maior capacidade, destruindo grande parte do intuito de acesso às zonas urbanas assim desagregadas, em nome da mobilidade. Este modelo de planeamento urbano, que vigorou em grande parte dos países mais desenvolvidos, e que continua a ser “exportado” para outros em processo de desenvolvimento, atualmente vem começando a ser revertido, com muitas grandes cidades nos EUA (mas não só) a remover ou a modificar algumas das suas vias rápidas, de modo a diminuir parte das suas características mais danosas para a qualidade de vida das populações (Kodransky, 2017). Nesse sentido é sugerido que no planeamento urbano se procure integrar as questões da mobilidade com as preocupações de garantia de acessibilidade, nomeadamente através da criação de espaços adaptados à circulação pedonal e corredores destinados ao transporte não motorizado.

Neste contexto, em 2006 a Agência Portuguesa do Ambiente lançou uma iniciativa para a promoção de intervenções capazes de combater problemas da mobilidade urbana, a que deu o nome ‘Projecto Mobilidade Sustentável’ (APA, 2006). Uma das principais mais-valias desta ação terá sido despertar o interesse de um número significativo de Municípios pela reflexão sobre as situações problemáticas com que os seus cidadãos se confrontam a

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nível de mobilidade, sendo proposto que fossem elaborados, ou consolidados, ‘Planos de Mobilidade Sustentável’, para o que houve a possibilidade de proporcionar apoio técnico e científico a um conjunto deles.

Constatando que as diversas iniciativas, em termos de produção de planos, estratégias ou diretrizes para os setores do planeamento territorial, transportes e mobilidade, desenvolvidas, maioritariamente, pela administração central, nem sempre foram adequadamente enquadradas, foi decidido em 2011, pelo então Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres português, reunir um conjunto de documentos legislativos ou técnicos, que congregassem as orientações com vista à implementação de uma estratégia de mobilidade sustentável, a que foi dado o nome de ‘Pacote da Mobilidade’ (IMTT, 2011). Dele faz parte uma ‘Coleção de Brochuras Técnicas – Temáticas’, onde se encontra uma intitulada ‘REDE CICLÁVEL - Princípios de planeamento e desenho’.

Também significativa foi a publicação de um documento denominado ‘Plano Nacional de Promoção da Bicicleta e Outros Modos de Transporte Suaves’, (IMT, 2012), em reposta a uma Resolução da Assembleia da República, (AR, 2009), em que se propunha a adoção de medidas para que tais modos de transporte fossem “encarados como uma mais-valia económica, social e ambiental, e alternativa real ao automóvel.”

Julga-se que não será errado afirmar que estão criados os alicerces para que se possa realizar a almejada mudança de paradigma, no que se refere à maior utilização da bicicleta como modo de transporte corrente em Portugal.

2 MOBILIDADE SUAVE

Com a crescente tomada de consciência das potencialidades da mobilidade suave na melhoria da qualidade de vida das populações, neste ponto são apresentados algumas lições que podem ser importadas do estrangeiro para a promoção em Portugal de infraestruturas ou outras soluções de incentivo da mobilidade suave, bem como a referência a algumas experiências já implementadas entre nós. Por outro lado, numa altura em que Portugal está a assistir a um incremento no número de turistas que nos visitam, mencionam-se alguns casos de soluções de ‘bike sharing’ que têm sido implementadas, quer por iniciativa particular quer pública.

2.1 Lições do estrangeiro

Na Europa a constatação de problemas de mobilidade e a necessidade de garantir o respeito pela legislação relativa à qualidade do ar nos centros urbanos, têm levado desde há bastante tempo ao desenvolvimento de iniciativas no sentido de promover modos de transporte alternativos ao automóvel particular. No contexto das ações de Planeamento Urbano, um exemplo no sentido da promoção do uso de bicicletas é a publicação, pela Comissão Europeia, do documento ‘Cycling: the way ahead for towns and cities’ (Dekoster & Schollaert, 1999), no qual se advoga a criação da figura de ‘coordenador’ (das questões relacionadas com a promoção do uso de bicicletas) nas estruturas administrativas locais. Aquele deverá aprovar quaisquer processos relativos a planeamento urbano, transportes ou obras públicas, no sentido de salvaguardar o ponto de vista dos ciclistas. Mas a mobilidade suave ainda não chegou de igual modo a todos os países. Entre aqueles em que a bicicleta tem um lugar de destaque nas deslocações diárias, estão a Dinamarca e

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Holanda, nos quais o uso da bicicleta chega aos 35% em Copenhaga e 32% em Amesterdão (EFC, 2017), como se pode verificar na Tabela 1.

Tabela 1- Uso Bicicleta nas Capitais Europeias (EFC, 2017)

Capitais UE Quota modo bicicleta Ano Capitais UE Quota modo bicicleta Ano

Copenhaga 35% 2010 Paris 2% (2ª fonte: 5%) 2013

Amsterdão 32% 2012 Atenas 2% 2005 Berlim 13% 2008 Budapeste 2% 2014 Liubliana 12% 2013 Bratislava 2% 2012 Helsínquia 11% 2013 Londres 2% 2009 Zagreb 10.1% 2012 Praga 1% 2013 Estocolmo 9% 2013 Talin 1% 2012 Dublin 7.9% 2013 Vilnius 1% 2010 Viena 6% 2013 Varsóvia 1% 2009 Riga 4% 2014 Lisboa 1% 2013 Bruxelas 3.5% 2013 Bucareste 1% 2007 Luxemburgo 3.5% 2011 Roma 0.6% 2012 Sofia 3% 2010 Madrid 0% 2011 Nicósia 2% 2010

No caso da Holanda, em 1920 as bicicletas lideravam as ruas mas a mudança começou após a segunda guerra mundial. O país estava destruído e a necessidade de reconstrução criou um aumento do poder económico da população. O crescimento da economia fez com que, em paralelo, crescesse o número de automóveis e como as cidades eram antigas e de ruas estreitas, foram demolidos vários edifícios e até bairros inteiros de forma a acomodar os veículos motorizados, como se mostra na Figura 1, pois acreditavam que seria esse o futuro. O uso de bicicleta decrescia todos os anos e a ideia geral era que acabaria por deixar de se usar como modo de transporte (van der Zee, 2015).

Figura 1 – Demolições em Amesterdão, em 1960, para acomodar os veículos

O grande problema foi que a cidade começou a ser dominada pelos carros levando a grandes engarrafamentos, o que a tornou extremamente perigosa para os ciclistas, levando, assim, a um pico de acidentes rodoviários com bicicletas, em especial com crianças. Este elevado número levou a uma tomada de consciência por parte dos habitantes que tomaram como medida a realização de protestos contra o que estava a acontecer. O segundo grande fator que levou a mudança foi a crise de petróleo, em 1973, durante a qual o seu preço

(F o n te : F o to co ll e ctie A n e fo /S o ciet y f o r t h e Nat io n a a l A rc h ief )

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quadruplicou. De forma a tentar atenuar esta crise, o primeiro-ministro de então pediu para que os habitantes adotassem um novo estilo de vida e levassem a sério a questão da poupança energética. Nesse sentido, foram instituídos uma serie de Domingos em que o uso do automóvel privado era completamente proibido, permitindo assim que, nesses dias, as pessoas pudessem usufruir totalmente das ruas, como se vê na Figura 2. Eventualmente estes episódios tornaram-se tão populares, que muitos centros urbanos passaram a estar fechados ao trânsito motorizado de forma permanente (Covington, 2013).

Figura 2 - Domingos sem carros, em 1973, na Holanda

Estas duas circunstâncias levaram a uma mudança de pensamento acerca das políticas de transporte. Assim, no final dos anos 70, começaram a ser criadas a primeiras ciclovias experimentais, financiadas pelo governo, em algumas cidades mais pequenas, mas o facto de serem apenas trechos isolados levou a que o seu uso não fosse o esperado. Apenas alguns anos mais tarde a cidade de Delft construiu uma rede de ciclovias interligadas, que permitia às pessoas poderem deslocar-se usando a bicicleta para vários pontos da cidade de forma segura, o que levou a aumentos extraordinários do uso a bicicleta como modo de transporte. Com este exemplo, uma por uma, as outras cidades foram seguindo este caminho, levando a Holanda a atingir cerca de 35.000 km de ciclovias fazendo do país um exemplo a seguir no que toca ao sucesso obtido com mobilidade suave (Hembrow, 2011). Sendo a Holanda um dos poucos países que realizam inquéritos de mobilidade que incluem viagens a pé e de bicicleta, foi possível determinar que nesse país, em 2007, da distância total anual percorrida nos diferentes modos de transporte, 2% foram a pé e 7,6% foram de bicicleta. No entanto se os resultados forem expressos em termos de número de viagens, tem-se que 22,3% foram a pé e 24,2% foram realizadas em bicicleta (Bort, 2010), o que representa uma proporção muito significativa, e permite ter bem a noção do quanto estes modos podem desempenhar um papel importante nas deslocações de curta distância, se houver uma infraestrutura adequada e uma cultura sem preconceitos em relação à bicicleta.

2.2 A experiência nacional

Em Portugal o uso de bicicletas chegou a representar, em meados do século passado, uma parcela significativa do tráfego nas estradas nacionais, como se pode observar, na Tabela 2, nos dados relativos às estradas recenseadas pela Junta Autónoma de Estradas (JAE). Contudo, a sua utilização como modo de transporte decresceu significativamente de

(F o n te : N e d e rla n d s Nat io n a a l A rch ie f)

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importância, passando de 34% em 1955 para apenas 8% do tráfego em 1970. De referir que nessa altura, em grande parte das localidades as rodovias de maior importância estavam sob a responsabilidade da JAE.

Tabela 2- Composição de tráfego nas estradas nacionais de 1955 a 1970 (MUBI, 2016)

Categorias Anos

1955 1960 1965 1970

Velocípedes 34 % 30 % 17 % 8 %

Motorizados 61 % 67 % 82 % 91 %

Tração animal 5 % 3 % 1 % 1 %

Atualmente, apesar de Portugal se encontrar nos últimos lugares em termos de uso da bicicleta como modo de transporte, têm sido registados alguns progressos na promoção da mobilidade suave entre nós, nomeadamente a nível do planeamento territorial.

Pode, a este respeito, mencionar-se o supracitado ‘Projecto Mobilidade Sustentável’, da Agência Portuguesa do Ambiente, no qual foram selecionados 40 municípios, de entre 124 candidaturas, cuja distribuição geográfica se apresenta no mapa da Figura 3 e para as quais foram elaborados ‘Planos de Mobilidade Sustentável’, consubstanciados por três relatórios (de ‘Diagnóstico’, de ‘Objetivos e Conceito de Intervenção’ e de ‘Propostas’).

Figura 3 – Municípios incluídos no Projecto Mobilidade Sustentável (APA, 2006)

Entre os municípios selecionados está o da Murtosa, que desenvolveu um projeto chamado ‘Murtosa Ciclável’, o qual tem vindo a merecer bastante atenção pelo exemplo que está a

(A s co re s d isti n g u e m o s 1 5 Ce n tr o s d e In ve s tig a çã o / Unive rsid a d e s q u e c o la b o ra ra m co m o s m u n icí p ios )

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dar em termos de planeamento e implementação de vias cicláveis em meio urbano e rural. A nível de adesão é referido que se estima que cerca de metade dos residentes, desse município, utilize a bicicleta com regularidade e que cerca de 90% da população escolar se desloque neste modo de transporte (CM Murtosa, 2011).

Tendo o concelho da Murtosa uma orografia bastante plana, onde as vias apresentavam largura adequada foi implementada uma rede ciclável que pudesse, por um lado, promover a mobilidade ciclável urbana e, por outro, permitisse o desenvolvimento de atividades de cicloturismo, associado à divulgação do património local. Para tal, quer para visitas programadas, quer para eventos organizados pelas instituições locais, a Câmara Municipal possui 60 bicicletas que tem disponibilizado aos participantes.

De referir que, na implementação da referida rede, foi possível observar-se uma atitude de sintonia por parte da administração local e central, com a ex-Estradas de Portugal S.A. (gestora da infraestrutura rodoviária nacional) a associar a construção de ciclovias a uma série de intervenções em vias sob a sua jurisdição, no que poderá considerar-se como um salutar exemplo que poderia, e deveria, ser reeditado em outros locais.

Adicionalmente, no âmbito da promoção da utilização da bicicleta no concelho da Murtosa, os funcionários e membros do Executivo Municipal têm, desde 2011, um conjunto de bicicletas para as pequenas deslocações em contexto de trabalho, medida que estará a ter bons níveis de adesão.

O ‘Projecto Mobilidade Sustentável’, teve como objetivo principal a promoção da melhoria contínua das condições de deslocação, a diminuição dos impactes no ambiente, e o aumento da qualidade de vida dos cidadãos, pretendendo ir ao encontro das grandes orientações estratégicas comunitárias e nacionais neste âmbito, numa lógica de sustentabilidade.

Nessa perspetiva, um dos resultados tangíveis deste projeto foi a elaboração de um ‘Manual de Boas Práticas’, estando organizado em dois volumes, tratando de aspetos da ‘Concepção, Principais Conclusões e Recomendações’ (Volume I) e o ‘Manual de Boas Práticas para uma Mobilidade Sustentável’ (Volume II). Neste último (APA, 2010), é apresentado como exemplo de ‘Intervenções e boas práticas para uma mobilidade sustentável’, em termos de ‘Promoção do uso dos modos suaves’, o projeto ‘BUGA - Bicicleta de Utilização Gratuita de Aveiro’, o qual se tornou num dos mais notórios modelos de promoção do uso de bicicletas, para a opinião pública em Portugal.

Consiste num sistema público de aluguer de bicicletas, em funcionamento naquela cidade desde 2000, baseado numa estratégia de intervenção que consiste em quatro pontos principais: um modelo próprio de bicicleta (facilmente identificável); existência de uma estrutura de logística e gestão / manutenção; desenho de mobiliário urbano próprio; implementação de uma rede de vias cicláveis com base em faixas e pistas cicláveis.

Em 2008 o sistema BUGA terá chegado a ser utilizado diariamente por uma média entre os 100 e os 150 utilizadores (APA, 2010), contudo, depois de, em anos mais recentes, ter sido afetado por problemas de vandalismo e dificuldades de manutenção, como ilustrado na Figura 4, bem como por constrangimentos a nível orçamental, este projeto está atualmente em fase de reformulação (CM Aveiro, 2017)

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Figura 4 – Sistema BUGA, bicicletas sem manutenção em 2014

Mais recentemente, o ‘Projeto U-Bike Portugal’ é lançado, visando promover a mobilidade suave, em bicicleta, nas comunidades académicas. Com enquadramento nos apoios do Portugal 2020, concretamente no PO SEUR - Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos - o projeto apoiará a aquisição de 3.234 bicicletas, (2.096 elétricas e 1.138 convencionais), no âmbito de projetos envolvendo consórcios de instituições públicas do ensino superior com o IMT - Instituto da Mobilidade e dos Transportes (POSEUR, 2016).

As bicicletas serão atribuídas à comunidade académica, para uma utilização de longa duração (ex.: aluguer durante um semestre ou um ano letivo) que origine a criação de hábitos regulares de utilização deste modo de transporte, tendo aderido ao projeto quinze Instituições de Ensino Superior, como se vê na Figura 5.

Figura 5 – Instituições de Ensino Superior aderentes ao Projeto U-Bike.

(F o n te : A d ria n o M ir a n d a - Jo rn a l P ú b lic o , 1 5 / 1 2 / 2 0 1 4 ) (F o n te : h tt p s :/ /www .u -b ik e .p t/in sti tu ic o e s/ )

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2.3 A partilha de bicicletas – ‘bike-sharing’ – algumas lições

Entre as medidas com vista a promover o uso de bicicletas, uma que alcançou uma notoriedade razoavelmente alta, em diversos países, um pouco pelo mundo inteiro, consiste na disponibilização de bicicletas, para uma utilização ocasional partilhada. Trata-se de um serviço, gerido por organizações públicas ou privadas, que se tornou conhecido por ‘bike-sharing’. Há diversas modalidades para a sua implementação, mas genericamente baseiam-se na possibilidade dos utilizadores terem a opção de aceder a uma bicicleta, num de vários pontos de uma cidade, e devolvê-la próximo do seu destino, através de sistema de aluguer ou empréstimo.

Desde as primeiras experiências com disponibilização de bicicletas gratuitas (1ª geração), em Amsterdão em 1975, passando pelos sistemas de “depósito de moeda”, de empréstimo de bicicletas (2ª geração – nos anos 90), aos mais recentes modelos de gestão de ‘bike-sharing’ com base em sistemas de Tecnologia de Informação (3ª geração), esta ideia tem vindo a expandir-se um pouco por todo o mundo (Shaheen et al., 2010).

Em Portugal as cidades pioneiras nesta área foram Aveiro, Leiria e Caldas da Rainha, mas outras localidades têm vindo a implementar propostas similares, visando contribuir para a promoção da utilização mais alargada da bicicleta. Contudo a sua introdução deve estar associada às ações de planeamento de uma rede ciclável que cubra pelo menos as principais linhas de procura das deslocações urbanas de curta distância (IMTT, 2011 -a). Apesar destes sistemas continuarem a surgir, um pouco por todo o mundo, a sua procura futura e sustentabilidade a longo prazo são incertas, sendo conhecidas algumas limitações, tais como infraestrutura insuficiente (em termos de rede ciclável, postos de recolha e redistribuição de bicicletas), roubo e vandalismo, modelos de financiamento da operação insatisfatórios ou ainda dificuldades de integração com as redes de transportes existentes (Shaheen et al., 2010), para o que é preconizado um modelo de ‘bike-sharing’ de 4ª geração, multi-modal e sensível à procura. (Shaheen, Guzman, & Zhang, 2010)

Uma possível ilação é que alguns desses problemas poderão ser devidamente acautelados, nomeadamente através de uma conveniente coordenação com os responsáveis locais pelo Planeamento Urbano, em particular na questão da definição de uma adequada rede ciclável, bem como a logística necessária para a redistribuição das bicicletas.

3 CONCLUSÕES

Pode-se dizer que neste momento estamos num ponto de transição, em termos de alteração de mentalidades e da implementação de ações concretas, com vista à valorização da bicicleta como modo de transporte. Contudo as experiências europeias demonstram que a promoção da bicicleta terá mais sucesso se for enquadrada em políticas integradas de mobilidade sustentável que envolvam todos os modos de transporte (IMTT, 2011 -a). Durante algum tempo era lícito dizer que não existia qualquer suporte, técnico ou legislativo, que sustentasse o desenvolvimento de iniciativas conducentes à promoção da mobilidade suave, nomeadamente o modo ciclável. As experiências já implementadas em Portugal, bem como os exemplos de outros países, deixam antever que, apesar das

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dificuldades que podem existir, deverá ser possível integrar, em maior ou menor grau, este modo nos processos de planeamento territorial das cidades e vilas portuguesas.

A promoção da mobilidade suave, seja pedonal ou de bicicleta, requer principalmente ações políticas. Do mesmo modo que restrições de estacionamento em áreas urbanas e melhorias no transporte público são comumente vistas como importantes, no combate a problemas de mobilidade, também a adoção de medidas na infraestrutura, com vista à melhoria das condições para a circulação pedonal ou em bicicleta deverão ser devidamente publicitadas e enfatizadas pelos responsáveis pelo planeamento urbano, em coordenação com as equipas de relações públicas (Hyden, 1998).

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