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Laboratório de Composição e Improvisação a partir da rítmica de José Eduardo Gramani: um relato dos processos metodológicos

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Academic year: 2021

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MARCELO PEREIRA COELHO

Saxofonista, compositor, educador e pesquisador graduado em Música Popular pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Jazz Performance (University of Miami, EUA) e doutor em composição (Unicamp). Atualmente em processo de conclusão de pós-doutorado pela Universidade de São Paulo (USP). Realiza trabalho acadêmico relacionado a sistemas composicionais e improvisacionais a partir da polirritmia, especificamente aquela desenvolvida por José Eduardo Gramani. Com o contrabaixista irlândes Ronan Guilfoyle, fundou a IRSA (International Rhythmic Studies Association), dedicada à difusão de estudos e trabalhos referentes à prática e aplicação do elemento rítmico e polirrítmico no jazz e na improvisação idiomática. Como instrumentista e compositor, vem participando de festivais de jazz na América do Sul, Europa e os Estados Unidos - entre eles o MC4+ (Cd colágenas); MC & RD 4teto (Cd Paralelas), uma colaboração com Rodrigo Dominguez e The Un-X-Pected Brazilian Project (Cd Unite), uma colaboração com músicos da Suécia e da Finlândia. Já tocou com músicos como David Liebman, Hermeto Pascoal, Guinga, Phil Markowitz, Vincent Gardner, Ed Sarath, Perla Gene, Ronan Guilfoyle, Ron Miller, Gary Keller, Phil DeGreg, Cliff Korman, Sizão Machado e Oscar Giunta, entre outros.e-mail: muzikness@gmail.com

Laboratório de Composição e

Improvisação a partir da rítmica

de José Eduardo Gramani:

um relato dos processos

metodológicos

Compositional and Improvisational Laboratory based on the José Eduardo Gramani’s rhythmic approach: a report

of the methodological processes

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RESUMO

O texto apresenta alguns procedimentos metodológicos desenvolvidos a partir de experimentações e aplicações das estruturas polimétricas estudadas por José Eduardo Gramani, presentes nos volumes Rítmica e Rítmica Viva. A partir da adequação das estruturas rítmicas aos demais parâmetros musicais, como fraseologia, forma e complexos harmônicos, pretendeu-se desenvolver processos de composição e improvisação que contemplassem o conceito de dissociação rítmica apresentado por Gramani. O procedimento metodológico baseado na pesquisa participante e na observação participante demonstrou que os trabalhos desenvolvidos pelos sujeitos da pesquisa endossaram a proposta de Gramani de perceber, para além da métrica, a idéia musical intrínseca ao evento rítmico.

ABSTRACT

The paper presents some methodological procedures developed from experiments and applications of the polymetric structures developed by José Eduardo Gramani present in volumes Rítmica e Rítmica Viva. Based on the adequacy of rhythmic structures to other musical parameters such as phrasing, form and harmonic complex, it was developed processes of composition and improvisation that addressed the concept of dissociation rhythmic presented by Gramani. This concept, influenced by the work of Emile Jacques-Dalcroze, refers to the perception of the pulse through the enhancement of rhythmic awareness. The methodological procedure based on the participative research and the participative observation demonstrated the creative development by the practioners, endossing the musical idea into a rhythmic event.

PALAVRAS-CHAVE

José Eduardo Gramani, rítmica, composição, improvisação.

KEYWORDS

José Eduardo Gramani, rhythm, composition, improvisation.

1 LABORATÓRIO

O Laboratório de Composição e Improvisação a partir da rítmica de José Eduardo Gramani, presente nos volumes Rítmica e Rítmica Viva e desenvolvido como pesquisa de pós-doutorado, trata-se de uma extensão da pesquisa de doutorado realizada na Universidade Estadual de Campinas dentro da linha de pesquisa Processos Criativos. Apesar da estreita relação entre ambas as pesquisas, o laboratório se diferencia do projeto de doutorado por contar com a participação de vários músicos e estudantes de música como sujeitos - e que, na maioria dos casos, desconhecem o conceito de dissociação rítmica proposto por Gramani, influência direta do trabalho de Émile Jacques-Dalcroze. A conscientização do pulso em substituição à

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e apreciação do ritmo, que, quando aplicadas, de forma empírica e ou planejada, aos vários processos de criação musical, contribuem para a criação de diferentes situações musicais. Desta forma, foram realizadas, desde o início da pesquisa, uma série de atividades práticas visando a disseminação irrestrita das propostas metodológicas aplicadas em laboratório, com o intuito de incentivar o maior número de experimentações musicais abrangendo os pressupostos metodológicos, e conseqüentemente, a ampliação dos resultados.

1.2 Atividades em laboratório

De acordo com o plano de trabalho, o laboratório deveria contar com a participação dos integrantes da Orquestra Errante, grupo de pesquisa sobre improvisação e as suas relações interdisciplinares constituído por alunos da graduação e pós-graduação do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, coordenado pelo Prof. Dr. Rogério Costa, supervisor do projeto.

A Orquestra Errante consolidou uma prática que tem como objetivo estudar a improvisação em suas especificidades e em suas relações com  outras atividades musicais: improvisação e a composição; improvisação idiomática1 e improvisação livre; improvisação e educação;

improvisação e história da música; improvisação e criatividade; improvisação e processos cognitivos e outros. Devido a pluralidade investigativa da orquestra, ficou evidente que a proposta metodológica para o laboratório, muito orientada e calcada em atividades específicas para a absorção do conteúdo, não alcançaria o resultado desejado.

Devido à formação em música popular do autor e à familiaridade com a improvisação dita idiomática, foi decidido que os sujeitos da pesquisa deveriam pertencer a uma instituição onde a orientação educacional fosse voltada ao aprendizado da música popular - mais especificamente, ao jazz e à música brasileira. De acordo com esse perfil, a instituição escolhida para a pesquisa foi a Faculdade de Música Souza Lima - que disponibilizou para esta atividade um estúdio de ensaio equipado com piano, bateria, contrabaixo, guitarras, amplificadores, computador e sistema de projeção. Foi acordado junto à direção da faculdade que não haveria custos para os sujeitos da pesquisa, enquanto eles se comprometeriam a participar do laboratório até o fim de sua vigência. O laboratório teve carga horária de duas horas semanais e foi realizado de agosto de 2009 a dezembro de 2010. Os sujeitos da pesquisa foram dez discentes: dois bateristas, um percussionista, dois baixistas, três guitarristas, um pianista e um saxofonista.

De acordo com o cronograma, foi sugerido que o laboratório seria dividido em dois módulos, Laboratório I e II, compreendendo dois semestres - havendo a possibilidade de estendê-lo em mais dois módulos, Laboratório III e IV, dependendo da demanda e dos resultados da pesquisa. O Laboratório I compreenderia o período de análise, classificação, interpretação e aplicabilidade das estruturas denominadas Séries, subdividas em três categorias - que, por sua vez, também estão subdivididas em diferentes subcategorias. São elas:

1 ‘Improvisação idiomática é aquela que se dá dentro do contexto de um idioma musical, social e culturalmen-te delimitado histórica e geografica-mente, como por exemplo o jazz, ou a improvisação na música hindu’ (COS-TA, 2003, p. 36).

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Série básica

t

Oposta a uma unidade de tempo em ostinato;

t

Oposta a duas ou mais unidades de tempo em ostinato;

t

Oposta a uma célula rítmica em ostinato;

t

Oposta a duas ou mais células rítmicas em ostinato.

Série mista ou mesclada

t

Oposta a uma unidade de tempo em ostinato;

t

Oposta a duas ou mais unidades de tempo em ostinato;

t

Oposta a uma célula rítmica em ostinato;

t

Oposta a duas ou mais células rítmicas em ostinato.

Série com pausas

t

oposta a uma unidade de tempo polimétrica em ostinato;

t

oposta a um ostinato rítmico em compasso polimétrico.

O Laboratório II compreenderia o período de análise, classificação, interpretação e aplicabilidade das estruturas denominadas Derivações Rítmicas, subdividas em três categorias que, por sua vez, estão subdivididas em diferentes subcategorias. São elas:

Derivações rítmicas I (leituras):

t

oposta a uma unidade de tempo polimétrica em ostinato;

t

oposta a um ostinato rítmico em compasso polimétrico.

Derivações rítmicas II (leituras com pausas – rarefação):

t

oposta a uma unidade de tempo polimétrica em ostinato.

Derivações rítmicas III (células em ostinato):

t

oposta a células rítmicas polimétricas (serializadas) em ostinato.

O cronograma, como observado acima, previa cobrir todas as estruturas rítmicas denominadas Séries e Derivações Rítmicas. Porém, em função dos enormes desdobramentos musicais criados, não foi possível cumprir o conteúdo proposto - o que nos obrigou a resumir a investigação sobre o conteúdo do Laboratório I, mais especificamente da Série Básica e da Série Mista com as suas respectivas subcategorias. Neste texto iremos abordar somente a Série Básica.

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2 METODOLOGIA

Os pressupostos metodológicos aplicados forneceram subsídios para que os sujeitos da pesquisa compreendessem a obra de Gramani e a utilizassem musicalmente na criação de arranjos, composição e improvisação. A metodologia aplicada em laboratório seguiu três etapas:

Etapa 1: Compreendeu a apresentação da obra de Gramani e a reflexão sobre sua

metodologia e seu papel de educador, assim como a explicação sobre o processo de construção das suas estruturas rítmicas. A elucidação quanto ao processo de construção se fez necessária para que o sujeito da pesquisa pudesse compreender o pensamento estrutural adotado por Gramani na construção de seus exercícios polimétricos. Para isso, foram adotadas as classificações e nomenclaturas sugeridas na dissertação de mestrado O GESTO PENSANTE: A proposta de educação rítmica polimétrica de José Eduardo Gramani, por Indioney Rodrigues (2001). A compreensão quanto ao processo de construção destas estruturas permitiu aos sujeitos da pesquisa investigar, criar e desenvolver outras estruturas que foram, posteriormente, praticadas e aplicadas musicalmente.

Etapa 2: Após as análises e classificações, partiu-se para a prática e interpretação das

estruturas, momento em que os sujeitos da pesquisa foram estimulados a perceber uma idéia musical inerente à estrutura rítmica. Nesta etapa os participantes praticaram os exercícios sem os instrumentos, apoiados pelas palmas, pelas batidas dos pés e pela voz. Considero este o momento crucial do laboratório, uma vez que cada participante foi instruído a conceber uma forma diversa de aplicação musical das estruturas.

Etapa 3: Compreendeu a aplicação musical das estruturas polimétricas voltadas para o

arranjo, a composição e a improvisação. As estruturas foram aplicadas da seguinte forma:

t

Arranjo: Arranjo de temas do repertório do jazz e da música popular brasileira como

meio de verificação da aplicabilidade e adequação das estruturas rítmicas.

t

Composição: Criação de peças musicais em que a estrutura rítmica, aliada à harmonia, foi o ponto de partida para o processo criativo.

t

Improvisação: Experimentações com improvisações realizadas sem os instrumentos, apenas com corpo, sem preocupação com harmonia ou forma. Posteriormente, foram feitas experimentações com os instrumentos dentro de um contexto harmônico. As três etapas, detalhadas a seguir, compreendem o conteúdo apresentado aos sujeitos da pesquisa. Devemos observar que a etapa 3 irá relatar os procedimentos metodológicos adotados para o desenvolvimento de arranjos - os procedimentos adotados para improvisação e composição não cabem no presente texto.

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2.1 Etapa 1: Processos de construção das estruturas rítmicas denominadas Séries Rodrigues (2001, p. 92) define as Séries como estudos que exploram proporções rítmicas, “[...] obtidas através de adições progressivas, sempre restritas aos valores que compõem uma ‘célula rítmica geradora’.” O exemplo abaixo ilustra a célula rítmica geradora [2.1]2

(colcheia-semicolcheia) como princípio gerador que se desenvolve por meio de adições: [2.1]+[2.1.1]+[2 .1.1.1]+[2.1.1.1.1]+[2.1.1.1.1.1], etc..

2 [2.1]: Números separados por ponto(s) entre colchetes simples in-dicam os valores que compõem uma célula rítmica. No caso, se o valor unitário é representado pela semi-colcheia, [2.1] representa a célula rítmica formada por uma colcheia e uma semicolcheia.

Figura 1 – Célula rítmica geradora [2.1]

2.1.1 Séries Básicas

De acordo com Rodrigues (2001, p.93), as Séries Básicas “são normalmente formadas por três frases, cada uma delas contendo quatro células”. Vejamos o exemplo a seguir:

Na primeira frase, mantém-se o valor [2]3 e adicionam-se valores [1] de forma progressiva,

em cada célula rítmica:

1a frase : [2.1]+[2.1.1]+[2.1.1.1]+[2.1.1.1.1]

3 [2]: Um número inteiro entre col‐ chetes simples indica o valor de uma unidade de tempo. No caso, se o valor unitário é representado pela semicolcheia, [2] representa, proporcionalmente, a colcheia, enquanto [3] representa a col‐ cheia pontuada.

Figura 2 – Série Básica [2.1]: 1a. frase

Na segunda frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da primeira frase: 2a frase: [2.

2.1]+[2.2.1.1]+[2.2.1.1.1]+[2.2.1.1.1.1]

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Série Básica [2.1] – completa

[2.1]+[2.1.1]+[2.1.1.1]+[2.1.1.1.1] [2.2.1]+[2.2.1.1]+[2.2.1.1.1]+[2.2.1.1.1.1] [2.2.2.1]+[2.2.2.1.1]+[2.2.2.1.1.1]+[2.2.2.1.1.1.1]

Figura 4 – Série Básica [2.1]: 3a. frase

Na terceira frase, adiciona-se um valor [2] às células rítmicas da segunda frase: 3ª frase: [2.2 .2.1]+[2.2.2.1.1]+[2.2.2.1.1.1]+[2.2.2.1.1.1.1]

Em nenhum de seus dois volumes, Gramani menciona o princípio de proporcionalidade dos exercícios ou faz diferenciação na denominação das estruturas - apenas indica o nome da Série [x.y], além de apresentá-la sempre completa, sem classificação ou separação das frases. 2.2 Etapa 2: Prática e interpretação das estruturas rítmicas

Após a elucidação quanto ao processo de construção, partiu-se para a prática e interpretação das estruturas - momento em que os participantes da pesquisa foram estimulados a perceber uma idéia musical inerente à estrutura rítmica. Para isso, foi criado um texto-guia com o objetivo de apresentar aos sujeitos da pesquisa mesmo procedimento metodológico comum, além de analisar, classificar e denominar as estruturas, como descrito anteriormente. O texto a seguir é um excerto do guia:

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Como praticar a Série Básica

1 - O pulso que irá reger o andamento da série corresponde ao valor unitário [1], no caso, a semicolcheia.

2 – É essencial o uso do metrônomo ou outra forma de marcação do pulso para a correta execução da Série.

3 - A série deve ser ‘cantada’. Sugerimos o uso das sílabas TU para o valor [1], TA para o valor [2]. 4 – Acentuar as figuras de valor [2].

5 – As frases rítmicas devem ser memorizadas.

6 – Após a memorização da série, improvisar4 usando voz, palmas e corpo.

Série Básica [2.1] – 1ª. Frase

4 Os sujeitos da pesquisa cantam a série com o objetivo de memorizá--la. São iniciadas, em seguida, as im-provisações vocais que devem acon-tecer dentro da estrutura rítmica da série. As palmas também podem ser usadas como recurso timbrístico no discurso improvisado. O objetivo da improvisação é a conscientização do surgimento e desenvolvimento de uma outra ideia musical a partir da estrutura.

Figura 6– Excerto do texto guia: série básica [2.1] – 1a. frase

Série Básica [2.1] – 2ª. Frase

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Série Básica [2.1] – 3ª. Frase

Figura 8 – Excerto do texto guia: série básica [2.1] - 3a. frase

Série Básica [2.1] - Completa

Figura 9 – Excerto do texto guia: série básica [2.1] – completa

2.3 Etapa 3: Aplicação musical

Após a elucidação dos processos de construção das estruturas e das experimentações práticas para absorção do conteúdo, partiu-se para a aplicação musical das estruturas. Será apresentado, a seguir, o procedimento para o desenvolvimento de arranjos sobre o repertório de música popular. Nesta etapa, foram realizadas experimentações abrangendo ritmo harmônico, melodia, forma, substituição de frases, fragmentação de células e alteração de células da mesma frase.

2.3.1 Ritmo Harmônico

A Série Básica apresenta pontos de referência que permitem ao praticante se localizar durante sua execução. Estes pontos correspondem às células que compõem as estruturas das frases rítmicas e são acentuadas durante todo o desenvolvimento da frase. No exemplo a seguir, temos uma frase rítmica composta por quatro células separadas por uma barra:

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Figura 10 – Frase rítmica composta por quatro células

Se considerarmos cada célula rítmica como sendo um ‘compasso’, independentemente da sua métrica, será possível construir uma progressão harmônica onde o ritmo harmônico dos acordes estará subordinado ao tamanho das células. Se posicionarmos os acordes de uma progressão sobre as colcheias, teremos uma progressão com quatro acordes distantes entre si pelo comprimento da célula:

Série básica [2.1] – 1ª. frase

Cmaj7 Am7 Dm7 G7

Figura 11 – Progressão harmônica sobreposta a série básica [2.1] – 1a. frase

Seguindo o mesmo procedimento para as outras frases rítmicas, é possível montar a mesma progressão sobre a Série Básica [2.1] – 2ª. frase e 3ª. frase, posicionando os acordes sobre a primeira colcheia de cada célula:

Série básica [2.1] – 2ª. frase

Cmaj7 Am7 Dm7 G7

Figura 12 – Progressão harmônica sobreposta à série básica [2.1] – 2a. frase

Série básica [2.1] – 3ª. frase

Cmaj7 Am7 Dm7 G7

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2.3.2 Melodia

A adequação das melodias sobre as estruturas rítmicas está diretamente relacionada às alterações do ritmo harmônico, sendo as melodias também ajustadas de acordo com o tamanho das células rítmicas das frases. O exemplo a seguir é um excerto do arranjo feito para a composição “All the things you are”, um conhecido jazz standard, a partir da 1a frase da série

básica [2.1]:

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Antes da execução do arranjo, todos os integrantes foram induzidos a cantar a melodia e executar a série batendo palmas. Em seguida o grupo executou o arranjo com os instrumentos saxofone, piano, baixo, bateria/percussão e guitarras. Deve-se observar que foram mantidas as notas originais da melodia para que o desenvolvimento melódico da composição não ficasse descaracterizado.

Foram criados quatro arranjos para a mesma composição a partir da Série Básica [2.1] – 1a.

frase, 2a. frase, 3a. frase – e outro com todas as 3 frases. Até o momento, já foram arranjadas 11

composições: Garota de Ipanema, Autumn Leaves, The Days of Wine and Rose, Stella by Starlight, Very Early, Night and Day, Invitation, Bluesette, Summertime, All the Things You Are, Equinox.

2.3.3 Forma

A alteração na forma da composição também foi objeto de experimentação em laboratório. Usando a progressão harmônica da canção Garota de Ipanema, experimentou-se alterar a forma desta composição combinando as três fraexperimentou-ses da Série básica [2.1]. A forma da composição compreende quatro partes divididas em AABA. Decidimos alterar o número de partes dividindo a parte B em duas: Parte B (1ª. seção) e (2ª. seção). Assim, a forma da composição passou a ter cinco partes:

Parte A | Parte A | Parte B (1a. seção) | Parte B (2a. seção) | Parte A

Quando posicionamos as três frases rítmicas, uma para cada parte da forma, cria-se um deslocamento das frases dentro da forma. Para que todo o ciclo do deslocamento das frases possa retornar à posição inicial, são necessárias três repetições de toda a progressão. Logo, a forma da composição é executada diferentemente até que se complete todo o ciclo, iniciando o processo de novo.

- Part A: – frase 1: - Part A:: – frase 3: - Part A:: – frase 2 - Part A: : – frase 2: - Part A:: – frase 1: - Part A: : – frase 3

- Part B (1a.): – frase 3: - Part B (1a.): – frase 2: - Part B (1a.): – frase 1

- Part B (2a.): – frase 1: - Part B (2a.): – frase 3: - Part B (2a.): – frase 2

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2.3.4 Substituição das frases

Também é possível alterar a ordem das frases e a ordem das células de cada frase rítmica. Este procedimento altera diretamente o ritmo harmônico e a melodia, possibilitando um vasto número de alterações na forma. Utilizando a parte A da progressão de Garota de Ipanema, iremos demonstrar as seguintes alterações:

Parte A – Garota de Ipanema Série básica [2.1] – 1ª. frase Série básica [2.1] – 2ª. frase Série básica [2.1] – 3ª. frase

Figura 15 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1] – completa.

Outras combinações possíveis: Parte A – Garota de Ipanema

1ª. frase 2ª. frase 2ª. frase 3ª. frase 3ª. frase 3ª. frase 1ª. frase 3ª. frase 1ª. frase 2ª. frase 2ª. frase 3ª. frase 1ª. frase 2ª. frase 1ª. frase Fmaj7

G7 Gm7 Gb7(#11)

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2.3.5 Fragmentação das frases

As frases rítmicas das séries são compostas por quatro células geradas a partir da célula rítmica geradora. Esta experimentação compreendeu a fragmentação da frase de duas em duas células e de uma em uma célula, alternando as células da frase original por outras originárias de outras frases.

Fragmentando as frases – duas em duas células Parte A – Garota de Ipanema

Série básica [2.1] – 1ª. frase (célula 1 e 2) e 2ª. frase (célula 3 e 4) Série básica [2.1] – 3ª. frase (célula 1 e 2) e 1ª. frase (célula 3 e 4)

Figura 16 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1] – completa, fragmentada de duas em duas células.

Fragmentando as frases – 1 em 1 célula Parte A – Garota de Ipanema

Série básica [2.1] – 1ª. frase (cel.1), 2ª. frase (cel.2), 3ª. frase (cel.3), 1ª. frase (cel.4) Série básica [2.1] – 2ª. frase (cel.1), 3ª. frase (cel.2), 1ª. frase (cel.3), 2ª. frase (cel.4)

Figura 17 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1]

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2.3.6 Alteração das células da mesma frase

Não há um procedimento específico para a alternância das células de uma mesma frase. Contudo, sugere-se que as células alternem-se durante todo o desenvolvimento da progressão ou de forma combinada ao procedimento ”substituição de frases” descrito acima. Para o exemplo a seguir, iremos apresentar o segundo procedimento.

Alternando as células da mesma frase – de forma combinada ao procedimento ”substituição de frases”

Parte A – Garota de Ipanema

Série básica [2.1] – 1ª. frase (cel.3), (cel.2), (cel.4), (cel.1) Série básica [2.1] – 2ª. frase (cel.2), (cel.3), (cel.1), (cel.4) Série básica [2.1] – 3ª. frase (cel.1), (cel.4), (cel.2), (cel.3)

Figura 18 – Progressão harmônica da parte A da canção Garota de Ipanema sobre a série básica [2.1] – completa com as células dispostas de forma alternada.

3 OBSERVAÇÕES

A linha tênue entre a atividade de pesquisa pragmática e a atividade de pesquisa científica tradicional é o maior desafio deste trabalho. Desde o início do mesmo, o laboratório se caracterizou pela inserção do pesquisador no meio e no campo de pesquisa, proporcionando aos sujeitos da pesquisa o acesso ao conteúdo, até então desconhecido por eles. Os próprios sujeitos da pesquisa, enquanto aprendizes, contribuíram para a investigação através da produção de mais conteúdo (arranjos, composições), como consequência do processo de aprendizado. Esse procedimento de trabalho, caracterizado como pesquisa participante (TRIPP, 2005), está contextualizado em uma atividade investigativa que, embora pragmática, se diferencia da prática exclusiva - e embora seja também uma atividade de pesquisa, se

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distingue da pesquisa científica tradicional. Apesar da aparente tensão entre ambas as ações, o fio condutor para definição dos procedimentos de investigação sempre esteve atrelado aos objetivos primários da pesquisa: 1 - compreensão do conceito de dissociação rítmica, defendido por Gramani, através da aplicação musical das suas estruturas rítmicas (entenda-se “fazer música”); e 2 – contribuição para o surgimento de diferentes resultados sonoros em função da adequação das suas estruturas rítmicas aos demais elementos musicais, como as relações de altura, forma, ritmo harmônico e outros.

Através da observação participante e da técnica de investigação em que o observador não é apenas espectador do evento, mas também atuante direto dentro do grupo que está sendo observado, foi possível coletar informações referentes ao processo de assimilação do conteúdo e aos procedimentos de aplicação musical das estruturas rítmicas pelos participantes.

As observações anotadas em um diário de campo mencionam a dificuldade dos sujeitos da pesquisa em abandonar a idéia da métrica definida pelo compasso. Todos os participantes, inicialmente, procuraram referências métricas em fórmulas de compasso para resolver as questões estruturais dos estudos rítmicos de Gramani. O pesquisador interveio para que o confronto entre associação (condicionamento centrado na decodificação, associação e sincronicidade das combinações rítmicas como forma de resolução) x dissociação (independência da métrica e da subdivisão) fosse resolvido. Gramani entende ser preciso desarticular a frase rítmica de sua subordinação ao tempo, uma vez que ela ‘acontece sobre ele’ (GRAMANI, 1992, P.11). O contrário levaria ao comprometimento da expressividade rítmica pela má compreensão do discurso musical atida à verticalidade dos tempos do compasso.

Após a compreensão do conceito de dissociação e independência da métrica, os sujeitos da pesquisa cumpriram a etapa 2 naturalmente, ou seja, superando as dificuldades naturais devido à complexidade dos exercícios. Porém, foi possível observar que a compreensão intelectual quanto a construção dos exercícios apresentados na etapa 1 facilitaram a execução e a prática das etapas 2 e 3. O confronto desta informação deve-se a uma experiência realizada com um grupo de alunos que participaram do laboratório como ouvintes somente a partir da etapa 2. Quando incentivados a realizar os exercícios sem a prévia explicação sobre o processo de construção, os participantes ouvintes se apoiaram em fórmulas de compassos e associações para a resolução dos problemas, o que os levou a ter muita dificuldade em praticar os exercícios. A seguir, foram feitas alterações estruturais nos exercícios sem o conhecimento dos participantes. Observou-se que os sujeitos ativos da pesquisa resolveram os exercícios propostos de forma imediata, pois foram capazes de perceber as alterações estruturais realizadas. Os participantes ouvintes, por sua vez, tiveram que criar outras fórmulas de compassos e associações para resolver o exercício proposto, não tendo feito nenhuma relação com a estrutura original alterada.

A etapa 3 inicia-se com uma sugestão de arranjo por parte do pesquisador, demonstrando o seu próprio processo. No primeiro momento os sujeitos seguiram o procedimento adotado

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próprios arranjos, surgiram novas relações para o ritmo harmônico e para a forma, que ainda não haviam sido exploradas. Todos os arranjos foram analisados, discutidos e executados para que todo o conteúdo pudesse ser compartilhado entre o grupo, contribuindo para expandir o material produzido em laboratório. Ficou evidente que os procedimentos de criação adotados pelos sujeitos da pesquisa respeitaram o conceito de dissociação rítmica. Esta informação se confirmou ao se observarem as formas de resolução de alguns problemas musicais surgidos na adequação dos arranjos ao gênero musical escolhido (jazz, música brasileira, latin, fusion).

4 CONCLUSÃO

Os estudos rítmicos de Gramani não se encontram em ordem de dificuldade crescente e não estabelecem um plano linear de desenvolvimento. Gramani apenas sugere, convida, questiona, ao invés de afirmar ou definir. Ele espera que o estudante vasculhe e interfira, tire suas próprias conclusões e faça nascer novos caminhos a partir não apenas da leitura, mas da prática de sua obra. Apesar do caráter investigativo de seu trabalho, fica evidente a necessidade de complementação prática aos seus estudos, visando orientar o praticante quanto à aplicabilidade musical das estruturas polirrítmicas. A esse respeito, Gramani comenta:

Penso que os dois trabalhos (os volumes Rítmica e Rítmica Viva) se complementam, porém sinto que pode haver um trabalho em nível intermediário, que conduza o aluno da idéia métrica da apostila para o enfoque mais “musical” do livro. (PAZ, 2000, p.147).

O laboratório de composição e improvisação a partir da rítmica de Gramani buscou estabelecer, na prática, o conceito de música como um pensamento maquínico (COSTA, p. 22) em que os elementos musicais - no caso, as estruturas rítmicas polimétricas aliadas às relações de alturas e complexos harmônicos - foram agrupados para fazerem surgir, a partir deste aglomerado, uma ‘máquina de som’, um resultado sonoro5. A elaboração da ‘máquina de som’

que estamos propondo implica em um processo de criação constante, receptivo aos diferentes processos composicionais e improvisacionais que emergiram a partir destas experimentações. Contudo, de acordo com Costa (2003, p. 114) ‘o agenciamento da composição é diferente do agenciamento da improvisação. (...) Eles estabelecem relações diferentes com a linha do tempo’. O processo de composição se apresenta segregado se comparado ao processo de improvisação: no processo composicional, a produção - momento em que as obras são compostas - e a execução da obra pelos intérpretes ocorrem em momentos distintos, ao contrário da improvisação em que os dois momentos ocorrem instantaneamente. As questões relativas ao tempo e ao pulso assumem diferentes relações para cada processo. Para a composição, o tempo e o pulso são passíveis de serem pensados, analisados, elaborados e atualizados pelo compositor durante a criação da obra. Durante a execução da composição, separada do processo de criação, também é possível a análise e observação prévia do tempo e do pulso por parte do intérprete. Para a improvisação, o tempo e o pulso são percebidos pelos 5 De acordo com Costa, ‘A música,

en-quanto potência de acontecimento, é uma máquina. Já os sistemas mu-sicais que se configuram histórica e geograficamente são mecanismos, estruturas em que as peças adquirem funções específicas’. Os mecanismos aos quais se refere Costa compreen-dem a estruturação e sistematização da teórica musical e estão a serviço da criação, da ‘maquinização’ musi-cal, da ‘constituição de novas “enge-nhocas” (que posteriormente podem até se constituir em novos mecanis-mos...)’. (COSTA, 2003, p. 23)

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intérpretes no momento da execução, atuando como agentes estimuladores e exigindo dos músicos “um estado de prontidão auditivo, visual, tátil e sensorial diferente daquele exigido para a prática da interpretação ou da composição.” (COSTA, 2003, p. 35). Trata-se de produção/ execução de uma obra pelos compositores/intérpretes em tempo real.

Em relação aos processos composicionais (arranjo/composição) realizados em laboratório, observou-se que a linha tênue entre o estruturado e o empírico, presente durante o processo de criação, se revelou como a grande força de movimentação para o surgimento de novas propostas sonoras. A estruturação rígida, como procedimento de criação, não é uma ferramenta obrigatória na atividade composicional - no entanto, sua utilização conduz à consciência plena dos recursos pré-composicionais, além de um maior detalhamento das etapas do processo composicional. Assim, foi possível estabelecer cada processo como uma proposta singular de aplicação das estruturas polirrítmicas voltada à criação musical que abrange diferentes estilos e instrumentações.

REFERÊNCIAS

COELHO, Marcelo Pereira. Suíte I Juca Pirama: criação de um sistema composicional a partir da

adequação da polirritmia de José Eduardo Gramani ao jazz modal de Ron Miller, 2008. 343f. Tese

(Doutorado em Música) – Departamento de Música, Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

COSTA, Rogério Luiz Moraes. O músico enquanto meio e os territórios da livre improvisação. 2003. 233f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontífica Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

CUNHA, Glória Pereira da. Rítmica. São Caetano do Sul: FASCS, 1977.

GRAMANI, J. Eduardo. Rítmica. Campinas: Minaz, 1988, 120 p. Edição bilíngüe. _________. Rítmica. 2ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1992.

_________. Rítmica Viva. Campinas: Editora da UNICAMP, 1996.

PAZ, Ermelinda A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX: Metodologias e Tendências. Brasília; Musimed, 2000.

RODRIGUES, Indioney Carneiro. O gesto pensante: A proposta de educação rítmica polimétrica de José Eduardo Gramani. 2001. 366f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Departamento de Música, Es-cola de Comunicação e Artes da Universidade Estadual de São Paulo, São Paulo.

TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.3, Dec. 2005. Disponível em:

Referências

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