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A VIDA E A HISTÓRIA DE MADAM CJ WALKER: UMA PESPECTIVA HISTÓRICA

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Academic year: 2021

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A VIDA E A HISTÓRIA DE MADAM CJ WALKER: UMA

PESPECTIVA HISTÓRICA

Rafaela Lima de Souza1 Halberys Morais Holanda2 Janaina Guimarães3

Resumo: O presente artigo possui como foco a analise da série produzida no ano de 2020 pela plataforma de streaming americana Netflix “A vida e a história de Madam Cj Walker” e a presença de aspectos do pós-abolição, e da condição da mulher negra na sociedade retratada na produção audiovisual. A minissérie contém quatro episódios que abordam a vida e história de Sarah Breedlove, papel tão bem interpretado por Octávia Spencer. Repleta de altos e baixos, a história de Sara retratada na produção não só traz consigo um aspecto emponderador e de superação, mas, também histórico que pretendemos abordar no decorrer do texto.

Palavras chave: Pós-abolição, Mulher negra, Sexismo.

Introdução

A analise da série será realizada levando em consideração o período no qual a história se passa, entre os séculos XIX e XX, correspondentes a um período pós-abolição, momento em que a comunidade negra tentava se integrar e conquistar seu espaço após anos de escravidão, em uma sociedade na qual sempre lhes era negado espaço e igualdade. Outro ponto que podemos levantar para a discursão da série é a condição da mulher, mais especificamente da mulher negra, que também sonhava com liberdade e melhor qualidade de vida, porém o espaço destinado a elas era mínimo, sem opções de emprego assim como o homem negro a mulher negra em sua maioria

1 Graduanda do curso de Licenciatura em história, na Universidade de Pernambuco (UPE),

E-mail: rafaelalimadsouza@gmail.com

2 Graduando do curso de Licenciatura em história, na Universidade de Pernambuco (UPE),

E-mail: halberysmoraisholanda@gmail.com

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continua a trabalhar na casa de antigos senhores, tendo como diferencial o assédio e a violência sexual sobre seus corpos.

No decorrer da história, a produção mostra todos os obstáculos enfrentados pela Madame Cj, dentre eles um dos grandes entraves era o fato de que o negócio não administrado por um homem, e sim por uma mulher, fato este que dificultou bastante o processo de adquirir investidores. Ademais, o artigo visa realizar uma analise da série levando em consideração uma perspectiva de ensino dos aspectos históricos exibidos na produção, dentre eles o racismo, o lugar da mulher nesse período histórico e o momento correspondente ao pós-abolição.

A briga do século

Por anos, homens e mulheres negras foram escravizados, e colocados na sociedade como seres inferiores, seus corpos explorados por horas de trabalho nos campos ou nas casas de seus senhores. As mulheres negras além de exploradas também eram violadas por seus superiores, como maneira de coloca-las em seu “lugar”. Seus filhos por vezes vendidos e afastados de suas famílias, e nas poucas horas vagas que possuíam homens e mulheres negras aproveitavam seu curto tempo entre si e longe daqueles que tanto os exploravam.

É verdade que a vida domestica tinha uma imensa importância na vida social das escravas e escravos, já que lhes proporcionava o único espaço que em que podiam vivenciar suas experiências como verdadeiros seres humanos. Por isso – e porque, assim como seus companheiros, também eram trabalhadoras -, as mulheres negras não eram diminuídas por suas funções domesticas, tal como acontecia com as mulheres brancas. 4

Entretanto, no pós-abolição as coisas começam a mudar, mas não a ponto de fornecer oportunidade a todos os negros para viver uma vida confortável. Muitos negros mesmo no pós-abolição se submetiam a trabalhos nas casas de seus antigos senhores, ou nas lavouras devido à falta de oportunidades, poucos conseguiam trabalhos em outras áreas, e quando conseguiam eram trabalhos em condições não dignas com salários baixíssimos. E Como relatado na serie Madame Cj Walker a personagem Sarah trabalha como lavadeira, trabalho esse que ela relata como muito cansativo, pois

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precisava trabalhar para diversas famílias diferentes para suprir suas necessidades financeiras.

Depois de um quarto de século de “liberdade”, um grande número de mulheres negras ainda trabalhava no campo. Aquelas que conseguiram ir para a casa grande encontraram a porta trancada para novas oportunidades - a menos que preferissem, por exemplo, lavar roupas em casa para diversas famílias brancas- em vez de realizar, serviços domésticos realizados para uma única família branca. Apenas um número infinitesimal de mulheres negras conseguiu escapar do campo, da cozinha ou da lavanderia. De acordo com o censo de 1890, havia 2,7 milhões de meninas e mulheres negras com idade acima dos dez anos. Mais de 1 milhão delas eram trabalhadoras assalariadas : 38,7% na agricultura, 30,8% nos serviços domésticos, 15,6% em lavanderias e ínfimos 2,8% em manufaturas.5

As mulheres negras durante esse período, não possuíam muitas opções de trabalho, podiam realizar acordos com seus antigos senhores, ou buscavam empregos como lavandeiras, empregadas ou em estabelecimentos que aceitasse as empregar. Além disso, é necessário apontar que muitas das mulheres que trabalhavam como empregadas além de passar dias fora de casa trabalhando por mais de 10 horas sem descanso, além disso, essas mulheres também estavam sujeitas a serem assediadas por seus patrões.

A série também aborda outro ponto bastante importante, os padrões da época não comportavam a mulher negra por mais que elas tentassem segui-lo. Sara sente esse aspecto no momento em que se oferece para vender os produtos de sua amiga Addie Monroe, pois se sentia agradecida por toda ajuda fornecida pela amiga e desse modo queria unir-se a ela para assim ajudar os negócios prosperarem, contudo seu pedido é negado. Por sara não corresponder ao padrão desejado, apesar de Addie também ser negra, e de pele um pouco mais clara. Esse ponto na serie é abordado mais adiante e descobre-se que Addie é filha de uma relação forçada entre sua mãe e o senhor para o qual ela era escrava. Fato esse muito comum durante o período correspondente à escravidão os senhores abusavam de suas escravas.

A postura dos senhores em relação as escravas era regida pela conveniência: quando era lucrativo explora-las como se fossem homens, eram vistas como desprovidas de gênero: mas, quando podiam ser exploradas, punidas e reprimidas de modos cabíveis apenas às mulheres, elas eram reduzidas exclusivamente a sua condição de fêmeas. 6

5 (DAVIS, 2016, p.103) 6 (DAVIS, 2016, p.25)

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Desse modo, violar o corpo da mulher também era uma forma de castigo, esses que só poderiam ser oferecidos a elas por serem mulheres, e assim, esses castigos como a violação de seus corpos eram realizados como uma maneira de manter não apenas as mulheres, mas também seus companheiros no seu “lugar” para que assim não se rebelassem ou tentassem qualquer tipo de resistência.

Ademais, é necessário ressaltar que esse tipo de relação era incentivado, levando em consideração que a relação entre negros e brancos era vista como uma forma de “branquear” a população e desse modo torna-los melhores, já que sua pele possuiria um tom mais claro. Isso não significaria que com uma pele de tom mais clara essas pessoas estariam isentas de sofrer racismo, entretanto, sua posição na sociedade seria um pouco diferente em relação aos negros de tom mais escuro. Que é o caso da personagem de Addie Monroe cuja pele, mais clara a coloca em uma posição diferente em relação às pessoas de pele mais escura e cabelos mais encaracolados. Addie se aproximava de um padrão branco e por isso acreditava que era superior a Sarah, que possuía a pele mais escura e não se aproximava do padrão branco. “O racismo na vida das mulheres negras tende a determinar quais espaços elas podem compor, a tonalidade da pele segrega e acarreta privilégios, dentro da sociedade” 7. Sendo assim, Sarah não servia para vender seus produtos, pois não se encaixava nos requisitos de beleza.

É importante ressaltar que o processo de branqueamento foi bastante reforçado pelas politicas eugênicas, visando o melhoramento da população negra, e a superioridade branca. E dessa maneira determinando espaços nos quais seriam ocupados pela população negra de acordo com a tonalidade da pele de cada pessoa, e o grau de opressão que cada um sofreria no âmbito social devido a sua cor.

Cada um por si

Até pouco tempo atrás, as mulheres não possuíam seu espaço na sociedade, e para chegar à condição atual foi preciso muita força para lutar contra uma sociedade opressora e sexista em busca de direitos como o voto, e um maior espaço na sociedade para as mulheres que antes eram vistas apenas como donas de casa. Ainda que no

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presente não estejamos livres do sexismo que tanto oprime, maltrata e mata as mulheres pelo mundo, podemos contar com um folego a mais por todos os direitos e o espaço que foi conquistado até agora.

Uma vez que nossa sociedade continua sendo primordialmente uma cultura ‘cristã’, multidões de pessoas continuam acreditando que Deus ordenou que mulheres fossem, subordinadas aos homens no ambiente doméstico. Ainda que multidões de mulheres tenham entrado no mercado de trabalho, ainda que varias mulheres sejam chefes e arrimo de família, a noção da vida domestica que ainda domina o imaginário da nação é a de que a logica da dominação ,masculina esta intacta, seja o homem presente em casa ou não. 8 Assim, o sexismo, machismo e opressão que ainda nos segue e determina espaços na sociedade vão sendo perpetuados não apenas por ideais cristãos, mas também pela educação fornecida no seio das famílias, nos métodos de ensino utilizados nas escolas e nos outros diversos ambientes que são frequentados por nos, inclusive, nas mídias que consumimos podemos encontrar também esses aspectos determinantes do lugar ocupado pelo homem e pela mulher. “O gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseados nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” 9. O segundo episódio da minissérie A vida e a história de Madam C.J. Walker retrata bem esse ideal de “lugar do homem e lugar da mulher”.

Logo nos primeiros minutos do episódio Sarah tenta conseguir apoio de um grupo de investidores para investir na sua fábrica de cosméticos, a reunião estava promissora até o momento em que os investidores descobrem que quem esta a frente da empresa não era Charles que era seu esposo na época, mas, Sarah. Devido a isso a protagonista não consegue o apoio de que precisava para comprar o espaço. Com base nisso, podemos notar que o lugar da mulher era longe dos negócios, e se caso tentassem haveria diversos obstáculos que seriam grandes agentes desfavoráveis ao seu crescimento, visto que seu lugar era no âmbito doméstico, realizando atividades ditas como femininas, enquanto que o homem possuía liberdade de fazer o que bem

8 ( HOOKS, 2018,p 18) 9 (SCOTT, 1995, p.21)

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entendesse ausente de julgamentos. E desse modo “[...] o papel esperado para a mulher restringia-se unicamente a ajudar o homem no espaço doméstico” 10.

Entretanto, Sarah vê sua chance na conferência nacional de negros nos negócios, onde estaria presente um palestrante bastante importante tido como porta voz dos negros americanos, Booker T. Washington. E pensando nos apoiadores que conseguiria com o apoio de Washington a sua empresa, Sara decide ir à conferência. No entanto, o evento era voltado apenas para homens, e se suas esposas comparecessem ao evento não seria para assistir a palestra, mas, para socializar entre si e fazer a refeição. Novamente a série deixa claro o lugar do homem e da mulher, o homem poderia fazer o que quisesse e possuiria total liberdade para isso, enquanto a mulher deveria manter-se no seu lugar de inferior ao homem, realizando atividades ditas como femininas. Vale lembrar que “Dentro do sistema social de raça, sexo e classe institucionalizados, mulheres negras estavam claramente na base da pirâmide econômica” 11. Nesse caso a mulher negra se torna a mais oprimida levando em consideração que ela esta abaixo do homem e da mulher branca e só depois do homem negro.

Outro ponto que nos chama atenção nesse episódio, é o assedio sofrido por Sarah, que ao visitar um possível investidor sofre uma tentativa de estupro. Esse é mais um momento no qual a série nos mostra o que um sistema patriarcal contribui para fomentar, por Sarah ser mulher, compreende-se que ela é frágil e que precisa ser posta no seu lugar de mulher, e de inferior não importa qual seja o meio. Ademais, por Sarah ser mulher seu corpo é visto como uma moeda de troca, considerando que, a condição imposta pelo investidor foi que Sarah se relacionasse com ele para receber seu apoio. Reduzindo sua imagem, a apenas um corpo que pode ser usado para satisfazer desejos.

Os minutos finais do segundo episódio trazem a tona uma discursão sobre a ascensão do povo negro, e como ela deveria ser feita. Anna Cooper, Addie Hunton, Mary Terrel e Margaret Washington são algumas das diversas mulheres negras que entre os anos de 1895 e 1904 se tornaram destaque na comunidade negra por fazerem parte do ideal de uma nova identidade negra, desvinculada da escravidão, construindo

10 (FERNANDES, 2016, p.698.) 11 HOOKS, 2018,p.53)

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uma nova história e uma nova forma de representação. O ideal da nova mulher negra aproximava-se da feminilidade branca, contudo, esse modelo era associado à realidade da comunidade negra de modo que, além das mulheres negras criarem sua própria integridade, elas também desafiavam a supremacia branca e quebravam estereótipos sobre a comunidade negra, por meio da educação e de seu ativismo buscavam elevar a si e ao seu povo. Assumindo valores dominantes e enegrecendo-os, essas mulheres conquistaram seus espaços e por meio dele tornaram-se lideres e também exemplos da comunidade negra. “[...] a raça assumia então o papel de sujeito ao passo que suas mulheres, os postos de liderança.” 12.

Após diversas vezes tentar contato com Booker T. Washington, inclusive, Sarah se aproxima da esposa dele para tentar convence-la a comentar sobre seu trabalho para seu esposo, contudo, Margaret responde que não se envolve nos assuntos de seu marido. Como último recurso, Sarah resolve invadir o palco da conferência com um discurso emponderador13 sobre gerar empregos e produzir produtos para os negros, e dessa maneira elevar seu povo. Entretanto, Washington a chama para “conversar” nos bastidores, e nesse momento, o palestrante repreende Sarah por sua ousadia e a manda se colocar no seu devido lugar de mulher, menosprezando o seu empreendimento crescente. Ao fim da conversa Booker T. Washington, revela a sua grande preocupação com o empreendimento de Sarah, pois ele elevava as mulheres, e para o palestrante o homem negro é quem deveria ser elevado primeiro, enquanto a Madame Cj rebate dizendo que todos deveriam ser elevados.

Nesse momento podemos notar novamente o sexismo sendo abordado na série, e, além disso, fica claro também a opressão sofrida pelo homem negro, que reflete na sua relação com a mulher negra, onde ele precisa se colocar em um papel superior as mulheres. Levando em consideração, que ele já esta abaixo do homem branco e da

12 XAVIER,2011,p.278)

13 O emponderamento consiste de quatro dimensões, cada uma igualmente importante, mas não

suficiente por si própria para levar as mulheres a atuarem em seu próprio beneficio. São elas a dimensão cognitiva (visão critica da realidade), psicológica (sentimento de autoestima), politica (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independente). (STROMQUIST, 2002. apud BERTH,2019 p.32)

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mulher branca, mas enquanto o homem negro tenta tomar seu lugar na sociedade à mulher negra fica para trás, com o grande impacto de toda a opressão, pregada por quem se coloca como superior, seja pela cor da pele ou gênero. É importante frisar que muitas das mulheres que integravam o movimento feminista até então não entendia a diversidade de realidades, nas quais as mulheres de todas as camadas da sociedade enfrentavam então a mulher negra acabava não sendo abraçada pela causa da forma que deveria.

De um lado, as mulheres negras foram pressionadas a aceitar uma posição secundaria no movimento negro, já que a luta por igualdade racial não tinha como bandeira o rompimento dos direito estabelecidos no sistema patriarcal. O que o homem negro desejava era poder exercer plenamente “seu papel de homem”, em outras palavras, equiparar-se ao homem branco no que concerne ao “direito” de oprimir as mulheres. De outro lado, as mulheres negras tiveram suas experiências ignoradas no movimento de mulheres em nome de uma homogeneização da vivencia feminina, refletida no slogan “all women are opressed”. O lema do movimento feminista homogeneizava as opressões, e, assim ignorava variáveis como raça, classe, orientação sexual, religião ou etnia e os modos específicos como elas interferiam. 14

A garota Walker

A partir da atitude de mulheres negras, membras da Liga de Mulheres, de fornecer cheques a Madame CJ Walker para investimento na fábrica, em virtude de sua quebra de paradigmas na Conferência de Negócios para homens negros, por construir um discurso que buscava descortinar esse pensamento sexista e opressor de que aquele não era local para mulheres e frisa, "empresas femininas são boas para todos nós, é o futuro da Nação". É necessário pontuar o quanto a luta do Feminismo é importante para termos mais equidade de gênero e combater o discurso de que é um movimento anti-homem. Bell Hooks, em seu livro Feminismo é Para Todo Mundo, traz um significado do que é o Feminismo e nos ajuda a pensar no que Madame Cj Walker tentava com seu discurso mostrar àqueles homens entre os séculos XIX e XX, "O feminismo é um movimento para acabar com o sexismo, exploração sexista e a opressão".15 E para que possamos acabar com esse sexismo e opressão, por vezes em sua grande maioria

14 (FERNANDES, 2016, p.697.) 15 (HOOKS,2018, p.13)

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praticados pelos homens, olharemos os discursos contidos na série e analisaremos como eram tecidas essas relações.

Partindo do pressuposto que todos nós somos diferentes e apresentamos características distintas um dos outros. Patrícia Hills Collins no artigo O que é um

nome? Mulherismo, feminismo negro e além disso, aponta sobre o termo - Colorismo,

justamente por pensar na concepção de tons claro e escuro, expresso no corpo negro, mas que encontra preconceito dentro da própria comunidade negra em virtude de privilégios garantidos a uns e a outros não. Em meio aos "privilégios" conquistados por, negras e negros de tom de pele mais claros, encontramos esse privilégio incutido na personagem de Addie Munroe e sua mãe expressa bem o motivo, "o patrão pode ter me amaldiçoado com uma filha, mas você tem cabelo bom e pele clara". O "privilégio" de ser uma negra com tom mais claro não está associado a um sentido positivo, mas sim aos estupros dos senhores de engenhos as escravas no período colonial e que sua mãe é o retrato deste período tão sofrido. Havia uma hipersexualização do corpo da mulher negra, como se esta fosse moeda de troca e propriedade dos homens. Hoje, expresso na mulata no Carnaval em que se há um corpo de uma mulher coberto com Glitter e sambando em rede nacional.

A mulher negra exposta como Globeleza segue, inclusive, um padrão de seleção estética próxima ao feito pelos senhores de engenho ao escolher as mulheres escravizadas que queriam perto de si. As consideradas “bonitas” eram escolhidas para trabalhar na casa-grande. Da mesma forma, eram selecionadas as futuras vítimas de assédio, intimidação e estupro. Mulheres negras eram submetidas ao jugo “dos donos”. Era comum que as escravas de pele mais clara, com traços mais próximos do que a branquitude propaga como belo, assumissem os postos na casa-grande. Seus corpos não eram vistos como propriedade delas, prestavam apenas para ser explorados em trabalhos servis exaustivos, além de serem depósitos de abuso sexual, humilhação, vexação e violência emocional constantes. 16

Nesta parte vemos duas situações de mulheres de gerações diferentes que sofreram de forma diferente violações e agressões a seus corpos. Os anos se passam, eles permanecem criando raízes e delimitando espaços e voz.

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O casamento antes de status social para personagem é a tentativa de configurar um bem estar para ela, do que a sua mãe não pôde viver. Embora que no fim se torne uma prisão de direitos também, sofrendo muitas vezes violência doméstica. Já que seu corpo é visto como propriedade. Utilizando desta prisão que Addie nós traz, o marido de Madame Cj Walker fala, “é a Sarah quem está ocupada. É a Sarah quem sempre está fora". Aqui já temos outro sentido do aprisionamento, é sobre os espaços conferidos a mulheres e homens na sociedade. Enquanto o homem deveria está desfrutando da liberdade concedida por sua natureza biológica. A mulher ocuparia o lugar de estar em casa realizando os afazeres domésticos a espera do marido no final do dia para servir o jantar. O que percebemos bem na fala de Mr. Cleophus, pai de Cj Walker, “filho, você e eu precisamos de uma mulher para sobreviver". A ligação feminina para os cuidados com a casa e filhos é bem marcada, explorando a dependência masculina fruto de um machismo e sexismo de que não consegue dar liberdade para as mulheres escolher seus papéis e espaços que desejam ocupar. Um exemplo de situação vivida pela Bell Hooks na faculdade de Stanford ela retrata bem como o machismo e a opressão sexista não dá espaço para as mulheres a subjugando inferior,

Na Stanford, os homens comandavam em qualquer sala de aula. Mulheres conversavam menos, tomavam menos iniciativas e, frequentemente, quando falavam, era difícil ouvir o que estavam dizendo. Faltavam força e confiança na voz delas. E para piorar as coisas, professores homens nos diziam repetidas vezes que não éramos tão inteligentes quanto os homens, que não poderíamos ser “grandes” pensadoras, escritoras e por aí vai. 17

E revela também como o sistema busca também a não agregação entre as mulheres e as disputas entre si “fomos socializadas pelo pensamento patriarcal para enxergar a nós mesmas como pessoas inferiores aos homens, para nos ver, sempre e somente, competindo umas com as outras pela aprovação patriarcal, para olhar umas às outras com inveja, medo e ódio”. 18

A dependência as mulheres é fruto de quê? Existe uma necessidade de atribuições ligada ao feminino, mas que é totalmente diferente para os homens. Funções

17 (HOOKS, 2018, p.28) 18 HOOKS,2018,p.29)

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que vão desde os serviços domésticos a forma de ser portar. Simone de Beauvoir nos fala, “Não se nasce mulher, torna-se mulher". Muito se tem a ideia de um determinismo biológico, e que com essa informação há um binarismos do feminino e masculino. Porém, Judith Butler vai dizer "as relações de gênero são construções sociais e culturais". Desta forma, vamos ter que é a partir das relações sociais que vamos ter indivíduos com sua forma de falar, ser e agir. Não ligado a fatores biológicos que vão justificar suas ações. Cj Walker, num momento de tentar justificar os erros cometidos, utiliza deste determinismo biológico, “Você esqueceu seu papel de Mulher". O que a Bell Hooks vem expressar, “[...] temos sido socializados desde o nascimento para aceitar pensamentos e ações sexistas” 19. A História é escrita a partir de exclusões e as mulheres são um desses grupos que foram apagadas por séculos.

O ofício de historiador é um ofício de homens que escrevem a história no masculino. Os campos que abordam são os da ação e do poder masculinos, mesmo quando anexam novos territórios. Econômica, a história ignora a mulher improdutiva. Social, ela privilegia as classes e negligencia os sexos. Cultural ou 'mental", ela fala do homem em geral, tão assexuado quanto a humanidade. 20

É só na metade do século XX quando temos uma mudança de Produção das Mentalidades. E vamos encontrar indagações e um revisionismo histórico sobre temas, personagens, eventos e sujeito que foram e são participes desta da construção histórica.

Crédito pra raça

O último episódio da série é carregado de muitas lembranças da infância de Sarah e sua retrospectiva de tudo que passou para conquistar e ser a Madame CJ Walker. Numa perspectiva de que estamos no mundo e precisamos deixar um legado. Notamos uma Sarah mais segura de si e que o trabalho é a arma produzida por ela para difundir seus ideais.

Um encontro de bastante tensão e eventual busca pela resposta de um fato estabelecido no primeiro episódio, de que o creme capilar produzido por Sarah é cópia

19 (HOOKS,2018,p.13) 20 (PERROT, 1992,p. 185)

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do de Addie se instaura. Aqui, nós não pontuamos como um roubo sua ação em copiar um produto que já existia e que fez aprimoramentos ao longo do tempo. Pois, normalmente os discursos direcionados a pessoa negra ganha distorções e inflama sobre suas atitudes, cujas justificativas recaem sobre o tom de sua pele, a/o qualificando a sujeitos de má índole e violentos. E nós não concordamos com está visão e como a escrita deste artigo é justamente ir na contramão desta lógica racista, que quebre estigmas, lance um olhar para questões tão urgentes, acreditamos importante deixar nosso pensamento.

Nesta cena, Sarah diz a seguinte frase “gente branca esta nos matando. precisamos parar de brigar por coisas que não importam". Sua linha de raciocínio aborda o quanto é importante o fortalecimento entre elas, o quão grande é a tentativa do sistema supremacista branco em desestabilizar e colocar uma contra a outra, as pautas de lutas que são tão importantes para as duas, não ser debatidas. Principalmente, que Sarah vinha ofertando muitas vagas de empregos para outras mulheres negras e que agora elas estavam recebendo por seu trabalho e não mais reclusas ao ofício doméstico, a oportunidade que estava sendo criada era uma grande revolução para a época.

Ademais, a narrativa trabalhada na série nos mostra uma história diferente em relação à história que conhecemos sobre o período pós- abolição, onde pessoas negras são colocadas apenas como marginalizadas, desprovidos de esperança pela opressão que os cerca. A história de Madan Cj Walker abre caminho para várias outras narrativas que mostra o povo negro estabelecendo seu espaço e conquistando seus objetivos.

É assim, pois, que se cria uma única história: mostre um povo como uma coisa, como somente uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornaram. É impossível falar sobre única história sem falar sobre poder. Há uma palavra, uma palavra da tribo lgbo, que eu lembro sempre que penso sobre as estruturas de poder no mundo, e a palavra é nkali. É um substantivo, quer livremente se traduz” ser maior do que o outro.” Como nossos mundos econômicos e políticos, histórias também são definidas pelo princípio do

nkali. Como são contadas, quem as conta, quando e quantas histórias são

contadas, tudo realmente depende do poder. 21

Falar de Madame CJ Walker é falar de uma grande mulher que batalhou muito não apenas pela mulher negra, mas também pela comunidade negra, tornando-se uma

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grande revolucionária no quesito de não desistir do que desejava e lutar por ela e pelo seu povo. Deixando que seu objetivo maior era " dar às mulheres feito nós, escolhas e liberdades". Infelizmente, veio a óbito em 1919, acometida de um câncer nos rins. Porém, deixou incutido em cada mulher de sua fábrica um pedaço de sua essência, havendo a disseminação de sua história em escolas, faculdades e em produtos para cabelos que até hoje existem. Pelo seu feito entra para o livro dos Recordes como a 1° Mulher Negra Milionária dos Estados Unidos.

O uso da série em sala de aula

O modelo tradicional tem se caracterizado pela transmissão de conhecimentos apresentados ao aluno como verdades inquestionáveis e pela hierarquização expressa tanto na valorização/desvalorização das diferentes disciplinas, quanto na desvalorização do saber do aluno e da sua realidade. Além disso, promove uma visão limitada do conhecimento favorecendo a formação de mentes acríticas e passivas [...] 22 .

Com base nas temáticas levantadas pela série resta a nos profissionais de história utilizar essa produção áudio visual a nosso favor, e por meio dela, fornecer ao nosso alunado uma experiência diferente em sala de aula na qual além de mudar a dinâmica da aula, fornecera a classe as ferramentas necessárias para reflexão e debate das temáticas retratadas na série, que estão relacionadas ao momento pós-abolição dos estados unidos e a vida da comunidade negra.

A série pode ser trabalhada nas salas de aula do ensino médio, professoras e professores podem por meio de fragmentos desta, exercitar o imaginário do discente para que ele interprete as cenas e os diálogos juntamente com os colegas. Nesse momento o docente possui função mediadora, orientando e observando o debate. Fazendo com que o alunado exercite seu senso crítico, e construa uma imagem do momento histórico abordado.

CONCLUSÃO

Com base nos pontos abordados ao longo deste artigo podemos concluir que a serie “A vida e a história de madam Cj Walker” aborda questões importantes sobre parte da história dos negros nos estados unidos, se tornando para os profissionais da área de

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ensino um novo material complementar de ensino para abordar temáticas como abolição, racismo, e o lugar da mulher negra.

A história de Sara nos traz um grande teor de emponderamento da mulher negra e de suas companheiras, a força da personagem e os seus ideias são notáveis a cada cena e seus significados ligados ao período histórico nos fornece um grande arcabouço para analise e debate. Dessa maneira a produção audiovisual pode ser utilizada nas salas de aula de ensino médio para trabalhar temas como abolição, racismo e sexismo durante os séculos XIX e XX, fornecendo a nosso alunado um novo imaginário do povo negro, além de promover a discursão de temáticas importantes, fortalece também o senso critico, a partir do momento em que interpretara os significados da produção audiovisual.

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Referências

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